Revista ODARA

Page 1

Ediรง

ODARA

o Zer รฃo

Agosto w 2017 w 1


Sumรกrio

42


10 26 52 58 64 Agosto w 2017 w 3


A cara da Revista


Ilustração: Muha Bazila

Expediente

Editora Geral: Clarissa Castro Texto: Carlos Paranhos Clarissa Castro Cleo Souza Francielle de Souza Gabriela Campos Igor Mattos Samara Araújo Diagramação: Clarissa Castro Fotografia: Anna Chaves Clarissa Castro Joyce Fonseca Luiz Ferreira Ilustração: João Pinheiro Muha Bazila

Esta Revista é um produto Jornalístico produzido por Clarissa Castro para a disciplina de Projetos Experimentais II. O trabalho de conclusão do curso de Jornalismo foi orientado por Talita Aquino, apresentado em Agosto de 2017 na Universidade Federal de Ouro Preto. Agosto w 2017 w 5


Foto: Clarissa Clarissa Castro Castro Foto: Modelo: Cleo Cleo Souza Souza Modelo:


Editorial A Revista ODARA nasceu da busca por representatividade nas Revistas existentes no Brasil e principalmente da vontade de conseguir encontrar, estampado nas páginas, os meus semelhantes, pessoas que se parecem com as quais eu cruzo na rua ou vejo dentre meus entes queridos. Pretendo com esse produto usar os recursos visuais para mostrar a beleza da diversidade que existe dentro da população negra que, mesmo sendo a maioria no Brasil, continua sendo constantemente, marginalizada. É um produto que pretende também atingir a todos os públicos e esclarecer dúvidas acerca da população negra, trazendo pautas que abordam suas lutas, vivências e história. ODARA vem para ser voz, luta, resistência, pluralidade. Na Edição Zero você encontrará temas como, feminismo negro, apartheid contemporâneo e vai conehcer um pouco mais sobre a Carolina Maria de Jesus. Nós falaremos também sobre a repercussão da série Dear Withe People (Cara gente branca) da Netflix e entender um pouco sobre a importância da representação nas telas. Agradeço a todos os envolvidos por fazer com que este sonho fosse realidade. Desejo a vocês uma otima leitura. u

Clarissa Castro Castro Clarissa

Editorial w Agosto w 2017 w 7


Manifesto


Foto: Clarissa Clarissa Castro Castro Foto: Modelo: Isabelle Isabelle Carvalho Carvalho Modelo:

Maniifesto w Agosto w 2017 w 9


Cotidiano

Foto: Clarissa Clarissa Castro Castro Foto: Modelo: Modelo: Raíssa Raíssa Hungria4 Hungria4

Apartheid Contemporâneo

O apartheid foi um regime segregacionista que durou de 1948 a 1994 na África do Sul. Dentre as políticas desse regime estavam a proibição de casamento interracial, os negros não tinham direito a voto. Banheiros, bancos, cidades eram separadas entre população branca, que era minoria e entre uma maioria negra que era excluída e vivia com direitos mínimos.

Apartheid Contemporâneo ‘‘A carne mais barata do mercado é a carne negra", frase composta por Seu Jorge e ecoada com ardor na voz de Elza Soares, reflete as dificuldades históricas da população negra contra as diversas formas de racismo e nas tentativas de garantia de direitos básicos. Mesmo com avanços nas lutas contra a segregação racial, ainda há muita demarcação do preconceito contra negros no país, em instituições ou lugares sociais, tornando uma falácia a suposta ideia da existência de democracia racial.


Cleo Souza A abolição da escravidão, no século XIX, por exemplo, trouxe não apenas significados positivos, mas também novas formas de desigualdades que marginalizaram a população negra. Atualmente, os dados e notícias mostram que as diferenciações raciais no país ainda existem. Mesmo com crescimento do acesso à educação e ensino superior, nos últimos anos, propiciado também pelo incremento dos sistemas de cotas sociais e raciais, por exemplo, os índices mostram que o espaço acadêmico ainda é majoritariamente ocupado por brancos. Em 2015, por exemplo, apenas 12,8% dos negros entre 18 e 24 anos chegaram ao ensino superior. Isso se deve, principalmente, à falta de uma educação básica igualitária. Em relação a postos de trabalho, o número de desemprego no Brasil ainda é maior entre negros e pardos. A taxa de desemprego de negros é de 14,4 %, enquanto entre brancos, de 9,5%. Além disso, postos de maior remuneração ainda continuam sendo ocupadas por pessoas brancas, sendo reflexo da falta de acesso ao ensino e profissionalização básica entre negros. Segundo o Ministério da Justiça, mais de 60% da população carcerária é formada por negros, com crimes relacionados principalmente ao tráfico de drogas. Em relação à saúde, os índices apontam mais desigualdade sociorracial: 15% das mortes maternas ocorrem em decorrência de abortos, tendo em grande parte como vítimas

mulheres negras e pobres. É impossível não notar que a segregação racial ainda está presente entre nós (e sobre nós). Basta olhar, por exemplo, ao redor, em nosso cotidiano: Quantos professores negros você tem? Em contraposição a isso, quantos funcionários em postos de menor remuneração você pode ver em seu espaço escolar ou acadêmico? Quantos alunos negros você vê na universidade ? O problema do racismo no Brasil não é apenas um problema de cor, mas um problema histórico, e de classe. Ainda falta a implementação de diversas políticas públicas que funcionem de forma eficaz e promovam a equidade racial. Diferentemente do que se coloca, nosso racismo não é velado. O racismo à brasileira está de frente para todos, para quem quiser ver ou notar. Deixo aqui, reticências no lugar de considerações finais, fazendo assim um chamado para a percepção das diversas formas de segregação atual, da necessidade de reflexão diária e da abertura para ação combativa ao racismo. Continuemos... u

Cotiadiano w Agosto w 2017 w 11


Manifesto

Modelos: JĂşlio JĂşlio Alves Alves Modelos: Ulisses de de Oliveira Oliveira Ulisses


Fotos: Clarissa Clarissa Castro Castro Fotos: Modelos: Modelos: Becky Becky Knowles Knowles Daniel Daniel Pereira Pereira

Maniifesto w Agosto w 2017 w 13


Manifesto

Fotos: Luiz Luiz Ferreira Ferreira Fotos: Modelo: Lorena Lorena Monique Monique Modelo:


Modelo: Modelo: Loo Loo Nascimento Nascimento

Maniifesto w Agosto w 2017 w 15


Manifesto

Modelo: Aisha Aisha Mbikila Mbikila Modelo:


Fotos: Luiz Luiz Ferreira Ferreira Fotos: Modelo: Kamilla Kamilla Dias Dias Modelo:

Maniifesto w Agosto w 2017 w 17


Entenda Cleo Souza

Apropriação cultural: novas abordagens para novas ações efetivas

Nos últimos tempos, propiciado principalmente pelo boom das redes sociais, muito tem se falado sobre pautas raciais e utilização de termos como ‘‘apropriação cultural”, que seria o uso ou como o proprio nome sugere a apropriação de uma maioria historicamente opressora, sobre a cultura de uma minoria oprimida. E o questionamento é, como levar à frente essa discussão? Um dos grandes problemas que recaem sobre a população negra brasileira, está relacionado ao preconceito direcionado a símbolos étnicos, religiões de matrizes africanas, e outros aspectos culturais, como música, literatura, estética, produções artísticas e afins. Mesmo com o assunto em pauta, ainda há um grande caminho a ser percorrido para que esses elementos aqui citados se tornem socialmente aceitos. Os movimentos sociais negros brasileiros reivindicam há décadas que essa produção cultural seja respeitada e garantida enquanto direito. Isto pode ser visto, por exemplo, na luta pela tolerância religiosa e também pela utilização de seus símbolos, como turbantes, vestimentas étnicas e adereços simbólicos, sem que estes sejam vistos de forma pejorativa. Ao longo da história do

país alguns desses itens já foram até criminalizados, como a capoeira, por exemplo. A atual questão, geralmente colocada como foco do problema é: ‘‘ Porque muitos desses elementos são renegados quando ligando-se ao negro, porém são bem aceitos quando usados por brancos? ’’ O fato é que há confusões em torno da noção de ‘‘apropriação cultural’’ e como ela tem sido normalmente utilizada. Ao meu ver, os problemas em relação aos símbolos étnicos devem ser analisados em relação à questão do racismo social e institucional e como este acaba recaindo sobre elementos de cultura afro-brasileira. É certo que existem culturas hegemônicas sobre outras, porém deve-se tomar cuidado: o termo cultura é muito amplo e misto, não sendo algo restrito, por isso a noção de ‘’apropriação cultural’’ é problemática, além de não dar conta dessa totalidade, camuflando muita das vezes o real problema do racismo. Por isso, proponho, ao invés desse termo, o uso da noção ‘’racismo cultural’’. E por que isso? Porque muitas vezes é preciso que tracemos melhor


Foto: Luiz Luiz Ferreira Ferreira Foto: Modelo: Lorena Lorena Monique Monique Modelo:

Entenda w Agosto w 2017 w 19


Entenda

Foto: Clarissa Clarissa Castro Castro Foto: Modelo: Modelo: Agliene Agliene MelquĂ­ades MelquĂ­ades


nossas lutas para que ações sejam realmente efetivadas, da melhor forma. Existem formas de racismo e preconceito, enraizadas e reiteradas historicamente em vários âmbitos, que faz com que essa produção cultural e o próprio negro ainda sejam mal vistos. Por isso, esse problema deve ir além da questão individualizada, abrindo espaço para a análise social do racismo de uma forma mais ampla. Isso tem mais a ver com análise racial e social de conjuntura, e as formas como o capital superficialmente se apropria e reelabora essas pautas em produtos; do que com o indivíduo que faz uso desses elementos no seu cotidiano. A questão é: ‘‘o que fazer para que a cultura negra tenha realmente seu espaço, e seja social e legalmente aceita, nos tempos atuais?’’ Talvez na prática, pareça ser tarefa difícil. Mas com certeza, uma boa forma parece ser abrindo os espaços de debate sobre e por meio do exercício inicial reflexivo, indo além da questão do indivíduo. O certo é que a pauta pela luta da democratização da cultura ainda é um caminho longo. Caminho este, porém, que já perpassa avanços. u

Entenda w Agosto w 2017 w 21


Entenda

Feminismo Negro Aqueles homens ali dizem que as mulheres precisam de ajuda para subir em carruagens, e devem ser carregadas para atravessar valas, e que merecem o melhor lugar onde quer que estejam. Ninguém jamais me ajudou a subir em carruagens ou a saltar sobre poças de lama, e nunca me ofereceram melhor lugar algum. E eu não sou uma mulher? Sojourner Truth, trecho do discurso na Convenção de Mulheres em Ohio (1851)

Francielle de Souza “Enquanto mulheres convencionais lutam contra o machismo/ as negras duelam para vencer o machismo, o preconceito, o racismo”; canta Yzalú na canção Mulheres Negras. Distante 160 anos do discurso de Sojourner, as palavras de Yzalú soam ainda muito próximas à pergunta “E eu não sou uma mulher?”, revelando o status quo que mantém uma supremacia racial, com privilégios para mulheres brancas em detrimento das negras. Por si só, o fato de em 2017 ainda ser necessário reivindicar equidade entre as mulheres, independente da raça, mostra o quão importante é conhecer o feminismo negro e compreender o que levou à sua formação. Tendo se popularizado nos Estados Unidos em 1960, o feminismo negro nasceu de uma cisão muito dolorosa com o movimento feminista. À medida em que as ativistas negras se inteiravam nas pautas do movimento percebiam que as opressões enfrentadas pelas mulheres brancas eram - e são - diferentes do que oprime as mulheres negras. A partir daí, surgiu uma constatação: a luta tinha o gênero como um eixo comum. Entretanto, as negras eram atingidas em duas vias: pelo

machismo e também pelo racismo. E parafraseando a intelectual Bell Hooks, a batalha nessas duas linhas de frente são inseparáveis. Daí a necessidade de articular um movimento que desse conta de problematizar a vivência dessas mulheres por uma ótica dupla, a partir das questões de raça e de gênero. Já no Brasil, o movimento surgiu no final dos anos 70. Sueli Carneiro, filósofa, ativista e fundadora do Geledés Instituto da Mulher Negra, ressalta que “a violação colonial perpetrada pelos senhores brancos contra as mulheres negras e indígenas e a miscigenação daí resultante está na origem de todas as construções de nossa identidade nacional”. Sueli recorre à história do país para identificar os lastros da escravidão presentes nas opressões que atingem as mulheres negras ainda hoje e ilustra como o racismo e o machismo estão estruturados na sociedade brasileira há muito tempo. Não é à toa que as negras, segundo dados do Censo de 2010 e do Mapa da Violência 2015, ocupam posições muito fragilizadas no Brasil, sendo a maioria nos números das que trabalham como empregadas


Ilustração: Muha Bazila

domésticas, das menos escolarizadas e das vítimas de estupro e assassinato. Há ainda o feminismo interseccional, que agrega ao movimento negro a luta contra outras opressões, tais como por classe social e orientação sexual, por exemplo. É válido lembrar que, no Brasil, as questões de classe social estão intimamente ligadas com a raça. A pesquisadora Djamila Ribeiro justifica a necessidade do feminismo interseccional lembrando que “a perspectiva de que todas as mulheres sofrem igualmente é desumana, porque essa universalização da categoria mulheres foi feita tendo como base uma mulher branca, heterossexual e de classe média”. Seja no feminismo negro ou no interseccional, a premissa maior é dar visibilidade aos oprimidos e lutar por uma sociedade mais justa, sempre apoiando-se na História, para que não se esqueça e se repita as injustiças anteriormente cometidas. Enquanto essa sociedade não chega, as palavras da poeta Audre Lorde servem como inspiração para prosseguir lutando pela visibilidade das mulheres negras: “Há muitas maneiras de ser vulnerável e não posso evitá-las. Não vou me tornar ainda mais vulnerável colocando o silêncio como uma arma nas mãos dos meus inimigos.”. u

Entenda Entenda w Agosto w 2017 w 23


Manifesto

Modelo: Modelo: Isabela Isabela Profeta Profeta


Fotos: Clarissa Clarissa Castro Castro Fotos: Modelo: Modelo: Sabrina Sabrina Martins Martins

Maniifesto w Agosto w 2017 w 25


Entenda

Colorismo

Colorismo/ Branco demais para ser negro, negro demais para ser branco

Samara Araújo O Colorismo é a hierarquização dos tons de pele por meio da pigmentocracia. O que isso quer dizer? Que o tom de pele seja ela mais clara ou mais escura influenciará nas vivências do sujeito e na forma que será tratado pela sociedade. Quanto mais escura, mais racismo, exclusão e discriminação sofrerá. Essa hierarquia dos fenótipos rotula e consequentemente impede o acesso de alguns direitos constitucionalmente reservados a todos e todas. O mito da democracia racial e a ideologia do branqueamento, fazem parte de uma tentativa de eugenização da sociedade e criação de uma identidade nacional que começou após o período de abolição. O ideal eugenista contava com apoio do governo, da elite branca e intelectuais que compactuavam com o plano de embranquecimento nacional e extinção da herança africana decorrente da escravidão. A partir de decretos de leis, o governo

brasileiro facilitou e financiou a entrada de trabalhadores do campo europeus e impediu a entrada de orientais e negros. No decreto publicado em 18 de setembro de 1945 a lei de nº 7.967, é possível identificar as condições atribuídas a entrada de estrangeiros no país: “Atender-se-á, na admissão dos imigrantes, à necessidade de preservar e desenvolver, na composição étnica da população, as características mais convenientes da sua ascendência européia, assim como a defesa do trabalhador nacional”. A tentativa anterior da construção de uma identidade nacional, deixa de herança a dificuldade da aceitação brasileira à identidade negra. A tentativa de branqueamento, mesmo falha em condições genéticas, impregnou no psicológico social do brasileiro seus ideais. O padrão cultural e estético desejado era o europeu, logo, demais grupos que não se enquadravam


Modelo: Modelo: Matheus Matheus Gramigna Gramigna

Modelo: Modelo: Cibele Cibele T Thais hais

Entenda w Agosto w 2017 w 27


Entenda

Modelo: Modelo: Matheus Matheus Lucas Lucas

na estética física e cultural tiveram seu processo de reconhecimento de identidade negado. Em reflexo disso a população não branca foi criando e se adequando em algumas expressões pertencentes a essa fuga indentitária do mestiço, como por exemplo: cor de burro quando foge, amorenada, mulato, cafuzo, escurinha, cor de jambo e outros. Esses negros de pele clara são socialmente mais aceitos pelo fato de se aproximarem à estética branca desejada e é aí que age o colorismo. Segundo dados do Instituto brasileiro de geografia e estatística (IBGE) em sua última pesquisa nacional, 47,8% da população do país se autodeclaram da cor ou raça branca. Em segunda colocação os pardos com 43,1% dos habitantes e em terceiro os pretos com aproximadamente 8,2% dos habitantes. A cor amarela somam 0,6% e os indígenas 0,4%. Para o instituto a população negra é formada pelos que se reconhecem pretos e pardos. Ou seja, podemos afirmar que o Brasil é um país miscigenado de predominância negra. Diante desses processos históricos de tentativa de apagamento identitário da população negra, colhemos sérias consequências sociais que vão além do não pertencimento do indivíduo à raça. Um grupo que não se reconhece negro, não reivindica seus direitos por não entender pertencer ao coletivo o que não o deixa imune de sofrer seus impactos. A fragmentação da identidade negra impede que ela funcione como fomento na luta por melhorias no campo político e reinvindicações da sonhada igualdade racial. u


Modelo: Modelo: JĂşlia JĂşlia Rocha Rocha

Modelo: Modelo: Maria Maria Aparecida Aparecida Ferreira Ferreira Fotos: Clarissa Clarissa Castro Castro Fotos: Entenda w Agosto w 2017 w 29


Entenda

Modelo: Modelo: Henrique Henrique Santos Santos

Modelo: Modelo: Nathรกlia Nathรกlia Noemi Noemi


Modelo: Modelo: André André Nascimento Nascimento

Modelo: Modelo: Agliene Agliene Melquíades Melquíades Fotos: Clarissa Clarissa Castro Castro Fotos: Entenda w Agosto w 2017 w 31


Fotos: Clarissa Clarissa Castro Castro Fotos:

Entenda

Modelo: Modelo: Gustavo Gustavo Camillo Camillo

Modelos: Modelos: Igor Igor Mattos Mattos ee Carlos Carlos Paranhos Paranhos


Modelo: Modelo: DesidĂŠrio DesidĂŠrio Garcia Garcia

Entenda w Agosto w 2017 w 33


Raízes

Foto: Joyce Joyce Fonseca Fonseca Foto:

Religiões de Matriz Africana e discriminação Macumbeiros! Deus não gosta disso! Exu ? Isso é coisa do demônio! Sai daí, não mistura com essa gente! Vai tudo é para o inferno!Isso é coisa de preto! Mentirada!

Samara Araújo


Esses dizeres não são incomuns em nossas vivências. Tais expressões refletem a triste realidade de como construções preconceituosas e estereotipadas das religiões de matriz africana atravessam gerações e influenciam no imaginário social. Você sabe algo sobre essas religiões? Você já foi a um terreiro? Sabe o que é um Orixá? é previsível que a resposta seja não. Nossas raízes ancestrais passaram por constante tentativa de apagamento. Sigamos. Nossos passos vem de longe... Pois bem. Se o Brasil é o país do “paraíso racial” consumado através do processo de miscigenação, onde todas as raças possuem os mesmos direitos através do chamado mito da democracia racial, o que explicaria o Candomblé e a Umbanda serem os principais alvos de crimes de intolerância religiosa por aqui? Tamanha rejeição aponta para a ausência de apropriação e pertencimento a uma identidade racial que é negra e de origem Africana. A riqueza cultural afro-brasileira sofreu sérias tentativas de apagamento durante a implantação da teoria eugenista que visava por meio da mistura de raças o embranquecimento do país a longo prazo. A tentativa anterior da construção de uma identidade nacional, deixa de herança a dificuldade da aceitação brasileira à identidade negra. As religiões de matriz africana estão presente desde o período escravocrata onde os negros escravizados encontravam na religiosidade uma maneira de preservar seus valores, linguagem, tradições e outros trazidos da África. Vale ressaltar que o candomblé e a umbanda não são as únicas religiões de matrizes africanas praticadas no Brasil, mas sim as mais reconhecidas e de maiores adeptos.

São inúmeros pontos que as diferenciam como: práticas, rituais, diferentes sincretismos e até a crença aos Orixás entre outros. Não me conheço, não me vejo, não respeito.. Falar de intolerância religiosa e discurso de ódio é percorrer um caminho em uma temporalidade que reflete no nosso presente mas vem de uma herança de raízes seculares. A discriminação racial, religiosa e de cor se dá por uma espécie de camuflagem nas interações mas ao mesmo tempo se escancara onde a prática neopetencostal é aceita em locais e emissoras públicas com tolerância, enquanto os cultos de herança africana, não. O Brasil teve 697 denúncias de intolerância religiosa entre 2011 e 2015, segundo dados da Secretaria Especial de Direitos Humanos publicado nesse ano de 2017. Os meios de comunicação e principalmente as representações televisivas influenciam na maneira em que nos reconhecemos e também vemos o outro. Representações carregadas de estereótipos, misticismos e negatividade tendem a reforçar o preconceito a essas religiões. Uma das medidas de combate a essa discriminação viria da implantação da lei 10.639 que exige o ensino da história e culturas africanas e afro-brasileiras nas escolas. Contudo, a lei enfrenta resistência e perseguições de neopentecostais e racistas. Também se faz necessário que o Ministério Público denuncie programas de televisão e de rádio que incentivem o ódio e discriminação a religiões. A secretaria de políticas de promoção da igualdade racial (SEPPIR) que no governo Temer foi vinculada ao Ministério da justiça e o Ministério da ciência, tecnologia, inovações e comunicações afirmaram que não há previsão da elaboração de um plano de combate à intolerância religiosa, em pesquisa divulgada no portal Geledés (Instituto da mulher negra). u

Raízes w Agosto w 2017 w 35


RaĂ­zes

Foto: Joyce Joyce Fonseca Fonseca Foto:


RaĂ­zes w Agosto w 2017 w 37


Pela tela

O compartilhamento do racismo Carlos Paranhos

Se Dandara Palmares tivesse Facebook lá na época que lutava com armas, mais especificamente no fim do século XVII, a fim de libertar os negros dos Senhoril, com certeza sofreria ataques racistas, machistas e misóginos via Internet. Imagine se a guerreira, esposa de Zumbi, postasse uma foto pós conquista junto a tantas outras mulheres revolucionárias com a seguinte legenda: “Revolução com as minas”. Seria questão de minutos para que comentários pejorativos aparecessem, a reação Grr, com o emoji raivoso, seria uma das mais clicadas. Esse exemplo é irreal, se pararmos para pensar na esfera espaço-tempo, mas o racismo cometido nas redes sociais não; ele está mais presente do que imaginamos. A Internet - infelizmente - vem servindo como um local no qual racista estão usando para atacar aqueles que consideram estar “fora dos padrões aceitos”, proliferando, em sua maioria anonimamente, discursos de ódio que são compartilhados e curtidos por milhares que possuem a mesma ideologia errônea. Para se ter uma ideia, somente no ano de 2016, mais de 50 mil denúncias foram feitas envolvendo racismo virtual no Brasil, esses dados foram divulgados pela SaferNet, instituição sem fins lucrativos que recebe queixas de violações de direitos na Internet. Um dos fatores que colabora

na ação desenfreada dos criminosos seria a impunidade e a falta de contato físico que as redes oferecem. A web é bastante conhecida por ser “terra de ninguém”, lugar onde há livre expressão sem grandes punimentos. Daniel Allan Burg, advogado criminalista, reconhece haver uma maior dificuldade para identificar a autoria das ofensas cometidas. “É fundamental que a empresa em questão, seja um site, blog, ou rede social, apresente os dados cadastrais fornecidos no momento da criação da conta e o respectivo internet protocol - IP.” Daniel continua a explicação elucidando que “logo após cabe ao advogado da vítima, com base nas informações que possui, verificar quais empresas da rede mundial de computadores poderão cooperar para esclarecimento de determinado crime e pedir para que as provas sejam produzidas no curso das investigações”. Outro elemento que dificulta o andamento dos processos seria a lentidão judiciária. É necessário comprovar se a conduta efetivamente configura crime. Se o caso for positivo, só então a investigação será conduzida para apuração da prática delitiva. Daniel ainda explana que há medidas que a vítima pode tomar sem necessariamente buscar orientação profissional. “Ela [a vítima] pode solicitar a remoção do


Pela Tela w Agosto w 2017 w 39


Pela tela


conteúdo ao provedor de serviço ou à rede social, por exemplo.” Fica a cargo do algoz denunciar ou não. Apesar dos contrapontos, a justiça vem trabalhando em formas para reverter esse quadro. Em junho de 2016, foi aprovado pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 80 que prevê pena de prisão para quem cometer algum tipo de discriminação pela Internet, seja ela por discriminação racial, intolerância religiosa ou xenofobia. A condenação pode variar de dois a cinco anos, além de multa. Uma simples foto na saída da balada com uma amiga foi o suficiente para que Cristal Lopez, 35, atriz, militante da causa negra e LGBT belo-horizontina, fosse atacada. Os comentários seguiram em tom de raiva e ameaças: “Se eu encontrar vocês, vou dar facada de cima até embaixo.” “Macaca!” são alguns exemplos. Na época, Cristal, que concorria pelo cargo de vereadora em BH, levou o caso até a justiça, na Delegacia de Crimes Cibernéticos. Apesar da denúncia, a queixa continua sem solução, pois o tal perfil que deslanchou as frases era fake. Mais tarde a atriz revelou estar com mania de perseguição e um extremo temor: “Além de sofrer com o preconceito, fiquei morrendo de medo de que algo me acontecesse.” Engana-se quem pensa que atos de racismo online acontecem apenas com pessoas desconhecidas do grande público. Atrizes e cantoras reconhecidas nacionalmente também sentiram o amargo sabor do preconceito destilado por infratores virtuais. Em 2015, a atriz global, Taís Araújo, 38, atualizou a sua foto de perfil na rede social Facebook ostentando um cabelo black power. Minutos após a postagem, era possível visualizar respostas depreciativas, como “me empresta seu cabelo para eu lavar a louça?” ou “entrou na Globo por

cotas”. Como resposta, Thaís, na mesma rede, postou um texto acusando as atitudes: “Não vou apagar nenhum desses comentários. Faço questão que todos sintam o mesmo que senti: a vergonha de ainda ter gente covarde e pequena nesse país, além do sentimento de pena dessa gente tão pobre de espírito.” Outros casos semelhantes ocorreram com a jornalista Maju Coutinho e com as cantoras Ludmilla e Preta Gil - todas levaram as impunidades para vias legais. Tudo o que postamos na world wide web é reflexo das nossas atitudes offline, é o espelho do nosso cotidiano imprimido em telas de computadores, smartphones, tablets e outros gadgets. A Internet deve continuar como um lugar democrático, de livres expressões e pensamentos, onde toda forma de amor e vida deve ser exaltada, não como um espaço de tirania injusta, no qual há manifestações hostis voltadas para o que não é errado. Isso só deixa mais evidenciado que, mesmo em 2017, 129 anos após a abolição da escravatura, a dívida deixada pelos tempos coloniais em relação aos negros ainda não foi paga. Quantos likes e compartilhamentos daremos a mais para os racistas? A decisão é nossa.

Como denunciar?

É importante ter a consciência de que qualquer racismo realizado na Internet ou fora dela devem ser denunciados. Ainda de acordo com o advogado Daniel Allan Burg, um boletim de ocorrência pode ser registrado online ou presencialmente. Admite-se denúncia anônima em casos de discriminação racial, homofobia, xenofobia, pornografia infantil ou apologia ao nazismo por meio do site da instituição SaferNet. (http://new.safernet.org.br/denuncie) u

Pela Tela w Agosto w 2017 w 41


Que som é esse?

Clarissa Castro Castro Clarissa

A revolução musical

Foto: Clarissa Clarissa Castro Castro Foto:


O movimento Hip Hop começou com o cantor, produtor, compositor e DJ, Afrika Bambaataa, no ano de 1970, em comunidades afro-americanas de Nova York. Juntando técnica e arte, ele deu vida a uma nova cultura, que ganhou os bairros negros da cidade. O movimento possui quatro pilares, o DJ, o Rap, o breaking dance e o graffiti. No Brasil, o Hip Hop chegou 16 anos após a sua criação e foi direto para a cidade de São Paulo, tendo como propulsores do movimento Thaíde e Dj Hum. O Hip Hop é um movimento cultural que surgiu das ruas e em um contexto social específico. Por ser um ritmo da periferia e representar o dia-a-dia dos artistas, o estilo foi discriminado por muitos anos e por pessoas que não entendiam a

realidade de quem vivia à margem. Atualmente, rappers como Criolo, Tássia Reis e Karol Conka estão ganhando destaque na mídia brasileira, porém muitos dos discursos midiáticos ainda renegam os grandes grupos e artistas que ajudaram a difundir o movimento como Racionais MC’s, RZO e Sabotage. Os outros pilares da cultura também fortalecem o caminho do reconhecimento e alcançam diversos lugares dentro da cidade com suas manifestações artísticas, como por exemplo, o Dj Hum e o DJ CIA e graffiteiros, como Os Gêmeos e Eduardo Kobra, que é o criador do maior mural de graffiti do mundo. Luna Buschinelli criou o maior graffiti do mundo feito por uma mulher, inaugurado este ano no Rio de Janeiro

Que som é esse? w Agosto w 2017 w 43


Que som é esse?

O Graffiti começou em Nova York, em 1960, com expressões escritas em diversos espaços públicos. No Brasil, os muros começaram a ser coloridos em 1970; os artistas buscavam expandir as formas de comunicação visual existentes compondo os muros da cidade. O Graffiti já foi considerado vandalismo e só há pouco tempo vem sendo considerado expressão artística. É muitas vezes comparado/confundido a pixação, uma outra forma de expressão que ainda é considerada poluição visual e depredação de patrimônio. As batidas que acompanham as músicas são criadas, sincronizadas e mixadas pelos DJs (DiscJockey). Tudo começou com os radialistas tocando discos de gramofone até chegar no que conhecemos hoje, o uso do mp3. Já foram usados discos de vinil, CD's e agora é muito comum o uso de notebooks com softwares que foram criados especialmente para expandir as expressões artísticas dos que são capazes de operar uma mesa cheia de botões e processos para animar a pista de dança. A dança sempre atrai olhares em manifestações de rua

do movimento Hip Hop. O brakedance, que é um estilo de dança de rua, é o mais comum dentre os frequentadores dos eventos e chama muita atenção pela desenvoltura dos dançarinos, é um momento muito esperado nas manifestações culturais desse segmento. A união do DJ e do MC (mestre de cerimônia) dão vida ao ritmo e poesia ou como é popularmente conhecido, o RAP, que surgiu na Jamaica em 1960, mas se tornou popular após chegar nos bairros afro americanos dos Estados Unidos nos anos 70. As letras deste gênero musical carregam as mazelas da sociedade e o dia-a-dia de quem vive na favela. No Brasil, o rap chegou em São Paulo e as batalhas de Mc's deram vida aos rimadores fazendo com que esse gênero, novo até então, alcançasse as rádios em 1990. Ao longo dos anos o Rap se misturou com outros ritmos e gerou diversas novas formas e personalidades, e foi desse jeito que hoje ele conseguiu diminuir os preconceitos que pessoas tinham com o Rap e tem feito grande sucesso nas mídias de grande massa, principalmente entre os jovens.


Foto: Clarissa Clarissa Castro Castro Foto:

Que som ĂŠ esse? w Agosto w 2017 w 45


Que som é esse?

A música que salva

“Sou exemplo de vitórias, trajetos e glórias. O dinheiro tira o homem da miséria, mas não pode arrancar de dentro dele a favela.” - Negro Drama, Racionais Mc’s

Como já diria o saudoso Sabotage, “rap é compromisso, não é viagem…”, a trajetória dentro deste gênero musical para a grande maioria dos cantores é de luta e superação. Não é atoa que as letras são sempre carregadas de histórias que só quem vive à margem pode entender o que, de fato, elas querem dizer. Mauro Mateus dos Santos, o eterno maestro do Canão, favela em que nasceu, popularmente conhecido por Sabotage, encontrou nos versos e rimas uma maneira de largar o mundo do tráfico e do crime. Ele começou fazendo sucesso no grupo RZO (Rapaziada da Zona Oeste), mas rapidamente lançou seu primeiro disco solo. Ao longo da carreira Sabotage fez inúmeras participações, atuou em dois filmes e ganhou prêmios. morreu em 2003 e treze anos após sua morte, lançaram um álbum póstumo, em sua homenagem, com gravações que ele havia feito uma semana antes de falecer, como estavam inacabadas, as músicas receberam uma nova roupagem com grandes participações como BNegão e Dexter. Marcos Fernandes de Omena, o Dexter, é mais um que viu no rap a oportunidade de mudar de vida. Ele e Afro-x, Cristian de Souza Augusto, saíram da periferia em São Bernardo do Campo, São Paulo e foram para o Carandiru acusados de 157 (assalto a mão armada).

Começaram no rap dentro da pequena e desconfortável cela 509-E, que deu nome ao grupo. Os dois conseguiram uma oportunidade para a reabilitação, mesmo detidos, e lançaram o primeiro disco Provérbios 13. Fizeram show, concorreram a prêmios no Video Music Brasil da extinta MTV. A pressão social a partir da repercussão dos dois na grande mídia como rappers presidiários, uma discussão sobre a pena de morte no programa Altas Horas da Rede Globo com o então deputado estadual e ex policial militar, Conte Lopes, dificultou ainda mais a descida dos dois para realização de shows e aparições. Após o segundo álbum lançado, Afro-x e Dexter resolveram seguir carreira solo. O sucesso de cantores como Sabotage, Dexter, Afro-x e muitos outros, é devido a dura realidade que eles carregam em suas palavras e que servem muitas vezes como única fonte de aprendizado para quem está na periferia, devido a precária educação formal. Eles são o exemplo de que quem está entregue à própria sorte também pode encontrar um futuro diferente. Douglas Nascimento da Silva, ou como é conhecido, Douglas Din, 26 anos, nascido no Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, contou que assim como muitos outros, o rap também o tirou do mundo do crime e ressalta a


Foto: Clarissa Castro Foto: Clarissa Castro Modelo: Douglas Douglas Din Din Modelo:

importância dos movimentos culturais dentro da cultura Hip Hop como, por exemplo, o duelo de mc’s. “Quando o duelo começou eu tava num trampo que era parte de uma medida socioeducativa e o duelo me trouxe outro universo, eu não dava conta de enxergar outro universo só por mim, então o duelo me ajudou a observar a cidade e o país de outra maneira, porque se não fosse o duelo eu não teria saído nem da cidade e muito provavelmente nem fora do meu bairro.” Douglas ressalta que ainda são necessárias políticas afirmativas para que crianças que vivem à margem tenham mais oportunidades de não acabar no mundo do crime e das drogas, mas que sem dúvidas, assim como aconteceu com ele, os movimentos culturais, a música, foram cruciais para que ele encontrasse outros caminhos, outra trajetória. “Eu comecei a batalhar aos 16 anos e ganhei algum dinheiro, mas não só isso, eu viajei e ganhei reconhecimento dentro das batalhas que me forneceu capital tanto cultural quanto financeiro e isso é um degrau para o universo da composição que exige mais foco e trabalho.”

Que som é esse? w Agosto w 2017 w 47


Que som é esse?

O espaço feminino "Pra tristeza deles, estamos aqui/ Minha voz traz sua voz/ Eles estão a te ouvir Pra alegria nossa, a força está viva sim/ Podem tentar derrubar/ Mas não vão persistir" Embranquecimento Não Caiu no Esquecimento - Mari P

O Hip Hop é um espaço predominantemente masculino, as letras quando não estão abordando as questões sociais, muitas vezes estão depreciando a mulher e a objetificando. Letras de rappers famosos já foram motivo de grande discussão na grande mídia e em diversas redes sociais, mesmo músicas antigas, como as do Racionais MC’s até letras mais recentes como aconteceu com o Emicida. Eliane Dias, esposa do vocalista do Racionais MC’s, já disse em várias entrevistas como passou por cima dos machismos que sofreu e hoje comanda a carreira deles e de outros grupos de Rap através da gravadora Booogie Nipe. A mulher, ou melhor dizendo a menina, que mais tem chamado atenção na cena atual do rap é a MC Soffia, que foi influenciada por sua mãe Kamilah Pimentel e começou no rap aos sete anos. Hoje com 13, faz sucesso com letras que escreveu para que meninas como ela possam sentir mais confortáveis com a cor da pele e com todos os traços negros, que deveriam ser motivo de orgulho, mas muita vezes são repelidos pelo racismo que elas sofrem desde cedo. A música de Soffia que ganhou a grande mídia é Menina Pretinha, na qual ela

faz questão de expressar o quanto elas são rainhas, fala do orgulho do cabelo crespo e também critica a falta de bonecas negras no mercado. Um pouco diferente do conteúdo das músicas masculinas, as meninas do rap trazem um conteúdo “empoderado” nas suas rimas, visando que outras meninas possam de alguma maneira se inspirar em suas letras e não aceitarem, por exemplo, abusos dentro de relações, se aceitar e conseguir passar por cima de conceitos retrógrados que ainda existem na sociedade conservadora. Tássia Reis, nascida em Jacareí, interior de São Paulo, e famosa por letras fortes, deixa seu recado, “no rap, ego inflado, os cara se acha, mas ninguém se encontra e geral arrasta à margem de tudo a gente marcha. Para manterse vivo respirando nessa caixa, eu quero mais, eu vou no desdobramento, nem que pra isso eu tenha que formar um movimento. Agora é a preta no comando, no empoderamento e eu vim logo de bando, vai vendo. Com o afro alaranjado, chegando no talento, gritando mãos ao alto e atirando argumento, pow! Da zona de conforto pra zona de confronto, vai vendo. Sumemo, me chame de afrontamento!” Marina Paula ou Mari P, de 26 anos,


Foto: Clarissa Clarissa Castro Castro Foto:

é rapper nascida em São João Del Rei, Minas Gerais, fala um pouco sobre machismo e como o próprio preconceito é capaz de incentivar e servir de inspiração. “Ser uma mc envolve dificuldades relacionadas com o machismo existente, de forma ainda absurda, dentro e fora do movimento Hip Hop. Já sofri preconceito por ser uma MC sim, muitas pessoas acabam considerando que eu tenha uma capacidade menor para escrever um Rap, pelo fato de ser mulher. Já fui também alvo de críticas destrutivas, por parte de integrantes do Hip Hop, que com certeza não seriam feitas caso eu fosse um homem no movimento. Sofri também boicotes por parte de MC’s que não se sentiram confortáveis ao perceber que meu trabalho estava tendo certa aceitação na cidade”. Mari P afirma que todas músicas que canta são autorais e buscam levar uma mensagem que sirva de afirmação para a população negra e periférica, além de levar um conteúdo de protesto denunciando o racismo, desigualdades sociais e também o machismo e afirma “Eu acredito que as ações do Hip Hop são como o plantar de várias sementes, você as planta com todo cuidado e carinho, e tem fé que algo surgirá ali.” u

Que som é esse? w Agosto w 2017 w 49


Manifesto

Modelo: Michelle Michelle AraĂşjo AraĂşjo Modelo:


Fotos: Luiz Luiz Ferreira Ferreira Fotos: Modelo: Jaluzza Jaluzza Monteiro Monteiro Modelo:

Maniifesto w Agosto w 2017 w 51


Leia Mulheres

Ilustração: João João Pinheiro Ilustração:


De quem o mundo esqueceu Clarissa Castro Castro Clarissa

Preta, pobre, catadora de lixo, semianalfabeta, favelada e mãe solteira. Carolina Maria de Jesus era quem qualquer um jamais imaginaria que fosse publicar um livro, mas ela publicou diversas obras e morreu quase sem nada. Ela usava cadernos que encontrava no lixão, próximo à favela de Canindé, São Paulo, onde vivia e escrevia sobre as coisas à sua volta, suas fantasias e lutas diárias. “Eu denomino que a favela é o quarto de despejo de uma cidade. Nós, os pobres, somos os trastes velhos.”, escreveu em seu primeiro livro, O Quarto de Despejo. O nome livro relaciona a ideia de que o centro é o melhor cômodo da casa, mas a favela é onde todos os rejeitos são descartados. O Quarto de Despejo: Diário de Uma Favelada, foi traduzido para 13 idiomas, vendido em mais de 40 países, teve três edições e 100 mil exemplares vendidos. Carolina viajou, distribuiu autógrafos e alcançou a mídia de maneira instantânea com sua primeira obra.

Leia mulheres w Agosto w 2017 w 53


Leia Mulheres

A escritora nasceu em Sacramento, Minas Gerais, no dia 14 de março de 1914, mudou-se para São Paulo em 1947. Escreveu romances, poemas, crônicas, e livros póstumos foram publicados. Estima-se que exista um aglomerado de 5 mil páginas distribuídos em 7 romances, 60 textos, 100 poemas, 4 peças de teatro e 12 letras de marchas de carnaval. Eduardo Galeano, jornalista e escritor uruguaio, disse em seu livro, As Veias Abertas da América Latina de 1994, sobre como sugaram Carolina e depois largaram-na à própria sorte. "Carolina Maria de Jesus nasceu no meio da sujeira e dos urubus. Cresceu, sofreu, trabalhou duro; amou homens, teve filhos. Num livrinho, anotava com letra ruim suas tarefas e seus dias. (...) Cinderela do Brasil, produto do consumo mundial, Carolina Maria de Jesus saiu da favela, correu o mundo, foi entrevistada e fotografada, premiada pelos críticos, agasalhada pelos cavalheiros e recebida por presidentes. Passaram-se os anos. No início de 1977, numa madrugada de domingo, Carolina Maria de Jesus morreu em meio ao lixo e aos urubus. Ninguém se lembrava da mulher que escrevera: 'A fome é a dinamite do corpo humano'.". Lorena Barbosa, 21 anos, estuda letras na UFMG e pesquisa sobre afrodescendência na literatura brasileira, acredita que Carolina é um marco na literatura do nosso país principalmente por não haver, ainda mais na época, escritoras com as características dela, preta, pobre

e favelada. “Carolina apresenta uma realidade racialmente mais colorida, uma visão feminina, materna e periférica sobre a realidade do nosso país à época. Representa uma população minoritária que, na prática, nunca foi tão minoritária assim. Ela fez o que ninguém havia feito antes que era escrever sobre a favela vivendo, de fato, a favela. A visão de alguém que veio de dentro. Por isso ela alcançou um sucesso internacional. Os seus escritos, carregados de literariedade, diziam coisas que ninguém dizia, ninguém via, ninguém sabia. Ela viabilizou a realidade de muitas pessoas.” Valesca Rennó, 26 anos, professora de literatura, que a importância da Carolina para a literatura vem da política por trás da sua vida humilde. “Os livros dela são pouco apreciados e reconhecidos porque nós temos toda uma questão mercadológica. Um país de terceiro mundo com o capitalismo vigente que tenta impor um mercado estrangeirista na nossa literatura, a nossa realidade passa a ser apagada. Os artistas que vem do morro, que vem da exclusão social eles nunca tiveram espaço no mercado“. Os livros de Carolina, que foram esquecidos, carregam palavras que muitos brasileiros vivem na pele, como ela viveu, diariamente. Mas a literatura, principalmente na época, era para poucos. O contexto social fez com que Carolina acabasse sendo escritora reconhecida por pouco tempo. Muitos pessoas não conhecem seu trabalho e nem mesmo ouviram dizer seu nome. Sobre o apagamento da


Ilustração: João João Pinheiro Ilustração:

escritora Lorena conclui, “as pessoas condicionaram os escritos de Carolina somente a uma extensão da favela. Quando ela lançou Provérbios, Casa de alvenaria e Pedaços de fome, ninguém mais se importava, porque ela já havia ‘dito tudo’. Algumas teóricos estudiosos da literatura brasileira ainda têm uma imensa dificuldade em reconhecer a Carolina como escritora, mas aí entraríamos em outra discussão mais complexa que seria discutir o que é ou não literatura. Existe um racismo à brasileira e um machismo tão enraizado em nossa sociedade que não deixam as pessoas conheceram a brilhante obra dessa grande mulher.”. Para a população negra, sua resistência, luta e vivência são exemplos, motivo de orgulho e sinônimo de incentivo para que outros possam fazer a diferença dentro do próprio mundo, independente do contexto social em que se está inserido. "As horas que sou feliz é quando estou residindo nos castelos imaginários.”, sonhava Carolina. u

Bibliografia

1960

1961

1963

1963

Livros póstumos

1982

1996

1996

2014

Leia mulheres w Agosto w 2017 w 55


Manifesto

Fotos: Luiz Luiz Ferreira Ferreira Fotos: Modelo: Aisha Mbikila


Modelo: Andreia Gonรงalves Maniifesto w Agosto w 2017 w 57


VocĂŞ viu?


Protagonismo negro assusta Clarissa Castro Castro Clarissa Uma das produções mais recentes da Netflix causou grande discussão na internet. A série Cara Gente Branca, que foi baseada em um filme de 2014 de mesmo nome, estreou no Brasil dia 28 de abril, discutindo a questão racial no âmbito universitário. Sam é uma jovem negra que tem um programa de rádio na faculdade. No seu programa ela aborda principalmente as questões que os negros vivem nesse ambiente e tenta mostrar aos brancos todos os privilégios que eles possuem. A Série começa abordando o blackface ou rosto negro. O termo é usado para denominar brancos que se “fantasiam” de pessoas negras, reforçando estereótipos construídos socialmente. Além das discussões sobre o racismo, a série mostra a diferença que existe dentro da militância e seus diversos movimentos e lutas. Após o lançamento do teaser de Cara Gente Branca muitos assinantes cancelaram o serviço de streaming, alegando boicote e causando grande polêmica nas redes sociais.

O diretor do filme que deu origem a série, Justin Simien, agradeceu que o teaser da série foi o mais visto na história da Netflix e acrescentou: " A igualdade se sente como opressão aos privilegiados e, portanto, três palavras benignas devem enviálos em uma luta por sua própria existência, mas eles não estão em perigo real. Qual é o meu papel como artista? Criar Histórias. Histórias nos ensinam empatia. Eles nos colocam nas peles de outras pessoas. Todo o nosso conceito de realidade são baseados em histórias. Então conte sua história. Saia do armário. Escreva sua tese. Faça seu filme. Mas faça isso honestamente. Diga a verdade inconveniente. É a única coisa que nos salvou", alegou Simien, segundo o site Cinepop. No twitter os usuários se manifestaram dizendo que a insatisfação era por considerarem a série contra os brancos, “Netflix anunciou um novo show anti-brancos que promove o genocídio de pessoas brancas", escreveu um internauta. u

Você viu? w Agosto w 2017 w 59


Manifesto


Foto: Clarissa Clarissa Castro Castro Foto:

Maniifesto w Agosto w 2017 w 61


Manifesto

Modelo: Modelo: Matheus Matheus Lucas Lucas


Fotos: Clarissa Clarissa Castro Castro Fotos: Modelo: Modelo: LuĂ­sa LuĂ­sa Nonato Nonato

Maniifesto w Agosto w 2017 w 63


Pela tela

Moda de vanguarda

Meninas mostram a importância da representatividade com um (bom) toque fashionista. Odara separou o melhor line-up para você dar seu follow !

Igor Mattos Moda e diversidade nunca foram amigas próximas. Com padrões de beleza fora da realidade, o universo fashion ficou restrito somente a quem se enquadrava. Porém, ao longo dos últimos anos o mundo da moda tem renovado seu casting (ou pelo menos tentado). Depois de um longo casamento com o padrão europeu, vemos cada vez mais meninas negras dentro do novo horizonte read to wear. Donas de estilo próprio e personalidade, as moças marcam seu lugar na linha de frente. Estilistas, fashionistas e digital influencers, vieram dar voz à uma geração antes tão colocada como figurante. O elo entre moda e streetstyle veio com força nas últimas temporadas. O motivo? A internet, claro! Nossa conectividade de cada dia dá cada vez mais forças para os diversos movimentos. As pessoas na internet bebem das ruas e vice-versa. E-commerces é um meio de consumo bem forte. O girl power do guardaroupa se atualiza tanto no cotidiano quanto nos ateliês das labels. Dentro deste gancho é necessário falar sobre uma levada inteira de blogueiras negras que chegam para dar pluralidade ao mercado. Basta uma rápida pesquisa e você verá as infinitas opções de perfis. Com todos os estilos e técnicas de

beauté para as selfies possíveis, as blogueirinhas ganham espaço ao influenciar comportamentos. Depois de décadas onde as grandes revistas de moda dominavam o mercado, hoje uma foto no Instagram com o #lookdodia já ganha adeptos pelas ruas instantaneamente. O mais legal dessas meninas é ver como elas estão aí mostrando para as mais novas que sim, existe um lugar de fala para elas e se expressar através do visual pode ser muito mais divertido. Sem regras e mais focado no conforto de ser e estar. Claro que a mulher negra ainda não está nem perto de toda representatividade que merece, mas vemos uma onda (pouca mas vital) que vem chegando para ficar.

Atualizar o feed! Veja com a gente alguns perfis maras para te acompanhar num dress code mais divertido:

Magá Moura (@magavilhas). Dona de um estilo sem medo de ousar, a style lover tem um blog homônimo com suas dicas de moda. As cores são o ponto forte de Magá, desde os cabelos aos looks irreverentes. Luiza Brasil (@mequetrifismos). A menina dos olhos de Costanza Pascolato, Luiza Brasil tem um estilo


Pela Tela w Agosto w 2017 w 65


Pela tela

único. Suas roupas são o ponto forte, com produções nada arroz com feijão! Se você, assim como a carioca, não tem limite com umas estampas, dá uma olhadinha no seu blog, Mequetrefismos. Gisella Francisca (@ gisellafrancisca). Criadora de um dos blogs mais influentes na moda plus size do país, Gisella levanta a bandeira da beleza natural. Contra os padrões estéticos, a blogueira explora no seu feed diversos looks que misturam trends com um gostinho vintage. Além de várias dicas must have de maquiagem! Solange Knowles (@saintrecords). Dispensa apresentações né?! A cantora, que em suas músicas abordam o racismo e o espaço que a mulher negra tem na sociedade, tem em seu site My Damn Blog uma fonte inesgotável de inspirações. As fotos postadas têm sempre um ar de editorial de moda bem produzido. Loo Nascimento (@loo_ana). Com forte referências étnicas nas suas roupas, Luana mostra todo girl power nos looks. A definição de bapho é a tradução das produções

da baiana. Sempre com cores vivas e brincadeiras com diversas texturas. Com o seu projeto Dresscoração, Loo traz no site um levante dos hits fashions e de lifestyle do momento.

De peça em peça

Separamos também duas marcas que estão dando burburinhos no universo fashion. Vale muito conhecer a Cem Freio, marca recém saída do forno assinada pelo Victor Apolinário. Nome quente no cenário nacional, a label trabalha com modelagens fluidas, desenhos amplos e que fogem das barreiras de gêneros. Confere lá @cemfreio. A Verkko, marca da carioquíssima Thais Delgado, tem como ponto forte composições que podem passear da praia ao cinema, até um jantar mais intimista. O top de tricô da estilista já é sucesso entre as consumidoras e a cada temporada ganha uma roupagem nova. Com um flerte entre peças descomplicadas e atemporais, o trabalho da estilista só soma para o mercado têxtil brasileiro. u


Pela Tela w Agosto w 2017 w 67


É tendência

Ilustração: Muha Bazila


Transformando padrões Gabriela Campos As indústrias da beleza e da moda sempre tiveram padrões estéticos definidos em um só tipo de mulher, com uma beleza transformada em referência para consumidoras em todo o mundo. Mas em um país miscigenado como o Brasil, referências associadas a características européias e norteamericanas raramente representam a realidade. Mais da metade da população brasileira é formada por negros e pardos, mas a representatividade negra na mídia e nos ideais até então era bastante restrito. Além disso, o mercado brasileiro de cosméticos era limitado quanto à oferta de produtos que atendam às características específicas da pele negra e dos cabelos cacheados. Resultado: o mercado formado por 104 milhões de brasileiros negros era encarado como se não precisasse de atenção. Porém as mulheres negras e morenas têm sido alvo de novos olhares, nos últimos anos, as brasileiras têm se identificado cada vez mais com sua própria beleza, valorizando o visual natural dos fios e realçando seu tom de pele com maquiagens desenvolvidas especialmente para esse público, novos produtos foram lançados, voltados para as diferentes características de cada tipo de pele. Hoje em dia há uma série de tons de base para se maquiar uma mulher negra. Antigamente havia um problema grande com maquiagens para pele negra. Quando se usava base e pó, a pele ficava cinzenta, ou até muito

preta. Os produtos não eram adequados para esse tipo de pele. O que tem de mais bacana é essa consciência do mercado de que não existe um tipo de negro, mas uma diversidade de tonalidades, tornando fácil o acesso a produtos de acordo com cada necessidade da mulher, com preços variados do mais barato ao mais caro, sem perder a qualidade do produto. Dica para acertar no tom da base: Na hora de comprar a base, teste-a, o melhor lugar para testar é no próprio rosto. Geralmente se aplica no canto do rosto próximo ao maxilar, não acho interessante testar base nas mãos porque tem o tom de pele diferente do rosto, e afinal se vamos usar a base no rosto nada melhor que testar nele! Após aplicar e espalhar se a base sumir do seu rosto ótimo, esse é o seu tom. Sempre ficar atenta ao colo para não ficar diferente também. A pele negra geralmente não tem somente uma tonalidade no rosto, tem várias em uma só pessoa. Uma dica boa pra quem pode é misturar bases de um tom abaixo ou acima, até chegar ao tom ideal da pele. Peles morenas e negras tendem a ter peles quentes,então é importante ficar atenta para o subtom da pele. Pessoas com a temperatura quente devem optar por produtos com fundo amarelado, e as peles frias devem apostar em cosméticos com o fundo rosado ou puxados para tons de cinza. u

É tendência w Agosto w 2017 w 69


Manifesto


Foto: Clarissa Clarissa Castro Castro Foto: Modelo: Modelo: LuĂ­sa LuĂ­sa Nonato Nonato

Maniifesto w Agosto w 2017 w 71


Manifesto

Foto: Clarissa Clarissa Castro Castro Foto: Modelo: Isabelle Isabelle Carvalho Carvalho Modelo:


Foto: Anna Anna Chaves Chaves Foto: Modelo: Modelo: Kênia Kênia Marcília Marcília

Maniifesto w Agosto w 2017 w 73


Manifesto

Modelo: Modelo: Marcos Marcos Tito Tito


Fotos: Clarissa Clarissa Castro Castro Fotos: Modelos: Modelos: Leilane Leilane Nonato Nonato Henrique Henrique Santos Santos

Maniifesto w Agosto w 2017 w 75


Manifesto

Foto: Clarissa Clarissa Castro Castro Foto: Modelo: Modelo: RaĂ­ssa RaĂ­ssa Hungria Hungria


Maniifesto w Agosto w 2017 w 77


Manifesto

Modelo: Dio de Paula


Fotos: Clarissa Clarissa Castro Castro Fotos: Modelo: Modelo: Gustavo Gustavo Camillo Camillo

Maniifesto w Agosto w 2017 w 79


Manifesto


Foto: Clarissa Clarissa Castro Castro Foto: Modelo: Modelo: LuĂ­sa LuĂ­sa Nonato Nonato Henrique Henrique Santos Santos

Maniifesto w Agosto w 2017 w 81


Manifesto


Foto: Clarissa Clarissa Castro Castro Foto:

Maniifesto w Agosto w 2017 w 83



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.