Educação popular em pauta: diálogos (im)pertinentes

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A EDUCAÇÃO POPULAR EM PAUTA DIÁLOGOS (IM)PERTINENTES: PRIMEIRO CICLO

Sistematização das atividades Abril-Maio de 2020


A EDUCAÇÃO POPULAR EM PAUTA Quem somos? O Observatório de Educação Popular e Movimentos Sociais na América Latina (OBEPAL) é um grupo de pesquisa com interface na extensão da Universidade Federal do Espírito Santo. O OBEPAL possui vinculação com a PROEX a partir das atividades extensionistas que desenvolve desde 2018 e com a PRPPG através dos projetos de iniciação científica desenvolvidos ao longo dos últimos 2 anos. Apresentação das atividades em tempos de Pandemia O primeiro ciclo do projeto "Educação Popular em pauta" foi realizado pelo OBEPAL durante os meses de abril e maio/2020. O objetivo foi estabelecer, em tempos de pandemia do novo coronavírus (COVID-19), diálogos (im)pertinentes contando com a participação de convidados/as de diferentes áreas do conhecimento. Os encontros deram primazia para a beleza e a potência dos diálogos e afetos em tempos de incertezas. Organização: os encontros aconteceram duas vezes na semana - as terças e sextas - e tinham como recursos didáticopedagógicos a utilização de vídeos, textos, imagens e outros. Ao todo, foram 08 encontros neste primeiro ciclo, perfazendo uma carga horária total de 24h de encontros online + 36h de preparação para os encontros.

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NOSSOS/AS CONVIDADOS/AS E PARTICIPAÇÕES ESPECIAIS Leonardo do Prado (Fotógrafo)

Gilson Goulart (Ceramista)

Arlete Schubert (UFES)

Carlos Brandão (Unicamp)

Cristiane Sabino (UFSC)

Cecilia M. Angileli (UNILA)

Leomar H. Lírio (MPA)

Flávia Teixeira (UFU)

Deborah Sabará (GOLD)

Francine Helfreich (UFF)

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SUMÁRIO Educação popular e fotografia: a imagem abrindo horizontes ...... 5 Com Leonardo Alves do Prado ................................................................................ 6 Com Gilson Goulart Carrijó .......................................................................................... 9

. Educação popular e questão étnico-racial: passado-presente ... 12 Com Cristiane Luiza Sabino de Souza .............................................................. 13 Com Carlos Rodrigues Brandão ............................................................................ 16 Educação popular, campo e cidade: reflexões necessárias .......... 19 Com Cecília Maria de Morais Machado Angileli ....................................... 20 Com Leomar Honorato Lírio .................................................................................... 23 Educação popular, gênero, diversidade e trabalho de base: desafios e possibilidades ................................................................................ 26 Com Flávia do Bonsucesso Teixeira .................................................................. 27 Com Francine Helfreich Coutinho dos Santos .......................................... 30 Agradecimentos .................................................................................................. 34 OBEPAL/Realização .......................................................................................... 35 Referências ............................................................................................................ 36

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@leonardopradofoto

@nahayannasorgon_

@leonardopradofoto

EDUCAÇÃO POPULAR E FOTOGRAFIA A IMAGEM ABRINDO HORIZONTES 5


EDUCAÇÃO POPULAR E FOTOGRAFIA COM LEONARDO ALVES DO PRADO Nosso convidado Leonardo Prado é formado em História pela Universidade Federal de Uberlândia. Atualmente é repórter fotográfico da Procuradoria Geral da República em Brasília. Foi, durante muito tempo, professor de cursos pré-vestibulares, ensinos fundamental e Médio. Atendeu a Secretaria de Comunicação da FUNAI no período de 2006 a 2010. Possui experiência com fotografia em comunidades indígenas, movimentos sociais da luta pela terra, além de outros projetos que integram seu acervo político-social. Nosso encontro No dia (28/04) tivemos 21 participantes, divididos/as entre as/os componentes do OBEPAL (UFES), do Saberes em Movimento (UNILA) e do Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (MEPES). Nossos diálogos (im)pertinentes Leonardo expôs sobre sua experiência como professor e sobre sua vivência enquanto fotógrafo em algumas aldeias indígenas. Foi contando seu percurso e aproximação com a questão indígena, que se deu em espaços intra e extra institucionais. Na sua experiência com os Guarani Kaiowá, Leonardo aponta que aprendeu sobre os pre-juízos e preconceitos que carregava sobre o tema e sua real abertura à cultura e vida cotidiana desses povos, pelo

Cenas do documentário "Hotxuá"

direito a poder ser diferente. Reforça também que foi muito importante sua aproximação com antropólogas/as, em especial seu amigo Rubem

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Thomaz, para lhe explicar diversas questões próprias do mundo indígena, desconstruindo assim seus estigmas e limitações no tema. Leonardo desenvolveu atividades com os Caiapó, no Pará, povo muito guerreiro. Por viverem em terras planas, os Caiapó sempre tiveram que fazer a defesa de seu território, o que é muito bem representado na figura de Tuira, indígena Caiapó que desafiou o sistema ao colocar um facão no rosto do então presidente da Eletronorte. Com os Caiapó, Leonardo foi chamado para fotografar a festa de nomeação das crianças e pré-adolescentes, momento marcado por muita beleza. Já com os Krahô, o convidado nos conta que passou por um processo de "adoção", sendo inserido, assim, ao ambiente da família que o acolheu e o "batizou". Tocar na questão indígena é levar em consideração as problemáticas da estrutura fundiária brasileira. É essa estrutura desigual que define, até hoje, o poder nas mãos de grupos extremamente conservadores. Compartilha também que o seu papel enquanto fotógrafo é evitar ao máximo a ideia dos estereótipos e da exotificação construídos em torno dos povos indígenas, colaborando então para uma ressignificação de múltiplos processos através da imagem. Reforça que, quem detém a produção da imagem, detém também a produção de/dos sentido/s. Dessa forma, a imagem torna-se uma ferramenta muito importante nas lutas e resistências, pois permite a comunicação e a produção/difusão de novas noções menos desiguais e excludentes.

Beira-mar, beira-mar novo Foi só eu é que cantei Ô beira-mar, adeus dona Adeus riacho de areia Vou levando minha canoa Lá pro poço do pesqueiro Ô beira-mar, adeus dona Adeus riacho de areia Arriscando minha vida Numa canoa furada Ô beira-mar, adeus dona Adeus riacho de areia Adeus, adeus, toma adeus Que eu já vou me embora Eu morava no fundo d'água Não sei quando eu voltarei Eu sou canoeiro Eu não moro mais aqui Nem aqui quero morar [...] Beira-mar - Milton Nascimento

pALAVRAS CHAVE do encontro : beleza povos originários resistência 7


A complicada arte de ver Ela entrou, deitou-se no divã e disse: "Acho que estou ficando louca". Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. "Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões _é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo me causa espanto". Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as "Odes Elementales", de Pablo Neruda. Procurei a "Ode à Cebola" e lhe disse: "Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: 'Rosa de água com escamas de cristal'. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver". [...] Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem. [...] A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas _e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre. Os olhos não gozam... Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo. [...]

Rubem Alves (2004)

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EDUCAÇÃO POPULAR E FOTOGRAFIA COM GILSON GOULART CARRIJÓ Nosso convidado Gilson Carrijó é graduado e mestre em História pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Exerceu atividade docente no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia e no Centro Universitário do Triângulo nas áreas de cinema (direção de fotografia) e fotografia (teoria e técnica). Defendeu o doutorado em Multimeios da Universidade Estadual de Campinas com pesquisa cuja temática foi a construção de sentidos na fotografia. o título de sua tese foi (Re)apresentações do outro: travestilidades e estética fotográfica. Realizou pós-doutoramento na Universidade Federal de Uberlândia, tendo como resultado o documentário que dialogamos: "Atentado violento ao pudor". Atualmente atua como ceramista/artesão, além de jamais deixar de atuar ao lado dos grupos que o poder insiste colocar à margem como as travestis. Nosso encontro No dia (01/05) tivemos 13 participantes , divididos/as entre as/os componentes do grupo de estudo-extensão "OBEPAL" (UFES), do grupo de pesquisa "Saberes em Movimento" (UNILA) e da Associação GOLD (Grupo Orgulho, Liberdade e Dignidade). Nossos diálogos (im)pertinentes

Cenas do filme "Atentado violento ao pudor"

Gilson traz um pouco de sua trajetória de trabalho com as travestis, o qual atua junto de sua companheira de vida, Flavia Teixeira, há mais 15 anos, fornecendo assistência de múltiplas formas, desde cestas básicas até a informações/discussões sobre direitos humanos, do trabalho, da saúde, etc.

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Após o contato com a imagem durante sua graduação e pós-graduação, resolveu fazer um filme como resultado do pós-doutorado, intitulado "Atentado violento ao pudor". Esse filme conta a história de luta das travestis no Brasil a partir da perspectiva de Keila Simpson, uma amiga da família e fonte de inspiração para Gilson, que é ao mesmo tempo protagonista e plano de fundo da narrativa. Ele nos conta que a produção do filme - desde direção até a edição - Keila foi participante e protagonista, se apropriando de todos os processos. Sendo assim, foi um filme feito a quatro mãos. Em seguida, Deborah Sabará, coordenadora do “Grupo Orgulho, Liberdade e Dignidade” (GOLD), relembra memórias-histórias de sua trajetória de vida, de colegas travestis, das situações carregadas de preconceito que já passaram e ressalta a importância de saudar a memória das que já se foram. Ela destaca também a necessidade de trabalhos como os de Gilson e sua esposa (Flávia Teixeira) desenvolvidos com as travestis e de saudar a memória dos/as nossos/as: só estamos aqui porque eles/as se colocaram pós nós um dia. Por fim, surgiram apontamentos em relação a imagem como forma de luta, o empoderamento das travestis através da fotografia, as condições reais e materiais do processo de se assumir para a família e para o mundo, as dificuldades, as superações e a (r)esistência. Foi um diálogo repleto de experiências que retrataram a situações das travestis, que encarnam em si mesmas a resistência e a beleza.

“[...] eu não sou normal... eu sou um atentado violento ao pudor mesmo” diz Keila Simpson, (protagonista, diretora e assistente de produção do filme) em relação aos aparentes padrões de normalidade de nossa sociedade

pALAVRAS-CHAVE do encontro : FOTOGRAFIA travestis resistência 10


Margarida Margarida tanto pode ser nome de uma flor como de mona de equê ou de mona de amapô.

Por ordinária que seja uma flor não se explica que a espezinhem tanto que lhe torçam o nariz.

Se escrevo Margarida assim com M maiúsculo é um nome de mulher, inda que o neguem os músculos

Seja Margarida flor que não se cheire, mas nunca será menos flor a flor que floresce no monturo.

do rapaz chamado Sérgio, contido em Margarida (e aqui já não é mais verdadeira a recíproca). Porém, essa Margarida De que falo, em que pese O antropônimo feminino, menos que mona, é monera: é, ao mesmo tempo, gente e flor, seja nas diversas pertinências entre si, seja, afinal, por serem, Margarida e margarida, nos reinos respectivos, da mesma ínfima classe, condição intransponível. Ainda que se encontrem Entre a flor e a criatura Mais traços de parecença Do que a graça comum ( - que graça?!, diriam todos, com desdém, espezinhando as duas humildes flores); embora se leve em conta o feitio, a natureza vegetal que Margarida tenha, com efeito, mesmo assim não é concebível que vegetar seja a sina dessa flor original pelos canteiros da vida inumana, vegetal.

Em verdade, Margarida nada tem da flor, exceto o feitio vegetal do porte esguio, feito haste a manter erguido o estandarte do prazer, a flor da dignidade, faça o tempo que fizer.

Menos que flor, Margarida É vaso, um vaso público Onde os assentados cagam Adjetivos estúpidos. Bem mais que pelo seu nome, bem mais que pela razão de que atende os seus bofe sem becos e construções, mas pela falta de sangue (vida a fora sugado em subempregos infames) que a faz lânguida e pálida, pela vidinha que leva sempre atolada na merda, Margarida é uma bicha, por ser sobretudo verme - por ser sobretudo verme, como todos que vivemos nesta vidinha de merda, adubo do novo tempo, estrume da primavera. Waldo Motta

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EDUCAÇÃO POPULAR E A QUESTÃO ÉTNICO-RACIAL PASSADO-PRESENTE 12


EDUCAÇÃO POPULAR E QUESTÃO RACIAL COM CRISTIANE LUIZA SABINO DE SOUZA Nossa convidada Cristiane Sabino é assistente social formada na Universidade Federal do Vale do Jequitinhonha e Mucuri em Minas Gerais, mestre em Política Social pela Universidade Federal do Espírito Santo e doutora em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atualmente é docente do curso de Serviço Social da UFSC. É coordenadora do grupo Veias Abertas com o projeto de pesquisa “Racismo Estrutural e o Estado na América Latina” e projetos de diversos de extensão (cursos didáticopedagógicos para uma atuação social antirracista e o Mapeamento de arte antirracista "Lélia Gonzalez"). Entre seus temas de estudos estão: racismo estrutural; formação social e histórica do Brasil e Teoria Marxista da Dependência. Nosso encontro No dia (04/05) tivemos 22 participantes a, divididos/as entre as/os componentes do grupo de estudo-extensão "OBEPAL" (UFES), do grupo de estudo-pesquisa "Saberes em Movimento" (UNILA), do grupo de pesquisaextensão "Veias abertas" (UFSC) e convidadas/os da UFES, UFPR e da UNILA. Nossos diálogos (im)pertinentes

Cenas da entrevista de Lilia Schwarcz à Silvio Almeida

O diálogo do dia se deu em torno ao debate sobre o racismo estrutural. Tema que, segundo Sabino, é fundamental para entendermos a formação socio-histórica brasileira - desde a invasão colonial até a atualidade - enquanto um processo que mol-

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-da nossas estruturas e subjetividades. O diálogo também demarcou a importância de não desvincular o debate racial do debate da questão de classe, porque ambos se relacionam em um movimento dialético. Além disso é essencial aproximar a questão racial da realidade latino-americana e do capitalismo dependente, entendendo assim como a superexploração incide de forma particular na força de trabalho não-branca no continente. Outro ponto importante também é a construção de uma práxis antirracista, entendendo que todos os indivíduos, inclusive os brancos, devem estudar, discutir e construir novas perspectivas sobre a questão racial. Os questionamentos do encontro giraram em torno ao entendimento do racismo não enquanto "resquício da escravidão", mas como categoria relacional que impacta nas relações sociais e é essencial para a sobrevivência do sistema capitalista. Ademais, o intercruzamento entre a questão racial e a questão agrária é levado em conta: negros e indígenas, a partir de uma relação outra com a terram guardam posturas anticapitalistas, mesmo subjugados a esse sistema. Também foram levantadas questões sobre como construir práticas antirracistas no cotidiano, chegando a conclusão de que não existe um "manual", mas sim um chamado cotidiano de desconstrução coletiva e questionamento da branquitude. Dessa forma, a educação popular mostra-se uma potente ferramenta, uma vez que consegue levar a importância da luta antirracista para o povo e traz para os espaços acadêmicos e políticos a experiência popular de resistência e beleza na luta pela sobrevivência.

Quando nós, mulheres negras, experimentamos a força transformadora do amor em nossas vidas, assumimos atitudes capazes de alterar completamente as estruturas sociais existentes. Assim poderemos acumular forças para enfrentar o genocídio que mata diariamente tantos homens, mulheres e crianças negras. Quando conhecemos o amor, quando amamos, é possível enxergar o passado com outros olhos; é possível transformar o presente e sonhar o futuro. Esse é o poder do amor. O amor cura. Vivendo de amor - bell hooks (2010)

pALAVRAS-CHAVE do encontro : RAÇA SUPEREXPLORAÇÃO ANTIRRACISMO 14


Vozes-mulheres A voz de minha bisavó ecoou criança nos porões do navio. ecoou lamentos de uma infância perdida. A voz de minha avó ecoou obediência aos brancos-donos de tudo. A voz de minha mãe ecoou baixinho revolta no fundo das cozinhas alheias debaixo das trouxas roupagens sujas dos brancos pelo caminho empoeirado rumo à favela. A minha voz ainda ecoa versos perplexos com rimas de sangue e fome. A voz de minha filha recolhe todas as nossas vozes recolhe em sias vozes mudas caladas engasgadas nas gargantas. A voz de minha filha recolhe em sia fala e o ato. O ontem – o hoje – o agora. Na voz de minha filha se fará ouvir a ressonância o eco da vida-liberdade. Conceição Evaristo (2017)

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EDUCAÇÃO POPULAR E MEMÓRIAS COM CARLOS RODRIGUES BRANDÃO Sobre o nosso convidado Neste dia tivemos um presente brindado pela educadora popular Arlete Schubert, de poder dialogar com a grande referência educativa: Carlos Rodrigues Brandão. Brandão é um dos principais referenciais de teoria e prática na Educação Popular e segundo Arlete, é um

Cena do vídeo-poema "Um rio chamado Watu"

grande narrador, de mãos dadas com o “ecletismo”. Se formou em psicologia mas acabou enveredando-se pela antropologia e sua trajetória demonstra a multiplicidade de sua pessoa. No momento, está se dedicando a escrever seu livro mais recente “Correr da vida”, onde trará aos leitores todas as suas vivências para mais allá do que está em seu currículo lattes – a pessoa de Carlos. Sobre o nosso encontro

Nosso convidado Carlos Rodrigues Brandão

Neste dia (08/05) tivemos 30 participantes ao todo, divididos(as) entre as/os componentes do OBEPAL (UFES), do Saberes em Movimento (UNILA), da Secretaria Municipal de Educação de Vitória (SEME) e demais convidadas/os Nossos diálogos (im)pertinentes Esse encontro foi regado de muita memóriahistória e beleza. Brandão iniciou contando sobre o Movimento de Educação de Base (MEB) e como este consistia num rico movimento de (re)fazer/(re)pensar/viver a educação popular na década de 1960. Para o

Cena do vídeo-poema "Um rio chamado Watu"

MEB, era fundamental educar estimulando todos os sentidos do ser, logo, incorporavam elementos importantes para a cultura popular na alfabetização.

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Brandão teve o prazer de conhecer, ser amigo e trabalhar com Paulo Freire. Relembrou conosco a experiência de fundação do CEDES (Centro de Estudos de Educação e Sociedade) em conjunto com Rubem Alves, Moacir Gadotti e Mauricio Tragtenberg. Socializa as experiências de viagem com Freire, destacando a que fizeram para Nicarágua logo após o estouro da Revolução Sandinista (1979). Nesta viagem se encontram com um grupo de educadores e compartilham momentos e preparação de livros. Ressalta como, na convivência com Freire, pôde percebê-lo em sua totalidade humana: era um grande apreciador das coisas simples da vida. Ao dialogar sobre a beleza, Brandão demarca a poesia, a música, a arte como importantes fontes, que jamais se desvinculam do fazer ciência. Todavia, essas ferramentas possibilitam, diferentemente da ciência, chegar no sensível das relações dos seres humanos com o mundo. Dessa forma, somos instigados a enxergar a beleza do mundo, para além do visível. Paral tal, é preciso fazer a "ginástica do intelecto", reaprendendo a enxergar. Para Brandão, o/a educador/a é aquele/a que constrói sonhos e mundos, a luz das tarefas de seu tempo, que lhes dão base para as práticas. Entre ensinar e aprender existem as ideias, sendo ela a base da transformação do mundo. É preciso também reivindicar a educação na sua totalidade: não é possível aprender matemática sem deixar de lado a música. Por fim, compartilhou conosco que seu desafio no momento é escrever sobre os primórdios da educação: onde ela começa? Como começa?

Vinde irmãos macumbeiros Espíritas, Católicos, Ateus. Vinde todos os brasileiros. Para a grande reunião. Para combater a fome Que mata nossa nação. [...] Vinde trapeiro, pedreiro. Lavrador, arrumadeira. Caixeiro, funcionário. Combater a tuberculose Que mata nossa nação. Vinde irmãos sambistas. Da favela. Da Mangueira. Do Salgueiro. Estácio de Sá. Para a grande reunião. Combater o analfabetismo Que manta a nossa nação. Vinde poetas, pintores Engenheiros, escritores. Negociantes e médicos. Para a grande reunião. Combater o facismo Que mata a nossa nação. Toque de reunir - Solano Trindade

pALAVRAS-CHAVE do encontro : memória história beleza 17


Perguntas de um trabalhador que lê Quem construiu a Tebas de sete portas? Nos livros estão nomes de reis. Arrastaram eles os blocos de pedra? E a Babilônia várias vezes destruída – Quem a reconstruiu tantas vezes? Em que casas Da Lima dourada moravam os construtores? Para onde foram os pedreiros, na noite em que a Muralha da China ficou pronta?A grande Roma está cheia de arcos do triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem Triunfaram os Césares? A decantada Bizâncio Tinha somente palácios para suas habitantes? Mesmo na lendária Atlântida Os que se afogavam gritaram por seus escravos Na noite em que o mar a tragou. O jovem Alexandre conquistou a Índia. Sozinho? César bateu os gauleses. Não levava sequer um cozinheiro? Filipe da Espanha chorou, quando sua Armada Naufragou. Ninguém mais chorou? Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos. Quem venceu além dele? Cada página uma vitória. Quem cozinhava o banquete? A cada dez anos um grande homem. Quem pagava a conta? Tantas histórias. Tantas questões... Bertold Brecht

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@leonardopradofoto

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EDUCAÇÃO POPULAR, CAMPO E CIDADE REFLEXÕES NECESSÁRIAS 19


EDUCAÇÃO POPULAR E QUESTÃO URBANA COM CECILIA MARIA DE MORAIS MACHADO ANGILELI Nossa convidada Cecilia é graduada, mestre e doutora em Arquitetura e Urbanismo pela USP e pósdoutoranda em História do Trabalho e Movimentos Sociais. Atualmente atua como docente na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA).

Imagem do acervo online da Escola Popular de Planejamento da Cidade

Cena do documentário "O sentido da moradia"

Como educadora, extensionista e pesquisadora, é coordenadora do projeto que articula ensino, pesquisa e extensão - Escola Popular de Planejamento da Cidade - EPPC metodologia desenvolvida ao longo de 18 anos, junto a mais de 400 favelas, ocupações e comunidades quilombolas. A EPPC tem como base pedagogias críticas latino-americanas, e dá ênfase aos impactos de grandes projetos urbanos e rurais em cidades pequenas, médias e grandes com ênfase nas remoções forçadas de moradia, bem como, propõe planos técnicos alternativos às remoções junto a instituições públicas municipais e estaduais, e de defesa de direitos. Nosso encontro Neste dia (12/05) tivemos 21 participantes ao todo, divididos/as entre as/os componentes do grupo de estudo-extensão OBEPAL (UFES), do grupo de pesquisa Saberes em Movimento (UNILA), do coletivo Pedalamente e demais convidadas/os. Nossos diálogos (im)pertinentes

Imagem do acervo online da Escola Popular de Planejamento da Cidade

O direito à cidade, tema de início do nosso diálogo, pode ser concebido de duas formas. Segundo Henry Lefebvre, tal direito diz respeito a apropriação da cidade. Já David Har-

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-vey aponta que o direito à cidade não é apenas acessá-la, mas também pensá-la e planejá-la. A partir disso, Cecilia nos traz uma apreensão crítica da realidade das megacidades (acima de 10 milhões de habitantes), sendo este um modelo de continuidade insustentável, dada a degradação do meio ambiente e complexificação das relações sociais. Ela nos apresenta também o conceito de cidade mercadoria, ou seja, cidades que se desenham no capitalismo visando sempre o lucro e não a qualidade de vida e existência dos indivíduos. Esse movimento é possibilitado também pela ação do marketing urbano, apropriado inclusive pelos moradore, onde a lógica do desenvolvimento/progresso impera sob as vidas e justifica as remoções e expulsões. Ademais, traz um pouco sobre sua jornada com a comunidade da Brasilândia em São Paulo, onde relata ter se formado enquanto arquiteta e educadora popular. Cecilia expõe para nós a Escola de Planejamento da Cidade (EPPC) que consiste num projeto de extensão da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA),, pautado na educação popular e estruturado em quatro frentes de trabalho: ações colaborativas, mapeamento, articulação e multiplicação da metodologia. Essa união entre educação popular e universidade permite uma maior aproximação com as comunidades e a troca de conhecimentos, contribuindo para a propagação de leituras críticas da realidade/do mundo e ações de resistência contra as remoções forçadas destes sujeitos dos seus territórios pelo Estado ou pelo empresariado.

[...] Uma cidade é um amontoado de gente que não planta e que come o que compra e pra comprar se vende. Uma cidade como a nossa é um labirinto de arranha-céus e transações financeiras, um mercado de brancos (de negros, de mulatos, de malucos) uma multiplicada Rua do Valongo. Vendem-se frutas, carnes congeladas, vendem-se couves, conas, inspiradas canções de amor, poemas, vendem-se jornadas inteiras de vida, noites de sono, vende-se até o futuro e a morte às companhias de seguro. [...] Improviso ordinário sobre a cidade maravilhosa - Ferreira Gullar

pALAVRAS-CHAVE do encontro : cidades território educação popular 21


Bicho urbano Se disser que prefiro morar em Pirapemas ou em outra qualquer pequena cidade do país estou mentindo ainda que lá se possa de manhã lavar o rosto no orvalho e o pão preserve aquele branco sabor de alvorada Não não quero viver em Pirapemas Já me perdi Como tantos outros brasileiros me perdi, necessito deste rebuliço de gente pelas rua se meu coração queima gasolina (da comum) como qualquer outro motor urbano A natureza me assusta. Com seus matos sombrios suas águas suas aves são como aparições me assusta quase tanto quanto esse abismo de gases e de estrelas aberto sob minha cabeça. Ferreira Gullar

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EDUCAÇÃO POPULAR E O PROJETO CAMPONÊS COM LEOMAR HONORATO LÍRIO Nosso convidado Leomar é camponês, com graduação em Licenciatura em Educação do Campo pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Faz parte do Movimento de Pequenos Agricultores (MPA) desde 1999 e atualmente integra a direção estadual do Espírito Santo, sendo responsável pela articulação entre os/as camponeses/as e os/as consumidores da cidade e organização das feiras agroecológicas realizadas na Grande Vitória. Imagem do acervo online do MPA

Nosso encontro No dia (15/05) tivemos 21 participantes, divididos(as) entre as/os componentes do grupo de estudo-extensão OBEPAL (UFES), do MPA, do coletivo Pedalamente e demais convidadas/os. Nossos diálogos (im)pertinentes

O companheiro Leomar Lírio

O encontro do dia já nos alegra pela sensibilidade do convidado em preparar a mística, com ambientação do espaço (foto ao lado) e belas canções. Leomar inicia o encontro contanto um pouco da gênese e das reivindicações do movimento: o MPA é um movimento nacional, com horizonte socialista, que começa a se organizar em 1996. Para ele o movimento não é somente uma organização, mas um estilo de vida. Seu lema é “organizar, produzir e alimentar”, sendo o alimento sua espinha dorsal. Eles lutam pela soberania alimentar e pela a melhoria das condições de vida e produção dos/as camponeses/as, temas muito complexos, pois perpassam a questão fundiária, as técnicas de produção, a educação do campo, entre outros.

Imagem do acervo online do MPA

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O plano camponês compreende diversos aspectos e surge como alternativa ao modelo de desenvolvimento e de sociedade capitalista, mostrando que é possível conciliar a produção de alimentos saudáveis e de energia com a preservação do meio ambiente. A Alimergia (alimento + meio ambiente + energia) mostra-se enquanto possibilidade concreta, muito distante do pacote técnico-ideológico oriundo da Revolução Verde. Falar de alimento saudável é, então, fazer frente ao agronegócio, pois este é um modelo que compromete toda a vida humana e não-humana. Um dos maiores desafios do MPA é ir aos espaços urbanos para debater e levar o alimento, sendo as feiras agroecológicas grandes aliadas nesse processo, porque são ambientes de exercício da cidadania e de diálogo entre campo-cidade. Ademais, nos explica que a base do movimentos são as famílias camponesas. No caso específico das mulheres, sua relevância dá-se principalmente pelo trabalho com as hortas e a produção diversificada de alimentos. Por fim, compartilha conosco sua experiência na Licenciatura em Educação do Campo, detentora de uma ligação orgânica entre teoria-prática por conta da pedagogia da alternância, dividida em tempos na Universidade e em tempos na comunidade. Essa metodologia também é utilizada nas Escolas Famílias Agrícolas, que trabalham a consciência crítica e a estima dos jovens do campo. Sendo assim, a educação é uma potente ferramenta de transformação da vida camponesa.

Mãe terra abençoa as mãos calejadas daqueles que te semeiam fazendo brotar de teu ventre o alimento do homem: de todos os credos de todos os níveis de todas as raças. Esses guerreiros sem nome na sua simplicidade nencem o demônio da fome e salvam a humanidade. Mãos de Calo - Zeca Tocantis

pALAVRAS-CHAVE do encontro : campo agroecologia alimento 24


A terra é nossa A terra é um bem comum Que pertence a cada um Com o seu poder além, Deus fez a grande natura Mas não passou escritura Da terra para ninguém Se a terra foi Deus quem fez Se é obra da criação Deve cada camponês Ter uma faixa de chão. Sei que o latifundiário Egoísta e usuário Da terra toda se apossa, Causando crises fatais Porém nas leis naturais Sabemos que a terra é nossa. Quando um agricultor solta O seu grito de revolta Tem razão de reclamar, Não há maior padecer Do que um camponês viver Sem terra pra trabalhar. Patativa do Assaré

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@maua1978

@nahayannasorgon_

@nahayannasorgon_

EDUCAÇÃO POPULAR, GÊNERO, DIVERSIDADE E TRABALHO DE BASE DESAFIOS E POSSIBILIDADES 26


EDUCAÇÃO POPULAR, GÊNERO E DIVERSIDADE COM FLÁVIA DO BONSUCESSO TEIXEIRA Nossa convidada Flávia

possui

graduação

em

Terapia

Ocupacional pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), especialização em Sociologia e mestrado em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). É doutorada em Ciências Sociais pela

Cena do curta "Acorda Raimundo... Acorda!"

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e pós-doutorado pela Università degli Studi di Milano (IT). Atualmente atua como docente na Universidade Federal de Uberlândia lotada no curso de Medicina (Departamento de Saúde Coletiva) e docente do Programa de Pós-graduação em Saúde da Família.

Se

debruça

sob

as

temáticas

diversificadas (gênero, sexualidade, prostituição, migrações e conjugalidades) e integra a rede de trabalho sobre gênero, migrações e tráfico de pessoas do PAGU/Unicamp. Nosso encontro Cena do curta "Os sapatos de Aristeu"

No dia (19/05) tivemos 28 participantes ao todo, divididos/as entre as/os componentes do grupo de estudo-extensão OBEPAL (UFES), da Associação GOLD (Grupo Orgulho, Liberdade e Dignidade), residentes em medicina da UFU e demais convidadas/os. Nossos diálogos (im)pertinentes "Acorda

Cena do curta "Vida Maria"

Raimundo"

traz

a

questão

da

construção do “papel do homem” e “papel da mulher”, de acordo com seu lugar na sociedade. Isso se reflete na pandemia, onde houve uma queda expressiva na produção in-

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-telectual das mulheres, devido a sobrecarga de tarefas domésticas: a quem se designa o cuidar? Além disso, a mulher enquanto “sexo frágil” é naturalizada e se faz presente no imaginário social. É justamente a "naturalização" que torna tão difícil desconstruir essas noções, o que nos coloca um grande desafio para combater discursos esses mecanismos de justificação das desigualdades, ameaçando a ordem vigente. Outro ponto tocado por Flávia é a violência presente na vida das travestis, que se manifesta de diversas formas: desde a negação da família até a negação do luto, presente em "Os sapatos de Aristeu". As mulheres trans são colocadas como "inferiores" e, por não corresponderesm a "normalidade" - principalmente por terem aberto mão do privilégio masculino e se aproximarem do lugar de desprezo (feminino) - são taxadas enquanto "loucas". A convidada Deborah Sabará (GOLD), ressaltou a importância da “rede de interação” no cuidado das travestis. Nos atenta também para as situações vexatórias passadas devido ao despreparo dos órgãos públicos, seja de saúde ou de assistência social, com a população trans. Apesar do avanço com o nome social - movimento iniciado pelo ministério da saúde, que precisava acompanhar as travestis e dar dignidade no atendimento - ainda existem muitas contradições e caminhos a percorrer. Dessa forma, é preciso repensar o conjunto de valores e saberes que nos circundam, a fim de respeitar a diversidade e desnaturalizar as lógicas de poder.

[...] Entre a oração e a ereção ora são, ora não são Unção bênção Sem nação mesmo que não nasçam Mas vivem e vivem e vem Se homens se amam Ciúmes se hímen se unem A quem costumeiramente ama A mente ama também [...] A quem costumeiramente ama A mente ama também A mente ama também Não queimem as bruxas Não queimem Não queimem as bruxas mas que amem as bixas mas que amem Clamem que amem, que amem [...] Que amem, clamem, que amem Que amem Que amem as travas também [...] Oração - Linn da Quebrada

pALAVRAS-CHAVE do encontro : TRANSSEXUALIDADE GÊNERO mulher 28


Os ninguéns Os ninguéns: os filhos de ninguém, os dono de nada. Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos: Que não são embora sejam. Que não falam idiomas, falam dialetos. Que não praticam religiões, praticam superstições. Que não fazem arte, fazem artesanato. Que não são seres humanos, são recursos humanos. Que não tem cultura, têm folclore. Que não têm cara, têm braços. Que não têm nome, têm número. Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local. Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata. Eduardo Galeano (2016)

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EDUCAÇÃO POPULAR E O PAPEL DA ASSISTENTE SOCIAL COM FRANCINE HELFREICH COUTINHO DOS SANTOS Nossa convidada Francine é assistente social formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF Niterói), mestre em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). doutora em Serviço Social do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Possui experiência nas áreas de família, assistência social, educação, espaços populares e coordenação de projetos. É integrante do NEPEF - Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Espaços Populares e Favelas e do NEPHU - Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos. Atualmente atua como docente no curso de Serviço Social da UFF - Niterói e no Fórum de luta por moradia da mesma cidade. Além disso, trabalhou como assistente social por 10 anos na comunidade da Maré, no Rio de Janeiro. Nosso encontro No dia (22/05) tivemos 17 participantes, divididos/as entre as/os componentes do grupo de estudo-extensão OBEPAL (UFES), da companhia de teatro Árvore casa das artes e demais convidadas/os. Nossos diálogos (im)pertinentes

Cenas do filme "Elefante Blanco"

Francine inicia sua fala contextualizando a educação na nossa sociedade, demarcando que ela está posta para atender as demandas do capital, voltando-se para o lucro e não para os sujeitos. Dessa forma, a educação popular caracteriza-se por ser um método contra-hegemônico, Já Serviço Social, teve no Brasil uma trajetória de virada, onde passa

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de uma profissão assistencialista - totalmente atrelada ao interesses do Estado - para uma nova perspectiva, pautada na teoria crítica marxista, demarcando compromisso com a classe trabalhadora. Dessa forma, há a necessidade de reinvindicar a dimensão pedagógica da profissão e resgatar sua relação com a educação popular, considerando a relevância desse método para o exercício profissional da/do assistente social. Na sua experiência, a educação popular permitiu-a trilhar outros caminhos na comunidade da Maré (RJ), tendo como base a dimensão dialética da construção coletiva, possibilitando-a falar com o povo e não para o povo. O filme escolhido - “Elefante blanco” - traz o debate importante do papel da igreja e da/do assistente social frente às mobilizações da classe popular nos territórios ditos periféricos. Ele também traz desafios para os/as assistentes sociais, como as contradições entre a defesa dos interesses da classe e as demandas dos empregadores, a absorção da lógica capitalista na subjetividade dos/as usuários/as (individualismo, competição), entre outros. Por fim, muitos são os entraves colocados na absorção da educação popular pelo Serviço Social, principalmente nas universidades/faculdades. Todavia, para os/as profissionais que estão na ponta, ela se apresenta cada vez mais enquanto ferramenta fecunda e necessária de trabalho, auxiliando na mobilização e no processo de tomada de consciência.

Quando eu canto É para aliviar meu pranto E o pranto de quem já Tanto sofreu Quando eu canto Estou sentindo a luz de um santo Estou ajoelhando Aos pés de Deus Canto para anunciar o dia Canto para amenizar a noite Canto pra denunciar o açoite Canto também contra a tirania Canto porque numa melodia Acendo no coração do povo A esperança de um mundo novo E a luta para se viver em paz! Minha missão - El Efecto

pALAVRAS-CHAVE do encontro : TRABALHO DE BASE SERVIÇO SOCIAL EDUCAÇÃO POPULAR 31


@leonardopradofoto

@nahayannasorgon_

32 @leonardopradofoto


Ao cultivo da base Cultivar é o ato de cuidar. É a relação entre duas partes; por isso é que o cultivo, entre todos os seres vivos, exige que sejamos prestativos como as cores misturadas se transformam em belas artes. Quando se cultiva se tem a alma altiva. Transformam-se as ações em parte das canções, que têm boas razões, para estarem sempre vivas. Ao cultivar se faz cultura. Combina-se a dureza e a ternura em busca da preservação. Cultivo é emoção, é ver crescer o resultado, do esforço empregado, por muitos, na mesma direção. A base também se cultiva. Não há como cuidar dela sem a presença intensiva. Seja lá o militante ou o dirigente, cada qual deve saber qual é o seu elo da corrente. Deve estar sempre em alerta para cultivar na hora certa. Nem antes nem depois, assim é que se ligam os dois. Cultiva-se com jeito, para, ao cultivar não faltar respeito. A força e o carinho se combinam no caminho, basta que se busque a lealdade para nunca se faltar com a verdade. Cultiva-se também a esperança para que os problemas se tornem uma lembrança. O mal e a derrota pertencem ao passado, os sonhos é que precisam ser alimentados. Eles bebem comem e respiram, talvez até suspiram se sentirem indecisão! Um sonho também é uma canção, cantada com as vozes do futuro, torna-se sempre mais seguro, quando passa das idéias ao coração. Quem imagina sonha acordado. Quem cuida do sonho imaginado é um cultivador. Porém o sonho não tem sexo, somente identidade, pertence a quem tem ansiedade de vê-lo um dia vencedor. No trabalho de base se cultiva, se estimula e se ativa a vontade de vencer. Onde não há cultivo há carência de poder; a força vai embora quando quem a tem não colabora. Cultive a lealdade, o otimismo, a honestidade e todos os valores, na certa seremos vencedores se derrotarmos os vícios e as vaidades. Cultive a ética e a estética. Faça da beleza uma fortaleza. Acredite que, entre o certo e o errado existe um sonho colocado, ele poderá ser vencedor ou derrotado. Cultive também a simpatia, ela é a voz que anuncia o raiar da liberdade. A força tem suas qualidades, mas só ela não abre as rachaduras, é preciso a inteligência e a ternura para fazer a luta sem perversidade. Cultivar então é estar presente, não deixar abandonadas as sementes ou perdidas nas entranhas dos problemas. Por mais que nos rodeiem os dilemas, devemos ser sempre mais inteligentes. As vitórias são frutos do cultivo. Há os que são mais intuitivos e há os que são mais racionais. O importante é que somos iguais, ninguém é maior do que ninguém, cada um sabe o dever que tem para tornar as conquistas atuais. O cultivo exige vigilância. A obra tem sempre importância, principalmente quando é de contestação. Cuidar para que a repressão não ataque, a base descuidada, as perdas serão sempre lembradas, como derrotas em nossa construção. Gostar de cultivar é gostar do que se faz. Seja na guerra ou na paz, a base é sempre a referência. Um povo não precisa de clemência, quando cultiva com vigor a sua consciência. Ademar Bogo (2007)

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AGRADECIMENTOS Agradecemos a todos/as aqueles/as que construiramr conosco esse movimento de resgate da beleza em tempos de pandemia. Em especial aos/as nossos/as convidados/as e participantes especiais - Arlete Schubert, Carlos Brandão. Cecília Angileli, Cristiane Sabino, Deborah Sabará, Flávia Teixeira, Francine Helfreich, Gilson Goulart, Leomar Lírio e Leonardo do Prado. Agradecemos também às entidades, movimentos e grupos que estiveram presentes em nossos encontros, bem como aqueles/as que se disponibilizaram para estar com a gente. Por último, mas não menos importante, agradecemos a Leonardo do Prado (@leonardopradofoto), Nahayanna Sorgon (@nahayannasorgon_) e Paulo Silva (@maua1987) por abrilhantar nosso trabalho com suas maravilhosas fotografias. Que sigamos dialogando (im)pertinentemente!

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OBEPAL Dra. Roberta Sperandio Traspadini (UNILA, Coordenação do OBEPAL) Dra. Adelia Maria Miglievich Ribeiro (UFES, Co-coordenação do OBEPAL) Alexia Cristina Clotilde de Souza (UFES) Ana Carolina Costa Andrade (UFES) Dr. William Berger (UFES) Elizio Spadetto Borini (UFES) Geovana Moreira Paraizo (UFES) Isabela Teixeira Traspadini (UFES) Julia Nascimento Barbosa (UFES) Lara Lopes Silva (UFES) Mariane Luzia Folador Domicini Berger (SEDU) Micaela Moreira Silva (UFES) Natália Moura Ribeiro (UFES) Natália Nascimento Corrêa (UFES) Stella Montiel da Silva (UNILA) Yasmin Boni Rodrighes (UFES)

REALIZAÇÃO Ana Carolina Costa Andrade (UFES) Dra. Roberta Sperandio Traspadini (UNILA, Coordenação do OBEPAL) Julia Nascimento Barbosa (UFES) Micaela Moreira Silva (UFES) Yasmin Boni Rodrighes (UFES) CONTATO E-MAIL: OBEPALEDUCAÇÃOPOPULAR@GMAIL.COM INSTAGRAM: OBEPAL.ES

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REFERÊNCIAS Acorda, Raimundo... v=HvQaqcYQyxU>

Acorda!

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ALVES Rubem. A complicada arte de ver. Folha Online, 26 de outubro de 2004. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/ult1063u947.shtml>. ASSARÉ, Patativa. A terra é nossa. Disponível em: <http://www.reformaagrariaemdados.org.br/sites/default/files/A%20terra%20%C3%A9%20nossa %20-%20Patativa%20do%20Assar%C3%A9.pdf> BOGO, Ademar. Cartas de Amor. Setor de Formação Nacional: MST, 2007. Disponível em: <http://www.reformaagrariaemdados.org.br/sites/default/files/COLET%C3%82NEA%20CARTAS% 20DE%20AMOR%20-%20completa%20-%20Junho%202006.pdf>. BRANDÃO, Carlos. Um rio chamado Watu. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1sZxozu7P6ppHPDa-FgtVUjhIWcJrl2KL/view?ts=5eaa40a2>

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