A educação popular em pauta: diálogos (im)pertinentes - segundo ciclo

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A EDUCAÇÃO POPULAR EM PAUTA DIÁLOGOS (IM)PERTINENTES: SEGUNDO CICLO

Sistematização das atividades Junho de 2020


A EDUCAÇÃO POPULAR EM PAUTA Quem somos? O Observatório de Educação Popular e Movimentos Sociais na América Latina (OBEPAL) é um grupo de pesquisa com interface na extensão da Universidade Federal do Espírito Santo. O OBEPAL possui vinculação com a PROEX a partir das atividades extensionistas que desenvolve desde 2018 e com a PRPPG através dos projetos de iniciação científica desenvolvidos ao longo dos últimos 2 anos. Apresentação das atividades em tempos de Pandemia O segundo ciclo do projeto "Educação Popular em pauta" foi realizado pelo OBEPAL durante o mês de junho/2020. O objetivo foi dar continuidade, em tempos de pandemia do novo coronavírus (COVID-19), à ação extensionista - diálogos (im)pertinentes - contando com a participação de convidados/as de diferentes áreas do conhecimento. Os encontros deram primazia para a beleza e a potência dos diálogos e afetos em tempos de incertezas. Organização: os encontros aconteceram duas vezes na semana - as terças e sextas - e tinham como recursos didáticopedagógicos a utilização de vídeos, textos, imagens e outros. Ao todo, foram 08 encontros neste segundo ciclo, perfazendo uma carga horária total de 24h de encontros online + 36h de preparação para os encontros.

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NOSSOS/AS CONVIDADOS/AS E PARTICIPAÇÕES ESPECIAIS Patrícia Ferreira

Idalgizo Monequi (MEPES)

Joel Duarte Benisio (MEPES)

Elaine Tavares (IELA)

Cristina Vergutz (EFASC)

Adair Pozzebon (EFASC)

Joana das Flores

Carlos Pinheiro Teixeira

Roberto Vervloet (IEMA)

Roberta Traspadini (UNILA)

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SUMÁRIO Educação popular, corpos e movimentos: o que nos dizem? ................................ 5 Oficina de autocuidado mente-corpo em tempos de pandemia, com Patricia Ferreira ............................................................................................................................................ 6 MEPES: gênese e desafios, com Idalgizo Monequi ......................................................... 9 América latina em foco, comunicação popular e pedagogia da alternância: . quais são os exemplos de luta e resistência popular em nosso território? .. 12 América Latina e comunicação popular, com Elaine Tavares .............................. 13 Pedagogia da Alternância e agroecologia, com Adair Pozzebon e Cristina Vergutz ............................................................................................................................................................. 16 Sistema prisional, mulheres e processos educativos: que mazelas de nossa formação socio-histórica o sistema prisional denuncia? ...................................... 19 Mulheres despossuídas no século XXI: trabalho, justiça e gênero, com Joana Duarte das Flores ..................................................................................................................... 20 A educação no sistema prisional, com Carlos José Pinheiro Teixeira ............ 23 Entre portos seguros e inseguros: o que os portos nos trazem ontem e hoje? ............................................................................................................................................................ 26 O porto (in)seguro do desenvolvimento, com Roberto José Hezer Moreira Vervloet ........................................................................................................................................................... 27 Educação popular e movimentos sociais na América Latina, com Roberta Sperandio Traspadini ............................................................................................................................ 30 Agradecimentos ........................................................................................................................ 34 OBEPAL/Realização ................................................................................................................ 35 Referências .................................................................................................................................. 36

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@nahayannasorgon_

@leonardopradofoto

@leonardopradofoto

EDUCAÇÃO POPULAR, CORPOS E MOVIMENTOS O QUE NOS DIZEM? 5


OFICINA DE AUTOCUIDADO MENTECORPO EM TEMPOS DE PANDEMIA COM PATRICIA FERREIRA Nossa Convidada

@somos.om

Patrícia Ferreira é formada em Psicologia e é doutora em Planejamento Urbano pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Também possui formação na área de Yoga, Naturopatia e Biopsicologia. Realiza trabalhos na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) com Yoga Práticas Integrativas e Complementares (PICs) e atua como terapeuta holística autônoma. Nosso encontro Neste dia (02/06) tivemos 11 participantes, sendo todas componentes do OBEPAL. Nossos diálogos (im)pertinentes A proposta da educadora popular Patrícia foi que nós realizássemos anteriormente ao

@somos.om

encontro uma série de práticas, baseadas nos princípios da Yoga PICs, que compunham o primeiro momento da oficina de autocuidado mente-corpo em tempos de pandemia. Tais práticas tinham como objetivo a desintoxicação e o equilíbirio da energia vital, envolvendo assim a introdução a meditação através do silêncio e da conexão com o céu, cuidados com a alimentação e exercícios de respiração abdominal (respiração consciente). No dia do encontro tivemos outros dois momentos da oficina: o compartilhamento das

@somos.om

experiências/percepções das práticas feitas e um exercício guiado de respiração abdominal, que auxilia no alívio do estresse, da ansiedade

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e da depressão. A partir dessas práticas Patrícia dialogou conosco sobre a importância da Yoga PICs modalidade de yoga que tem um olhar científico desenvolvida a partir da naturopatia, uma medicina tradicional que utiliza-se de várias técnicas terapêuticas naturais para tratar o ser humano de forma holística, visando o equilíbrio mente-corpo. É importante destacar que as medicinas tradicionais possuem sujeitos e não objetos, sendo assim, interessa-lhes as pessoas e não seus sintomas, o que foge totalmente da lógica "hospitalocêntrica" e de "medicalização da vida". O autocuidado apresenta-se então para nós como uma forma contra-hegemônica de ser e estar no mundo, principalmente em tempos de pandemia, daí as múltiplas dificuldades apresentadas na realização do mesmo. Aprendemos um pouco também sobre a relação da Yoga PICs com os cinco elementos (ar, terra, água, fogo e éter) que compõem tudo que há no universo, inclusive nossos corpos, na forma dos doshas (vata, pitta e kapha). Os doshas, especialmente, explicitam para nós a correlação direta entre o cosmos e o nosso corpo: distribuídos em proporções diferentes nos seres, orientam/regem os fluxos biológicos, o metabolismo e até mesmo a resistência/vigor. Dessa forma, a oficina de autocuidado tem como ponto central a necessidade de conscientização - e chama para a ressignificação - da conexão mente-corponatureza. A visão holística da medicina natural contribui enormemente para superar a fragmentação do ser, tão alienado de si mesmo e do mundo nas sociedades capitalistas ocidentais.

[...] No en el futuro No en el pasado No en el futuro Estoy aquí Todo esta en movimiento, flotando, corriendo Pero estoy aquí, cantando la canción En la presencia Cantando con el agua Cantando con la tierra Cantando con la tierra, el fuego, el viento Cantando con el agua, el fuego, el viento Con la luna y el sol Presencia en energía Presencia en el cuerpo Presencia aquí en nuestro corazón [...] Presencia - Danit

pALAVRAS CHAVE do encontro : autocuidado (re)conexão mente-corpo-natureza 7


Abriendo la voz Voy a abrir mi voz Cantar una canción Al viento, a su corazón A las aguas, fuego y sol A las almas que habitan en los ríos Y la mar Voces, todas las voces Al espíritu del bosque Voces a las heridas, la memoria, la historia Cantos al maizal, luciérnagas y al sembrar Cantos a la lluvia y al palpitar Cantos por las voces de los pueblos. Una canción de amor Una canción en son Nuestro canto Nuestros cantos A una sola voz Una canción de amor Una canción en son Nuestro canto Nuestros cantos A los miedos y al corazón

Sara Curruchich

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MEPES: GÊNESE E DESAFIOS COM IDALGIZO MONEQUI Nosso convidado Fruto da Escola Família Agrícola (EFA), como ele mesmo se denomina, Idalgizo Monequi fez parte da segunda turma da Pedagogia da Alternância no Espírito Santo. Filho de colonos no município de Iconha, torna-se educador na EFA e, posteriormente, começa a fazer parte da coordenação geral do Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (MEPES) e da União Nacional das EFA’s. Cenas do vídeo "MEPES completa 50 anos"

Nosso encontro Neste dia (05/06) tivemos 35 participantes, divididas/os entre as/os componentes do OBEPAL (UFES), do MEPES, de EFA's do Espírito Santo, da Escola Família Turismo Pietrogrande (EFTUR), da Associação Regional das Casas Familiares (ARCAFAR) do Pará, do Centro de Ensino Infantil Pingo de Gente e participantes externas/os. Nossos diálogos (im)pertinentes

Pe. Humberto Pietrogrande, fundador do MEPES

Cenas do vídeo "MEPES completa 50 anos"

Nosso encontro foi marcado por muita emoção, uma vez que Idalgizo, ao falar da gênese do MEPES e da luta pela educação do campo, foi contando também a sua história e demonstrando que ambas estiveram completamente entrelaçadas ao longo dos anos. O convidado relatou que a chegada de Padre italiano Humberto Pietrogrande fundador do MEPES - em 1964 no Espírito Santo foi marcada por um grande incômodo, dada a realidade caótica, de pobreza, em que se encontravam os homens e mulheres no interior do estado, profundamente afetados pela negligência em relação a saúde, a educação e até mesmo com dificul-

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-dades para a subsistência, relativa à baixa produtividade das lavouras. Tal realidade impactava especialmente os/as jovens, retirando-lhes quaisquer perspectivas de permanência no campo. Iniciam-se assim movimentos conjuntos entre os territórios, as lideranças comunitárias e a Igreja, a fim de promover mudanças na condição dos sujeitos do campo. Esse trabalho a muitas mãos desemboca na fundação do MEPES, em 1968. A partir do diagnóstico de uma realidade miserável, o Movimento elenca a educação como seu principal plano de atuação: buscam um novo modelo, que tem como base o fortalecimento dos vínculos com o campo. Mas que modelo seria esse? Idalgizo nos conta que na Itália havia a proposta da pedagogia da alternância, até então desconhecida em terras brasileiras. Esta consiste na indissociabilidade entre teoria e prática, através de intercalação entre tempos de estudo na escola e tempos de aplicação do estudado nas comunidades, nas propriedades das famílias. Em 1969 é criada a primeira EFA em Olivânia (Anchieta - ES), contando com a construção coletiva junto as famílias e a mobilização da comunidade. Nasce então do desejo do povo, por algo próprio com a essência camponesa - e pela necessidade de formação de seres capazes de perceber sua existência, refletir sobre ela e agir para transformá-la. Muitos foram os desafios enfrentados, como o reconhecimento pelo Estado, mas hoje como 14 EFA's, 4 creches, uma escola de turismo e um hospital o MEPES segue na jornada desafiadora de resistência e luta da educação como direito e da alternância como método para a juventude do campo.

"[...] A nossa [educação] quer ser uma resposta à miséria que encontramos no mundo, no Brasil e também no nosso Estado. Vivemos num mundo em contradição. De um lado encontramos homens empenhados na conquista do espaço e do outro, milhões, talvez bilhões, de seres humanos que vivem em condições indignas de seres humanos. [...] Vivem à margem da sociedade, explorados, humilhados, esquecidos da própria sociedade. [...] Nós queremos despertar a consciência dos homens das nossas Comunidades sobre o valor da pessoa humana. [...] são pessoas, seres humanos[...] capazes de falar e de entrar num diálogo de amor com os demais”. Discurso na posse da Primeira Diretoria do MEPES Pe. Humberto Pietrogrande (1968)

pALAVRAS-CHAVE do encontro : Educação campo Pedagogia da alternância 10


A quem constrói (carta de amor nº 109) Tudo o que fazemos com as mãos, primeiro edificamos na imaginação. Por isso podemos destacar que, edificar é primeiro um ato de imaginar. Quem edifica, mais humano fica. É através da inteligência que desenvolvemos a criatividade e a consciência. Podemos edificar um objeto, um projeto ou uma organização. Depende da intenção, da razão e da capacidade construtiva. A obra tem sempre mais vigor quando é assumida com amor e feita de forma coletiva. Homens e mulheres que militam, acreditam em um mundo diferente. Sabem que seguindo em frente estão dando ritmo ao destino. Levam um sonho peregrino vindo de outras gerações; assim nascem as revoluções, embaladas por canções e hinos. [...] Edificar é o jeito de mostrar como queremos a nova sociedade. É antecipar através da construção o que já está em nosso coração. Somos edificantes e edificados. Homens e mulheres lado a lado fazendo o que junto planejamos. No trabalho de base cultivamos as sementes dos sonhos que plantamos. Nascemos para forjar mudanças. Os braços agem como lanças, nas lutas, no trabalho ou folheando páginas escritas; não pode haver coisa mais bonita, do que uma consciência bem formada, é como o coração da namorada que a faz agir sem se sentir envergonhada. [...] Somente a luta forja novas criaturas. Ela é a mãe de todas as culturas que ousaram um dia aparecer. Por isso devemos combater e unidos haveremos de vencer. Somos construtores e construtoras de um futuro que está apenas no desenho. Por isso é preciso empenho, esforço e dedicação. Façamos de nossa organização uma força indestrutível, que sirva como combustível, para levar-nos à revolução. Ademar Bogo (2007)

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@leonardopradofoto

Cena do documentário "20 anos de Rádio Campeche"

@leonardopradofoto

AMÉRICA LATINA EM FOCO, COMUNICAÇÃO POPULAR E PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA QUAIS SÃO AS HISTÓRIAS DE LUTA E RESISTÊNCIA POPULAR DO NOSSO CONTINENTE?

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AMÉRICA LATINA E COMUNICAÇÃO POPULAR COM ELAINE TAVARES Nossa convidada Elaine Tavares é formada em Jornalismo e possui especialização em Psicologia da Comunicação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). É mestra em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC) e doutora em Serviço Social pela UFSC. Além disso, é pesquisadora do Instituto de Estudos Latino-americanos (IELA). Nosso encontro Neste dia (09/06) tivemos 15 participantes, divididas/os entre as/os componentes do OBEPAL (UFES) e convidadas/os externas/os. Nossos diálogos (im)pertinentes

Cenas do documentário "20 anos de Rádio Campeche"

Elaine se define como “uma jornalista que tece mundos com as palavras” e possui a comunicação popular como um tema da sua vida, que atravessa sua história de militância, iniciada com a experiência nas Comunidades Eclesiais de Base (CEB's). Foi no decorrer dessa trajetória de engajamento, principalmente em São Borja (RS), que aprendeu técnicas do trabalho de base e forjou relações de proximidade com a(s) comunidade(s). Como filha de radialista, auxiliou seu pai com escrita de roteiros, entrou em contato com as histórias das comunidades - como os "causos" de assombração -, entre outros. Forja-se assim, desde a experiência familiar, um sentido de comunicação vinculado completamente a cultura popular, levado como bagagem quando se da sua entrada na faculdade de jornalismo. Já

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em 1985, Elaine acompanha a ocupação do Movimento Sem Terra (MST) na fazenda Anonni (RS) a trabalho para uma emissora de TV. Ela relata que foram 30 dias muito intensos e de formação integral, com a escuta ativa das histórias de vida, o aprendizado sobre a organização do Movimento, etc. Isso a aproximou bastante da luta pela terra que, posteriormente, desemboca em trabalhos com a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e com as ocupações urbanas. Os anos 1980, como um todo, a marcaram profundamente dada a pauta pessoal e política por uma produção coletiva da comunicação popular - com os jornais murais, as rádios falantes, rádios comunitárias, entre outros - então dedica-se a resgatar o "jornalismo das margens". Pensar o "jornalismo das margens" (também título de seu livro lançado em 2004) traz questões desafiadoras, como a auto-organização das comunidades e a necessidade de democratização da comunicação, inclusive para pensar a revolução brasileira. A educação popular então adquire um lugar central, possibilitando processos formativos pautados na emancipação e na autonomia, entendendo os sujeitos enquanto agentes da comunicação capazes de contarem por si mesmos/as as histórias, negadas pelo jornalismo hegemônico, da classe trabalhadora. Por fim, é reivindicando o jornalismo de libertação, com os pés na América Latina, que Elaine se aproxima do Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA) da UFSC e conecta-se com comunicadores/as populares, a fim de conhecer, espalhar e formar grupos capazes de construir suas próprias formas de comunicação.

[...] Quero komunikar em código descodificar recodificar eletronicamente. Se komuniko que amorico me centimultiplico scotch no bico paparico rio rico salpico de prazer meu penico em vosso honor, ó Deus komunikão. [...] Ao Deus Kom Unik Assão - Carlos Drummond de Andrade

pALAVRAS-CHAVE do encontro : TRABALHO POPULAR COMUNICAÇÃO 14


Ao saber popular (carta de amor nº 176) Na vida cotidiana, seja ela santa ou profana cada ser procura produzir o seu saber. São invenções feitas pelas multidões, que aparecem sem autores. Refletem alegrias e dores; dão conselhos e indicam formas de se comportar. É a sabedoria popular, quem produz os mais astutos professores. Quem come tudo num dia, no outro assovia. De janeiro em janeiro, o dinheiro é do banqueiro. Gato escaldado tem medo de água fria. Galo só canta alto em seu terreiro. [...] Em pé de pobre é que sapato aperta. Deixa estar jacaré que a lagoa vai secar. Cada um espicha os pés até onde vai a coberta. Falar sem pensar é atirar sem apontar. Grande gabador, pequeno fazedor. Depois da tempestade vem a calmaria. Em terra alheia chama-se porco de senhor. Quando a esmola é demais, o Santo desconfia. Antes só que mal acompanhado. Pelo afinar da viola se conhece o tocador. Ao bom entendedor, uma piscada é mandado. Paga o justo sempre pelo pecador. Ladrão de tostão, ladrão de milhão. Entrada de leão, saída de cão. A ocasião faz o ladrão. Quem vê cara não vê coração. A regra, se põe na boca do saco. Só se vê bem com os olhos do coração A corda arrebenta, sempre do lado mais fraco. Quem furta pouco é ladrão, quem furta muito é barão. [...] O pior cego é aquele que não quer ver. Em casa onde não há pão, todos brigam e ninguém tem razão. A necessidade faz a lebre correr. No primeiro de janeiro todo ano é bom. A vida do homem é errar, da besta é teimar. Ruim não é mudar de idéia, é não ter idéia pra mudar. Amar e rezar, a ninguém se pode obrigar. Depois de rapar não há o que tosquiar. A porta da rua é serventia da casa. Leitão de um mês, pato de três. A agulha veste os outros e vive nua. Vida e confiança, só se perde uma vez. Quem canta seus males espanta. Só se dá conselho a quem compreende. Quem com os cães se deita com pulgas se levanta. Só burro velho não aprende. [...] Salve a sabedoria popular. Salve o tempo, velho e novo. Salve os provérbios e os contos.Salve a ciência do povo. Ademar Bogo (2007)

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PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E AGROECOLOGIA COM ADAIR POZZEBON E CRISTINA VERGUTZ Nossos convidados Tivemos a honra neste dia em ampliar ainda mais nossa rede de articulação e parceria, através da mediação do Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (MEPES). Com isso, contamos com a presença de Adair Pozzebon que é monitor da Escola

Cena do vídeo "A pedagogia da alternância na EFASC"

Família Agrícola de Santa Cruz (EFASC) no Rio Grande do Sul (RS), tecnólogo em horticultura e mestre em Desenvolvimento Rural e Cristina Vergutz que é pedagoga, coordenadora pedagógica da EFASC e doutoranda em Educação. Nosso encontro Neste dia (12/06) tivemos 30 participantes, divididas/os entre as/os componentes do OBEPAL (UFES), do MEPES, da EFASC e participantes externas/os. Nossos diálogos (im)pertinentes

Cena do vídeo "Feira pedagógica UNISC TV"

Adair dialoga conosco sobre a agroecologia, a partir dos trabalhos desenvolvidos na EFASC, entendendo estes como experiências importantes para a consolidação da pedagogia da alternância no estado. Por ser uma proposta que contraria a lógica de educação hegemônica, há um histórico de lutas e resistências travadas pela educação do campo no Brasil. No caso das EFA's, seu reconhecimento por lei se deu somente em

Cena do vídeo "A pedagogia da alternância na EFASC"

2012 - devemos lembrar que a primeira EFA foi criada em 1969 pelo MEPES - e o FUNDEB foi acessado somente em 2016. A EFASC, por sua vez, nasce em 2009, na região do Rio Pardo, re-

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-gião com forte produção de fumo, com o intuito de "fazer sentido" para quem é do campo, levando em consideração o contexto camponês e unindo agricultura e educação através da pedagogia da alternância, com circuitos de prática-teoria-prática semanais. São alguns instrumentos pedagógicos fundamentais: 1. a pedagogia da roda, horizontalizando as discussões nos momentos das refeições; 2. a feira pedagógica, que valoriza a produção de alimentos das próprias famílias, realizada pelos/as estudantes e 3. o estágio de vivência, que proporciona o intercâmbio de vivências entre as diferentes famílias. A agroecologia então é a matriz disciplinar integradora de todos esses processos, um novo paradigma, que envolve diversas áreas e inclui o saber popular. Cristina, por sua vez, insere no debate da EFA a perspectiva de gênero, levantando o questionamento: “onde estão as vozes delas?”. Abre-se assim espaço para a construção de novas epistemologias, ontologias e concepções de desenvolvimento "desde el sur e de abajo". É nessa pluralidade que se estrutura uma abordagem em curso na EFASC feminista, antirracista, anticapitalista e anticolonialista que compreende as mulheres a partir de suas potencialidades, reconstruindo o sentido de mulher, do feminino - e de seu trabalho - a partir de novas relações entre mulheres-homens. A pedagogia da alternância, assim como a agroecologia, se apresenta para nós como outras possibilidades de produção de vida, articuladas com o bem viver, que contribuem para a formação de sujeitos mobilizadores e problematizadores.

Eu quero uma escola do campo Que tenha a ver com a vida com a gente Querida e organizada E conduzida coletivamente. Eu quero uma escola do campo Que não enxerga apenas equações Que tenha como chave mestra O trabalho e os mutirões. Eu quero uma escola do campo Que não tenha cercas que não tenha muros Onde iremos aprender A sermos construtores do futuro. [...] Construtores do futuro Gilvan Santos

pALAVRAS-CHAVE do encontro : campo agroecologia pedagogia da alternância 17


Canção da Terra Tudo aconteceu num certo dia Hora de ave maria o universo vi gerar No princípio o verbo se fez fogo Nem atlas tinha o globo Mas tinha nome o lugar Era terra, terra E fez, o criador, a natureza Fez os campos e florestas Fez os bichos, fez o mar Fez por fim, então, a rebeldia Que nos dá a garantia Que nos leva a lutar Pela terra, terra Madre terra nossa esperança Onde a vida dá seus frutos O teu filho vem cantar Ser e ter o sonho por inteiro Ser sem-terra, ser guerreiro Com a missão de semear À terra, terra Mas apesar de tudo isso O latifúndio é feito um inço Que precisa acabar Romper as cercas da ignorância Que produz a intolerância Terra é de quem plantar À terra, terra O Teatro Mágico

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@nahayannasorgon_

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SISTEMA PRISIONAL, MULHERES E PROCESSOS EDUCATIVOS QUE MAZELAS DE NOSSA FORMAÇÃO SOCIOHISTÓRICA O SISTEMA PRISIONAL DENUNCIA? 19


MULHERES DESPOSSUÍDAS NO SÉCULO XXI: TRABALHO, JUSTIÇA E GÊNERO COM JOANA DUARTE DAS FLORES Nossa convidada Joana Duarte das Flores é formada em Serviço Social, com mestrado e doutorado na mesma área pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Atualmente é professora da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e faz parte do grupo de trabalho “Feminismos, resistencias y emancipación” do Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO). Nosso encontro Neste dia (16/06) tivemos 21 participantes, divididas/os entre as/os componentes do OBEPAL (UFES), do Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (MEPES) e participantes externas/os. Nossos diálogos (im)pertinentes Joana, que se debruça sobre a temática do sistema carcerário desde sua graduação, inicia relatando que o cárcere no Brasil é demarcado pela seletividade penal, baseada na questão de classe social e principalmente de raça, dando fundamentos a desigualdade jurídica. As primeiras prisões documentadas de mulheres negras escravizadas - aconteceram em 1769, entretanto, somente em 2014 foi feito o primeiro mapeamento sistematizado, formalmente registrado e divulgado do encarceramento feminino brasileiro. Nas suas pesquisas, Joana pode verificar que a falta de

Cenas do filme "O cárcere e a rua"

acesso ao mundo formal do trabalho é uma das principais causas para a inserção das mulheres nas atividades ilícitas, dessa forma, a latência da questão social se apresenta nas pri-

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-sões. Tal verificação questiona as lógicas do "empoderamento" e da "passionalidade", usualmente utilizadas para justificar os crimes femininos. É então com o aumento do desemprego, do discurso neoliberal e do endurecimento penal com a Lei de Drogas (2016) que o encarceramento feminino atinge seu pico em 2013. Joana defende que o tráfico de drogas é tido como um meio de trabalho informal, utilizado para garantir a sobrevivência. Além disso, o mecanismo do "flagrante", tão utilizado no combate a "guerra às drogas" promove o ocultamento real de quem opera realmente o mercado das drogas: se somos um país referência mundial tanto no consumo, quanto na exportação de drogas, a mulher preta, pobre e periférica é realmente a traficante? A complexidade da questão prisional faz Joana perpassar alguns outros temas, tais como o papel do Estado, o papel da igreja dentro e fora das prisões, as relações que são estabelecidas dentro do cárcere (códigos e conduta), a descriminalização das drogas, etc. Dessa forma, podemos concluir que “o sistema carcerário brasileiro denuncia as mazelas da nossa formação sócio histórica tais como…”: a falsa abolição da escravidão, que se observa no racismo estrutural e institucional; a dialética do desenvolvimento e do capitalismo dependente na América Latina e o papel da mulher na sociedade capitalista, explicitada pelas múltiplas violências sofridas pelas mulheres em privação de liberdade. Em resumo, é a expressão de uma sociedade desigual e segregada em diversos níveis.

O pior cárcere não é o que aprisiona o corpo, Mas o que asfixia a mente e alguma emoção Sem liberdade; as mulheres sufocam sem prazer, Sem nada; os homens se tornaram máquinas de trabalho; Há muitas mulheres no cárcere, já nem sei a conta: Em cidades que não se dizem, em lugares que ninguém sabe; Presas então, estão para sempre, Sem janelas e sem esperança. Umas voltadas para o presente e outras para o futuro, Presas em delírios, na sombra, Presas por outros, ou por si mesmas, Ninguém solta Vida no Cárcere - Liamar Maia

pALAVRAS-CHAVE do encontro : mulheres SISTEMA CARCERÁRIO questão social 21


Prisão Nesta cidade quatro mulheres estão no cárcere. Apenas quatro. Uma na cela que dá para o rio, outra na cela que dá para o monte, outra na cela que dá para a igreja e a última na do cemitério ali embaixo. Apenas quatro. Quarenta mulheres noutra cidade, quarenta, ao menos, estão no cárcere. Dez voltadas para as espumas, dez para a lua movediça, dez para pedras sem resposta, dez para espelhos enganosos. Em celas de ar, de água, de vidro estão presas quarenta mulheres, quarenta ao menos, naquela cidade. Quatrocentas mulheres quatrocentas, digo, estão presas: cem por ódio, cem por amor, cem por orgulho, cem por desprezo

em celas de ferro, em celas de fogo, em celas sem ferro nem fogo, somente de dor e silêncio, quatrocentas mulheres, numa outra cidade, quatrocentas, digo, estão presas. Quatro mil mulheres, no cárcere, e quatro milhões – e já nem sei a conta, em cidades que não se dizem, em lugares que ninguém sabe, estão presas, estão para sempre - sem janela e sem esperança, umas voltadas para o presente, outras para o passado, e as outras para o futuro, e o resto – o resto, sem futuro, passado ou presente, presas em prisão giratória, presas em delírio, na sombra, presas por outros e por si mesmas, tão presas que ninguém as solta, e nem o rubro galo do sol nem a andorinha azul da lua podem levar qualquer recado à prisão por onde as mulheres se convertem em sal e muro Cecília Meireles

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A EDUCAÇÃO NO SISTEMA PRISIONAL COM CARLOS JOSÉ PINHEIRO TEIXEIRA Nosso convidado Carlos Pinheiro é educador popular, formado em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Já trabalhou no Ministério da Justiça e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e, atualmente, faz parte do programa Justiça Presente, uma parceria entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN). "Las manos de la protesta", Oswaldo Guayasamín

Nosso encontro Neste dia (19/06) tivemos 13 participantes, divididas/os entre as/os componentes do OBEPAL (UFES) e participantes externas/os . Nossos diálogos (im)pertinentes

Cena da aula "Pandemias e periferias" da Rede Emancipa

Carlos inicia o diálogo com uma reflexão sobre a diversidade de olhares sob as prisões, entendendo-as como lugares muito complexos e que ele, desde a literatura, foi inspirado a pensar e atuar. Como educador popular, coloca que existem dois conceitos que definem a educação no sistema prisional: o espaço e o tempo. O espaço é a relação de movimento entre dentro/fora - como e o que entra e/ou sai - marcada pela noção de segurança. Já o tempo como um processo muito particular dos presídios, tanto no sentido coletivo, quanto no sentido individual de cada encarcerada/o, delineado a partir da disciplina. Com isso um questionamento é levantado por ele: como pensar a educação, que é necessariamente um projeto de futuro, nesses espaços onde o tempo dos indivíduos lhes é desapropriado? Os desafios são inúme-

"Las manos de la esperanza", Oswaldo Guayasamín

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-ros e não estão apenas no âmbito do Estado com as políticas públicas (ou quase sempre ausência delas), mas também no imaginário social, construído em torno do que se entende como "objetivos em privar alguém de sua liberdade", ou seja, um espaço de punição, para que as/os indivíduos criminalizados se arrependam dos atos que cometeram. Como criar um espaço onde o ato educativo vai ser, resgatando Paulo Freire, dialógico e amoroso? É necessário que as/os professoras/es que vão lecionar nestes espaços compreendam a realidade e não o romantizem, abrindo mão dos preconceitos construídos. Além disso, desde a perspectiva freireana, é preciso enxergar os educandos como iguais, capazes de dar na mesma medida de receber, na dialogicidade do conhecimento. Carlos assume também que é preciso atuar para que as contradições, que neste caso poderão ser diversas, apareçam e possam ser trabalhadas por todas/os, ou seja, passam de ser "limitadores" para serem possíveis "temasgeradores". A necessidade de pensar a educação e suas especificidades no sistema carcerário também nos faz questionar a escola hegemônica, entendendo esta como um espaço disciplinador, de exclusão e de não fomento da autonomia. Dessa forma, podemos concluir que “o sistema carcerário brasileiro denuncia as mazelas da nossa formação sócio histórica tais como…”: o sistema de ensino a serviço da classe dominante, que é extremamente desigual e que, assim como os presídios. são projetados para a perda - e não resgate - da beleza.

[...] Aonde a pele preta possa incomodar Um litro de Pinho Sol pra um preto rodar Pegar tuberculose na cadeia faz chorar Aqui a lei dá exemplo mais um preto pra matar [...] Nem Pablo Escobar, nem Pablo Neruda Já faz tempo que São Paulo borda a morte na minha nuca A pauta dessa mesa "Coroné" manda anotar Esse ano tem massacre pior que de Carajá [...] É que a industria da desgraça pro governo é um bom negócio Vende mais remédio, vende mais consórcio Vende até a mãe, dependendo do negócio [...] Olhe, essa é a máquina de matar pobre! No Brasil, quem tem opinião, morre! [...] Boca de lobo - Criolo

pALAVRAS-CHAVE do encontro : EDUCAÇÃO popular SISTEMA CARCERÁRIO espaço e tempo 24


Diário de um detento [...] Faltam só um ano, três meses e uns dias Tem uma cela lá em cima fechada Só o cheiro de morte e Pinho Sol Um preso se enforcou com o lençol [...] Cachorros assassinos, gás lacrimogêneo Quem mata mais ladrão ganha medalha de prêmio O ser humano é descartável no Brasil Como modess usado ou Bombril Cadeia? Guarda o que o sistema não quis Esconde o que a novela não diz Ratatatá sangue jorra como água Do ouvido, da boca e nariz O Senhor é meu pastor Perdoe o que seu filho fez Morreu de bruços no Salmo 23 Sem padre, sem repórter Sem arma, sem socorro [...] Mas quem vai acreditar no meu depoimento? Dia 3 de Outubro, diário de um detento Racionais MC's

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Baia de Vitรณria (1961)

@nahayannasorgon_

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ENTRE PORTOS SEGUROS E INSEGUROS O QUE OS PORTOS NOS TRAZEM ONTEM E HOJE? 26


O PORTO (IN)SEGURO DO DESENVOLVIMENTO COM ROBERTO JOSÉ HEZER MOREIRA VERVLOET Nosso convidado Roberto Vervloet é formado em Geografia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e mestre e doutor em Ciências (Geografia Física). Atualmente é geógrafo no Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Espírito Santo (IEMA) e

Esplanada capixaba (1961)

pesquisador colaborador no Núcleo de Estudo, Pesquisa e Extensão em Mobilizações Sociais (ORGANON) do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFES. Nosso encontro Neste dia (23/06) tivemos 15 participantes, divididas/os entre as/os componentes do OBEPAL (UFES), do Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (MEPES) e participantes externas/os. Nossos diálogos (im)pertinentes

Acervo pessoal Karen Dias

Com a ausência de bibliografia no assunto, Roberto conta para nós que sentiu a necessidade de estudar os portos com uma perspectiva territorial e geográfica. Dessa forma, relaciona os elementos da abordagem marxiana com a geografia, entendendo que a organização do espaço está a serviço do modo de produção capitalista. Ou seja, falar da questão portuária é falar sobre a produção e a circulação de mercadorias, indispensável para

Acervo Sindimares

a manutenção do sistema marítimo portuário mundial, composto pelos grandes eixos de trocas comerciais que vigoram no planeta des-

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-de o século XVII/XVIII, atualmente embasado no tripé Estados Unidos-Europa-Ásia (China e Japão). Deriva daí todas as racionalidades que impactam as regiões, cabendo aos estados/países serem somente meros coadjuvantes nesses processos, sendo as reais protagonistas as 17 empresas que controlam esse sistema mundial. Além disso, explicitou que os sistemas portuários compreendem a tríade marcosta-terra e destaca que, usualmente, os maiores efeitos de sua instalação são sentidos na área continental, visto que há uma mobilização para a constituição de acessos terrestres que não levam em conta a especificidades de cada lugar. Roberto salienta que entender bem essas questões impacta diretamente na nossa forma de lutar contra elas. No que diz respeito ao Espírito Santo, mesmo sendo fundado enquanto um estado portuário, sua elite sempre o pensou como somente uma plataforma para escoamento de mercadoria (ponta de lança), derivando assim as múltiplas violências históricas sobre os corpos e os territórios capixabas. Destaca, por fim, a violência patriarcal das sociedades portuárias, a precarização do trabalho portuário e sua crescente mecanização nos países desenvolvidos. A pergunta “o que os portos trazem ontem e hoje?” é então respondida coletivamente: acumulação primitiva, desenvolvimento capitalista dependente, constantes genocídios e etnocídios - com ênfase na população negra e indígena -, a expulsão como reflexo do modo de produção e história da luta de classes e, para além das mercadorias, o fluxo cultural entre as indas e vindas.

Preso à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pela rua cinzenta. Melancolias, mercadorias espreitam-me. Devo seguir até o enjoo? Posso, sem armas, revoltar-me? Olhos sujos no relógio da torre: Não, o tempo não chegou de completa justiça. O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera. O tempo pobre, o poeta pobre fundem-se no mesmo impasse [....] Uma flor nasceu na rua! [...] Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde e lentamente passo a mão nessa forma insegura. É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio. A flor e a náusea - Carlos Drummond de Andrade

pALAVRAS-CHAVE do encontro : portos mercadorias desenvolvimento 28


Navio Será que você escuta o que eu consigo ouvir Olha lá o som do navio. Olha lá o som do navio negreiro. Ele vem aportando aqui no cais Escuta lá, o barulho do navio negreiro Ele vem trazendo meus irmãos pra sofrer aqui nesse cativeiro Eu vou ocupar os espaços, resignificar o meu passado, minha pele se arrepia ao pisar nesse chão sagrado. Escuta lá... O barulho do navio negreiro. Eu não queria poder escutar, eu não queria poder sentir na minha pele o que meus antepassados passaram por aqui. Mas isso me dá forças pra resistir. Eu nunca mais eu quero ouvir o barulho do navio negreiro passar Letícia Chaves

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EDUCAÇÃO POPULAR E MOVIMENTOS SOCIAIS NA AMÉRICA LATINA COM ROBERTA SPERANDIO TRASPADINI Nossa convidada

Cena do vídeo "ENFF: uma escola em construção"

Roberta Traspadini é educadora popular e graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Atualmente leciona na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) e é integrante/coordenadora de dois grupos: o Observatório de Educação Popular da América Latina (OBEPAL), vinculado à UFES e o Saberes em Movimento: a luta por terra e trabalho na América Latina e a história das resistências legados da Educação Popular e da Teoria Marxista da Dependência, vinculado à UNILA. Nosso encontro

Gabriela Mistral

Neste dia (25/06) nosso encontro consistiu num movimento de articulação entre o OBEPAL e o projeto de extensão Atentos/as e fortes na quarentena, do grupo de Estudos e Pesquisas Proteção Social e Famílias da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Tal encontro contou também com a presença de Messias Barbosa e Micheli Burginski, como facilitadora. Nossos diálogos (im)pertinentes

Cena do vídeo "Los pueblos zapatistas y la otra educación"

Se a educação popular não é um pacote fechado ou uma receita pronta para ser levada aos "ignorantes", o que ela é? A mesma precisa ser explicitada e enraizada no processo concreto das histórias e não da História. No caso da América Latina, essas histórias se definem no marco de quem eram os sujeitos que aqui viviam, produzindo diversas relações com a natureza - que os definia como sujeitos ontológicos - e o que se torna esse processo após a invasão colonial. É

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o princípio inegável de compreensão das histórias que resgatará nossas heranças de resistência e luta, nas gêneses do bien vivir, da agroecologia, da Abya Yala entre outros. Logo, para os estágios da consciência, recuperar a história pré-colombiana ou pré-cabraliana exige retomar nossas raízes fundantes, que como fundas e profundas mantêm-se vivas ainda hoje no processo de mercantilização, não sem luta, da vida. Já com o advento da invasão, merece destaque o período do final do século XV a meados do século XIX que demarcará os vários e diferentes tons das guerras de independências na América Latina. É nesse momento em que a educação popular passa a ser narrada pelas histórias das resistências, enquanto possibilidades de poderser em meio a um dever-ser obrigatório e perverso. Posteriormente, com a conformação sui generis no continente do capitalismo dependente, que ancorado na propriedade privada da terra e na escravidão produzirá um tipo de exploração ainda mais violento: como resistir quando a sobrevivência não está garantida, visto que muitos são os/as que estão à margem do universo de direitos? A educação popular é, assim, o movimento contínuo de entendermos que, ainda quando o modo de produção insista em excluir, as pessoas encontram formas-conteúdos de incluir. É, portanto, história, historicidade, complexidade, conflitividade e narrativa cotidiana daqueles/as que sobrevivem ainda quando, na lógica da propriedade privada, o capital insista em defini-los e defini-las como prescindíveis. Seu DNA é a luta de classes e se firma numa práxis comprometida com a construção de uma nova perspectiva de mundo, dedicando tributo e beleza a todos/as que vieram antes de nós.

Dame la mano y danzaremos; dame la mano y me amarás. Como una sola flor seremos, como una flor, y nada más… El mismo verso cantaremos, al mismo paso bailarás. Como una espiga ondularemos, como una espiga, y nada más. Te llamas Rosa y yo Esperanza; pero tu nombre olvidarás, porque seremos una danza en la colina y nada más… Dame la mano - Gabriela Mistral

pALAVRAS-CHAVE do encontro : EDUCAÇÃO POPULAR América latina Histórias 31


Muitas fugiam ao me ver Muitas fugiam ao me ver Pensando que eu não percebia Outras pediam pra ler Os versos que eu escrevia Era papel que eu catava Para custear o meu viver E no lixo eu encontrava livros para ler Quantas coisas eu quiz fazer Fui tolhida pelo preconceito Se eu extinguir quero renascer Num país que predomina o preto Adeus! Adeus, eu vou morrer! E deixo esses versos ao meu país Se é que temos o direito de renascer Quero um lugar, onde o preto é feliz. Carolina Maria de Jesus

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32 @nahayannasorgon_


AGRADECIMENTOS Agradecemos a todos/as aqueles/as que construiramr conosco esse movimento de resgate da beleza em tempos de pandemia. Em especial aos/as nossos/as convidados/as e participantes especiais - Adair Pozzebon, Carlos Teixeira, Cristina Vergutz, Elaine Tavares, Idalgizo Monequi, Joana das Flores, Joel Benísio, Patrícia Ferreira, Roberta Traspadini e Roberto Vervloet. Agradecemos também às entidades, movimentos e grupos que estiveram presentes em nossos encontros, bem como aqueles/as que se disponibilizaram para estar com a gente. Por último, mas não menos importante, agradecemos a Leonardo do Prado (@leonardopradofoto), Karen Dias e Nahayanna Sorgon (@nahayannasorgon_) por abrilhantar nosso trabalho com suas maravilhosas fotografias. Que sigamos dialogando (im)pertinentemente!

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OBEPAL Dra. Roberta Sperandio Traspadini (UNILA, Coordenação do OBEPAL) Dra. Adelia Maria Miglievich Ribeiro (UFES, Co-coordenação do OBEPAL) Alexia Cristina Clotilde de Souza (UFES) Ana Carolina Costa Andrade (UFES) Elizio Spadetto Borini (UFES) Geovana Moreira Paraizo (UFES) Isabela Teixeira Traspadini (UFES) Julia Nascimento Barbosa (UFES) Karen C. dos Santos Dias (UFES) Livia Costa Araújo (SEME) Mariane Luzia Folador Domicini Berger (SEDU) Micaela Moreira Silva (UFES) Natália Moura Ribeiro (UFES) Stella Montiel da Silva (UNILA) Yasmin Boni Rodrighes (UFES)

REALIZAÇÃO Ana Carolina Costa Andrade (UFES) Dra. Roberta Sperandio Traspadini (UNILA, Coordenação do OBEPAL) Julia Nascimento Barbosa (UFES) Micaela Moreira Silva (UFES) Yasmin Boni Rodrighes (UFES) CONTATO E-MAIL: OBEPALEDUCACAOOPOPULAR@GMAIL.COM INSTAGRAM: OBEPAL.ES

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REFERÊNCIAS 20 anos de rádio Campeche. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=YRCubvI3kc>. A pedagogia da alternância na EFASC. https://www.youtube.com/watch v=1hCUy8oAaxE>.

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Navio.

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MEPES completa 50 anos e continua mudando o ensino no meio rural no ES. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=O_r57iS8EPU>. O CÁRCERE e a rua. Direção de Liliana Sulzbach. Brasil: Zeppelin Filmes, 2005. DVD (85 min). Pandemias e periferias: a privação de liberdade no contexto da pandemia. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=vHa5xhV9T4U&feature=youtu.be>. Paulo Freire: Serie maestros de América Latina. Disponível https://www.youtube.com/watch?v=t-Y8W6Ns90U&feature=youtu.be>.

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Uma escola para o campo: Pe. Humberto Pietrogrande. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?time_continue=5&v=IP-nPU4z52A&feature=emb_logo>.

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