Além das Limitações: uma jornada pela história da deficiência e a sociedade do cuidado

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Pérola de Paula Sanfelice Daniele Shorne de Souza

Além da s Limitações UMA JORNADA PELA HISTÓRIA DA DEFICIÊNCIA E A SOCIEDADE DO CUIDADO

Curitiba 2023




Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Sanfelice, Pérola de Paula Além das limitações : uma jornada pela história da deficiência e a sociedade do cuidado / Pérola de Paula Sanfelice, Daniele Shorne de Souza. -Curitiba, PR : Farol dos Reis, 2023. Bibliografia. ISBN 978-85-69126-13-3 1. Direitos humanos 2. Inclusão social 3. Mobilidade urbana 4. Pessoas com deficiência Acessibilidade 5. Pessoas com deficiência Condições sociais 6. Pessoas com deficiência Direitos - Brasil 7. Pessoas com deficiência Educação 8. Tecnologia Assistiva (TA) I. Souza, Daniele Shorne de. II. Título. 23-179930

CDD-362.4045 Índices para catálogo sistemático:

1. Pessoas com deficiência : Inclusão : Bem-estar social 362.4045 Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129


EXPEDIE NT E Autoras Pérola de Paula Sanfelice

Daniele Shorne de Souza

Pérola de Paula Sanfelice é doutora em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), desenvolve pesquisas relacionadas à História antiga, Gênero e aos Usos do passado. Desenvolveu um estágio na Universidade de Barcelona, onde trabalhou no Laboratório de Arqueologia, CEIPAC, estudando a cultura material romana e presenciando escavações arqueológicas tanto em Roma quanto em Pompeia. Atualmente participa dos Grupos de Pesquisas credenciados pelo CNPq; Tem experiência em produção de materiais didático. Especialista na área de História Antiga, Arte e Teoria da História.

Daniele Shorne de Souza é autora, historiadora e editora de material didático, cuja vida é marcada por desafios físicos desde seu nascimento em 1982, devido à síndrome de Ehrles Danlos. Apesar das limitações, encontrou refúgio nos livros e se dedicou à história dos excluídos, obtendo um mestrado em história das mulheres. Casada com Luiz Rodrigo, pessoa com deficiência, e recentemente diagnosticada com Lúpus, tornou-se uma pessoa com deficiência invisível. Ao olhar para seu filho Levi, vê a esperança de um futuro inclusivo, destacando a importância de reconhecer e trabalhar para tornar o mundo acessível a todos.

Coordenação e produção editorial Núcleo de Mídia e Conhecimento

Pesquisa e Consultoria Ação Social para Igualdade das Diferenças (ASID)

Projeto Gráfico e Diagramação Danielle Dalavechia Revisão Ortográfica Juliana Maria Gusso Rosado

Produção de conteúdo Gabriela Jardim Bonet Medusa Projetos Culturais e Comunicação Apoio Fundação Iniciativa


S U M ÁRIO 1 I N TRO D UÇÃO.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ............................................................. 9 2 CO NH EC EN DO A S DEFI CI ÊN CIAS ?.................................................... 15 2 .1 VA M OS L Á, AN T ES D E T UD O, O QUE É DEFICIÊNCIA? ................... 17 2 .2 Q U A I S S ÃO OS T IPOS D E D EFICIÊNCIA ?......................................... 18 2 .3 Q U E T E R MOS D EVO US AR ? . . ............................................................ 19 2 .4 P E RT E NCIMEN TO S OCIAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA ............ 21 2 .5 E Q U A I S FO R AM OS AVAN ÇOS SOCIA IS DA S PESSOAS COM DE FI C I Ê N C I A? .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ............................................................ 24 3 A S P ES S OAS COM DEFI CI ÊN C IA NA HIS TÓRIA................................ 27 3 .1 I DA DE A NT IGA.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ............................................................ 34 EGITO ANTIGO ............................................................................................................ 34 CIVILIZAÇÃO GRECO-ROMANA ................................................................................. 38

3 .2 I DA DE M ÉD IA.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ............................................................ 40 TECNOLOGIAS ASSISTIVAS NA IDADE MÉDIA?.......................................................... 45

3 .3 I DA D E M OD ER N A.. . . . . . . . . . . . . . . . ............................................................ 48 3 .4 I DA D E CON T EMPO R ÂN EA.. . ............................................................ 54 O SÉCULO XIX.............................................................................................................. 54 SÉCULO XX .................................................................................................................... 61

4 B R A S I L .. . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ............................................................ 73 5 O F U TURO : UM A SOCI EDADE DE CUIDADO É P OS S ÍVE L . . .............. 95 5.1 A T EC N O LOGIA A FAVOR D O DESENVOLVIMENTO E DO BEMES TA R DA S PES S OAS COM D EFICIÊNCIA .............................................. 97


TECNOLOGIA ASSISTIVA (TA) - CONCEITO................................................................ 97 (TA) - CATEGORIZAÇÃO............................................................................................... 97 (TA) - VIDA DIÁRIA........................................................................................................ 98 COMUNICAÇÃO AUMENTATIVA E ALTERNATIVA (CAA) ............................................. 98 RECURSOS DE ACESSIBILIDADE AO COMPUTADOR ................................................... 99 SISTEMAS DE CONTROLE DE AMBIENTE ..................................................................... 99 PROJETOS ARQUITETÔNICOS PARA ACESSIBILIDADE ................................................ 99 ÓRTESES E PRÓTESES .................................................................................................. 100 ADEQUAÇÃO POSTURAL............................................................................................. 100 AUXÍLIOS DE MOBILIDADE.......................................................................................... 100 AUXÍLIOS PARA CEGOS OU COM VISÃO SUBNORMAL............................................. 100 AUXÍLIOS PARA SURDOS OU COM DÉFICIT AUDITIVO.............................................. 100 ADAPTAÇÕES EM VEÍCULOS........................................................................................ 101

5.2 DI R E I TOS D E PES S OAS CO M DEFICIÊNCIA DE ACORDO COM A LEI B RA SI LE I R A DE IN CLUS ÃO.. . . . . . . . ............................................................ 102 DOCUMENTOS E IDENTIFICAÇÃO.............................................................................. 102 BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA (BPC/LOAS)..................... 102 DIREITO A ACESSIBILIDADE......................................................................................... 102 DIREITO À SAUDE ........................................................................................................ 104 DIREITO AO ATENDIMENTO PRIORITÁRIO .................................................................. 104 DIREITO DE ACESSO AO MERCADO DE TRABALHO................................................... 105 DIREITO À EDUCAÇÃO................................................................................................. 105 DIREITO A ISENÇÃO DE TRIBUTOS E OUTROS............................................................ 106

5.3 U M A SO CIEDAD E D E CUIDADO É POSSÍVEL................................... 107 6 D I C A S D E FI LM ES QUE A BORDAM DE FICIÊ NCIAS .......................... 111 R E F ER ÊNC I AS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ............................................................ 119



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INTROD UÇÃO


Foto: Andrey Popov


B

oas-vindas a uma jornada pela história da deficiência, em um livro que mergulha nas nuances e nas transformações de como a sociedade tem lidado com a diversidade humana ao longo dos séculos. Aqui, exploraremos os caminhos trilhados por diferentes culturas, civilizações e movimentos sociais e, ao invés de pensarmos a história das exclusões, optamos por destacar uma perspectiva especial: a valorização do cuidado. Desde os primórdios, a deficiência tem sido parte intrínseca da experiência humana. Desse modo, nossa compreensão dela e resposta a ela evoluíram ao longo do tempo, até porque o conceito de deficiência é algo muito recente. Ne s t a o b ra , m e rg u l h a re m o s em diferentes períodos históricos, encontraremos relatos inspiradores de indivíduos notáveis que desafiaram as expectativas e encontraram maneiras criativas de superar suas limitações. Seja na Antiguidade, em que descobertas arqueológicas revelaram cuidados especiais dedicados a pessoas com deficiência, sejam em ensinamentos morais presentes em escritos de civilizações antigas, encontraremos exemplos inspiradores de como a valorização e o respeito sempre fizeram parte do tecido social. Além

disso, de experiências de vida de artistas renomados a líderes influentes, essas histórias nos mostram que a deficiência não define o potencial de uma pessoa. Nesse sentido, você terá a oportunidade de conhecer a trajetória de figuras icônicas, como a pintora Tarsila do Amaral, cuja obra transcendeu as barreiras físicas que a poliomielite impôs nela, e o pianista João Carlos Martins, que encontrou uma maneira de continuar sua paixão pela música mesmo diante de ter dificuldades nas mãos; e até mesmo a história do primeiro presidente dos Estados Unidos, pessoa que fazia uso de cadeira de rodas por também sofrer sequelas da pólio. Essas biografias não apenas nos mostram a determinação e a coragem dessas pessoas, mas também nos convidam a refletir sobre a importância da inclusão e do respeito à diversidade em nossa sociedade atual. Por meio dessas histórias de vida, somos convidados a enxergar além das limitações e a valorizar as contribuições únicas que cada indivíduo pode oferecer. As biografias presentes neste livro são um convite para aprendermos com o passado e construirmos um futuro mais inclusivo e acolhedor para todas as pessoas. Queremos que essas histórias também sejam inspiradoras, que motivem você a repensar as atitudes de nossa sociedade

I N T ROD U ÇÃO

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atual para que, juntos, possamos construir um futuro em que todos tenham igualdade de oportunidades e sejam valorizados por suas habilidades e seus talentos. Além de explorar o passado, analisaremos o presente e as conquistas alcançadas nas últimas décadas. Veremos como avanços na legislação, nas políticas públicas e na conscientização têm impulsionado a criação de uma sociedade do cuidado. No fim deste livro, você encontrará um capítulo sobre os avanços tecnológicos que têm transformado a vida das pessoas com deficiência. Primeiramente, apresentaremos um resumo sobre tecnologias assistivas, que fornecerá uma visão geral das diversas ferramentas e recursos disponíveis que têm o objetivo de promover a autonomia e a inclusão das pessoas com deficiência. Assim, você poderá explorar exemplos de tecnologias assistivas, desde equipamentos simples para o dia a dia até soluções avançadas baseadas em inteligência artificial. Em seguida, você terá acesso a um manual de facilidades. Esse valioso recurso reúne resumos das principais leis e políticas voltadas para pessoas com deficiência. Por meio desses resumos, você poderá compreender os direitos e benefícios que são garantidos por lei, assim como as medidas de acessibilidade que devem ser implementadas em diversos setores da sociedade. Além disso, no manual há informações práticas sobre como acessar e usufruir dessas facilidades, direcionando você a recursos e contatos relevantes.

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A LÉ M DA S LI M I TAÇÕ ES

Nosso objetivo não é apenas fornecer conhecimento histórico, mas também ferramentas e informações úteis para que você possa se engajar ativamente na promoção da inclusão e do cuidado mútuo em sua comunidade. Ao longo destas páginas, também examinaremos a interdependência humana, destacando que todos nós, em algum momento, podemos enfrentar desafios e limitações físicas ou cognitivas. Isso nos faz compreender que a sociedade do cuidado não é apenas uma questão de solidariedade, mas também uma necessidade compartilhada por todas as pessoas. Por fim, este livro tem como objetivo inspiração e conscientização sociais, promovendo uma visão ampla e compassiva em relação à deficiência. Por meio do reconhecimento da diversidade humana e da promoção da sociedade do cuidado, podemos criar um mundo no qual cada pessoa, independentemente de habilidades ou limitações, seja valorizada, respeitada e tenha suas necessidades atendidas. Sendo assim, essa é uma jornada que combina reflexão, aprendizado e ação. No fim da leitura, esperamos produzir inspiração e capacidade de contribuir para a construção de uma sociedade mais inclusiva, onde todas as pessoas tenham a oportunidade de viver plenamente. Convidamos você a aproveitar esta jornada de descoberta e a se preparar para explorar a história da deficiência e as possibilidades de um futuro mais inclusivo e acolhedor. Estamos ansiosas para que você seja parte dessa transformação positiva.


I N T ROD U ÇÃO

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Foto: Eleonora O.S.


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C ON H ECE NDO AS DEF IC I Ê NCIAS?


Na linguagem, expressa-se voluntária ou involuntariamente o respeito ou a discriminação em relação às pessoas com deficiência.

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2. 1 VAM OS L Á , AN TES D E T UD O, O Q UE É DE F IC IÊN C IA?

A

"deficiência" é um conceito bem polêmico e reúne uma série de pessoas em situações absolutamente diversas que, em comum, têm o fato de terem sido consideradas seres humanos anormais por séculos e, por causa disso, vêm sendo excluídas socialmente. Segundo o modelo médico, a deficiência estaria no próprio indivíduo, nas suas sequelas e nas suas limitações físicas, intelectuais, sensoriais ou múltiplas. Ao longo da história, o conceito de deficiência foi interpretado e aplicado de diferentes maneiras. Em sociedades antigas, como as do Egito e da Grécia Antiga, a deficiência era muitas vezes associada a crenças religiosas ou supersticiosas. Pessoas com deficiência eram algumas vezes excluídas e consideradas inferiores, sendo alvo de estigmatização e discriminação. No entanto, ao longo dos séculos, houve avanços no entendimento e na percepção da deficiência. No século XVIII, surgiram as primeiras instituições de ensino para pessoas com deficiência, como a Escola para Surdos em Paris, fundada por Charles-Michel de l'Épée. Essas instituições buscavam oferecer educação e apoio às pessoas com deficiência, reconhecendo sua capacidade de aprendizado e desenvolvimento. No século XX, movimentos como o movimento pelos direitos das pessoas com deficiência ganharam força, buscando a inclusão e a igualdade de oportunidades para todos os indivíduos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948, defende a igualdade de direitos e a não discriminação com base na deficiência. Atualmente, o conceito de deficiência é compreendido de forma mais ampla e inclusiva. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada pela ONU em 2006, define a deficiência como uma interação entre uma pessoa com uma condição de saúde e as barreiras sociais e ambientais que impedem sua participação plena na sociedade. Toda a teorização conceitual de deficiência foi estabelecida nessa convenção e seu artigo 1º dispõe:

CON H ECE N D O A S D E F I CI Ê N CI A S ?

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“Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interações com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.”

Nesse sentido, a abordagem da deficiência caminhou de um modelo médico, no qual a deficiência é entendida como uma limitação do indivíduo, para um social e mais abrangente, que compreende-a como resultado das limitações e das estruturas do corpo, também da influência de fatores sociais e ambientais do meio no qual está inserida, ou seja, não é a pessoa, portanto, que apresenta uma deficiência, mas a sociedade e o meio.

2.2 Q UA I S SÃO OS T I P OS D E D E F IC I Ê NC I A? Segundo a classificação adotada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), as deficiências são divididas em: visual, auditiva, intelectual, física, psicossocial, múltipla, que é conceituada como a associação de duas ou mais. Deficiência visual

Deficiência psicossocial

Deficiência múltipla conceituada como a associação de duas ou mais.

Deficiência física

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Deficiência auditiva

Deficiência intelectual


2. 3 QUE TE RMOS D E VO US A R ?

Por que não usar o termo “PORTADOR”?

Por que não usar apenas o termo “deficiente”?

Esse termo faz referência a algo que se “porta”, como algo temporário, só que a deficiência, na maioria das vezes, é permanente.

A utilização do termo isolado ressalta apenas uma das características que compõem o indivíduo.

Grande parte da sociedade, que não tem familiaridade ou não atua na área da deficiência, utiliza os termos comuns que por muitas vezes podem reforçar a segregação e a exclusão. Nesse sentido, utilizar uma linguagem apropriada é importante. Até a década de 1980, era comum utilizar termos inadequados como aleijado, defeituoso, incapacitado, inválido e retardado. Depois desse período, passou-se, então, se utilizar do termo "deficientes", por influência do Ano Internacional e da Década das Pessoas Deficientes, estabelecido pela ONU, em 1981. Em meados da década de 1980, entraram em uso as expressões "pessoa portadora de deficiência" e "portadores de deficiência". Por volta da metade da década de 1990, a terminologia

empregada passou a ser "pessoas com deficiência", que permanece até atualmente. A expressão pessoa com deficiência, se mostra mais humanizada ao ressaltar a pessoa à frente de sua deficiência, valorando-a independentemente de suas condições físicas, sensoriais ou intelectuais. Portanto, considera que estes indivíduos são, antes de tudo, pessoas. Ao não rotular pela sua característica física, visual, auditiva ou intelectual, é reforçado que há um indivíduo acima de suas restrições. Nesse sentido, a construção de uma verdadeira sociedade inclusiva passa também pelo cuidado com a linguagem. Na linguagem, expressa-se voluntária ou involuntariamente o respeito ou a discriminação em relação às pessoas com deficiência.

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Não é a pessoa, portanto, que apresenta uma deficiência, mas a sociedade e o meio.

Foto: Vector Fusion Art

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2. 4 PERTEN C IME N TO SOC I A L DA PES SOA COM DE F IC IÊN C IA Em uma sociedade anticapacitista buscamos eliminar as atitudes e as crenças que limitam e diminuem as pessoas com deficiência, promovendo inclusão e igualdade. O capacitismo, termo que significa discriminação com base na capacidade, pode se manifestar de várias formas, como na restrição de acesso físico, na subestimação das habilidades e no tratamento infantilizado. Um exemplo de capacitismo é quando uma pessoa com deficiência é considerada incapaz de realizar atividades cotidianas, como escolher sua comida ou pagar suas contas. Outro exemplo é quando são negados direitos básicos, como exigir acessibilidade em espaços públicos ou ser tratado de forma igual em relacionamentos amorosos. Essas atitudes desrespeitam a autonomia e a dignidade das pessoas com deficiência. O debate sobre capacitismo busca conscientizar a sociedade de que as pessoas com deficiência não são vítimas ou heróis, mas indivíduos capazes de tomar as próprias decisões e serem protagonistas de suas histórias. Cada pessoa com deficiência tem seu ritmo próprio de desenvolvimento e capacidades únicas, sendo importante respeitar suas diferenças e não fazer comparações injustas. Com o avanço da tecnologia e das redes sociais, mais pessoas têm-se conscientizado de atitudes e comportamentos em

relação ao capacitismo. A possibilidade de gravar situações e de compartilhá-las permite reflexão e debate mais amplos, especialmente sobre situações que antes eram consideradas comuns, mas que sempre foram agressivas para as minorias, como bullying e discriminação. A construção de uma sociedade anticapacitista requer o engajamento de todos, para promover a inclusão, respeitar a diversidade e garantir que as pessoas com deficiência sejam tratadas com igualdade, valorizando suas capacidades e proporcionando oportunidades de pleno desenvolvimento.

Foto: Vergani Fotografia

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Nesse contexto, para identificarmos atitudes capacitista e estimular esse debate na sociedade, foi criada, nas redes sociais, a hashtag #ÉCapacitismoQuando. Apresentamos alguns resultados aqui para refletirmos sobre isso. Veja a seguir.

#ÉCapacitismoQuando #écapacitismoquando você parabeniza amigos de pessoas com deficiência por estarem com elas, como se a amizade fosse uma concessão especial.— Mila Mesmo (@milamesmo) December 3, 2016 #ÉCapacitismoQuando as pessoas acham que fila preferencial ou vaga de estacionamento exclusiva é privilégio e não inclusão. — Srta. Bia (@srtabia) #ÉCapacitismoQuando você acha que pessoa pública com deficiência tem obrigatoriamente que amar e/ou superar a deficiência dela — problemat-isadora (@isotica) December 1, 2016 - #ÉCapacitismoQuando “você ignora os limites das pessoas com deficiência na hora de ajudar, não fazendo por ele e sim para se sentir um herói” - #ÉCapacitismoQuando "“você acha que tem o direito de interagir com meu cão-guia sem consentimento” - #ÉCapacitismoQuando "você não me vê como portadora de deficiência. Isso não é um elogio. Quero que você me veja como portadora de deficiência, porque eu sou assim. Quando você não vê a deficiência, você apaga um aspecto fundamental da minha identidade”

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Foto: Lana Stock

A construção de uma sociedade anticapacitista requer o engajamento de todos para promover a inclusão.

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2. 5 E QUAIS FO RAM OS AVA NÇ OS SOC I A I S DAS PES SOAS C O M D E F I C I Ê NC I A?

Lei nº 8.213

Lei nº 4.169

Trata da necessidade do preenchimento de vagas destinadas às pessoas com deficiência em empresas que tiverem acima de 99 funcionários.

Diz respeito à obrigatoriedade da utilização do sistema braille para difusão de cultura e conhecimento.

1988

Leis Federais nº 10.048 e nº 10.098

Atendimento prioritário e de acessibilidade nos meios de transportes e estabelecimentos públicos.

1993 1991

1962

Constituição de 1988

Dispõe das normas de construção dos edifícios de uso público e da fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas com deficiência.

2001 2000

Lei nº 9.394 (LDB)

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) com um capítulo específico para a Educação Especial. Nele, afirma-se que “haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de Educação Especial”.

Lei nº 8.742

Dispõe do Benefício de Prestação Continuada (BPC), e dá outras providências.

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Lei Nº 10.172

Afirma que a Educação Especial, “como modalidade de Educação escolar”, deve ser promovida em todos os diferentes níveis de ensino e que “a garantia de vagas no ensino regular para os diversos graus e tipos de deficiência” é uma medida importante.


Lei Nº 10.436

Oficialização da linguagem de sinais e a obrigatoriedade de capacitação de agentes públicos.

Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva

Apresenta as diretrizes para a implementação de política voltada à inclusão nos sistemas de ensino do público-alvo da educação especial.

2005 2002

traz garantias fundamentais para a equiparação das pessoas com deficiência em relação à sociedade. Art. 4º Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação. Art. 5º A pessoa com deficiência será protegida de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, tortura, crueldade, opressão e tratamento desumano ou degradante.

2018

2012 2015

2008

Decreto Nº 5626

Definiu a educação bilíngue, e formação de intérpretes de libras, que tiveram sua profissão regulamentada em 2010.

Lei Nº 11126

Lei Nº 13.146 Lei Brasileira de inclusão (LBI) ou Estatuto da Pessoa com Deficiência

Ingresso aos espaços com cão-guia

Lei nº 12.764

Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.

Dados do Censo IBGE

Esperança de vida do brasileiro ao nascer. De acordo com dados do último senso, os brasileiros têm aumentado a sua expectativa de vida. Segundo dados do IBGE em 2010, os homens tinham expectativa de vida de 73,8 anos, e as mulheres de 77,6 anos. Já a projeção para 2025 é de 77,8 anos para homens e 81,2 para mulheres. Isso significa que, com o passar do tempo, teremos mais pessoas idosas e PCDs de maneira transitória ou permanente. Desenvolver políticas de acessibilidade é garantir um futuro de vivências plenas para cada um de nós, que seremos os idosos do futuro.

CON H ECE N D O A S D E F I CI Ê N CI A S ?

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AS AS PES PESSOAS SOAS COM COM DEF Ê NCIA DEFIC ICIIÊ NCI A NA NA H HISTÓRI ISTÓRIA A


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Foto: Mulher em cadeira de rodas com a enfermeira, 1950. (Arquivo: everettovrk)


N

este capítulo, gostaríamos de mostrar um breve panorama dos poucos vestígios históricos e arqueológicos que conhecemos a respeito das pessoas com deficiência. Optamos por um relato cronológico, mas desde já queremos apontar a fragilidade desse recorte, tendo em vista que o próprio conceito de pessoa com deficiência é algo muito atual. Talvez, aqui fosse mais apropriado falar da história dos marginalizados e excluídos por terem alguma diferença ou “anormalidade” frente aos seus pares sociais. Sabemos que os primeiros grupos humanos tiveram que se adaptar e sobreviver ao ambiente extremamente hostil na Terra; afinal, como não se plantava para o sustento, os indivíduos nômades tinham que percorrer longos caminhos para caçar, coletar e, por fim, sobreviver. Com o passar do tempo as condições físicas e de climas na Terra ficaram mais amenas, então os grupos começaram a se organizar para ir à caça e garantir o sustento de todos. Assim, as tribos passaram a se formar e com elas a preocupação em manter a segurança e a saúde dos integrantes do grupo para a sobrevivência. Diante de tantas

adversidades, a maioria dos estudos conclui que a sobrevivência de uma pessoa com deficiência nos grupos primitivos de humanos era impossível, porque o ambiente era muito desfavorável e essas pessoas representariam uma dificuldade a mais para o grupo. No entanto, estudos mais recentes nos mostram o contrário. Em 2020, foram encontrados restos humanos surpreendentes na floresta tropical SangkulirangMangkalihat, que levantaram questões sobre teorias anteriores. Esses ossos pertenciam a um jovem cujo pé havia sido amputado. A descoberta ocorreu na gruta de calcário de Liang Tebo, uma área famosa por abrigar os primeiros desenhos figurativos feitos pela humanidade, há mais de 40 mil anos. Durante as escavações, a equipe fez uma descoberta notável ao chegar a uma profundidade de 1,5 metro na parte inferior da caverna. Eles encontraram um esqueleto surpreendentemente preservado, porém, o corpo não apresentava o tornozelo e o pé esquerdos. Essa descoberta desafia as teorias anteriores que sugeriam que a amputação de membros era uma prática posterior na história da humanidade.

A S P ES S OA S COM D E F I CI Ê N CI A N A H I S TÓR I A

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Um fêmur quebrado que cicatrizou é UMA evidência de que outra pessoa ficou com o acidentado, amarrou o ferimento, carregou o indivíduo para um local seguro e cuidou dele durante a recuperação.

Um fêmur quebrado que cicatrizou é uma evidência de que outra pessoa dedicou tempo para ficar com o doente, enfaixou o ferimento, carregou o indivíduo para um local seguro e cuidou dele durante a recuperação. Foto: Australian National University.

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Os ossos encontrados indicam que, mesmo há milhares de anos, pessoas já enfrentavam a amputação devido a lesões ou doenças. A presença desse esqueleto na mesma região onde foram encontrados os primeiros desenhos figurativos da humanidade levanta questionamentos sobre como a pessoa amputada viveu e se adaptou à sua condição. A ausência de um pé e um tornozelo não impediu que esse indivíduo sobrevivesse e interagisse com sua comunidade. Conforme os estudos conduzidos pelos pesquisadores, a amputação do pé do jovem que viveu há 31 mil anos revela um cenário impressionante de cuidados e tratamentos médicos na Pré-História. As evidências indicam que a cirurgia de amputação foi realizada com sucesso, provavelmente utilizando uma ferramenta de pedra afiada. Os especialistas afirmam que as pessoas responsáveis pelo procedimento tomaram medidas para evitar sangramento excessivo e infecções pós-operatórias, que pudessem levar o paciente à morte. A arqueóloga Charlotte Ann Roberts, da Universidade de Durham, sugere que o uso de plantas medicinais, possivelmente musgo, pode ter sido empregado para controlar o sangramento durante a cirurgia. É interessante notar que o tratamento oferecido ao jovem após a amputação sugere que a comunidade à sua volta se empenhou em cuidar dele até a morte. Essa dedicação indica a existência de um comportamento altruísta nesse grupo de caçadores-coletores. Essas descobertas desafiam a visão anterior de que questões

de saúde e cuidados médicos não eram consideradas na Pré-História, além de demonstrar a resiliência e a capacidade de adaptação da humanidade ao longo do tempo. Isso significa que, mesmo enfrentando desafios físicos, as pessoas encontram maneiras de superar suas limitações e continuar vivendo de forma significativa. Em consonância com esses fatos e ideias, citamos os trabalhos da antropóloga Margaret Mead, que, quando foi questionada por um estudante sobre o que ela considerava ser o primeiro sinal de civilização em uma cultura (esperava-se de Mead que falasse de potes de barro, ferramentas para caça, pedras de amolar ou artefatos religiosos), ela respondeu que a primeira evidência de civilização foi um fêmur fraturado de 15 mil anos encontrado em um sítio arqueológico. O fêmur é o osso mais longo do corpo, ligando o quadril ao joelho. Em sociedades sem os benefícios da medicina moderna, leva cerca de seis semanas de repouso para a cicatrização quando fraturado. Mead explicou que, no reino animal, se você quebrar a perna, morre. Você não pode fugir do perigo nem beber ou procurar comida. Com um ferimento assim, você é carne para seus predadores. Nenhuma criatura sobrevive a uma perna quebrada por tempo suficiente para que o osso se cure. Você é comido primeiro. Um fêmur quebrado que cicatrizou é evidência de que outra pessoa ficou com o acidentado, amarrou o ferimento, carregou a pessoa para um local seguro e cuidou dela durante a recuperação.

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Esse achado evidencia uma coesão social em que os membros do grupo cuidavam uns dos outros.

Esqueleto de adolescente indígena deficiente enterrado com adereços e cabeça de anta em sítio arqueológico no Piauí intriga pesquisadores. Foto: Andrê Nascimento (g1 Piauí).

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Mais recentemente, em julho de 2023, uma nova descoberta intrigou pesquisadores da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Eles estão investigando um esqueleto de uma adolescente indígena, possivelmente com mais de 6 mil anos, encontrado em um sítio arqueológico na Serra das Confusões, no município de Guaribas. Essa jovem recebeu o nome de Jéssica pelos pesquisadores. O que mais intriga os pesquisadores é o fato de Jéssica ter nascido com uma má-formação na parte inferior da coluna vertebral, o que a impossibilitava de caminhar. Essa condição causou deformidades nas pernas e nas costelas dela, exigindo que ela fosse carregada por toda a vida. Acreditava-se que, em sociedades antigas, como a da família de Jéssica, pessoas com esse tipo de problema muitas vezes eram sacrificadas por questões de sobrevivência. No entanto, isso não ocorreu com ela. É notável que, mesmo necessitando de atenção contínua do seu grupo, Jéssica recebeu cuidados atenciosos. Esse achado evidencia uma coesão social em que os membros do grupo cuidavam uns dos outros.


Enquanto outros fósseis encontrados representam os "primeiros americanos", Jéssica é um exemplo das primeiras sociedades, pois ela revela cuidado e dependência. A análise dos dentes de Jéssica também indica que ela recebeu uma alimentação adequada ao longo de sua vida e não enfrentou situações de estresse. Jéssica foi sepultada de forma "formal" em uma cerimônia, com adereços que revelam a importância que ela tinha para o grupo. No sepultamento, a adolescente usava um bracelete feito com quase mil contas polidas cuidadosamente, feitas de um pequeno tipo de coco, amarradas com fio de algodão. Além disso, ela estava com uma trança e penas de aves adornando seus cabelos e um crânio de anta, animal que como não pertencia àquele local e podia ser uma oferenda de grande valor para o túmulo da adolescente. O caso de Jéssica demonstra que, mesmo em tempos remotos, existiam grupos que prezavam pela solidariedade e pelo cuidado mútuo. Essas evidências nos ajudam a compreender melhor as práticas sociais e culturais das primeiras comunidades humanas, oferecendo uma nova perspectiva sobre a complexidade das sociedades antigas e suas formas de convivência e inclusão. Ainda nesse contexto, o historiador Yuval Noah Harari em, Uma breve história da humanidade, ressalta a importância do cuidado na evolução da espécie no subtítulo “Os cuidadores de nossos irmãos”, Harari apresenta a interação entre homo

sapiens e neandertais, afirma que há 15 mil anos atrás os neandertais também tinham sinais de evolução, além de usarem ferramentas e fogo, eram caçadores exímios e, ao que parece “cuidavam dos doentes e debilitados (arqueólogos encontraram ossos neandertais que viveram muitos anos com várias deficiências físicas, indícios de que eram cuidados por seus parentes)” (HARARI, 2020, p.23). Acrescenta, ainda, que os neandertais muitas vezes são retratados como criaturas das cavernas, brutos e estúpidos, mas esses indícios mudam drasticamente esse perfil. Diante desses breves relatos, podemos inferir que, na Pré-História, o bem-estar do grupo passa a ser uma prioridade, e não apenas a sobrevivência individual. Esses restos humanos oferecem um vislumbre da Pré-História e nos lembram da rica diversidade de experiências que nossos ancestrais enfrentaram. Eles nos permitem refletir sobre a importância de valorizar a resiliência e a capacidade de adaptação humana, bem como nos ensinam a não subestimar a determinação do ser humano em superar obstáculos. O conceito de civilização, assim como a própria história da pessoa com deficiência, é complexo e multifacetado, mas a resposta de Mead nos lembra de uma verdade simples: "a empatia e a compaixão são as bases da vida em sociedade, que em certos períodos da História foram ausentes e em outros foram notórios".

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O fêmur quebrado e curado é um lembrete poderoso de que a sobrevivência não é apenas uma questão de força e habilidade, mas também de cuidado e cooperação. Afinal, a verdadeira grandeza de uma civilização está na forma como trata seus membros mais fracos e vulneráveis. E é sobre essa história que queremos falar brevemente nas próximas páginas.

3 . 1 I DA D E A NT I GA EG ITO A NTIG O Atualmente, com o avanço dos estudos arqueológicos, podemos obter um novo olhar sobre o Egito Antigo. Reino de grandes monumentos, e faraós, era também uma cultura que, de certa forma, convivia com a diversidade física. Muitos artefatos arqueológicos nos fazem deduzir que no Egito Antigo, há cerca de mil anos, a pessoa com deficiência se integrava nas diversas e hierarquizadas classes sociais. Um exemplo disso é encontrado nas inscrições dos textos funerários, como o Livro dos Mortos, que orientavam em relação ao comportamento adequado e aos princípios éticos a serem seguidos. Nesses ensinamentos, destaca-se a ênfase na justiça social e no tratamento igualitário a todas as pessoas, incluindo aquelas com deficiência. Além disso, em algumas representações artísticas egípcias, como pinturas e esculturas, é Seneb e sua esposa (Ministério do Turismo e Antiguidades do Egito). 34

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possível identificar a presença de pessoas com deficiência, sendo retratadas como parte integrante da comunidade. Essas representações visuais sugerem aceitação e inclusão das pessoas com deficiência na sociedade egípcia da época, como a estátua de Seneb com sua família, encontrada em sua tumba em Gizé. Seneb, certamente uma pessoa com nanismo, é representado sentado, de pernas cruzadas, ao lado de sua esposa que o abraça afetuosamente. A mulher tem estatura regular. Para manter a simetria da composição, o artista esculpiu os dois filhos do casal onde estariam as pernas de Seneb, caso ele tivesse a mesma altura de sua esposa. As inscrições na base e na frente do assento nos dizem que Seneb era o sacerdote funerário dos falecidos reis Khufu e Djedefra e encarregado do guarda-roupa real, a obra é datada do fim da Quinta Dinastia (por volta de 2400 a. C.). Seneb não é um caso isolado, vestígios mostram que existiam registros escritos que relatavam a participação social de indivíduos com nanismo, tanto que existia um signo para representar pessoas com nanismo na linguagem egípcia. Diante de tantos achados, estudiosos têm chegado à conclusão de que as pessoas com nanismo eram tratadas com considerável respeito na sociedade egípcia antiga. O nanismo era visto como uma dádiva celestial, e tanto a discriminação como a exclusão social parecem ter sido desconhecidas entre os egípcios. Na maioria dos casos em que as pessoas com nanismo foram levadas para uma nova família, elas parecem ter sido aceitas imediatamente como membros de pleno direito. A elas foram atribuídos deveres especiais e exclusivos, que normalmente eram desempenhados pelos funcionários de mais alto escalão, como sacerdotes e tesoureiros. Mesmo em muitas casas reais, ao lado do rei, as pessoas com nanismo podiam servir e trabalhar. No Egito, encontramos outra representação que reafirma a boa convivência com as deficiências. O monumento da XIX Dinastia, produzido há mais de 1.300 a.C., apresenta um homem identificado como “Roma”, juntamente com sua esposa e seu filho durante um ritual religioso. Ele exercia

Caracteres hieroglifo, que representavam pessoas com nanismo

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Uma estela egípcia da 18ª dinastia (1403-1365 a.C.) representando uma vítima da pólio (Museu Ny Carlsberg Glyptotek, Copenhaga).

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um cargo de grande responsabilidade na época, que era o de porteiro do templo de um dos deuses egípcios. Roma era uma pessoa com deficiência bastante evidente em sua perna esquerda, cujas características (pé equino e musculatura atrofiada) sugerem ser por conta de poliomielite. Além disso, ele devia apresentar dificuldades de locomoção uma vez que ele carrega em sua mão esquerda um longo bastão de apoio. Além dessas deficiências mencionadas, o Egito também é conhecido como a “Terra dos Cegos”, tal era a quantidade de pessoas acometidas por doenças oftalmológicas, como conjuntivite, catarata e glaucoma. No que diz respeito aos problemas de visão, as fontes revelam que os médicos egípcios tinham conhecimentos sobre diversas condições oftalmológicas, como catarata e inflamações oculares. Eles reconheciam os sintomas dessas doenças e ofereciam tratamentos específicos para melhorar a visão dos pacientes. Para a catarata, que é uma opacidade do cristalino do olho, os médicos egípcios desenvolveram uma técnica cirúrgica conhecida como couching. Nesse procedimento, uma sonda especial era usada para empurrar a catarata para fora do campo visual, permitindo que a pessoa enxergasse melhor. Embora seja um método simples em comparação com as técnicas modernas, é impressionante considerar o conhecimento e a coragem dos médicos egípcios para realizar cirurgias oftalmológicas há milhares de anos. Além disso, para tratar inflamações oculares, os médicos egípcios utilizavam compressas e colírios feitos com substâncias naturais, como mel, plantas medicinais e minerais. Essas abordagens terapêuticas, combinadas com práticas rituais e oferendas aos deuses, visavam promover a cura e o alívio dos sintomas. Tais informações puderam ser confirmadas após a descoberta do famoso Papiro de Ebers, nome dado em homenagem ao seu descobridor, o egiptólogo Georg Ebers. Nesse documento, que data de 1.500 a.C., há mais de 700 "fórmulas mágicas" e remédios populares contidos,

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Papiro de Ebers (1.550 a.C.), no qual relata a existência e os cuidados em relação a doenças e a deficiências visuais (Biblioteca da Universidade de Leipzig, Alemanha).

além de uma descrição precisa do sistema circulatório. Os egípcios mostraram, dessa forma, o grau de compreensão do corpo humano, ao encontrar que eles tinham, ao encontrar "fórmulas mágicas" e tratamentos para diversos males, incluindo doenças oftalmológicas. Ao abordar as doenças neurológicas, o papiro incorpora aspectos mitológicos e religiosos, sendo que, além das medicações e das técnicas médicas utilizadas, rituais mágicos e intervenção dos deuses contribuiriam para a cura dos males. No que diz respeito a cirurgias intracranianas, o Egito Antigo também demonstrou conhecimentos surpreendentes. Embora os detalhes sobre essas práticas sejam limitados, existem evidências arqueológicas de que os egípcios realizavam cirurgias intracranianas, como a trepanação. A trepanação envolvia fazer uma abertura no crânio para tratar lesões na cabeça ou

aliviar a pressão intracraniana. Embora as razões e técnicas exatas variarem, a trepanação é um testemunho do conhecimento e habilidades cirúrgicas dos médicos egípcios. É importante ressaltar que essas práticas médicas egípcias eram complexas e influenciadas por uma visão holística que combinava elementos científicos e crenças religiosas. Os médicos acreditavam que a saúde estava ligada à harmonia entre o corpo, mente e espírito, então procuravam tratar os pacientes considerando esses aspectos. Os tratados médicos egípcios e as técnicas cirúrgicas intracranianas demonstram um conhecimento avançado para aquela época, seus conhecimentos e suas práticas influenciaram o desenvolvimento da medicina em todo o mundo e deixaram um legado duradouro na história da Medicina. Mas acima de tudo, destacam a dedicação dos médicos egípcios em melhorar a saúde e a qualidade de vida de seus pacientes.

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CIV I L I Z AÇÃO GREC O - RO M A N A No que tange à civilização grega, é muito famosa a história de que os povos espartanos não toleravam pessoas com deficiência. É verdade que em Esparta, na época clássica, havia uma preocupação enorme com pessoas saudáveis e fortes, capazes de cumprir os seus deveres com o Estado, afinal tratava-se de um povo guerreiro. É de amplo conhecimento que a cultura espartana e a grega antiga de modo geral, praticavam a “exposição” de recém-nascidos. Se um pai decidia que não iria criar a criança, quando esta nascia, era colocada num pote de argila e abandonada no campo, para morrer de fome, frio ou devorada pelos animais. Em Esparta, em especial, era jogada em um precipício, onde se depositava lixo.

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Contudo, essa tradição da exposição não ocorria apenas com crianças com deficiência, mas também com meninas, filhos considerados ilegítimos ou por outra infinidade de fatores. Outro ponto importante é que há indícios históricos de adoção, logo essas crianças abandonadas não necessariamente morriam, poderiam apenas receber um novo lar. Além disso, pelos espartanos serem predominante um povo guerreiro, era de se esperar que essa sociedade tivesse um convívio com soldados mutilados de guerra, no entanto, não temos registros de como era a tratativa com essas pessoas, embora saibamos que existiam personagens históricos que conviviam com deficiência, como o caso do poeta Homero. No que se refere à cultura romana, existe uma certa escassez de documentos que fornecem a precisão de como era a vida da pessoa com deficiência. As leis romanas da Antiguidade não eram favoráveis às pessoas que nasciam com deficiência. Aos pais, era permitido se desfazer das crianças com deformidades físicas. No auge do Império Romano, houve muitas conquistas territoriais e, portanto, muitas guerras, assim legiões de soldados retornavam das batalhas com amputação de membros, no entanto se deparavam com um precário sistema de atendimento hospitalar. Foi no Império Romano que surgiu o cristianismo, a doutrina que se voltava para a caridade e o amor entre as pessoas, além de não oferecer tratativas distintas para as pessoas com deficiência.


Homero e seu guia (Pintura de William-Adolphe Bouguereau, 1874).

Homero foi um poeta épico grego que viveu por volta do século VIII a.C. e ficou conhecido por ter compilado a “Ilíada” e a “Odisseia”. Até hoje, Homero é considerado uma das grandes fontes de conhecimento sobre a cultura e a mitologia gregas, embora os desafios ao redor de sua obra sejam muitos. Suas duas obras referidas foram escritas em uma métrica poética muito utilizada pelos gregos antigos, o hexâmetro datílico, sendo um dos grandes ícones da cultura clássica. Em 1858, William Ewart Gladstone percebeu algo peculiar em Homero: as cores relatadas em suas obras parecem estranhas demais. Tanto o gado quanto o mar, por exemplo, são descritos como tendo a cor do vinho. As ovelhas são “violetas”, o mel é “verde” e, embora seja descrito como estrelado, amplo, grande, de ferro e de cobre, o céu nunca é azul. Isso levou muitos estudiosos a acreditarem numa possível cegueira do poeta.

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3.2 IDADE MÉD IA Durante toda a Idade Média, que é um período histórico que ocorreu na Europa entre os séculos V e XV, também é conhecido como "Idade das Trevas" ou "Idade Medieval", muitas mudanças ocorreram em diferentes aspectos. Durante a Idade Média, a Igreja Católica teve um papel central na vida das pessoas. A religião cristã era a base da sociedade, influenciando a cultura, a educação e as instituições políticas, exercendo também grande poder econômico e político, sendo responsável pela manutenção de mosteiros, escolas e hospitais. A economia medieval era baseada principalmente na agricultura, com a produção de alimentos sendo realizada nas terras dos senhores feudais. Além disso, o comércio e as guildas de artesãos desempenharam um papel importante na economia da época. É importante destacar que a Idade Média não foi um período homogêneo. Havia diferenças significativas entre regiões e ao longo do tempo. Além disso, muitas vezes a visão negativa da Idade Média, como uma época de atraso e obscuridade, não é precisa, pois houve avanços científicos, filosóficos e culturais importantes durante esse período. No que diz respeito às deficiências, nesse período, havia pouca compreensão sobre elas, e as pessoas com deficiência frequentemente enfrentavam estigmas e discriminação, principalmente relacionados ao pecado e à religiosidade. Assim, as pessoas com deficiência enfrentavam

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muitos desafios para participar plenamente da vida medieval. Pense em quantas dificuldades para se deslocar pelas ruas de paralelepípedos uma pessoa com deficiência enfrentava, havia as barreiras arquitetônicas em edifícios e casas que não eram acessíveis para as cadeiras de rodas ou outros dispositivos de auxílio à mobilidade. Além de ser um período com muitas doenças que resultavam em sequelas, muitos acidentes domésticos tinham como resultado amputações e perda de alguma capacidade laboral, fazendo com que essas pessoas fossem marginalizadas. Durante a Idade Média, histórias específicas de pessoas com deficiência podem ser difíceis de encontrar devido à falta de registros detalhados. No entanto, temos fontes sobre um indivíduo histórico que viveu naquela época e que é amplamente reconhecido como tendo enfrentado uma deficiência: o imperador Frederico II da Germânia. Frederico II foi um imperador do Sacro Império Romano-Germânico. Ele teve uma infância difícil, pois foi negligenciado por seus pais e passou grande parte de sua juventude na reclusão. Além disso, Frederico II desenvolveu uma doença na infância que deixou seu corpo fraco e afetou sua capacidade de caminhar com facilidade. Frederico II, apesar da deficiência física, se destacou como um líder político e intelectual. Ele foi educado em vários campos, como política, ciências, filosofia e artes, tornando-se um patrono das artes e das ciências.


Frederico II e seu falcão (Manuscrito da Biblioteca Vaticana – Século XIII).

Frederico II também foi conhecido por suas habilidades linguísticas e literárias, escrevendo tratados sobre uma variedade de assuntos. Além de suas habilidades militares, Frederico II também era um líder carismático e astuto. Ele implementou reformas administrativas e judiciais em seu reino, promovendo o desenvolvimento cultural e científico. Sob seu patrocínio, surgiram centros de aprendizagem em cidades como Nápoles e Palermo, onde estudiosos de diferentes áreas do conhecimento se reuniam para trocar ideias. Frederico II também era conhecido por sua paixão pelas artes e pela cultura. Ele apreciava a poesia, a música e as ciências, sendo um patrono de artistas e filósofos. Durante seu reinado, houve um florescimento cultural, conhecido como o Renascimento do século XIII, que influenciou o desenvolvimento da literatura, da arquitetura e das artes na região.

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Na Idade Média, não havia uma compreensão clara sobre as deficiências e as pessoas com deficiência, enfrentavam desigualdade e discriminação. Elas eram frequentemente marginalizadas por serem consideradas diferentes dos demais.

A nave dos loucos (pintura de Hieronymus Bosch). 42

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Apesar de suas realizações e popularidade, Frederico II também enfrentou conflitos com a Igreja Católica, especialmente com o Papa Gregório IX. As tensões entre o imperador e a Igreja resultaram em excomunhão por duas vezes, sendo a primeira em 1227 e a segunda em 1239. Embora as atitudes em relação às pessoas com deficiência na Idade Média possam ter sido desafiadoras, Frederico II foi capaz de superar obstáculos e fazer contribuições significativas em vários campos. Sua história reforça que, mesmo durante tempos históricos em que as pessoas com deficiência enfrentavam desafios adicionais, alguns indivíduos com deficiência conseguiram ter sucesso e causar um impacto duradouro. Durante a Idade Média, havia um costume conhecido como "a nave dos loucos". Era um conceito que retratava pessoas com deficiência intelectual ou comportamentos diferentes como "loucos" e as colocava em navios para serem afastadas da sociedade. Essa ideia era baseada na crença de que as pessoas com deficiência eram diferentes e não se encaixavam nas normas sociais da época. Infelizmente, muitas pessoas com deficiência foram estigmatizadas e isoladas por causa dessa visão. Ressaltamos que a "nave dos loucos" não era uma realidade histórica. Era uma representação simbólica usada para estigmatizar e marginalizar pessoas com deficiência, destacando a visão negativa que muitas vezes se tinha delas naquela época.

Na realidade, as pessoas com deficiência na Idade Média enfrentavam muitos desafios para sobreviver e se sustentar. Muitas vezes, elas dependiam do apoio de suas famílias ou de instituições religiosas e de caridade. Mesmo nesse período, pessoas com deficiência podiam encontrar trabalhos que se adequassem às suas habilidades e às suas capacidades, como tarefas domésticas leves, artesanato ou outras ocupações que não exigissem força física ou outras atividades intelectuais dentro dos mosteiros. Outras pessoas com deficiência, especialmente aquelas com deficiências mais severas, poderiam depender da ajuda e do cuidado de suas famílias ou comunidades. Em alguns casos, eles podiam ser acolhidos em abrigos ou hospitais de caridade, onde recebiam apoio básico e cuidados. Essas atitudes negativas não permitiam que as pessoas com deficiência participassem plenamente da sociedade medieval. Elas eram frequentemente excluídas de atividades sociais e tinham poucas oportunidades de desenvolver seus talentos e suas habilidades com alguma autonomia. No entanto, é importante notar que a sobrevivência e a qualidade de vida das pessoas com deficiência na Idade Média variavam amplamente, dependendo de fatores como o apoio familiar, as oportunidades disponíveis e a atitude da sociedade local em relação a elas.

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La mort de Saint Louis École Française – Pintura de Alphonse Osbert (Musée des Beaux-Arts de Brest).

São Luís IX (1214-1270) O rei Luís IX, cujo reinado ocorreu entre 1214 e 1270, foi conhecido como São Luís de França, fundou o primeiro hospital para pessoas cegas, o Quinze-Vingts, que significa 15 x 20 = 300. Era o número de cavaleiros cruzados que tiveram seus olhos vazados na 7ª Cruzada. O "Hospice des Quinze-Vingts", chegou a beneficiar fortemente uma confraria pobre de cegos cujos membros, à falta de outro local, reuniam-se no Bosque de Garenne, em Paris. Quando o local foi descoberto pela coroa e pelo povo em geral, ficou conhecido pelo apelido de "Champovri", de uma corruptela para as palavras "Champ des Pauvres". (Campo dos Pobres, em tradução livre)

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TE CNO LOGI AS AS S I ST I VAS NA I DAD E M É D I A? O período medieval também foi aquele onde temos registros de desenvolvimento de tecnologias assistivas para facilitar a vida de pessoas com deficiência. É importante ressaltar que as fontes históricas medievais sobre esse assunto são escassas e os registros são fragmentados. As informações disponíveis são baseadas em artefatos arqueológicos, documentos escritos, iluminuras e outras representações visuais. Essas fontes históricas fornecem informações valiosas, mas há limitações em relação à compreensão completa do panorama tecnológico e das práticas de apoio a pessoas com deficiência durante esse período. Embora a pesquisa histórica continue a desvendar mais informações sobre as tecnologias e as abordagens de

acessibilidade na Idade Média, é importante reconhecer o esforço e a preocupação demonstrados na época para auxiliar pessoas com deficiência mesmo com os recursos limitados disponíveis. Por volta do século XIII, há registros de próteses sendo utilizadas na Europa. Um exemplo é a prótese de perna encontrada em um esqueleto do século XIV na Itália, que mostrava uma prótese que era feita de madeira adaptada para substituir uma mão amputada. Esse achado arqueológico revela evidências concretas do uso de próteses nesse período. Quanto a bengalas e muletas, há relatos e representações visuais que datam do século XII. Pinturas e iluminuras medievais retratam pessoas utilizando esses dispositivos para auxiliar na locomoção, fornecendo apoio e equilíbrio. Essas representações visuais ajudam a ilustrar a presença e a importância desses dispositivos na sociedade medieval.

Imagem revela a faca servindo como prótese para a mão (Micarelli, Journal of Anthropological Sciences). A S P ES S OA S COM D E F I CI Ê N CI A N A H I S TÓR I A

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Franciscan Missal (Oxford, Bodleian Library MS).

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Embora as tecnologias desenvolvidas na Idade Média possam parecer rudimentares em comparação com as atuais, é importante reconhecer que essas inovações tinham como objetivo melhorar a qualidade de vida e a inclusão das pessoas com deficiência na sociedade medieval. Essas tecnologias demonstram uma preocupação em ajudar as pessoas com deficiência a superar obstáculos físicos e a desfrutar de uma maior autonomia e participação na vida cotidiana. Em relação às melhorias na infraestrutura, algumas cidades medievais começaram a implementar calçadas pavimentadas e ruas mais acessíveis. Por exemplo, calçadas e ruas pavimentadas foram construídas para facilitar a mobilidade de pessoas com deficiência, tornando os espaços urbanos mais acessíveis e inclusivos. Florença era considerada uma das cidades mais importantes do Ocidente. Líderes e empresários da cidade decidiram mostrar riqueza e poder construindo dois edifícios emblemáticos: a nova catedral e o Palazzo della Signoria. O arquiteto responsável por projetar essas obras foi Arnolfo di Cambio, que também foi encarregado de outras importantes construções apoiadas pelo governo local, incluindo a construção de novas muralhas. Além disso, registros históricos mostram que nessa época houve esforços para melhorar a acessibilidade urbana em Florença. Embora as datas


específicas dessas mudanças variem de acordo com a localização geográfica, há evidências de que foram construídas calçadas em algumas áreas da cidade. Essas calçadas visavam proporcionar melhores condições de mobilidade para os habitantes, facilitando o deslocamento a pé e tornando o ambiente urbano mais acessível. Essas tecnologias podem ser interpretadas como esforços para integrar e apoiar pessoas com deficiência na sociedade medieval, desafiando a ideia da "nave dos loucos" que sugere o isolamento. Embora haja evidências históricas de que algumas pessoas com deficiência foram marginalizadas e enfrentaram estigma na Idade Média, também encontramos indícios de práticas e desenvolvimentos tecnológicos que buscavam a inclusão e a melhoria da qualidade de vida dessas pessoas. Ao considerarmos a história das pessoas com deficiência na Idade Média, é importante reconhecer que as atitudes e práticas variavam amplamente, e nem todos os indivíduos com deficiência eram tratados da mesma forma. Portanto, a realidade das pessoas com deficiência na Idade Média vai além da imagem simplificada da "nave dos loucos" e exige uma análise mais cuidadosa e contextualizada para compreender a diversidade de experiências e abordagens existentes. Se por um lado, lamentavelmente, as evidências históricas específicas sobre a marginalização e o estigma enfrentados por pessoas com deficiência na Idade Média são limitadas em termos de fontes locais e datas precisas.

A percepção e o tratamento das pessoas com deficiência variavam de acordo com a cultura, a região e o contexto específico da época. No entanto, é possível mencionar alguns exemplos gerais que indicam atitudes negativas em relação às pessoas com deficiências, como os citados a seguir: • Leis canônicas: no Concílio de Melfi, realizado em 1089, foi estabelecido que pessoa com deficiência, ou, "que tivesse mutilações ou deformidades" não poderiam ser ordenadas como sacerdotes, devido à crença de que estavam sob a ira divina, de que seria um "castigo de Deus". • Contos e lendas populares: alguns contos e lendas medievais retratavam pessoas com deficiência como figuras grotescas ou malignas, reforçando estereótipos negativos e alimentando o estigma. Um exemplo é o protagonista do Corcunda de Notre-Dame, do romance de Victor Hugo, publicado em 1831, mas que se passa na Idade Média. • Representações artísticas: algumas representações artísticas medievais, como iluminuras e esculturas, retratavam pessoas com deficiência de forma caricatural ou negativa, reforçando estereótipos e preconceitos. É importante ressaltar que esses exemplos não são abrangentes nem exclusivos da Idade Média, e a diversidade de atitudes e tratamentos em relação às pessoas com deficiência variava consideravelmente.

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3 .3 IDA D E MO D E RN A A Idade Moderna, que abrangeu aproximadamente do século XIV ao XVIII, trouxe consigo mudanças significativas no entendimento e na abordagem em relação às pessoas com deficiência. Durante esse período, houve um despertar intelectual e cultural que impulsionou novas ideias e abriu caminho para uma visão mais humanista e inclusiva. Como vimos no tópico anterior sobre Idade Média, antes do Renascimento na Europa, as pessoas com deficiência muitas vezes eram marginalizadas e estigmatizadas na sociedade. Eram consideradas diferentes e, em alguns casos, até mesmo amaldiçoadas ou castigadas pelos deuses. Essas atitudes negativas muitas vezes resultavam em exclusão social e falta de oportunidades. No entanto, com o advento do Renascimento, o foco no conhecimento, na razão e no potencial humano trouxe uma mudança significativa na maneira como as pessoas com deficiência eram percebidas. Os ideais humanistas enfatizavam a dignidade e o valor inerentes de todos os seres humanos, independentemente de suas diferenças. Durante o Renascimento, surgiram obras de arte que retratavam pessoas com deficiência de maneira mais humanizada e compassiva. Pinturas e esculturas mostravam indivíduos com deficiência participando de atividades cotidianas e sendo representados com dignidade e respeito.

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A seguir estão alguns exemplos de obras famosas, seus autores e as datas aproximadas em que foram elaboradas:

O Retrato de um Jovem (c. 1482-1485) – Pintura de Sandro Botticelli (National Gallery of Art, Washington, D. C.).

• O Retrato de um Jovem. Essa obra mostra um jovem com uma deficiência facial, provavelmente causada por uma paralisia ou lesão. A pintura é um exemplo da representação compassiva de uma pessoa com deficiência no período renascentista.


A Madona do Parto (c. 1467-1470) – Pintura de Piero della Francesca (Musei Civici Madonna del Parto, Monterchi).

• A Madona do Parto. Essa pintura retrata Maria grávida, exibindo uma barriga saliente. Algumas interpretações sugerem que essa forma corporal mais arredondada pode ser associada a uma condição física ou uma deficiência. • Baco. A obra mostra Baco, o deus do vinho, com uma deficiência física no braço. Essa representação artística destaca a humanização de uma figura mitológica, mostrando características físicas distintas. É importante observar que as obras de arte podem ter tido várias fases de produção ou pode haver variações nas estimativas acadêmicas. Esses exemplos ilustram como os artistas renascentistas buscaram retratar pessoas com deficiência com mais compaixão e dignidade, desafiando as

Baco (c. 1595-1597) – Pintura de Michelangelo Merisi da Caravaggio (Uffizi Gallery).

representações negativas e estereotipadas do passado. Essas obras contribuíram para uma mudança gradual na percepção e na inclusão das pessoas com deficiência na sociedade durante a Idade Moderna. Além disso, no campo da Ciência e da Medicina, ocorreram avanços significativos no entendimento e no tratamento das deficiências. Descobertas e estudos novos foram realizados buscando entender as causas e os efeitos das deficiências físicas e cognitivas. Embora as pesquisas e os estudos nessa área ainda estivessem em seus estágios iniciais, algumas descobertas pioneiras foram realizadas.

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Um exemplo notável é o médico suíço Paracelso (1493-1541), que fez contribuições significativas para a medicina da época. Ele propôs que as doenças não eram castigos divinos, mas sim causadas por desequilíbrios no corpo. Essa nova perspectiva abriu caminho para uma compreensão mais científica das doenças, incluindo as deficiências. Além disso, as primeiras descrições médicas detalhadas de condições específicas relacionadas às deficiências começaram a surgir. Por exemplo, em 1668, o médico inglês Thomas Willis publicou um tratado sobre a paralisia cerebral, descrevendo os sintomas e os efeitos neurológicos dessa condição. Isso representou um marco importante na compreensão das deficiências cognitivas. No campo das cirurgias, ocorreram avanços notáveis ​​também. O cirurgião francês Ambroise Paré (1510-1590) foi pioneiro no desenvolvimento de técnicas cirúrgicas e tratamentos para ferimentos e deformidades físicas. Ele introduziu o uso de próteses para substituir membros perdidos e desenvolveu técnicas inovadoras de amputação que visavam melhorar a vida das pessoas com deficiência física e adaptar a sua nova condição. Esses avanços na Ciência e na Medicina da Idade Moderna "pavimentaram" o caminho para uma compreensão mais científica e abrangente das deficiências. Embora ainda estivessem longe dos conhecimentos e das abordagens contemporâneas, essas descobertas e esses estudos iniciais foram fundamentais para o

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desenvolvimento futuro da Medicina e da reabilitação de pessoas com deficiência. Nesse sentido, durante a Idade Moderna, houve um gradual desenvolvimento da percepção, que se tornou mais inclusiva, e da aceitação sociais em relação às pessoas com deficiência. Embora seja difícil fornecer exemplos precisos com datas, é possível mencionar algumas mudanças e movimentos que contribuíram para essa evolução. A língua de sinais é uma forma de comunicação visual e gestual utilizada por pessoas surdas ou com deficiência auditiva. Um marco importante no desenvolvimento dessa língua foi o livro Reduction de las letras y arte para ensenar a hablar los mudos (Redução das letras e arte de ensinar mudos a falar, em tradução livre), escrito pelo espanhol Pablo Bonet e publicado em 1620. Nessa obra, Bonet introduziu o primeiro sistema de alfabeto manual conhecido na Europa, baseado nos movimentos das mãos e dos dedos para representar as letras do alfabeto. Seu método tinha como objetivo ensinar a fala a pessoas surdas, permitindo a elas que se comunicassem com mais facilidade e eficiência. Pablo Bonet nasceu em 1579 e trabalhou como professor de surdos na Espanha. Ele reconheceu a importância de uma comunicação efetiva para as pessoas surdas e desenvolveu seu sistema de sinais como uma ferramenta para promover inclusão na sociedade. Seu livro foi uma contribuição significativa para o campo da educação de surdos e é considerado um marco na história das línguas de sinais.


A obra de Bonet influenciou futuros desenvolvimentos na área, incluindo o trabalho do abade francês Charles-Michel de l'Épée, que é conhecido como o pai da educação de surdos e foi responsável por estabelecer a primeira escola pública para surdos na França, em 1755. No século XVI, surgiu a primeira escola para surdos na Espanha, conhecida como Real Colegio de Sordomudos de Madrid, fundada em 1550. Essa instituição pioneira proporcionou educação e suporte específico para pessoas surdas, reconhecendo a importância de atender às necessidades educacionais desses indivíduos que passaram a ter a oportunidade de desenvolvimento de maneira mais autônoma. É importante destacar que, embora o livro de Bonet tenha sido um passo importante no desenvolvimento das línguas de sinais, estas já existiam e eram utilizadas pelas comunidades surdas há muito tempo. O trabalho de Bonet contribuiu para a sistematização e a difusão dessas línguas, mas é fundamental reconhecer a rica história e diversidade das línguas de sinais pelo mundo, desenvolvidas organicamente pelas próprias comunidades surdas. Outro exemplo significativo ocorreu no final do século XVIII, com a obra do filósofo francês Denis Diderot intitulada Essai sur les aveugles (Ensaio sobre a Cegueira, em tradução livre), publicada em 1749. Nessa obra, Diderot questiona as concepções tradicionais sobre a deficiência visual e explora a experiência e as capacidades das pessoas cegas,

defendendo a importância da inclusão e do respeito pelos direitos e pela dignidade desses indivíduos. Durante o Iluminismo (movimento das luzes), surgiram várias obras que promoveram a consciência dos direitos humanos e a valorização da igualdade de todas as pessoas. Embora essas obras não tenham sido especificamente voltadas para pessoas com deficiência, elas influenciaram a visão geral da sociedade em relação à inclusão e à aceitação. Abaixo estão alguns exemplos de obras importantes desse período: •Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens (1755) – Obra do filósofo JeanJacques Rousseau, na qual ele analisa as origens da desigualdade entre as pessoas e defende a ideia de que todos os seres humanos têm igual valor e dignidade. •Enciclopédia (1751-1772) – Uma extensa obra de referência organizada por Denis Diderot e Jean le Rond d'Alembert. A Encyclopédie abrangia várias áreas do conhecimento e buscava disseminar o conhecimento e promover a razão como uma ferramenta para o progresso humano. •O Contrato Social (1762) – Obra do filósofo Jean-Jacques Rousseau, na qual ele explora as bases e os princípios do governo justo e legítimo, enfatizando a importância da igualdade e da participação democrática. Essas obras e outras escritas durante o movimento das Luzes ajudaram a estabelecer os fundamentos da igualdade e dos direitos humanos, promovendo uma visão mais inclusiva e valorizando a dignidade de todas as pessoas.

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Embora não tenham abordado especificamente as questões relacionadas às pessoas com deficiência, essas obras influenciaram a consciência coletiva e contribuíram para um ambiente mais propício à inclusão e à aceitação de todas as pessoas, independentemente de suas diferenças. Esses exemplos ilustram uma tendência crescente de mudança na percepção e na atitude em relação às pessoas com deficiência durante a Idade Moderna. Embora as datas precisas e os exemplos específicos sejam limitados, é importante reconhecer que a visão humanista e a ênfase na igualdade e na dignidade humana contribuíram gradualmente para uma maior inclusão e aceitação social das pessoas com deficiência. Em suma, a Idade Moderna trouxe consigo um período de transformação na percepção e tratamento das pessoas com deficiência. O movimento humanista, os avanços na ciência e na arte, e a crescente valorização da igualdade e dignidade humana contribuíram para um maior reconhecimento e inclusão das pessoas com deficiência na sociedade. No entanto, ainda havia um longo caminho a percorrer para alcançar uma plena igualdade e garantir que todas as pessoas com deficiência tivessem oportunidades justas e acesso a uma vida plena.

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Galileu Galilei Galileu Galilei tinha um grau de deficiência visual, nasceu em 15 de fevereiro de 1564, em Pisa, Itália, e faleceu em 8 de janeiro de 1642, em Arcetri, também na Itália. Durante sua vida, ele enfrentou o desafio de uma condição visual chamada astigmatismo, que distorce a visão e causa dificuldades de foco. Essa condição afetou sua capacidade de enxergar claramente, mas não o impediu de fazer importantes descobertas científicas. Em 1609, Galileu aperfeiçoou o telescópio e começou a fazer observações astronômicas detalhadas. Suas observações revelaram evidências que apoiavam a teoria heliocêntrica proposta por Nicolau Copérnico, que afirmava que a Terra girava em torno do Sol. Em 1610, ele publicou o livro "Sidereus Nuncius" ("Mensageiro das Estrelas", em tradução livre) no qual descreveu suas observações da Lua, dos planetas e das estrelas. Essa obra foi uma das primeiras a apresentar evidências empíricas a favor do heliocentrismo.


As descobertas de Galileu foram revolucionárias e questionaram as crenças estabelecidas na época. No entanto, suas ideias foram recebidas com resistência pela Igreja Católica, que sustentava a visão geocêntrica, a de que a Terra era o centro do universo. Galileu continuou a desenvolver suas ideias e, em 1632, publicou sua obra mais famosa: "Diálogo sobre os Dois Principais Sistemas do Mundo". Nesse livro, ele comparou o modelo heliocêntrico com o geocêntrico e argumentou a favor do primeiro. No entanto, essas ideias desafiaram a autoridade da Igreja e, como resultado, Galileu foi julgado e condenado pela Inquisição em 1633. Apesar de sua condenação, as contribuições de Galileu para a Astronomia e a defesa da ciência baseada em observações e experimentos foram fundamentais para o avanço do conhecimento científico. Seu trabalho influenciou gerações posteriores de cientistas e estabeleceu as bases para a Ciência moderna. Galileu Galilei é considerado um dos cientistas mais importantes da História e seu legado continua inspirando e impactando a compreensão do universo até hoje.

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3.4 IDADE CONTEM P O RÂN EA O SÉCU LO X I X No século XIX, podemos encontrar registros históricos mais específicos sobre as múltiplas deficiências, pois foi nesse século que a Medicina começou a desenvolver-se como uma ciência singular. No que tange ao estudo das pessoas com deficiências visuais, citamos o caso do capitão do exército francês Charles Barbier (1764-1841) que desenvolveu um sistema de escrita noturna a pedido de Napoleão Bonaparte. Esse sistema tinha o objetivo de permitir a transmissão de mensagens durante as batalhas que ocorriam de noite. No sistema de Barbier, uma letra ou um conjunto de letras era representado por duas colunas de pontos em relevo, que se referiam às coordenadas de uma tabela. Embora o sistema de Barbier tenha sido rejeitado pelos militares por ser considerado complicado demais, ele apresentou seu invento ao Instituto Nacional dos Jovens Cegos de Paris. Foi nesse contexto que um dos alunos presentes na apresentação despertou grande interesse pelo sistema de escrita noturna. Esse aluno era Louis Braille (1809-1852), que na época tinha apenas 14 anos e havia perdido a visão aos três anos de idade em um acidente. Louis Braille, ao estudar o sistema de Barbier, percebeu seu potencial para auxiliar as pessoas cegas na leitura e na escrita.

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No entanto, ele identificou a necessidade de fazer alterações e aprimoramentos significativos para tornar o sistema mais acessível e eficaz. Como Barbier se recusou a fazer as alterações solicitadas, Braille decidiu desenvolver o próprio sistema de escrita. Com base nas ideias e nos princípios do sistema de Barbier, Louis Braille modificou totalmente a estrutura e o formato do sistema de escrita noturna, criando o sistema de escrita padrão conhecido como braille. Esse sistema utiliza células de seis pontos em relevo, dispostos em duas colunas verticais com três pontos em cada coluna. Cada combinação de pontos representa uma letra, um número ou um símbolo. O sistema de escrita braille, desenvolvido por Louis Braille, tornou-se uma revolução na educação e na comunicação para pessoas cegas pelo mundo. Desde então, tem sido amplamente utilizado como uma forma eficiente e acessível de ler, escrever e transmitir informações para pessoas com deficiência visual. O sistema de Braille permanece em uso até hoje, representando um legado importante e duradouro na história da inclusão das pessoas cegas.


Beethoven

Retrato de Ludwig van Beethoven ao compor a Missa Solemnis – Pintura de Joseph Karl Stieler Joseph Karl Stieler, 1820. (Beethoven House).

Ludwig van Beethoven nasceu em 1770, em Bonn, Alemanha, e faleceu em 1827, em Viena, Áustria. Ele foi um renomado compositor e músico, considerado um dos maiores gênios musicais de todos os tempos. Beethoven enfrentou desafios auditivos ao longo de sua vida, começando a perder a audição na década de 1790 e ficando completamente surdo mais tarde. Apesar de sua crescente surdez, Beethoven não desistiu da música. Ele continuou a compor obrasprimas musicais que são apreciadas até hoje. Algumas de suas obras mais famosas são a "Nona Sinfonia", a "Quinta Sinfonia", a "Sonata ao Luar" e o "Concerto para Piano nº 5", conhecido como "Imperador". Beethoven realmente demonstrou uma incrível resiliência e determinação em sua jornada musical. Além de usar a haste de metal entre os dentes para sentir as vibrações das notas ao tocar o piano, ele adotou outras estratégias inovadoras para superar sua surdez e continuar compondo música de maneira excepcional.

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Um exemplo notável é o método de composição que Beethoven desenvolveu para se comunicar com seus músicos durante os ensaios de suas obras. Ele usava uma prancheta em que escrevia suas instruções e orientações musicais, enquanto os músicos tocavam seus instrumentos. Dessa forma, mesmo sem poder ouvir o som, ele conseguia acompanhar a execução e fazer ajustes necessários para alcançar a sonoridade desejada. Outra técnica que Beethoven utilizava era a de se posicionar próximo aos instrumentos e solistas durante as apresentações de suas composições. Assim, ele podia sentir as vibrações das cordas, dos instrumentos de sopro e da voz dos cantores, permitindo-lhe ter uma experiência sensorial mais próxima da música que estava sendo executada. Essa proximidade física com os sons lhe permitia ajustar e direcionar a interpretação musical, mesmo sem poder ouvi-la diretamente. Esses exemplos destacam a determinação e a busca incansável de Beethoven por expressar suas emoções e transmitir sua genialidade musical, mesmo enfrentando desafios auditivos significativos. Sua capacidade de inovar e encontrar soluções criativas para continuar compondo é um testemunho de sua paixão pela música e sua vontade de superar as limitações impostas pela surdez.

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A resiliência e a criatividade de Beethoven inspiraram gerações de músicos e pessoas com deficiência em todo o mundo. Sua história nos ensina que, com determinação, talento e um espírito inabalável, é possível superar obstáculos e alcançar grandes feitos, deixando um legado que transcende as limitações físicas e se torna uma inspiração para todos nós. A música de Beethoven é conhecida por sua intensidade emocional, profundidade e inovação.

Ele foi um dos primeiros compositores a usar a música como uma forma de expressar sentimentos e emoções pessoais. Sua música transcendeu as barreiras da audição e tocou os corações das pessoas em todo o mundo. O legado de Ludwig van Beethoven continua vivo até hoje, sendo uma inspiração para músicos e amantes da música. Sua história nos ensina que, mesmo diante de desafios e limitações, é possível superar adversidades e criar obras-primas que resistem ao tempo, deixando um impacto duradouro na história da música.

Beethoven Cycle Symphonies Nos. 5 & 6 1 - Allegro con brio 2 - Andante con moto 3 - Scherzo. Allegro 4 - Allegro (West–Eastern Divan Orchestra, Maestro Daniel Barenboim, Royal Albert Hall, 23 de julho de 2012).

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Ainda durante o século XIX, período que refletia as ideias humanistas da Revolução Francesa, houve importantes avanços na história das pessoas com deficiência. Foi nesse momento que se reconheceu a necessidade de atenção especializada para além de hospitais e abrigos. Surgiram organizações voltadas para o estudo das questões específicas de cada tipo de deficiência, como também foram estabelecidos orfanatos, asilos e lares para crianças com deficiência física. Nos Estados Unidos e na Alemanha, grupos de pessoas se organizaram em prol da reabilitação dos feridos para o trabalho. A ideia era reabilitá-los para que pudessem continuar servindo o exército em outras funções, como trabalhar em selarias, manter equipamentos de guerra, cuidar do armazenamento de alimentos e limpar os animais. A noção de que os ex-soldados ainda eram úteis e poderiam ser reabilitados começou a se firmar nesse período. Nos Estados Unidos, um exemplo notável desse movimento de reabilitação dos feridos para o trabalho é o estabelecimento do National Home for Disabled Volunteer Soldiers (Lar Nacional para Soldados Voluntários com Deficiência, em tradução livre) em 1865. Essa instituição foi fundada pelo Congresso dos Estados Unidos para fornecer cuidados médicos, reabilitação e oportunidades de trabalho para os soldados feridos e mutilados durante a Guerra Civil Americana. Na Alemanha, um exemplo marcante é o estabelecimento da Invalidenhaus (Casa dos Inválidos, em tradução livre) em 1748,

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sob o reinado do Rei Frederico II, conhecido como "Frederico, o Grande". Essa instituição tinha como objetivo fornecer cuidados e reabilitação para os soldados feridos e mutilados do exército prussiano. A Casa dos Inválidos não apenas oferecia tratamento médico, mas também treinamento em habilidades profissionais específicas para ajudar os soldados a se reintegrarem ao trabalho. Além desses exemplos, é importante mencionar a obra On a New and Successful Method of Treating Persons Afflicted with Palsy and Epilepsy (Sobre um novo e bemsucedido método de tratar pessoas afetadas por paralisia e epilepsia, tradução livre), escrita pelo médico escocês James Currie em 1797. Nesse livro, Currie descreveu uma abordagem de reabilitação física para pessoas com paralisia, incluindo exercícios terapêuticos e tratamentos por meio de banhos de água quente e fria. Sua obra foi influente no desenvolvimento de métodos de reabilitação e tratamento para pessoas com deficiência física durante a Idade Moderna. Esses exemplos demonstram que tanto nos Estados Unidos quanto na Alemanha, durante diferentes períodos históricos, foram estabelecidas instituições e implementadas práticas para a reabilitação e reintegração ao trabalho dos soldados feridos e mutilados. Essas iniciativas foram fundamentais para promover a ideia de que os ex-soldados com deficiência ainda eram úteis e capazes de contribuir para a sociedade em outras funções. Essa mudança de perspectiva foi um avanço significativo no campo da reabilitação e marcou um importante passo


em direção à inclusão e ao empoderamento das pessoas com deficiência. Também na Alemanha, em 1884, o Chanceler Otto Von Bismark reconheceu a relevância da reabilitação e readaptação ao trabalho de pessoas com deficiência. Nesse contexto, ele promulgou uma lei pioneira que estabeleceu a obrigatoriedade desses processos, marcando um avanço significativo na história da atenção às deficiências. Por meio dessa lei, foi estabelecido que as pessoas com deficiência tinham o direito de receber suporte e oportunidades para reintegrar-se à vida profissional e participar ativamente da sociedade. A obrigatoriedade da reabilitação e da readaptação ao trabalho significava que as instituições públicas e privadas eram responsáveis por garantir programas de reabilitação e criar condições adequadas para a inclusão dessas pessoas. Um exemplo prático desse avanço pode ser observado no desenvolvimento de oficinas de trabalho especializadas. Estas oficinas proporcionavam treinamento e apoio para que as pessoas com deficiência desenvolvessem habilidades profissionais específicas, possibilitando sua inserção no mercado de trabalho e a conquista de uma fonte de renda. Além disso, a lei também estabeleceu a necessidade de adaptação dos ambientes de trabalho para garantir acessibilidade e acomodação das necessidades individuais das pessoas com deficiência. Isso incluía a implementação de rampas de acesso, a disponibilidade de recursos de comunicação alternativos, como a língua de sinais, e a utilização de tecnologias assistivas, como próteses e cadeiras de rodas.

A obrigatoriedade da reabilitação e da readaptação ao trabalho promovida pela lei de Bismark foi um marco importante no reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência na Alemanha e serviu de inspiração para avanços subsequentes em outros países. Essa abordagem fundamentada na igualdade de oportunidades e na inclusão social contribuiu para transformar a visão da sociedade em relação às pessoas com deficiência e, promovendo a participação plena delas na vida em comunidade.

Cartão de visita (CDV) do soldado Hiram Williams, que foi ferido na batalha Appomattox Courthouse (Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos).

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Helen Keller (1880-1968) é um exemplo inspirador de uma pessoa com deficiência que viveu no final do século XIX. Helen Keller nasceu em 27 de junho de 1880 em Tuscumbia, Alabama, nos Estados Unidos. Aos 19 meses de idade, ela foi acometida por uma doença ainda desconhecida, mas acredita-se que tenha sido uma forma de meningite ou escarlatina, que a deixou completamente surda e cega. A perda simultânea da visão e da audição tornou a comunicação e a interação com o mundo exterior um enorme desafio para Helen. No entanto, em 1887, com a chegada de sua professora, Anne Sullivan, à sua casa, a vida de Helen começou a mudar. Anne Sullivan, que também enfrentava desafios de visão, conseguiu estabelecer uma conexão com Helen por meio do toque e ensinou-a a se comunicar usando o alfabeto manual, onde cada letra é representada com movimentos específicos das mãos.

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Helen Keller na graduação Radcliffe College (Domínio público).


Essa descoberta permitiu à Helen expressar seus pensamentos e suas emoções de maneira mais eficiente. Aos poucos, Helen Keller desenvolveu habilidades de leitura e escrita, dominando o alfabeto manual e aprendendo a ler Braille, um sistema tátil de escrita para pessoas cegas. Em 1904, ela se formou com honras no Radcliffe College, tornando-se a primeira pessoa surda e cega a conquistar um diploma universitário. Além de suas conquistas acadêmicas, Helen Keller se tornou uma renomada escritora, ativista e palestrante. Ela usou sua voz para defender os direitos das pessoas com deficiência, bem como para promover causas sociais e políticas, incluindo o sufrágio feminino e os direitos civis. Suas palestras inspiradoras pelo mundo tocaram milhões de pessoas e ajudaram a desmistificar a deficiência. Helen Keller faleceu em 1º de junho de 1968, deixando um legado duradouro como um ícone de força, resiliência e determinação para pessoas com deficiência em todo o mundo. Suas realizações e suas contribuições inestimáveis continuam a inspirar gerações, destacando a importância da inclusão e da igualdade de oportunidades para todos. Esses exemplos demonstram como o século XIX foi marcado por uma maior conscientização e ação em relação às pessoas com deficiência. Surgiram instituições e movimentos que buscavam a reabilitação, inclusão e educação dessas pessoas, influenciando significativamente a história da atenção às deficiências nesse período.

SÉC U LO X X No século XX, houve avanços significativos para as pessoas com deficiência, especialmente no campo de técnicas e tecnologias assistivas. Durante o período de 1902 a 1912, na Europa, houve um crescimento na formação e organização de instituições voltadas para a preparação e o apoio às pessoas com deficiência. Nesse período, houve um aumento na conscientização sobre a importância da participação ativa e integração dessas pessoas na sociedade. Podemos evidenciar os impactos dessa mentalidade na própria literatura infantil, como no livro Peter Pan de J.M. Barrie, publicado em 1904, em que foi abordado o futuro das crianças desamparadas, inspirando peças teatrais e movimentos sociais. Ainda em 1904, em Londres, ocorreu a Primeira Conferência sobre Crianças Inválidas, que discutiu a integração social das crianças institucionalizadas. Em 1910, nos Estados Unidos, em St. Louis, foi realizado o primeiro Congresso Mundial dos Surdos para discutir métodos de comunicação por sinais e o oralismo. Na Alemanha, os primeiros censos demográficos de pessoas com deficiência foram realizados no início do século XX, visando aprimorar a organização estatal para atender às necessidades dessas pessoas. Já nos Estados Unidos, em 1907, na cidade de Boston, a Goodwill Industries estabeleceu as primeiras turmas de trabalho protegido para pessoas com deficiência em empresas, sendo até hoje uma instituição de amparo para pessoas mais vulneráveis.

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Mas foi durante o período da Primeira Guerra Mundial, ocorrida entre 1914 e 1918, que o mundo enfrentou grandes transformações. Com a mobilização dos homens para o conflito, as mulheres assumiram papéis de destaque na sociedade, ocupando empregos que antes eram predominantemente masculinos. Elas desempenharam um papel fundamental ao sustentar as famílias e manter a economia em funcionamento. Além disso, as crianças enfrentaram desafios significativos durante esse período. Muitas delas foram abrigadas em instituições ou enviadas para o campo, longe das zonas de combate, para protegê-las dos horrores da guerra. Essa situação afetou tanto crianças com deficiência como aquelas sem deficiência, que foram separadas de suas famílias e enfrentaram condições adversas. Um exemplo importante foi a criação de abrigos e orfanatos para acolher crianças que perderam suas famílias ou que não tinham condições adequadas de cuidado durante a guerra. Esses abrigos eram lugares onde as crianças recebiam cuidados básicos, alimentação e educação, buscando garantir segurança e bem-estar diante das circunstâncias adversas do conflito. É importante destacar que o impacto da guerra nas crianças, sejam elas com deficiência, sejam elas sem, foi significativo e duradouro. As experiências vividas durante esse período moldaram suas vidas e deixaram marcas profundas em sua trajetória. A guerra gerou não apenas dificuldades imediatas, mas também consequências emocionais, sociais e físicas

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que perduraram por muitos anos após o seu término. Após o fim da Primeira Guerra Mundial, os governos enfrentaram crises financeiras e políticas, mas também reconheceram a importância de cuidar dos veteranos jovens, muitos dos quais retornaram com deficiências adquiridas durante o conflito. Esses jovens precisavam de apoio para se reintegrarem à sociedade e encontrarem oportunidades de trabalho que se adequassem às suas condições físicas. Em 1919, o Tratado de Versalhes foi assinado, consolidando a paz e estabelecendo a criação de organizações internacionais para tratar de questões relacionadas ao trabalho e à reabilitação. Nesse contexto, foi fundada a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que teve um papel crucial no tratamento da reabilitação profissional das pessoas, incluindo aquelas com deficiência. A OIT passou a desenvolver políticas e diretrizes para promover a inclusão e a igualdade no mercado de trabalho, especialmente para as pessoas com deficiência. Seu objetivo era garantir que essas pessoas tivessem acesso a oportunidades de emprego adequadas às suas habilidades e suas necessidades, para que pudessem contribuir plenamente para a sociedade. Um exe m p l o co n c re to é o desenvolvimento de programas de reabilitação profissional. Estes visavam capacitar as pessoas com deficiência para desempenhar funções adequadas às suas habilidades e às suas capacidades,


Próteses para os soldados mutilado na Primeira Guerra Mundial (Zheit).

proporcionando treinamento e apoio necessário para que pudessem ingressar no mercado de trabalho de forma produtiva e independente. Outro exemplo é a implementação de políticas de acessibilidade e adaptação nos locais de trabalho. Isso envolvia a criação de condições físicas adequadas, como rampas de acesso, banheiros adaptados e equipamentos específicos, para garantir que as pessoas com deficiência pudessem realizar suas atividades laborais com conforto e segurança. Essas iniciativas foram fundamentais para promover a inclusão das pessoas com deficiência no mundo do trabalho e garantir que elas tivessem oportunidades

igualitárias de emprego e desenvolvimento profissional. Por meio do trabalho da OIT e de outras organizações semelhantes, foram estabelecidos padrões internacionais de proteção e promoção dos direitos das pessoas com deficiência no contexto profissional. É importante destacar que essas medidas foram um marco significativo no reconhecimento da importância da inclusão e da igualdade de oportunidades para as pessoas com deficiência no ambiente de trabalho. Elas contribuíram para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva, onde todos têm o direito de realizar seu potencial e contribuir para o desenvolvimento social e econômico.

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No período pós-guerra, muitas organizações e movimentos surgiram para buscar soluções e melhorar os mecanismos de reabilitação das pessoas com deficiência. Um exemplo notável é a Sociedade Escandinava de Ajuda a Deficientes, fundada no início do século XX e atualmente conhecida como Rehabilitation International. Essa organização pioneira teve um papel fundamental na defesa dos direitos das pessoas com deficiência e na organização de programas de reabilitação em diferentes países. A partir de 1929, o mundo testemunhou o início de uma crise econômica sem precedentes: a Grande Depressão. Países como os Estados Unidos, Canadá e várias nações europeias enfrentaram altas taxas de desemprego e uma queda drástica no Produto Interno Bruto (PIB). Essa crise afetou

milhões de pessoas e teve um impacto significativo na vida de famílias, levando à pobreza e à escassez de recursos básicos No entanto, o mundo ainda estava se recuperando dessa crise quando a Segunda Guerra Mundial eclodiu, em 1939. Liderada pelo líder alemão Adolf Hitler, essa guerra devastou nações e chocou o mundo devido às atrocidades cometidas. Durante o Holocausto, milhões de pessoas, incluindo judeus, ciganos e também pessoas com deficiência, foram alvo de perseguição e genocídio. Estima-se que 275 mil adultos e crianças com deficiência tenham perdido a vida nesse período sombrio. Além disso, outras 400 mil pessoas suspeitas de terem hereditariedade de cegueira, surdez e deficiência intelectual foram esterilizadas em nome da política da raça ariana pura.

Hospital psiquiátrico de Schönbrunn, 1934 (Franz Bauer, fotógrafo da SS).

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Aktion T4 (Ação T4, em tradução livre) foi o nome usado nos julgamentos pósSegunda Guerra Mundial para o programa de eugenismo e eutanásia da Alemanha nazista durante o qual médicos assassinaram centenas de pessoas consideradas por eles "incuravelmente doentes, através de exame médico crítico". O programa ocorreu oficialmente de setembro de 1939 a agosto de 1941, mas continuou de modo não oficial até o fim do regime nazista, em 1945. O desfecho trágico da guerra foi marcado pelos bombardeios nucleares realizados pelos Estados Unidos sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. Esses ataques devastadores tiraram a vida de aproximadamente 222 mil pessoas, deixando sequelas físicas e emocionais nos sobreviventes civis. Esses eventos históricos ilustram a turbulência e o sofrimento que ocorreram no período entre a Grande Depressão e o fim da Segunda Guerra Mundial. Foi um momento de perdas inimagináveis e um chamado para reflexão sobre a importância da paz, da humanidade e da promoção dos direitos humanos em todo o mundo. No período de pós-Segunda Guerra Mundial, o mundo enfrentou uma necessidade urgente de reconstrução e reorganização. A Europa estava devastada, assim como os países aliados que lutaram contra Hitler. Houve a demanda por reconstrução das cidades, abrigo, alimentação, roupas, educação e saúde para as crianças órfãs. Além disso, os sobreviventes adultos das batalhas precisavam de tratamento médico e reabilitação devido às sequelas.

Em 1945, a Carta das Nações Unidas estabeleceu a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), em Londres, com o objetivo de enfrentar os problemas globais em conjunto com os países membros. Diversas agências foram estabelecidas para abordar os temas centrais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) para Pessoas com Deficiência (ENABLE), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e a Organização Mundial da Saúde (OMS). No ano de 1948, a comunidade internacional se reuniu na nova sede da ONU, em Nova York, e proclamou solenemente a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esta é um documento histórico que proclama os direitos fundamentais de todas as pessoas, em todos os lugares e em todos os tempos. Em seu Artigo 1º, destaca-se que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos, e devendo agir com espírito de fraternidade em relação umas às outras. No Artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, há menção específica às pessoas com deficiência, referidas como "inválidas". Esse artigo reconhece o direito de todas as pessoas a um padrão de vida capaz de garantir saúde, bem-estar, alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e serviços sociais indispensáveis. Também ressalta o direito à segurança em situações como desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outras circunstâncias que possam levar à perda dos meios de subsistência.

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Esse período de reconstrução pós-guerra também foi marcado pela consolidação de instituições voltadas para pessoas com deficiência em todo o mundo. Em diferentes países, foram desenvolvidas políticas e práticas para promover a integração social e aperfeiçoar as ajudas técnicas para pessoas com deficiência física, auditiva e visual. Essas ações visavam proporcionar maior independência e igualdade de oportunidades para as pessoas com deficiência, reconhecendo a importância da participação delas de forma plena na sociedade. Durante esse período de reconstrução, as instituições voltadas para as pessoas com deficiência se consolidaram em todo o mundo. Buscava-se promover a integração social e aperfeiçoar as ajudas técnicas para pessoas com deficiência física, auditiva e visual. O progresso foi feito no desenvolvimento de tecnologias assistivas, como próteses, aparelhos auditivos e dispositivos de acessibilidade, com o objetivo de proporcionar mais independência e inclusão para as pessoas com deficiência. Essas iniciativas foram fundamentais para garantir que todos os indivíduos tivessem oportunidades iguais de participar ativamente na sociedade. No campo da Educação, houve avanços significativos na inclusão das pessoas com deficiência nas escolas. Em 1975, nos Estados Unidos, foi promulgada a Lei da Educação para Todos os Indivíduos com Deficiência (Education for All Handicapped Children Act), que estabeleceu o direito à educação inclusiva para todas as crianças

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com deficiência. Essa lei foi um marco na garantia do acesso igualitário à educação e inspirou a implementação de políticas semelhantes em outros países. Além disso, o surgimento de tecnologias assistivas revolucionou a vida das pessoas com deficiência. Um exemplo é o desenvolvimento de próteses avançadas, como as de membros que são controladas por sinais cerebrais, assim permitindo a restauração da funcionalidade e a independência de indivíduos amputados. A partir da década de 1980, ganhou força um movimento global para promover os direitos das pessoas com deficiência e garantir inclusão delas forma total na sociedade. Esse movimento foi impulsionado por uma série de iniciativas e eventos significativos. Em 1981, a Organização das Nações Unidas (ONU) proclamou o Ano Internacional das Pessoas com Deficiência, o que contribuiu para aumentar a conscientização sobre as questões relacionadas às pessoas com deficiência em todo o mundo. Em 1993, a Assembleia Geral da ONU adotou a Resolução 48/96, que estabeleceu os Princípios para a Proteção das Pessoas com Deficiência Mental e a Melhoria da Qualidade de Vida. Essa resolução destacou a importância de proteger os direitos das pessoas com deficiência intelectual e promover sua inclusão na sociedade. Um marco importante foi alcançado em 2006, quando a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) foi adotada pela Assembleia Geral da ONU. A CDPD é um tratado internacional


que visa garantir a igualdade de direitos e oportunidades para as pessoas com deficiência em todas as esferas da vida. Ela reconhece que as pessoas com deficiência têm o direito à participação plena e igualitária na sociedade, bem como o direito de desfrutar de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais. A CDPD define uma ampla gama de direitos e princípios relacionados às pessoas com deficiência, incluindo acessibilidade, igualdade de oportunidades, autonomia, participação política, educação inclusiva, trabalho digno, acesso à justiça e muito mais. Ela também estabelece mecanismos de monitoramento e implementação para garantir a efetividade desses direitos nacional e internacionalmente. A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência tem sido um marco importante na defesa dos

A CRPD

direitos das pessoas com deficiência em todo o mundo. Muitos países ratificaram a convenção e implementaram políticas e leis para garantir a inclusão plena e igualdade de oportunidades para as pessoas com deficiência. A CDPD tem servido como um guia fundamental para a promoção da igualdade, a eliminação da discriminação e a criação de sociedades mais inclusivas e acessíveis para todos. Esses exemplos demonstram o progresso gradual e contínuo que ocorreu ao longo do século XX, com um aumento significativo no reconhecimento das necessidades das pessoas com deficiência e um esforço coletivo para promover a inclusão e melhorar os serviços de reabilitação. As lutas e conquistas desses períodos pavimentaram o caminho para avanços ainda maiores nas décadas seguintes, promovendo uma sociedade mais justa e inclusiva para todos.

13 DEZEMBRO 2006 ADOÇÃO DA CRPD

Convenção internacional sobre os direitos das Pessoas com Deficiência

Negociado durante 8 sessões

(de 2002 a 2006) MAIS RÁPIDA NEGOCIAÇÃO

DE TRATADO DE DIREITOS Promover, proteger e garantir o gozo pleno e igualitário dos direitos humanos e das liberdades fundamentais das pessoas com deficiência.

HUMANOS

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3 de maio de 2008

ENTROU EM VIGOR

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Frida Kahlo nasceu em 1907, na Cidade do México, e faleceu em 1954. Ela é amplamente conhecida como uma das mais importantes artistas do século XX e uma figura icônica da arte mexicana. O que muitos não sabem é que Frida Kahlo enfrentou desafios significativos em sua vida devido a um grave acidente que ocorreu quando tinha apenas 18 anos. Em 1925, Frida sofreu um acidente de ônibus que deixou sequelas físicas permanentes. Ela teve diversas fraturas, incluindo uma lesão grave na coluna vertebral, que a obrigou a passar por inúmeras cirurgias e tratamentos ao longo de sua vida. Frida viveu com dor crônica e mobilidade limitada, enfrentando dificuldades físicas diárias. Através de sua arte, Frida Kahlo expressou suas experiências pessoais, suas dores físicas e emocionais, sua identidade mexicana e sua busca por autenticidade. Suas pinturas são marcadas por elementos simbólicos, autorretratos intensos e imagens surrealistas, retratando seu mundo interior e suas reflexões sobre o corpo, a dor e a identidade.

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Dr. Farill e Frida com a pintura Autorretrato com o Retrato do Doutor Farill, presente da artista ao cirurgião (Gisèle Freund, 1951).


Frida Kahlo transformou sua dor em inspiração e sua arte em um poderoso meio de expressão. Suas pinturas falam sobre o sofrimento humano, a luta pela identidade e a busca pela liberdade. Ela se tornou uma figura emblemática de força, resiliência e empoderamento, especialmente para as pessoas com deficiência. Ao compartilhar sua história e mostrar que é possível encontrar beleza e significado em meio à adversidade, Frida Kahlo inspirou e continua a inspirar pessoas pelo mundo. Sua arte ressoa com emoção e autenticidade, transmitindo mensagens poderosas de autoaceitação, luta pelos direitos das mulheres e a importância de abraçar nossas diferenças. Frida Kahlo deixou um legado duradouro na arte e na história, destacando a capacidade humana de superar obstáculos e transformar a dor em expressão artística. Ela se tornou um ícone de coragem, determinação e autenticidade, e sua obra continua a impactar e emocionar pessoas de todas as gerações.

Frida Kahlo Autorretrato com o Retrato do Doutor Farill (Coleção Privada, 1951).

Frida Kahlo pintando Retrato da Família de Frida na cama.

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Franklin Delano Roosevelt (1882-1945) Foi o 32º presidente dos Estados Unidos, servindo de 1933 a 1945. Ele é amplamente conhecido por sua liderança durante um dos momentos mais desafiadores da história americana, a Grande Depressão. Assumindo a presidência em 1933, Roosevelt implementou um programa político abrangente chamado New Deal, que buscava reverter os efeitos devastadores da Depressão. O New Deal incluía uma série de políticas econômicas, sociais e de bemestar que visavam promover a recuperação econômica, aliviar o desemprego e reduzir a pobreza. Roosevelt, embora não gostasse de ser fotografado em sua cadeira de rodas devido à sua condição de paraplegia, foi um defensor da assistência social e da inclusão das pessoas com deficiência na sociedade. Ele acreditava que, com boas condições de reabilitação, as pessoas com deficiência poderiam ter independência pessoal e contribuir para a sociedade de maneira significativa.

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Rara fotografia de Roosevelt em uma cadeira de rodas, com seu cão, Fala, e Ruthie Bie, filha de zeladores em sua propriedade em Hyde Park (Margaret Suckley, fevereiro de 1941).


Ao demonstrar a própria resiliência e determinação, Roosevelt se tornou um exemplo inspirador para muitos americanos com deficiência que buscavam uma vida independente e a oportunidade de trabalhar remuneradamente. Sua liderança e visão ajudaram a mudar a percepção da sociedade americana e mundial em relação às pessoas com deficiência, enfatizando a importância de fornecer suporte e oportunidades para que elas pudessem alcançar seu pleno potencial. O legado de Franklin Delano Roosevelt vai além de suas políticas e realizações durante seu mandato. Sua coragem pessoal e dedicação aos princípios da igualdade e inclusão continuam a inspirar gerações posteriores na luta pela justiça e pelos direitos das pessoas com deficiência. Além disso, em homenagem ao legado de Franklin Delano Roosevelt e sua representação inspiradora como uma pessoa com deficiência, um monumento foi erguido em sua memória. O Monumento a Franklin Delano Roosevelt foi erguido em sua memória pelo Congresso dos Estados Unidos. Sua inauguração ocorreu em 2 de maio de 1997, no National Mall, em Washington, D.C. Essa impressionante obra de arte representa o legado de Roosevelt como um líder inspirador e defensor dos direitos das pessoas com deficiência.

Estátua de Roosevelt na cadeira de rodas (Memorial Franklin Roosevelt).

A estátua de Roosevelt na cadeira de rodas é um símbolo poderoso de sua coragem e determinação em superar desafios pessoais, também serve como um lembrete constante da importância da inclusão e da igualdade para todos.

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Foto: Oscar Gutierrez Zozulia


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urante o período colonial do Brasil, que compreendeu os anos de 1500 a 1822, as pessoas com deficiência enfrentaram exclusão e segregação social. Elas eram frequentemente confinadas pelas próprias famílias ou abrigadas em instituições como Santas Casas e prisões. A sociedade da época discriminava, tinha preconceito e rejeitava as pessoas com deficiência. No entanto, a partir do século XIX, algumas mudanças começaram a ocorrer, principalmente com a chegada da Corte Portuguesa ao Brasil. Pela primeira vez, medidas de acolhimento foram tomadas pelo poder público. Em 1841, foi publicado o Decreto n°82, que estabeleceu o primeiro hospital para o cuidado e tratamento de pessoas com deficiência e transtornos mentais, chamadas na época de "alienados". É importante destacar que, nesse período, as pessoas com deficiência intelectual e doenças psicológicas eram consideradas loucas e posteriormente seriam encaminhadas para tratamento em hospícios. No século XIX, a questão da deficiência física ganhou mais destaque devido ao aumento dos conflitos militares, como a Setembrada e Novembrada em Pernambuco (1831), a Revolta dos Malês na Bahia (1835),

a Guerra dos Farrapos no Rio Grande do Sul (1835-1845) e a Balaiada no Maranhão (1850), assim como os conflitos externos, como a Guerra do Paraguai (1864-1870). Esses conflitos resultaram em um grande número de soldados mutilados, muitos dos quais adquiriram deficiências físicas e sensoriais. Como resposta a essa situação, foram criadas instituições voltadas para o atendimento dessas pessoas. No final do século XIX, o general Duque de Caxias, preocupado com a questão das pessoas com deficiência, externou suas inquietações ao Governo Imperial, resultando na inauguração do Asilo dos Inválidos da Pátria no Rio de Janeiro em 1868. Essa instituição acolhia e tratava soldados mutilados na velhice, além de proporcionar educação aos órfãos e filhos de militares. Apesar de sua importância no cuidado e no tratamento de soldados deficientes, o asilo foi desativado em 1976, gerando prejuízos significativos para os usuários. Ainda durante o século XIX, o avanço no cuidado e na atenção às pessoas com deficiência também aconteceu graças à influência do Imperador Dom Pedro II. Ele acompanhou o movimento europeu e contribuiu significativamente para a criação de instituições voltadas para a educação e inclusão de pessoas com deficiência no país.

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Joaquim Nabuco, 1902 (Domínio Público).

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Joaquim Nabuco (1849-1910) Apesar de enfrentar dificuldades de locomoção devido a uma doença congênita nas pernas, Joaquim Nabuco se destacou como uma das figuras mais influentes na luta pela abolição da escravidão no Brasil. Sua atuação política e intelectual teve um impacto significativo na história do país. Nabuco foi um dos líderes do movimento abolicionista brasileiro, que buscava pôr fim à escravidão e garantir a liberdade dos afrodescendentes. Ele dedicou sua vida à causa e fez uso de sua posição como político e diplomata para defender os direitos humanos e combater a discriminação racial. Além de sua atuação política, Nabuco foi um renomado escritor, cujas obras abordavam questões sociais, políticas e históricas do Brasil. Seus escritos mais conhecidos incluem "O Abolicionismo", publicado em 1883, e "Minha Formação", lançado em 1900. Essas obras refletem suas ideias e suas experiências no contexto da sociedade brasileira do século XIX, oferecendo importantes informações sobre a luta pela abolição e a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. O legado de Joaquim Nabuco vai além de sua defesa pelos direitos humanos. Ele foi uma figura inspiradora para as gerações futuras, mostrando que as limitações físicas não são barreiras intransponíveis. Sua determinação e comprometimento com a justiça social servem como exemplos de superação e engajamento na construção de um país mais igualitário.


Em sua homenagem, em 2017 foi criado o cinema da Fundação Joaquim Nabuco, em Recife, sendo o primeiro do Brasil a exibir regularmente na sua programação sessões de filmes para pessoas com deficiência sensoriais, com audiodescrição, para pessoas cegas e de baixa visão, libras e legendagem para surdos e ensurdecidos (LSE), para pessoas surdas. Em 12 de setembro de 1854, por meio do Decreto Imperial nº 1.428, Dom Pedro II fundou o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, atualmente conhecido como Instituto Benjamin Constant. Essa instituição foi estabelecida no Rio de Janeiro com o propósito de oferecer educação e cuidados especializados às crianças cegas. O instituto foi pioneiro no país e teve como objetivo principal proporcionar uma educação inclusiva e de qualidade para aqueles que haviam sido privados da visão. Três anos depois, em 26 de setembro de 1857, o Imperador D. Pedro II fundou o Imperial Instituto de Surdos-Mudos, que atualmente é conhecido como Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Essa instituição pioneira foi estabelecida no Rio de Janeiro e teve um impacto significativo na história da educação das pessoas surdas no Brasil. O objetivo principal do Instituto era oferecer educação e apoio às pessoas surdas em todo o país. Na época, as ideias predominantes eram de que as pessoas surdas eram incapazes de aprender e se comunicar. No entanto, o Instituto desafiou essas concepções e afirmou que

as pessoas surdas têm o direito de receber uma educação de qualidade e desenvolver suas habilidades. O INES foi pioneiro ao implementar métodos de ensino voltados para a língua de sinais e a comunicação visual, reconhecendo a importância dessas formas de expressão para a comunicação das pessoas surdas. Além disso, o Instituto proporcionou um ambiente inclusivo, onde as pessoas surdas puderam se sentir acolhidas e valorizadas. Ao longo dos anos, o INES desempenhou um papel crucial na promoção da inclusão educacional e social das pessoas surdas. Ele contribuiu para o desenvolvimento de recursos e técnicas educacionais adequadas, além de oferecer programas de formação de professores especializados no ensino de alunos surdos. Graças ao trabalho do INES e de outras instituições semelhantes, a educação das pessoas surdas no Brasil evoluiu consideravelmente. Hoje em dia, existem escolas e universidades inclusivas que oferecem suporte e oportunidades de aprendizado para as pessoas surdas em todo o país. O legado do INES continua a inspirar e promover a inclusão de pessoas surdas na sociedade brasileira. Essas instituições fundadas por Dom Pedro II, no século XIX, no Brasil, foram pioneiras em seu propósito e tiveram um impacto significativo na vida das pessoas com deficiência visual e auditiva. Elas serviram como modelos para o estabelecimento de outras instituições semelhantes ao redor do país, promovendo a educação especializada e a inclusão de

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pessoas com deficiência. Até hoje, o Instituto Benjamin Constant e o Instituto Nacional de Educação de Surdos são importantes referências na área da Educação e apoio para pessoas cegas e surdas no Brasil, continuando a desempenhar um papel essencial na promoção da igualdade de oportunidades e no empoderamento das pessoas com deficiência. Um pouco mais adiante, a Constituição de 1934 foi um marco importante ao reconhecer indiretamente a pessoa com deficiência. Essa constituição estabeleceu

que os "desvalidos", ou seja, as pessoas em situação de miserabilidade e abandono, deveriam receber amparo por parte dos entes públicos. É nesse contexto que as pessoas com deficiência começaram a ser incluídas nas políticas de assistência social e proteção do Estado. No entanto, é importante destacar que a concepção de "desvalidos" na época incluía pessoas com deficiência, entre outras situações de vulnerabilidade. Essas pessoas eram frequentemente ignoradas pela sociedade, enfrentando discriminação e falta de acesso a direitos básicos.

Fachada do Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ana Vargas, 2012).

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Tarsila do Amaral (1886-1973) Tarsila é uma figura central no cenário artístico brasileiro e uma das artistas mais influentes do modernismo no país. Sua história de vida é marcada por sua resiliência e sua busca pela expressão artística, apesar das dificuldades enfrentadas devido à poliomielite que contraiu na infância, que deixou sequelas em suas pernas. Ainda assim, Tarsila encontrou na pintura uma maneira de se expressar e transmitir suas ideias. Ela desenvolveu um estilo único e inovador, combinando elementos do modernismo europeu com temas e referências brasileiras. Suas obras icônicas, como "Abaporu" e "Antropofagia", são exemplos do seu talento e da sua contribuição para a arte brasileira.

Tarsila do Amaral (Domínio Público).

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Abaporu, pintura de óleo sobre tela de Tarsila do Amaral, 1929 (Folha ilustrada).

Abaporu, pintado em 1928, é uma das obras mais conhecidas de Tarsila. Ela retrata uma figura humana com características surrealistas e uma grande proporção. A pintura representa a fusão entre o humano e o natural, conectando a figura com a terra e a natureza brasileira. Essa obra se tornou um símbolo do movimento antropofágico, que defendia a incorporação e reinterpretação das influências estrangeiras na cultura brasileira. Ao longo de sua carreira, Tarsila do Amaral conquistou reconhecimento nacional e internacional. Suas obras foram expostas em diversas galerias e museus mundialmente, e ela se tornou uma referência para artistas e

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admiradores da arte brasileira. Seu legado artístico é lembrado como uma contribuição fundamental para o desenvolvimento da arte moderna no Brasil. A vida e a obra de Tarsila do Amaral são um exemplo inspirador de superação e determinação. Apesar das dificuldades físicas que enfrentou, ela encontrou na arte uma forma de se expressar e deixar sua marca na história. Sua influência no cenário artístico brasileiro e seu comprometimento com a criação de uma identidade cultural única são exemplos poderosos de como as pessoas com deficiência podem alcançar grandes realizações e impactar positivamente o mundo ao seu redor.


No Brasil, as ações do Estado em relação às pessoas com deficiência, ao longo do tempo, se basearam principalmente em abordagens assistencialistas. No entanto, tais tratamentos não eram efetivos no combate à discriminação, resultando na falta de reconhecimento dos direitos políticos e civis das pessoas com deficiência. A partir da década de 1970, um novo entendimento sociológico sobre a deficiência começou a surgir, conhecido como o modelo social da deficiência. Esse modelo desafiou a visão tradicional de que a deficiência é uma característica intrínseca da pessoa e argumentou que a forma como a sociedade se organiza é responsável por produzir a deficiência. Esse novo paradigma começou a influenciar o cenário brasileiro, resultando no fortalecimento do movimento das pessoas com deficiência. Um exemplo desse fortalecimento foi a criação da Coalizão Pró-Federação Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes, no final de 1979. Essa coalizão representava a união de várias organizações de diferentes estados do Brasil, que se uniram para planejar estratégias de luta por direitos e ampliar a voz das pessoas com deficiência na sociedade. Após o período da Ditadura Militar e a consequente redemocratização do Brasil, os movimentos sociais e políticos das pessoas com deficiência tiveram uma participação ativa no processo constituinte de 1988. Eles reivindicaram a completa e plena cidadania das pessoas com deficiência e conseguiram inserir os direitos dessas pessoas de maneira clara e plena na Constituição. Essa inclusão

englobou os princípios da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da cidadania. Esses avanços na legislação e no reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência foram fundamentais para promover a inclusão e a igualdade no país. Eles refletiram uma mudança significativa na percepção e no tratamento das pessoas com deficiência, buscando garantir que elas tenham acesso aos mesmos direitos e oportunidades que as demais pessoas da sociedade. Um conceito importante que está relacionado a esses avanços é o capacitismo. O capacitismo é um conjunto de crenças, atitudes e práticas que valoriza a capacidade física e mental como o padrão normal e ideal enquanto desvaloriza e discrimina as pessoas com deficiência. Essa forma de discriminação se manifesta em diversas áreas da vida, desde o acesso a espaços físicos até oportunidades educacionais e emprego. A Constituição de 1988 representou um avanço significativo na proteção dos direitos das pessoas com deficiência. Ela reconheceu a importância de garantir a igualdade de oportunidades e a inclusão social, assegurando que ninguém seja discriminado com base em sua condição de deficiência. Um exemplo concreto dessa proteção legal é a Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência. Estabelecida pela Lei nº 8.213/1991, determina que empresas com mais de 100 funcionários devem reservar uma porcentagem de vagas para pessoas com deficiência, promovendo a inclusão no mercado de trabalho e combatendo a discriminação.

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Outro exemplo é a criação da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, em 2003, no âmbito do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Essa secretaria tem como objetivo formular políticas públicas e promover tanto a inclusão como o exercício pleno da cidadania das pessoas com deficiência. Além disso, em 2015, foi promulgada a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência. Essa lei reforçou o compromisso do país com a garantia dos direitos das pessoas com deficiência em diversos âmbitos, como acessibilidade, educação, trabalho, saúde, cultura e esporte. Esses exemplos demonstram o esforço do Brasil em promover a inclusão e a igualdade para as pessoas com deficiência por meio de políticas e legislações específicas. No entanto, é importante ressaltar que ainda existem desafios a serem enfrentados, como a efetiva implementação dessas leis, a conscientização da sociedade sobre os direitos das pessoas com deficiência e a superação de barreiras físicas e atitudinais.

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Dorina Nowill (1919-2010) Dorina foi uma renomada educadora e ativista pelos direitos das pessoas com deficiência visual no Brasil. Ela nasceu em São Paulo, em 28 de maio de 1919. Aos 17 anos, Dorina perdeu a visão devido a uma doença chamada uveíte, mas isso não a impediu de buscar uma vida plena e dedicada à causa da inclusão. Após a perda da visão, Dorina enfrentou os desafios iniciais e, com determinação, buscou formas de superar as barreiras impostas pela deficiência visual. Ela se formou em Pedagogia e especializou-se em educação de pessoas cegas e com baixa visão. Dorina foi pioneira na luta pelos direitos e pela inclusão das pessoas com deficiência visual no Brasil. Em 1946, ela fundou a primeira biblioteca para cegos do país, que posteriormente se tornou a Fundação Dorina Nowill para Cegos. Esta oferece serviços de reabilitação, produção e distribuição de livros em braille, capacitação profissional e apoio às pessoas com deficiência visual, visando promover a igualdade de oportunidades e a plena participação social. Dorina também atuou como membro do Conselho Mundial para o Bem-Estar dos Cegos e da União Latino-Americana de Cegos,


duas importantes organizações internacionais voltadas para a promoção dos direitos e bem-estar das pessoas com deficiência visual. Ao longo de sua vida, Dorina recebeu inúmeros prêmios e reconhecimentos por sua notável contribuição na área da educação inclusiva. Em 1966, Dorina foi agraciada com a Medalha de Mérito Santos Dumont, uma honraria concedida pelo governo brasileiro a personalidades que se destacam em sua atuação profissional. No mesmo ano, recebeu o Prêmio Internacional Helen Keller, nomeado em homenagem à famosa ativista norteamericana pelo seu trabalho em prol das pessoas cegas. Em 1994, Dorina foi indicada ao Prêmio Nobel da Paz, em reconhecimento à sua incansável dedicação à defesa dos direitos e da inclusão das pessoas com deficiência visual. Em 2001, ela recebeu o Prêmio Jabuti, uma das mais importantes premiações literárias do Brasil, na categoria "Livro didático e paradidático", pela sua contribuição na produção de materiais educativos acessíveis para pessoas com deficiência visual. Essas premiações e reconhecimentos são apenas alguns exemplos do impacto significativo que Dorina Nowill teve na educação inclusiva e na luta pelos direitos das pessoas com deficiência visual. Sua dedicação e seu compromisso foram amplamente reconhecidos ao longo de sua trajetória, e seu legado continua a inspirar gerações futuras a promover a inclusão e a igualdade de oportunidades para todas as pessoas.

Dorina Nowill (Fundação Dorina).

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A luta pela inclusão e igualdade das pessoas com deficiência continua, e é fundamental que a sociedade como um todo se envolva nesse processo, promovendo a conscientização, a acessibilidade e a valorização da diversidade. Somente assim poderemos construir uma sociedade verdadeiramente inclusiva, em que todas as pessoas tenham oportunidades iguais de desenvolvimento e participação plena. O reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência também se estende a acordos internacionais, como a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada em 2006 e ratificada pelo Brasil em 2008. Esse tratado reforça o compromisso do país em promover a inclusão, a participação plena e a igualdade de oportunidades para as pessoas com deficiência. Os avanços na legislação e no reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência têm impulsionado ações de conscientização e educação sobre o capacitismo, buscando desconstruir estereótipos e promover uma sociedade mais inclusiva. Essas ações têm sido realizadas em diversos locais e datas, proporcionando exemplos concretos de transformação. Um exemplo relevante ocorreu em 2007, na cidade de São Paulo, com a implementação da Lei Municipal de Acessibilidade (Lei nº 14.675/2007). Essa legislação estabeleceu diretrizes para a promoção da acessibilidade em espaços públicos, como calçadas, prédios e

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transporte, visando garantir que as pessoas com deficiência tenham igualdade de acesso e participação na vida urbana. No âmbito do emprego, a Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência, já mencionada, tem promovido mudanças significativas. Um exemplo é a empresa multinacional Bayer, que, em 2019, foi premiada pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos por seu compromisso com a inclusão de pessoas com deficiência no ambiente de trabalho. A empresa superou a cota mínima exigida e se destacou pela adoção de práticas inclusivas e pela promoção da diversidade. Na área da saúde, um exemplo importante é a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Pessoa com Deficiência, implementada pelo Ministério da Saúde em 2010. Essa política tem como objetivo garantir o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços de saúde, considerando as necessidades específicas das pessoas com deficiência. Ela busca assegurar o atendimento adequado, a reabilitação, a prevenção de deficiências secundárias e a promoção da autonomia e da qualidade de vida. Na esfera cultural, o exemplo do Museu de Arte de São Paulo (MASP) é relevante. O museu tem promovido ações inclusivas, como a disponibilização de audioguias e informações em braille, além de programas de acessibilidade para pessoas com deficiência visual, auditiva e física. Essas iniciativas visam garantir que todos possam usufruir plenamente das exposições e das atividades culturais oferecidas.


Foto: Divulgação

João Carlos Martins (1940-) João Carlos Martins é um renomado pianista e maestro brasileiro, reconhecido internacionalmente por sua notável carreira musical. Sua história é marcada por desafios e superações, tornando-se um exemplo inspirador de determinação e talento. Ao longo de sua carreira, João Carlos Martins enfrentou diversos problemas nas mãos devido a lesões e distúrbios, incluindo problemas neurológicos e dores crônicas. Essas condições comprometeram sua habilidade de tocar piano como antes, levando-o a interromper sua carreira como pianista. No entanto, João Carlos Martins encontrou uma maneira de continuar sua paixão pela música. Ele decidiu se reinventar como maestro e dedicou-se à regência de orquestras. Com seu conhecimento musical e carisma, ele se destacou como maestro, conduzindo apresentações e interpretando obras musicais com maestria.

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A incrível jornada de João Carlos Martins, de menino prodígio a retorno ao piano (BBC News Brasil, 2020).

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Além de sua atuação como maestro, João Carlos Martins desenvolveu técnicas adaptadas para tocar piano, utilizando apenas alguns dedos. Ele superou as limitações físicas e demonstrou sua genialidade musical ao tocar peças complexas mesmo com a restrição em sua destreza manual. A perseverança e talento de João Carlos Martins o tornaram um símbolo de superação. Sua história inspiradora e suas realizações no campo da música despertaram admiração e respeito tanto no Brasil quanto no exterior. Ele recebeu inúmeros prêmios e reconhecimentos ao longo de sua carreira, incluindo a Medalha do Mérito Cultural, concedida pelo governo brasileiro, e o Prêmio Grammy Latino, na categoria de Melhor Álbum de Música Clássica. Além de suas conquistas musicais, João Carlos Martins se destacou por seu trabalho social e filantrópico ao fundar a Fundação Bachiana, uma instituição renomada que tem como objetivo promover a inclusão social por meio da música. Desde a sua criação, a Fundação Bachiana tem desempenhado um papel fundamental ao oferecer oportunidades educacionais e culturais a crianças e jovens em situação de vulnerabilidade. A Fundação Bachiana desenvolve uma série de programas e projetos que utilizam a música como ferramenta de transformação social. Um exemplo notável é o projeto Descobrindo Talentos, que identifica jovens talentosos e lhes proporciona acesso a aulas de música, instrumentos musicais e oportunidades de desenvolvimento artístico. Por meio desse programa, muitos jovens talentos têm a chance de explorar seu potencial musical e receber uma formação sólida. Outro programa importante é o Orquestrando o Brasil, que busca levar a música clássica a regiões menos privilegiadas do país, oferecendo concertos gratuitos e levando a experiência musical a comunidades que normalmente não têm acesso a esse tipo de manifestação artística. Essa iniciativa visa despertar o interesse e o apreço pela música em públicos diversificados, estimulando o desenvolvimento cultural e social dessas localidades.

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Graças ao trabalho incansável de João Carlos Martins e sua equipe, a Fundação Bachiana tem alcançado resultados significativos ao longo dos anos. Milhares de crianças e jovens foram beneficiados com oportunidades de educação musical, sendo muitos deles encorajados a seguir carreira na música ou a desenvolver seu talento como uma forma de expressão pessoal. João Carlos Martins e a Fundação Bachiana têm recebido reconhecimento e prêmios por seu impacto social positivo. Em 2011, João Carlos Martins foi agraciado com o Prêmio Empreendedor Social, uma importante honraria que reconhece líderes sociais e suas iniciativas transformadoras. A Fundação Bachiana também tem sido premiada e elogiada por seu trabalho, recebendo apoio de parceiros e patrocinadores comprometidos com a promoção da cultura e da inclusão social. O comprometimento de João Carlos Martins com a música e seu trabalho social exemplar têm sido uma fonte de inspiração para muitos. Sua dedicação em utilizar a música como uma ferramenta para transformar vidas e construir um mundo mais inclusivo tem deixado um legado valioso, demonstrando que a arte e a solidariedade podem caminhar juntas para promover a igualdade e o desenvolvimento humano. A trajetória de João Carlos Martins é um testemunho vivo de como a paixão, determinação e perseverança podem superar desafios e transformar obstáculos em oportunidades. Sua contribuição para a música e seu exemplo de superação

continuam a inspirar músicos e admiradores em todo o mundo. Esses exemplos reais demonstram que os avanços na legislação e no reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência têm gerado impacto positivo em diferentes áreas e locais do Brasil. Por meio de ações concretas e políticas inclusivas, busca-se construir uma sociedade mais igualitária, na qual todas as pessoas tenham oportunidades iguais de participação e desenvolvimento, independentemente de suas habilidades e limitações. No entanto, apesar dos avanços conquistados, ainda há desafios a serem enfrentados para garantir a efetiva implementação dessas leis e políticas. É fundamental continuar promovendo a conscientização, a formação e a fiscalização para combater a discriminação e o preconceito baseados no capacitismo, garantindo que as pessoas com deficiência sejam tratadas com respeito e tenham seus direitos plenamente assegurados. Um exemplo de desafio a ser superado está relacionado à acessibilidade arquitetônica. Embora existam leis que determinem a obrigatoriedade de adaptações nos espaços públicos e privados, ainda é comum encontrar barreiras físicas que impeçam ou dificultam o acesso das pessoas com deficiência, como falta de rampas, elevadores ou sinalização adequada. Essas barreiras limitam a participação plena dessas pessoas na sociedade e exigem esforços contínuos para garantir a sua eliminação.

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Foto: ONU/ Jarbas Oliveira

Maria da Penha Maia Fernandes (1945 - ) Maria da Penha é uma importante ativista brasileira na luta pelos direitos das mulheres e contra a violência doméstica. Nascida em Fortaleza, Ceará, Maria da Penha enfrentou uma longa batalha pessoal e jurídica em busca de justiça e combate à impunidade. Em 1983, Maria da Penha sofreu uma tentativa de feminicídio por parte de seu então marido, que resultou em graves sequelas e a deixou paraplégica. Após esse episódio, ela enfrentou diversas dificuldades em seu processo de recuperação e, ao denunciar o agressor, percebeu a ineficiência da justiça em lidar com casos de violência doméstica. Determinada a lutar pelos seus direitos e pelos direitos de todas as mulheres, Maria da Penha se tornou uma voz incansável na busca por justiça e na conscientização sobre a violência de gênero. Ela levou seu caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o que resultou na condenação do Estado brasileiro por negligência e impunidade.

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Além disso, o Instituto Maria da Penha promove campanhas de conscientização em diversos meios de comunicação, como rádio, televisão e redes sociais. Essas ações têm como objetivo informar a população sobre a realidade da violência doméstica, seus impactos e como buscar ajuda. Um exemplo notável é a campanha Eu Ligo 180, que incentiva as mulheres a denunciarem casos de violência por meio do número de telefone 180, que oferece atendimento e orientação especializada 24 horas por dia. Essa campanha tem alcançado um grande número de pessoas, proporcionando apoio e informação às vítimas de violência. O trabalho de Maria da Penha e o do Instituto Maria da Penha têm sido fundamentais na conscientização da sociedade sobre a violência doméstica e na defesa dos direitos das mulheres. Por meio de suas ações, eles têm ajudado a romper o ciclo de violência e proporcionado suporte às vítimas. O Instituto Maria da Penha é um exemplo concreto de como uma pessoa pode transformar a própria experiência em uma luta coletiva por justiça e igualdade. Plenarinho (Câmara dos Deputados Federais).

Em 2006, a Lei Maria da Penha foi sancionada no Brasil, estabelecendo medidas de prevenção, proteção e punição mais rigorosas para casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Essa lei se tornou um marco na legislação brasileira e é reconhecida internacionalmente como uma importante conquista na luta contra a violência de gênero. Após enfrentar a própria experiência de violência doméstica, Maria da Penha decidiu fundar o Instituto Maria da Penha em 2009. Essa organização não governamental tem como missão promover a defesa dos direitos das mulheres e combater a violência doméstica. Através do Instituto, Maria da Penha realiza diversas atividades para conscientizar e capacitar diferentes públicos. Ela realiza palestras em escolas, universidades e empresas, levando informações sobre a importância da igualdade de gênero e os direitos das mulheres. Também são realizados workshops e capacitações para profissionais das áreas de Assistência Social, Saúde e Justiça, visando qualificar o atendimento às vítimas de violência doméstica.

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Marcelo Rubens Paiva (1959-) Marcelo é um renomado escritor, jornalista e dramaturgo brasileiro, cuja vida foi marcada por eventos impactantes que moldaram sua trajetória desde a infância. Aos seis anos de idade, em 1966, ele se mudou para a cidade do Rio de Janeiro, juntamente com sua família, após seu pai, o ex-deputado federal socialista Rubens Paiva, ser cassado e exilado devido ao Golpe de Estado no Brasil em 1964. Aos 11 anos de idade, em 1971, enfrentou seu primeiro grande trauma: o "desaparecimento político" de seu pai. Após ser preso, o pai dele foi torturado e morto na cidade do Rio de Janeiro, e seu corpo nunca foi encontrado. Esse acontecimento deixou uma marca profunda em Marcelo e em toda a família, gerando um forte impacto emocional e uma busca incansável por respostas ao longo dos anos. Em 1979, aos 20 anos de idade, Marcelo Rubens Paiva enfrentou um segundo grande trauma. Após saltar em um lago, ocorreu um acidente que mudaria sua trajetória para sempre.

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Marcelo Rubens Paiva (Felipe Hellmeister).


Ao chocar a cabeça em uma pedra, ele fraturou a quinta vértebra cervical do pescoço, resultando em uma condição chamada tetraplegia, que afetou seus movimentos e suas habilidades motoras em todo o corpo. Essa lesão teve um impacto significativo na vida dele, exigindo adaptação a uma nova realidade com desafios diários. No entanto, mesmo diante dessa adversidade, Marcelo Rubens Paiva encontrou forças para superar os obstáculos e continuar sua carreira como escritor, conquistando reconhecimento e inspirando pessoas pelo país. Sua história é um exemplo poderoso de resiliência e determinação diante das adversidades da vida. Marcelo se tornou um autor reconhecido e aclamado, escrevendo romances, crônicas e peças teatrais que abordam temas diversos, como relacionamentos, política, memórias e superação pessoal. Suas obras mais conhecidas incluem Feliz Ano Velho, que narra sua experiência após o acidente, e Blecaute, que retrata a ditadura militar brasileira. Além de sua carreira literária, Marcelo Rubens Paiva também é um talentoso roteirista e colaborador em diferentes veículos de comunicação. Sua habilidade em transmitir histórias e reflexões por meio de palavras cativa leitores e espectadores, inspirando muitos com sua coragem e sua determinação. A vida de Marcelo Rubens Paiva é um testemunho de resiliência e coragem diante de adversidades indescritíveis. Ele encontrou na escrita e no ativismo uma

maneira de dar voz às vítimas de injustiças e de lutar por um país mais justo e igualitário. Seu trabalho literário, suas palestras e seu ativismo contínuo inspiram inúmeras pessoas, mostrando que é possível transformar o sofrimento em força, a dor em arte e a injustiça em luta por justiça. Marcelo Rubens Paiva é um exemplo vivo de como a determinação e a resiliência podem superar até mesmo as circunstâncias mais difíceis e sombrias.

Marcelo Rubens Paiva na capa do livro Crônicas para Ler na Escola (Companhia das Letras, 2011).

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Outro desafio está no mercado de trabalho e na inclusão profissional. Apesar da existência da Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência, muitas empresas ainda enfrentam dificuldades na contratação e na promoção de pessoas com deficiência. O estigma e os estereótipos associados à deficiência podem resultar em discriminação e em oportunidades de trabalho limitadas. É necessário um trabalho conjunto entre o governo, as empresas e as organizações da sociedade civil para promover a inclusão e a valorização das habilidades e das potencialidades das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Além disso, a garantia de acesso à educação inclusiva é um desafio a ser enfrentado. Apesar do avanço na legislação, muitas escolas ainda não estão preparadas para receber e atender adequadamente alunos com deficiência. A falta de recursos e a de formação adequada dos profissionais da educação são obstáculos a serem superados para garantir que todas as crianças e os jovens com deficiência tenham acesso a uma educação de qualidade e inclusiva. É importante destacar que a conscientização e a formação são fundamentais para superar esses

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desafios. É necessário promover a conscientização sobre a importância da inclusão, da diversidade e do respeito aos direitos das pessoas com deficiência. Isso pode ser feito por meio de campanhas educativas, palestras, treinamentos e atividades de sensibilização. A formação dos profissionais envolvidos na promoção da inclusão também é essencial para garantir práticas adequadas e acolhedoras em diversos setores da sociedade. Por fim, a fiscalização e o cumprimento das leis e das políticas são essenciais para garantir que os direitos das pessoas com deficiência sejam respeitados. Órgãos governamentais, instituições e organizações da sociedade civil desempenham um papel fundamental na fiscalização e no monitoramento das ações voltadas para a inclusão. Ações de fiscalização e denúncia de casos de discriminação e violação de direitos são importantes para garantir a responsabilização e a melhoria contínua. A superação dos desafios para garantir a inclusão e a igualdade das pessoas com deficiência requerem esforços contínuos e o envolvimento de todos os setores da sociedade. Somente por meio de ações conjuntas, será possível construir uma sociedade mais inclusiva, que valorize e respeite a diversidade humana em sua plenitude.


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Foto: Dob Photo

O FUT URO: UMA sOCI E DAD E D E CUIDADO É P OSSÍVE L


“Para as pessoas sem deficiência a tecnologia torna as coisas mais fáceis. Para as pessoas com deficiência, a tecnologia torna as coisas possíveis.” (RADABAUGH, 1993)

Foto: Jordi Moura 96

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5 . 1 A TEC N O LO G IA A FAVOR D O D ESENVOLVIME N TO E D O B E M -ESTA R DAS P ESSOAS C O M D EF IC I Ê NC I A Ao possibilitar autonomia para a que o indivíduo possa desempenhar desde tarefas simples do cotidiano até tarefas complexas para progresso em sua vida acadêmica ou desenvolver um hobby, a tecnologia assistiva mostra que a potencialidade não é a tecnologia em si, mas o indivíduo que, a partir dela, poderá se expressar ou se desenvolver, graças a acessibilidade proporcionada por ela.

TE CNO LOGI A AS S I ST I VA (TA) – C O N C E I TO O desenvolvimento de habilidades e competências alinhado ao desenvolvimento de bem-estar e o maior grau de autonomia que a pessoa com deficiência poderá ter em sua vida muitas vezes passa pelo uso em maior ou menor grau de tecnologias assistivas. O conceito Assistive Technology, em tradução livre "Tecnologia Assistiva", foi criado em 1988 nos EUA como importante elemento jurídico dentro da legislação norte-americana conhecida como Public Law 100-407. Foi renovado em 1998 como Assistive Technology Act de 1998 (P.L. 105394, S.2432). Compõe, com outras leis, o American with Disabilities Act (ADA), que regula os direitos dos cidadãos com deficiência nos EUA, além de prover a base legal dos fundos públicos para compra dos

recursos que estes necessitam. No Brasil, o extinto Comitê de Ajudas Técnicas (CAT), instituído pela Portaria n° 142, de 16 de novembro de 2006, propôs o seguinte conceito para a tecnologia assistiva: "Tecnologia Assistiva é uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando à sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social". (ATA VII, Comitê de Ajudas Técnicas (CAT); Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE); Secretaria Especial dos Direitos Humanos; Presidência da República).

(TA ) – CATEG ORIZ A ÇÃO Os recursos de TA são organizados de acordo com sua funcionalidade e normalmente com a ISO 9999/2002 como

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classificação internacional mais relevante por ser aplicada em vários países. Essa categorização foi descrita pela primeira vez em 1998 e sua última atualização é de 2017, Devemos nos lembrar que uma vez se tratando de tecnologia, a experiência tem revelado que poderemos ter essa lista acrescida de mais categorias, as possibilidades das tecnologias, hoje, da nanotecnologia, que se tem revelado cada vez mais ilimitada. Conhecer as possibilidades da TA serve também para estudar e cobrar o desenvolvimento e a promoção de políticas públicas, bem como a organização de serviços específicos destinados a pessoas com deficiências e até mesmo à formação de um banco de dados para a identificação dos recursos apropriados para uma pessoa que apresente uma necessidade funcional específica na escola, no trabalho ou em casa.

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(TA )– VIDA D IÁ RIA Materiais e produtos para auxílio do cotidiano, como comer, cozinhar, vestir-se, e tomar banho com o máximo de autonomia. São exemplos desse tipo de auxílio os talheres modificados, suportes para utensílios domésticos, roupas costuradas para facilitar o vestir e despir, abotoadores, velcro, recursos para transferência, barras de apoio, entre outros, que normalmente são adaptados de uma maneira personalizada – a indicação desse tipo de tecnologia normalmente é feita por um terapeuta ocupacional.

C OMUNICA ÇÃO AU MENTATIVA E A LTERNATIVA (CA A ) Recursos, que podem ou não ser eletrônicos, e permitem ou auxiliam a comunicação expressiva e/ou receptiva das


pessoas sem a fala ou com limitações. São muito utilizadas as pranchas de comunicação com os símbolos ARASAAC, SymbolStix, Widgit, PCS ou Bliss, além de vocalizadores e softwares dedicados para esse fim. Fonoaudiólogas e psicopedagogas são as profissionais que podem indicar qual é a tecnologia mais indicada de acordo com a necessidade. Cada vez mais conhecidos graças aos programas de televisão, são os equipamentos de entrada e saída (síntese de voz, braille).

RE CU RSOS DE ACES S I B I L IDA D E AO CO M PU TA D O R Terapeutas ocupacionais e engenheiros de tecnologia estão cada vez mais empenhados em facilitar pessoas com deficiência acessarem com sucesso o computador para desempenharem funções laborais e criativas. Alguns exemplos: auxílios alternativos de acesso (ponteiras de cabeça, de luz), teclados modificados ou alternativos, acionadores, softwares dedicados (síntese e reconhecimento de voz).

SIST EM AS D E C O N T RO LE D E AM BI EN T E Com o 5G e a Internet das Coisas (IoT), ficam cada vez mais conhecidos os sistemas eletrônicos que permitem alternativas às pessoas com limitações

motolocomotoras Alguns exemplos: a possibilidade de controle de voz remoto para aparelhos eletroeletrônicos, como também sistemas de abertura de portas, janelas, cortinas e afins, de segurança, entre outros, localizados nos ambientes doméstico e profissional. Para as pessoas sem deficiência, a facilidade do comando de voz para acender uma lâmpada pode não significar muito, a menos que chegue com as mãos cheias de compras em uma noite escura. Para a pessoa com deficência, que pode te dificuldade de acessar o interruptor, é a possibilidade de autonomia.

PROJETOS A RQU ITETÔNIC OS PA RA AC ESSIBILIDA D E Adaptações estruturais e reformas na casa e/ou ambiente de trabalho. Alguns exemplos: rampas, maçanetas, elevadores, adaptações em banheiros entre outras. Lembrando que retirar ou reduzir as barreiras físicas, facilitando a locomoção e o uso dessas áreas pela pessoa com deficiência torna o ambiente mais acolhedor para todos. Lembrando que todas as pessoas estão sujeitas a acidentes e a necessitar de acessibilidade nos prédios públicos e residências. Pessoas que são submetidas a pequenas cirurgias ou mães com um carrinho de bebê podem ser beneficiadas a longo prazo por um projeto arquitetônico que tenha colocado a acessibilidade como prioridade.

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ÓRT ES ES E P RÓT ES ES

AUXÍ LIOS D E MOBILIDA D E

Ajuste de partes do corpo, faltantes ou de funcionamento comprometido, por membros artificiais ou outros recurso. Exemplo: ortopédicos (talas, apoios etc.). Inclui-se todos os apoios, como óculos, que ajustam a visão. Com a impressão em três dimensões (3D), a personalização de próteses e órteses tem-se tornado cada vez mais acessível. A indicação normalmente é feita por médico-ortopedista junto a um fisioterapeuta.

Veículos que são utilizado na melhoria da mobilidade pessoal que pode ser temporária ou permanente. Exemplos: cadeiras de rodas manuais e motorizadas, bases móveis, andadores, scooters.

AD EQ UAÇÃO P OST U RA L Adaptações para cadeira de rodas ou outro sistema de sentar visando ao conforto e à distribuição adequada da pressão na superfície da pele. Exemplos: almofadas especiais, assentos e encostos anatômicos, bem como posicionadores e contentores que propiciam maior estabilidade e postura adequada do corpo por meio do suporte e posicionamento de tronco, cabeça, membros. A ergonomia e a adaptação para a dequação postural reduzem dores e aumentam a qualidade de vida da pessoa com deficiência. Médicos, fisioterapeutas ou terapeutas ocupacionais tiram medidas e personalizam de acordo com a necessidade da pessoa.

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AUXÍ LIOS PA RA C EG OS OU C OM VISÃO SUBNORMA L São utilizados na melhoria da visão para pessoas com deficiência visual ou em substituição do recurso visual para pessoas cegas. Exemplos: recursos que incluem lupas e lentes, braille para equipamentos com síntese de voz, grandes telas de impressão, sistema de TV com aumento para leitura de documentos, impressoras de pontos braille e de relevo para publicações. Incluem-se os animais adestrados para acompanhamento das pessoas no dia a dia, embora animais também possam ser usados em diferentes deficiências, inclusive como apoio emocional em transtorno de espectro autista (TEA) e transtorno de ansiedade generalizado (TAG).

AUXÍ LIOS PA RA SU RD OS OU C OM D ÉF IC IT AU D ITIVO São utilizados na melhoria da audição para pessoas com deficiência auditiva ou em substituição da audição para pessoas surdas. Exemplos: auxílios que incluem vários equipamentos (infravermelho,


FM), aparelhos para surdez, telefones com teclado — teletipo (TTY), sistemas com alerta tátil-visual, campainhas luminosas, entre outros. Lembrando que a Língua Brasileira de Sinais (Libras) é uma língua de modalidade gestualvisual em que é possível se comunicar por meio de gestos, expressões faciais e corporais. É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão desde 24 de Abril de 2002, pela Lei nº 10.436. A Libras é muito utilizada na comunicação com pessoas surdas, sendo, portanto, um importante meio de inclusão social.

Art. 46. O direito ao transporte e à mobilidade da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida será assegurado em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, por meio de identificação e de eliminação de todos os obstáculos e barreiras ao seu acesso (BRASIL, 2015).

ADAPTAÇ Õ ES E M V EÍ CU LOS Acessórios e adaptações veiculares que possibilitam o acesso e a condução do veículo. Exemplos como arranjo de pedais, acessórios para guidão, rampas e elevadores para cadeiras de rodas, em ônibus, camionetas e outros veículos automotores modificados para uso de transporte pessoal. A Lei nº 13.146/15 reforça a obrigatoriedade que as empresas prestadoras de serviços de transportes – por trens, ônibus ou metrô – tenham com seus veículos e a garantia da acessibilidade. Um aspecto importante é que a lei determina também não apenas o veículo, mas o serviço acessível, o que inclui estações, pontos de parada e sistema viário conforme observa-se:

Pessoa cega trabalhando em computador com display e tela braille (Elypse).

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5 . 2 D IRE ITOS D E P ES SOAS C OM D E F I C I Ê NC I A D E ACORD O C O M A L E I B RAS I L E I RA D E I NCLUSÃO D O C U MENTOS E ID ENTIF ICA ÇÃO

Certificado da pessoa com deficiência. Em gov.br.

Você sabia que existe uma carteira de identidade própria para pessoas com deficiência? O documento, válido em todo território nacional, apresenta informações para auxiliar na comprovação da deficiência e, dessa forma, facilitar o acesso a serviços em instituições públicas e privadas. Verifique como funciona a política de emissão de registro geral (RG) no seu estado. Alguns estados podem solicitar um Certificado da Pessoa com Deficiência para ter acesso a alguns benefícios. A credencial para permitir estacionar em vagas destinadas a pessoa com deficiência pode ser solicitada no órgão municipal de trânsito ou no Departamento Estadual de Trânsito (Detran).

B E N E FÍ C IO ASSISTENC IA L À PESSOA C O M DEF IC IÊNC IA (BP C / LOAS) Benefício de um salário mínimo por mês para a pessoa com deficiência e que comprove ser baixa renda – renda familiar de até ¼ do salário mínimo por pe ssoa, calculada com as informações do Cadastro Único (CadÚnico) e dos sistemas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). BPC. Em gov.br Assunto: Solicitar benefício assistencial de pessoa com deficiência.

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D I R E I TO À AC ESSIBILIDA D E Acessibilidade é o ato de promover o acesso de todas as pessoas a todos os lugares, de forma segura e autônoma, proporcionando para as pessoas o seu direito de ir e vir sem depender de outra pessoa. • Ter removidas as barreiras e os obstáculos nas ruas e nos espaços públicos.

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• Acesso a meios de transporte e de comunicação adaptados para que a pessoa com deficiência possa exercer sua cidadania com autonomia dentro de sua condição. • Seja reservado nos estacionamentos vagas para os veículos que são usados por pessoas com deficiências. • Banheiros acessíveis em espaços públicos ou privados. • Teatros, cinemas, auditórios, estádios, ginásios de esportes, casas de espetáculos, salas de conferências e similares reservem, pelo menos, 2% da lotação do estabelecimento para pessoas em cadeira de rodas. Esses lugares deverão ser distribuídos pelo recinto em locais diversos, de boa visibilidade, próximos aos corredores, devidamente sinalizados, evitando- se áreas segregadas de público e a obstrução das saídas. • Acesso gratuito ou desconto em meios de transportes. Municipal: cada municipio tem uma legislação para garantir a isenção. Verifique como funciona em seu municipio. A isenção pode ser para a própria pessoa ou para o acompanhante. Estadual: programa Passe livre – pessoas com deficiência em vulnerabilidade social podem viajar de ônibus de graça. • Transporte Aéreos: de acordo com a Resolução ANAC nº 280 de 11 de julho de 2013, acompanhante de pessoa com deficiência pode garantir desconto na passagem aérea.

Passe-livre, em gov.br. Assunto: passageiros rodioviários, passe livre.

"A Lei de Acessibilidade é fiscalizada pelo Ministério Público Federal em conjunto com as Secretarias da Pessoa com Deficiência que estão espalhadas pelo Brasil''. O FU TU RO : U M A s OCI E DA D E D E CU I DA D O É POS S Í V E L

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D I R E I TO À S AU D E • Orientação médica sobre os cuidados que deve ter consigo, planejamento familiar, doenças do metabolismo, diagnóstico e encaminhamento precoce de outras doenças causadoras da deficiência. • Tratamento prioritário e adequado na rede de saúde pública e particular. • Receber do Poder Público os medicamentos necessários ao tratamento mediante a apresentação da receita médica. • Atendimento domiciliar de saúde, se portador de doença grave e não puder se dirigir ao hospital ou posto de saúde pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ou plano de saúde. • Serviços especializados em habilitação e reabilitação. Considera-se parte da reabilitação o fornecimento de medicamentos que favoreçam a estabilidade clínica e funcional, bem como auxiliem na limitação da incapacidade para que a pessoa tenha o máximo de autonomia possível em seu cotidiano. • Recebimento gratuito de órteses e próteses auditivas, visuais e físicas que compensem as limitações. • Quando internada por prazo igual ou superior a um ano, a criança tem direito a atendimento pedagógico. • Não ser impedida de participar de plano ou seguro de assistência à saúde.

D I R E I TO AO AT E N DIMENTO PRIORITÁ RIO • Nas repartições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos, atendimento prioritário por meio de serviços individualizados e humanizados que assegura à pessoa um tratamento diferenciado e atendimento imediato. • Restituição de Imposto de Renda. Ao declarar o imposto, deve-se informar a existência de uma deficiência, garantindo assim prioridade na restituição. • Prioridade de atendimento nas instituições financeiras, de proteção e socorro. • Prioridade na tramitação processual e de procedimentos judiciais e administrativos em que a pessoa com deficiência seja parte ou interessada. • Na disponibilização de recursos humanos e tecnológicos que garantam atendimento em igualdade de condições com as demais pessoas.

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DI REI TO D E AC ES SO AO MERCA D O DE T RABALH O • Reserva de cargos e empregos em todos os concursos públicos. • Reserva de 2% a 5% de cargos nas empresas com 100 ou mais empregados. • Não sofrer discriminação em relação a salário ou critério de admissão. • Não receber dispensa, sem justa causa, das empresas privadas (aqui há controvérsias). • Direito à habilitação e reabilitação profissional com o objetivo de se capacitar para obter trabalho, conservá-lo e também progredir profissionalmente. • Auxílio à habilitação e reabilitação profissional para tratamento ou exame fora do domicílio.

DI REI TO À E DU CA ÇÃO • Matrícula nos cursos regulares, desde que seja capaz de se integrar na rede regular de ensino. • Cursos de formação profissional de nível básico, condicionando a matrícula à capacidade de aproveitamento e não ao nível de escolaridade. • Educação especial gratuita em todos os estabelecimentos públicos de ensino. • Se internado por tempo igual ou superior a um ano em unidades hospitalares e congêneres, serviço obrigatório de educação especial. • Ensino Superior nas instituições públicas e privadas, que atendam à sua inclusão. • Educação especial para o trabalho em instituição pública e privada, para a integração na vida em sociedade.

E-book

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DI R E ITO À ISENÇÃO D E T R I BUTOS E OUTROS

Acesse o SISEN

FGTS, em gov.br. Assunto: FGTS, saque por doença grave.

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• Isenção do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) de veículos para pessoas com deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas (Lei do Distrito Federal nº 3.757, de 25 de janeiro de 2006). Em alguns casos de deficiência, o condutor do carro pode requerer isenção para o veículo. • A isenção de pagamento do IPVA é um direito que deve ser solicitado na Secretaria da Fazenda estadual e está disponível em todos os estados brasileiros. A isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) do automóvel nacional de passageiros. Não é necessário que a condução do veículo seja feita pela própria pessoa com deficiência. • A isenção do IPI deve ser solicitada no sistema da Receita Federal, no Sistema de Concessão Eletrônica de Isenção de IPI/IOF (Sisen). • Não incidência de imposto de renda sobre pensão, pecúlio, montepio e auxílios da previdência. Entretanto, essa isenção não alcança outras fontes de receita. • A pessoa com deficência severa ou o genitor de uma pessoa com doença grave pode solicitar a retirada do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).


5 . 3 UM A SO C IEDAD E D E C UI DA D O É P OSSÍV EL

A interdependência dos seres humanos é um aspecto essencial para o funcionamento harmonioso de uma sociedade. Embora reconheçamos que temos diferentes habilidades e capacidades em diferentes momentos de nossas vidas, é importante ter em mente que todos nós estamos sujeitos a passar por momentos de vulnerabilidade e a enfrentar limitações físicas ou cognitivas no futuro. Ao projetarmos uma sociedade de cuidado mútuo, devemos ter em mente que a compreensão e o respeito pelas necessidades e pelos desafios das pessoas com deficiência são fundamentais. O cuidado e a empatia devem permear todas as relações humanas, independentemente de nossa condição atual. Uma sociedade de cuidado mútuo valoriza a diversidade e reconhece que todos têm habilidades únicas para contribuir. Ao invés de focar nas diferenças e nas limitações, é preciso enxergar o potencial de cada indivíduo, para além do capacitismo, e proporcionar oportunidades para que todos possam se desenvolver plenamente. Por exemplo, podemos citar algumas iniciativas que buscam promover essa visão inclusiva. Veja-as a seguir. Empresas que adotam políticas de inclusão: muitas empresas estão se comprometendo a criar ambientes de

trabalho inclusivos, onde pessoas com deficiência tenham oportunidades de emprego e possam contribuir com suas habilidades. Por meio de programas de acessibilidade e de adaptação dos ambientes, essas empresas garantem que todos os funcionários possam trabalhar em igualdade de condições. Escolas com educação inclusiva: instituições de ensino que adotam a educação inclusiva oferecem suporte e recursos para que alunos com deficiência possam participar plenamente das atividades acadêmicas. Isso inclui a adaptação de materiais didáticos, a formação de professores capacitados e a promoção de um ambiente de aprendizado inclusivo, onde todos os alunos se sintam valorizados e respeitados. Organizações de apoio às pessoas com deficiência: existem diversas organizações e grupos de apoio que trabalham para garantir a inclusão e o cuidado mútuo das pessoas com deficiência. Essas organizações oferecem suporte emocional, orientações e recursos práticos para que as pessoas com deficiência possam ter acesso a serviços, oportunidades de emprego, atividades de lazer e assistência médica adequada. Campanhas de conscientização e quebra de estigmas: muitas campanhas e iniciativas buscam conscientizar a

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sociedade sobre a importância de valorizar as habilidades e o potencial das pessoas com deficiência. Essas campanhas têm como objetivo desafiar estereótipos e preconceitos, promovendo uma mudança de mentalidade e incentivando a inclusão em todas as esferas da sociedade. Nessa sociedade de cuidado, a acessibilidade é uma preocupação central. Isso significa que espaços físicos, serviços e informações devem ser projetados levando em consideração as necessidades de todas as pessoas, independentemente de suas habilidades. Por exemplo, prédios e transportes públicos devem ter rampas e elevadores para permitir o acesso de cadeiras de rodas; calçadas devem ser niveladas e sinalizadas para facilitar a locomoção de pessoas com deficiência visual; e os sites e aplicativos devem ser projetados com recursos de acessibilidade, como legendas e descrições de áudio, para que todos possam ter acesso às informações. Além disso, é necessário investir em educação inclusiva, que promova a igualdade de oportunidades e prepare todos os indivíduos para lidar com as diversidades existentes na sociedade. Nas escolas inclusivas, por exemplo, são adotadas práticas que valorizam a diversidade, como adaptação de materiais didáticos, formação de professores para lidar com diferentes necessidades e criação de ambientes de aprendizagem inclusivos, onde todos os alunos possam se sentir acolhidos e participar plenamente das atividades educacionais.

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É importante lembrar que a condição da pessoa com deficiência não define o valor de um indivíduo. Cada pessoa, independentemente de suas habilidades, merece ser respeitada, valorizada e ter suas necessidades atendidas. Vamos imaginar uma sociedade em que todos se preocupam uns com os outros e trabalham juntos para promover o bem-estar e a inclusão de cada indivíduo. Ao projetarmos uma sociedade de cuidado, é essencial lembrar que a interdependência é uma realidade inevitável. Todos nós, em algum momento de nossas vidas, podemos enfrentar limitações e nos tornar pessoas com deficiência. Isso pode ocorrer devido ao envelhecimento, acidentes ou condições de saúde imprevistas. Portanto, é fundamental que estejamos preparados para lidar com essas situações, garantindo que todos tenham oportunidades iguais e sejam tratados com respeito e dignidade. Além disso, é fundamental que a sociedade esteja preparada para fornecer serviços e apoio adequados às pessoas com deficiência, como serviços de saúde, terapias e tecnologias assistivas. Essas medidas podem ajudar a promover a autonomia e a independência das pessoas com deficiência, permitindo que elas participem plenamente da vida em comunidade. Ao adotarmos uma mentalidade de inclusão, respeito e empatia, construiremos um futuro mais justo e acolhedor para todos, inclusive para nós mesmos, que podemos vir a necessitar futuramente.


Afinal, a sociedade é composta de uma variedade de pessoas com diferentes habilidades e limitações, e, juntos, podemos criar um ambiente onde todos possam se sentir valorizados e integrados. Então, vamos trabalhar juntos para construir uma sociedade de cuidado mútuo, em que todos tenham seu valor reconhecido e suas necessidades atendidas.

Afinal, como defendeu a filósofa contemporânea Judith Butler em sua obra sobre interdependência “apenas uma vida como apoio pode persistir como vida”, sendo assim é necessário um novo imaginário: que seja igualitário e capte a interdependência das vidas.

“apenas uma vida como apoio pode persistir como vida.” (Judith Butler)

Equidade consiste na adaptação da regra existente à situação concreta, observando-se os critérios de justiça.

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Foto: One 110

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6 DICAS D E F IL MES QUE ABORDAM DEFI CI Ê NCIAS

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Ó L EO DE LORE NZO (1 992) Um drama real na vida de um pai e uma mãe que lutam para salvar a vida de seu filho. Augusto e Michaela Odone são pegos pelo destino: Lorenzo, de cinco anos de idade, é diagnosticado com uma rara e incurável doença, mas a persistência e a fé da família a leva para a cura, salvando a criança e mudando a história da Medicina.

O E X T RAORD INÁ RIO ( 201 7 ) Auggie Pullman é um garoto que nasceu com uma deformidade facial e precisou passar por 27 cirurgias plásticas. Aos 10 anos, ele finalmente começou a frequentar uma escola regular, como qualquer outra criança, pela primeira vez. No quinto ano, ele precisa se esforçar para conseguir se encaixar em sua nova realidade.

F R IDA KHA LO ( 2002) Frida Kahlo (Salma Hayek) foi um dos principais nomes da história artística do México. Conceituada e aclamada como pintora, ele teve um agitado casamento aberto com Diego Rivera (Alfred Molina), seu companheiro também nas artes, e ainda um controverso caso com o político Leon Trostky (Geoffrey Rush), além de várias outras mulheres.

O M IL AG RE D E A NNE SU LLIVA N ( 1 9 62) A incansável professora Anne Sullivan tenta fazer com que Helen Keller, uma garota cega, surda e muda, adapte-se e entenda o mundo que a cerca. Para isso, entra em confronto com os pais da menina que, por piedade, a tratam de forma mimada.

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F EL I Z A N O VE L H O ( 1 9 8 7 ) Mário, um jovem que perdeu o pai durante a ditadura militar, mergulha em um lago e acaba sofrendo um acidente e fica tetraplégico. Preso em uma cadeira de rodas, o rapaz busca formas de sobrevivência e começa a escrever sobre o seu passado. Logo ele finaliza um livro, que se torna um sucesso nas livrarias.

JOÃO, O M AES T R O ( 2 0 1 7 ) Quando criança, João Carlos Martins foi considerado um prodígio do piano. Aos poucos, sua fama ganhou os noticiários e levou o músico à Europa e a outros países da América do Sul. Estabelecido como pianista de sucesso, na fase adulta, sofre um acidente que prejudica o movimento da mão direita. João tenta se reestabelecer e, enquanto isso, apresenta-se em concertos com uma mão só. No entanto, um segundo acidente retira os movimentos da mão esquerda, fazendo-o mais uma vez, se reinventar.

HO J E EU Q U E R O VO LTAR SOZINHO (20 1 4) É um filme brasileiro, dirigido, produzido e roteirizado por Daniel Ribeiro. A história apresenta o dia a dia de Leonardo, um estudante cego do Ensino Médio que deseja ser independente, mas para isso precisa lidar com a mãe superprotetora. Com a chegada de um aluno novo na escola, Leonardo descobre sentimentos que o fazem entender mais sobre si mesmo e sua sexualidade. O filme aborda temas importantes, como deficiência, homossexualidade, bullying e preconceito, com muita sensibilidade sendo uma ótima opção para introduzir o debate sobre diversidade e inclusão aos alunos dos Anos Finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.

D I C A S D E F I L MES QU E A B OR DA M D E F I CI Ê N CI A S

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A P E L E ( 2006) Em 1958, a nova-iorquina Diane Arbus é uma dona de casa e mãe que trabalha como assistente de seu marido, um fotógrafo contratado por seus pais ricos. Apesar de levar uma vida respeitável, ela não consegue se sentir confortável em seu mundo privilegiado. Uma noite, um novo vizinho chama a atenção de Diane. Esse enigmático homem lhe oferece inspiração para a descoberta da própria arte: o registro fotográfico de pessoas com algumas diferenças.

P ER F U ME D E MU LHE R ( 1 9 92) Frank é um militar aposentado, cego e impossível de se conviver. Sua sobrinha contrata Charlie para cuidar dele no dia de Ação de Graças. O moço aceita o trabalho para poder pagar uma viagem de volta para casa no Natal, porém eles não contavam com a ideia de Frank: passar o dia em Nova York.

AT Y P I C A L ( 201 7-2021 ) É uma série norte-americana de comédia dramática, criada e escrita por Robia Rashid e produzida pela rede de streaming Netflix.Em quatro temporadas que foram lançadas entre 2017 e 2021, conta a história de Sam Gardner, um jovem de 18 anos diagnosticado dentro do espectro autista. No fim da adolescência e começo da vida adulta, Sam precisa lidar com questões como faculdade, relacionamento amoroso, sexualidade e pais superprotetores. A série fala sobre bullying, família, amizades, relacionamentos e amadurecimento de forma perspicaz, uma boa opção para debater a inclusão social de pessoas diagnosticadas dentro do espectro autista com alunos do Ensino Médio.

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O J A RD I M S EC R E TO ( 1 9 93) O filme é uma adaptação do conto de fadas de Frances Hodgson Burnett. A história conta a vida de Mary, uma menina que fica órfã ainda muito nova e vai morar na mansão de seu tio. Lá, ela conhece seu primo Colin, um menino muito doente, que nunca sai de seu quarto. Juntos, as crianças passam a desbravar os espaços da mansão e descobrem um jardim secreto. Eles desafiam as regras da casa e resolvem reformar o velho jardim, transformando-o em um lugar mágico e único para eles.

UM A LI ÇÃO D E AMO R ( 2 0 01 ) Um filme que trás uma história linda sobre paternidade de pessoas com deficiência. Sam é um homem com uma deficiência que o faz ter a capacidade intelectual de uma criança de 7 anos e ele é pai de Lucy, uma menina de 7 anos que está ultrapassando o pai intelectualmente. A trama começa quando uma assistente social entra na história para colocar Lucy em um orfanato, considerando que o pai não tem condições de educá-la. Então, Sam e seus amigos se juntam para lutar pela guarda da menina.

O FI LHO E T ER NO ( 20 1 6) Filme nacional inspirado no livro de Cristovão Tezza. Nessa história, conhecemos Roberto, pai que descobre que seu filho, Fabrício, tem Síndrome de Down e não lida muito bem com a situação. O filme também mostra todos os problemas vindos da revolta de Roberto e como esse sentimento afeta toda a vida da família dele. O filho eterno aborda essa síndrome na sociedade na década de 1980, quando ainda havia pouca informação sobre o assunto e o preconceito era muito generalizado.

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A T EO RIA D E TU D O ( 201 4) Baseado na história de Stephen Hawking, o filme expõe como o astrofísico fez descobertas relevantes para o mundo da Ciência, inclusive relacionadas ao tempo, e relatando a sua trajetória com a descoberta de uma síndrome rara. Também retrata seu romance com Jane Wilde, uma estudante de Cambridge que se tornou sua esposa.

C R I P C A MP ( 2020) Dessa vez, vamos conhecer um documentário sobre um lugar incrível. Você vai conhecer a história de um acampamento de verão nos Estados Unidos para pessoas com deficiência. O que fez esse acampamento tão especial para seus frequentadores, foi que nesse lugar não sentiam os preconceitos e a segregação das pessoas com deficiência, algo tão presente na década de 1970. Lá, todos eram tratados igualmente, independentemente de deficiências, e ninguém era definido por sua limitação.

CO MO EU E RA A NTES D E VOC Ê ( 201 6) Conta a história de um jovem rico e bem-sucedido, que após um acidente de moto, fica tetraplégico. Essa situação o deixa depressivo e extremamente arrogante. Para tentar ajudá-lo, os pais contratam uma cuidadora: uma jovem sem muitas perspectivas na vida, com dificuldades financeiras e que precisa trabalhar para ajudar os pais.

O FAR OL DA S ORC A S ( 201 6) História de uma mãe que viaja com seu filho autista atrás de um biólogo que interagia com orcas para tentar ajudá-lo a desenvolver suas emoções e sua socialização.

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FO R ES T G U M P ( 1 9 9 6) Mesmo com o raciocínio lento, Forrest Gump nunca se sentiu desfavorecido. Graças ao apoio da mãe, ele teve uma vida normal. Seja no campo de futebol como um astro do esporte, seja lutando no Vietnã, seja como capitão de um barco de pesca de camarão, Forrest inspira a todos com seu otimismo. Mas a pessoa que Forrest mais ama pode ser a mais difícil de salvar: seu amor de infância, a doce e perturbada Jenny.

JAN E L A DA A L M A ( 2 0 0 1 ) No documentário, 19 pessoas dão seus relatos de como lidam com a deficiência visual. As histórias acabam abordando o olhar de uma forma mais sensível e menos ligada diretamente com o espectro exterior, sugerindo que a sociedade em geral, mesmo com a possibilidade de ver, deixou de enxergar o que é visível aos olhos.

IN TOCÁV E I S ( 2 0 1 1 ) Nessa história, você vai conhecer Phillippe, um homem rico que é tetraplégico e precisa de um assistente. Ele, então, contrata Driss, um jovem de origem humilde meio problemático. A história mostra como Phillippe se afeiçoa a Driss justamente pelo jovem não o tratar com inferioridade por conta de sua deficiência.

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Foto: Kanisorn 118

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Foto: Anna Stills

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A primeira cadeira de rodas automotora foi inventada em 1655 pelo relojoeiro alemão Stephan Farfler, que construiu o próprio aparelho de mobilidade quando tinha 22 anos, após ter quebrado a coluna quando criança (gravura de 1730 mostrando Fafler sentado em seu veículo).




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