Obras literarias fuvest unicamp 2014

Page 1

OBRAS FUVEST/ UNICAMP-2014 Prof.ª Sônia Targa

        

1-A cidade e as Serras- Eça de queirós 2-Til– José de Alencar 3 Memórias Póstumas de Brás Cubas -Machado de Assis. 4- Memórias de um sargento de Milícias- Manuel A de Almeida 5- Viagens na minha terra- Almeida Garrett 6- O Cortiço- Aluísio Azevedo 7- Capitães da Areia- Jorge Amado 8- Vidas Secas – Graciliano Ramos 9- Sentimento do Mundo- Carlos Drummond de Andrade

1-A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós Publicado em 1901, no ano seguinte ao da morte de Eça de Queirós, o romance A Cidade e as Serras foi desenvolvido a partir da ideia central contida no conto “Civilização”, datado de 1892. Na verdade, o escritor pretendia publicar uma série de pequenos volumes em que analisaria flagrantes na vida real. Havia ainda, por parte do autor, a promessa de que o volume não passaria de quatro capítulos e cerca de 130 páginas. Ao que parece, os editores demoravam muito para editar obras muitos extensas, dificultadas pelo trabalho de composição tipográfica. Em 1895, durante cerca de cinco meses, Eça revisou as provas deste volume e introduziu inúmeras modificações. Após a morte do escritor, em 1900, os primeiros capítulos já se encontravam compostos e os demais, ainda em manuscrito, incluindo alguns capítulos inacabados. Coube a Ramalho Ortigão, grande amigo do escritor, rever os originais, decifrá-los, revisar as provas já compostas e, inclusive, emendar algumas partes que careciam de sentido. A estrutura do romance A Cidade e as Serras nos remete à dialética dos filósofos alemães: Tese (a civilização industrial, a cidade) x Antítese (a vida no campo- as serras)= Síntese ( a vida rural,bucólica, incrementada pelo telefone, telégrafo,livros e concepções modernas de produção rural e relações de trabalho) São ainda perceptíveis as referências ao Positivismo(a ciência como critério absoluto da verdade- suma ciência x suma potência=suma felicidade);ao Evolucionismo ( a localização dos aspectos biofisiológicos e á submissão do ser humano às leis do instinto e da hereditariedade);ao Determinismo(a concepção de que o comportamento humano é determinado pelos fatores mesológicos- o meio, a raça e o momento (histórico); o Socialismo- utópico, romântico em que é projetado nas falas e em algumas atitudes de Jacinto e de Zé Fernandes. Ainda, Eça retoma alguns valores clássicos, tais como Fugere Urbem, o Aurea Mediocritas, Inutilia Truncat e o Locus Amoenus. Ajuste da civilização Na abertura o revisor registra uma advertência:’Desde a página 126 até o final, não houve revisão (nota-se esse crivo nos 2 últimos capítulos).


Temos 16 capítulos sem titulação. O livro pode ser dividido em duas partes: a 1ª que vai do capítulo I AO VII a narrativa ocorre em Paris- repleta de sátiras aos tipos e episódios da alta burguesia urbana; na segunda que vai do capítulo VIII ao final da narrativa , a ação se passa nas serras de Tormes, interior de Portugal, e também rica em episódios burlescos. Observa-se a obra dividida em três tempos nítidos: 1- Jacinto aprecia e exalta a civilização 2- Zé Fernandes, o narrador retorna de Portugal 7 anos depois 3- Quando ambos vão para Portugal- reencontro das raiízes. Tempo Narrativo-Cronológico O início é um flash back, pois o protagonista nasce em Paris. O tempo da narrativa gira em torno de 20 anos,pois no início Jacinto tem 23 anos.Depois Zé Fernandes retorna a Portugal, por doença do tio.Ao voltar, depois de 7 anos , Zé Fernandes volta a Paris e reencontra Jacinto com 30 anos e no capítulo sétimo ele faz 34 anos. No capítulo XV já se passaram 5 anos sobre Tormes e as serras. Foco Narrativo- O romance é escrito em primeira pessoa por José Fernandes, um personagem secundário.ângulo de visão limitada. O narrador é coadjuvante- narrador testemunha (eu interno á narrativa). Linguagem- branda com aproximações poéticas. linguagem correta, perfeita,frases curtas,ordem direta e coloquial. O estilo flui sem interrupções, preciso, contínuo e maleável..Incorpora palavras até então em desuso (pessoas que falam cuspindo na cara da gente) Ex: Gouveia quando fala cospe”...jatos melancólicos de saliva.”(hipálage) Espaço- Cidade- civilização- Paris- Apto 202- Avenida Campos Elíseos-( metonímia do tecnicismo e do artificialismo) X Serras (natureza)- Portugal de Guiães e Tormes- ambiente convencional e preservado. Comentário O narrador centraliza seu interesse na figura de certo Jacinto, descrevendo-o como um homem extremamente forte e rico, que, embora tenha nascido em Paris, no 202 dos Campos Elíseos, tem seus proventos recolhidos de Portugal, onde a família possui extensas terras, desde os tempos de D. Dinis, com plantações e produção de vinho, cortiça e oliveira, que lhe rendem bem. O avô de Jacinto, também Jacinto, gordo e rico, a quem chamavam D. Galeão, era um fanático miguelista. Quando D. Miguel deixou o poder, Jacinto Galeão exilou-se voluntariamente em Paris, lá morrendo de indigestão. D. Angelina Fafes, após a morte do marido, não regressou a Portugal, e, em Paris, criou seu filho, o franzino e adoentado Cintinho que se casou com a filha de um desembargador, nascendo desta união nosso protagonista. Desde pequeno Jacinto brilhara, quer por sua inteligência, quer por sua capacidade. Aos 23 anos tornou-se um soberbo rapaz, vestido impecavelmente, cabelos e bigodes bem tratados,e feliz da vida. Tudo de melhor acontecia com ele, sendo chamado pelos companheiros de “Príncipe da Grã-Ventura”. Positivista animado, Jacinto defendia a ideia de que “o homem só é superiormente feliz quando é superiormente civilizado”. A maior preocupação de Jacinto era defender a tese de que a civilização é cidade grande, é máquina e progresso que chegavam através do fonógrafo, do telefone cujos fios cortam milhares de ruas, barulhos de veículos, multidões... Civilização é enxergar à frente.. Em fevereiro de 1880, Zé Fernandes foi chamado pelo tio e parte para Guiães e, somente após sete anos de vida na província, retorna e reencontra Jacinto no 202 dos Campos Elíseos. O narrador presenciou coisas espantosas: um elevador para ligar dois andares do palacete; no gabinete de trabalho havia aparelhos mecânicos cheios de artifício; e, enquanto Jacinto escreve para Madame d’Oriol, José Fernandes visita uma enorme biblioteca de trinta mil títulos, os mais diversos possíveis, dos mais renomados autores às mais diferentes ciências. A visita termina com uma refeição em que foram servidas as mais sofisticadas iguarias e um convite de Jacinto ao narrador que ele se hospede no 202. Primeiros desencantos


Zé Fernandes, a partir daí, pôde observar com maior atenção o amigo; suas intensas atividades o desgastavam e, com o passar do tempo, constatou que Jacinto foi perdendo a credulidade, percebendo a futilidade das pessoas com quem convivia, a inutilidade de muitas coisas da sua tão decantada civilização. Nos raros momentos em que conseguiam passear, confessava ao amigo que o barulho das ruas o incomodava, a multidão o molestava: ele atravessava um período de nítido desencanto. Alguns incidentes contribuíram sobremaneira para afetar o estado de ânimo de Jacinto: o rompimento de um dos tubos da sala de banho, fazendo jorrar água quente por todo o quarto, inundando os tapetes, foi o bastante para aparecer uma pilha de telegramas, alguns inclusive com um riso sarcástico, com o do Grão-duque Casimiro, dizendo que não mais apareceria pelo 202 sem que tivesse uma bóia de salvação. As reuniões sociais estavam ficando maçantes. Em uma recepção ao Grão-Duque, Jacinto já não agüentava o farfalhar das sedas das mulheres quando lhes explicava o uso dos diferentes aparelhos, o tetrafone, o numerador de páginas, o microfone... O criado veio lhe informar que o peixe a ser servido ficara preso no elevador e os convidados puseram-se a pescá-lo, inutilmente, porque o peixe acabou não indo para a mesa, fato que deixou ainda mais aborrecido o anfitrião. Preocupado, Zé Fernandes consulta o fiel criado Grilo sobre o que está ocorrendo com Jacinto. O homem respondeu com tamanho conhecimento de causa que espantou o narrador. Uma simples palavra poderia definir todo o tédio de que era acometido: o patrão sofria de “fartura”. Era fartura! O meu Príncipe sentia abafadamente a fartura de Paris; e na Cidade, na simbólica Cidade, fora de cuja vida culta e forte (como ele outrora gritava, iluminado) o homem do século XIX nunca poderia saborear plenamente a "delícia de viver", ele não encontrava agora forma de vida, espiritual ou social, que o interessasse, lhe valesse o esforço de uma corrida curta numa tipóia fácil. Pobre Jacinto......” Certo dia, enquanto esperavam ser recebidos por Madame d'Oriol, José Fernandes e Jacinto subiram à Basílica do SacréCoeur, em construção no alto de Montmartre. Ao se recostarem na borda do terraço, puderam contemplar Paris envolta em uma nuvem cinzenta e fria, motivando profundas reflexões, pois a cidade - tão cheia de vida, de ouro, de riquezas, de cultura e resplandecência, incluindo o soberbo 202, com todas as suas sofisticações - estava agora sucumbida sob as nuvens cinzentas,com caliça de pó de argamassa, branca, abafada.Dí a conclusão:” a cidade não passava de uma ilusão.”. Paris foi a capital do século XIX, centro cultural e progressista. Em razão das reformas urbanas de Haussmann- incorporação da tecnologia- vida social- poder de sedução. Hoje diante de seus olhos, a cidade jazia toda cinzenta...... (...) uma ilusão! E a mais marga, porque o homem pensa ter na cidade a base de toda a sua grandeza e só nela tem a fonte de toda a sua miséria. Vê, Jacinto! Na Cidade perdeu ele a força e beleza harmoniosa do corpo e se tornou esse ser ressequido e escanifrado ou obeso e afogado em unto de ossos moles como trapos, de nervos trêmulos como arames, com cangalhas, com chinós, com dentauros de chumbo sem sangue, sem febre, sem viço, torto, corcunda - esse ser em que Deus, espantado, mal pôde reconhecer o seu esbelto e rijo e nobre Adão!... A sua tranqüilidade (bem tão alto que Deus com ele recompensa os santos) onde está, meu Jacinto........ Zé Fernandes continuou a filosofar, acrescentando preocupações de caráter pessoal, indagando a posição dos pequenos que, como vermes, arrastavam-se pelo chão, enquanto os poderosos os massacravam; eles iam às óperas aquecidos, lançando aos pobres não mais que algumas migalhas. Religiosamente, acreditava ser necessário um novo Messias que ensinasse às multidões a humildade e a mansidão. “...Pensativamente deixou a borda do terraço, como se a presença da Cidade, estendida na planície, fosse escandalosa. E caminhamos devagar, sob a moleza cinzenta da tarde, filosofando - considerando que para esta iniqüidade não havia cura humana, trazida pelo esforço humano...” De Schopenhauer ao Eclesiastes: pessimismo Como já havia planejado, o narrador partiu para uma viagem pela Europa e, ao retornar, procurou o amigo e tentou descobrir o que lhe passava na lama, pois, encontrou-o mais pessimista que nunca, depressão revelada pelas leituras do Eclesiastes e do filósofo pessimista Schopenhauer. Nestas leituras, encontrava certo amparo aos comprovar que todo mal era resultante de uma lei universal e, a partir daí, encontrou uma grata ocupação - maldizer a vida. Ao mesmo tempo,


sobrecarregou sua existência com fervores humanísticos. Mas de nada adiantava, pois Jacinto estava desolado. No inverno escuro e pessimista, Jacinto acordou certa manhã e comunicou a José Fernandes que estava de partida para Tormes. Decidiu viajar ao receber uma carta de Silvério, seu procurador, que dizia estarem concluídos os trabalhos de reerguimento da capela para onde seriam traslados os restos mortais de seus avós que ele não conhecera, mas que o 202 estava cheio de recordações. Os preparativos para a viagem envolveram uma mudança da civilização para as serras. Jacinto encaixotou camas de penas, banheiras, cortinas, divãs, tapetes, livros, despachou tudo para poder enfrentar com conforto um mês nas serras. Le4va consigo Grilo, seu fiel empregado e Anatole. Enquanto isso; renascia nele o amor pela cidade. Partiram os dois amigos de volta a Portugal. As cidades passavam pelas janelas do trem: da França para a Espanha, da Espanha para Portugal... Tomado por uma suave emoção, José Fernandes estava feliz em rever a pátria; Jacinto, aborrecido e enfadado principalmente porque, em Medina (Espanha), as malas ficaram em compartimentos errados quando foi feita a baldeação. O narrador, com o intuito de aclamar o amigo, diz-lhe que a Companhia cuidaria de tudo. E ficaram os dois só com a roupa do corpo. Enfim, chegaram a Tormes. “...e ambos em pé, às janelas, esperamos com alvoroço a pequenina estação de Tormes, termo ditodoso das nossas provaçõe4s. Ela apareceu enfim, clara e simples, à beira do rio, entre rochas, com sues vistoso girassóis enchendo um jardinzinho breve, as duas altas figueiras assombreando o pátio, e por trás, a serra coberta de velho e denso arvoredo”. Desembarcaram em Tormes, onde o narrador encontrou o velho amigo, Pimenta, chefe da estação. Após apresentar-lhe o senhor de Tormes, indagou por Silvério, o procurador de Jacinto em terras portuguesas. Começaram então outros desastres da viagem. Silvério não os aguardava: havia partido há dois meses para o Castelo de Vide. Os criados: Grilo e Anatole,aparentemente estavam com as 23 malas em outro compartimento, não foram encontrados, o trem apitou e partiu, deixando os dois sem nada. Não havia cavalos para atravessarem a serra, pois Melchior, o caseiro, não os esperava senão para o mês seguinte. Pimenta arranjou-lhes uma égua e um burro e ambos seguiram serra cima, esquecendo, por alguns instantes, os infortúnios passados enquanto contemplavam a beleza da paisagem. O pior ainda estava por acontecer: os caixotes despachados de Paris há quatro meses não haviam chegado, e o mais civilizado dos homens estava totalmente à mercê das serras. Como ninguém os esperava, a casa não estava pronta para recebê-los, a reforma acontecia devagar, os telhados ainda continuavam sem telhas, a vidraças sem vidros. Zé Fernandes sugeriu que rumassem para a casa de sua tia Vicência em Guiães e Jacinto retrucou que ia mesmo para Lisboa. Melchior arranjou como pôde um jantarzinho, caseiro e simples, longe das comidas sofisticadas, das taças de cristal, dos metais e porcelanas. Uma comida que serviu para matar gostosamente a fome dos viajantes. O senhor de Tormes regalouse com o jantar que lhe parecera, à primeira vista, insuportável; e o caseiro, diante das manifestações de regozijo perante a comida, pensou que seu senhor passava fome em Paris. Após o jantar, ambos ficaram contemplando o céu cheio de estrelas, passaram a ver os astros que na cidade não se dignavam ou não conseguiam observar. O narrador ia-se deixando levar por um contato tão estreito com a paisagem, que em breve surgia uma identificação total do homem com a natureza e em tudo se percebia Deus, num claro processo panteísta muito comum entre os românticos e que Eça passou a assumir. O cansaço vence os dois viajantes. José Fernandes adormece sob os apelos de Jacinto para que lhe enviasse algumas peças brancas e lhe reservasse alojamento em um bom hotel de Lisboa. Uma semana depois que José Fernandes havia partido para Guiães, recebeu suas malas e imediatamente enviou um telegrama para Lisboa, endereçado ao hotel Bragança, agradecendo pela bagagem que foi encontrada e alegrando-se pelo amigo estar novamente gozando os privilégios de seres civilizados. No entanto, não obteve resposta. Certo dia, o narrador voltando de Flor da Malva, da casa de sua prima Joaninha, parou na venda de Manuel Rico, e ficou sabendo algo surpreendente através do sobrinho de Melchior: Jacinto permanecia em Tormes já há cinco semanas. Ao visitar Jacinto, José Fernandes o encontrou totalmente mudado, física e mentalmente. Nada nele denunciava um homem franzino; estava encorpado, corado, como um verdadeiro montês.


Mas o meu novíssimo amigo, debruçado da janela, batia as palmas – como Catão para chamar os servos, na Roma simples. E gritava: - Ana Vaqueira! Um copo de água, bem lavado, da fonte velha! Pulei, imensamente divertido: - Oh Jacinto! E as águas carbonatadas? E as fosfatadas? E as esterilizadas? E as sódicas?... O meu Príncipe atirou os ombros com um desdém soberbo. E aclamou a aparição de um grande copo, todo embaciado pela frescura nevada da água refulgente, que uma bela moça trazia num prato. Um homem de bem com a vida Era outro Jacinto a quem o campo já não mais era insignificante. Cada momento novo era uma nova e alegre descoberta. Enfim, era um homem de bem com a sua vida. Aproveitando a presença do amigo, Jacinto providenciou a transladação dos corpos de seus antepassados para a Capelinha da Carriça, agora reconstruída. Zé Fernandes, hábil observador do amigo, percebeu que Jacinto não se contentava em ser o apreciador passivo dos encantos da natureza. Ele queria participar de tudo, e lhe surgiam grandes idéias como encher pastos, construir currais perfeitos, máquinas para produzir queijos... Certo dia, ao percorrer seus domínios, Jacinto conheceu o outro lado da serra: uma criança muito franzina viera pedir socorro para a mãe agonizante. A partir desse momento, as decisões de Jacinto tomaram novo rumo, pois ele começou a se preocupar com o lado triste da serra, e passou a fazer caridade, reconstruir casa, dar novo alento à vida dos humildes. Em uma das inúmeras visitas que lhe fez o narrador, Jacinto confessou que pretendia introduzir um pouco de civilização naqueles cantos tão rústicos. O povo da região começou a agradecer as benfeitorias e logo passou a circular a lenda que o senhor de Tormes era D. Sebastião que havia voltado para ressuscitar Portugal. Convidado por Zé Fernandes para o aniversário de tia Vicência, Jacinto encontraria aí a oportunidade de conhecer seus vizinhos, outros proprietários. No entanto, a recepção não foi aquilo que o narrador esperava. Havia uma frieza por parte dos habitantes da região, exceto tia Vicência que o recebeu como verdadeiro sobrinho. Ao terminarem a ceia, vieram saber o porquê daquela frieza: eles pensavam que o senhor de Tormes fosse miguelista como o avô e que pretendia restituir D. Miguel ao poder. Este fato ocorreu porque um tal louco João Torrado espalhou que Jacinto era um monarquista, que sendo neto de Galeão vinha dar continuidade ao conservadorismo. A manhã seguinte estava fresca e clara,. José Fernandes levou o amigo até Flor da Malva, para visitar sua prima Joaninha que não pudera comparecer à reunião, pois o pai, Adrião, estava acamado. No caminho, encontraram João Torrado, um velho eremita que supôs estar diante de D. Sebastião. Esta figura ilustrava o lado da profundidade do mito na mentalidade simples, saudando Jacinto como um profeta, e tratando-o como “pai dos pobres”. Nele estão representadas a sabedoria e a simplicidade do povo. Andamos.....”Mas, à porta, que de repente se abriu, apareceu minha prima Joaninha, corada do passo e do vivo ar, com um vestido claro um pouco aberto no pescoço, que fundia mais docemente, numa larga claridade, o esplendor branco da sua pele, e o louro ondeado dos seus belos cabelos, - lindamente risonha, na surpresa que alargava os seus largos, luminoso olhos negros, e trazendo ao colo uma criancinha, gorda e cor-de-rosa, apenas coberta com uma camisinha, de grandes laços azuis.” E foi assim que Jacinto, nessa tarde de setembro, na Flor da Malva, viu aquela que era conhecida como “flor de malva”com quem casou, em maio, na capelinha de azulejos, quando o grande pé de roseira se cobrira já de rosas. “Cinco anos se passaram em plena felicidade por ver correrem por aquelas terras duas fidalgas crianças, Teresinha e Jacinto. Os caixotes embarcados de Paris enfim chegaram a Tormes e serviam para demonstrar o total equilíbrio do protagonista, aproveitando o que poderia ser aproveitado e desprezando as inutilidades da civilização, justificando deste modo a observação feita por Grilo: Sua Excelência brotara”. Certamente Jacinto descobrira seus melhores valores: era feliz e fazia os outros felizes. Algumas vezes Jacinto falou em levar a esposa para conhecer o 202 e a civilização, mas o projeto, por um motivo ou por outro, era sempre adiado.


Quem voltou a Paris foi Zé Fernandes e lá, sentindo-se abandonado e entendia do, descobriu uma porção de fantoches a viverem uma vida falsa e mesquinha. Percebeu que os antigos conhecidos eram seres frágeis e vazios, idênticos entre si e massas impessoais, amorfas, feitas para agradar ou desagradar os outros conforme seus interesses. Não suportando a cidade, retornou a Portugal. Este serrano que anteriormente valorizava os encantos da civilização foi tomado pelos mesmos sentimentos de Jacinto e confirmou uma simples verdade: no fundo, reabilitou Eça de Queirós com o seu Portugal. Personagens Jacinto de Tormes- Príncipe da Grã Ventura- nascido em Paris, filho de portugueses Cintinho- pai de Jacinto. Morreu de tuberculose três meses e três dias antes do filho nascer. Jacinto Galeão- avô de Jacinto, um dia cai na rua e, é levantado por D.Miguel. D.Angelina Fafes- avó de Jacinto, que o criou. Grilo- criado negro, fiel e dedicado. Joaninha- prima de Zé Fernandes- esposa de Jacinto. Personagem que não tem quase palavra na obra, pois se trata de uma moça recatada diferente das mulheres da sociedade. Tipos Humanos Silvério- procurador de Jacinto em Tormes Melchior- o caseiro solar de Tormes. João Torrado- um profeta das serras – semelhança com o Velho do Restelo ( Os Lusíadas) Para guardar:   Começou com um conto “Civilização” (saiu na Gazeta de Notícias- escritor anônimo)  A seguir escreveu: A cidade e as serras- visão da cidade tediosa. Não reviu o final da obra. Ramalho Ortigão, amigo de Eça de Queirós formatou o livro.  A obra teve influência de Flaubert ,o pai do Realismo no mundo Teorias que marcam as obras realistas:Evolução de Darwin,Determinismo de Taine; Positivismo de Conte.  Para uma obra ser realista deve ter fundamento nessas teorias do século XIX.  A obra de Eça apresenta uma crítica á futilidade e ao conservadorismo da elite portuguesa. Estas elites deveriam ter uma relação assistencialista com as classes subalternas,  Época de revalorização., por parte do autor, das tradições portuguesas- espécie de reconciliação com o país e com o povo.  Jacinto nasceu em Paris, porque o avô abandonou o país de origem quando soube que D. Miguel fora exilado  Jacinto cresce feliz no 202 e diz que o homem só é superiormente feliz quando é superiormente civilizado- Príncipe da Grã Ventura.  Grilo tem muita importância na vida de Jacinto, pois é seu criado que anota toda sua agenda, pois ele exerce funções sociais e econômicas.  No capítulo VIII, observa-se Jacinto chegando á festa de Zé Fernandes ,sendo hostilizado pelos presentes, pois por ser neto de Galeão (miguelista)- as pessoas pensaram na volta do conservadorismo monárquico.Quando percebe a situação explica ser socialista e que sua única intenção era ajudar seus funcionários a ter uma vida melhor- daí ser aclamado como “Pai dos Pobres “  Jacinto vai a Portugal, pois a capela que estavam os ossos de seus antepassados devem ser transladados,  Joaninha,a flor da flor da Malva , fora chamada por Jacinto de lavradeirona. A primeira vez que a vê ela está com uma criança no colo- Intertextualiza-se com Pandora , a natureza, mãe de todos os homens, sentimentos e circunstânciasaquela que completa os ciclos, faz brotar as plantas.  O namoro com Joaninha dura só seis meses. Casam-se e têm dois filhos: Terezinha e Jacintinho.  Ao falar do casal que cuida de sua quinta em Tormes- Ana Vaqueira- fêmea- animalidade- refere- se a personagens de classes sociais inferiores- intertextualidade com personagens do Cortiço  Eça de Queirós critica a hipocrisia dos valores portugueses,observa o cotidiano,desfila uma galeria de tipos sociais.É irônico- diz uma coisa querendo dizer outra.  Cenário: os círculos mais abastados de Paris e as serras de Tormes, em Portugal, no final do século XIX.  Personagem principal- Jacinto de Tormes- Príncipe da Grã ventura; -o homem só é “superiormente feliz quando é superiormente civilizado”


 Fórmula ::SUMA CIÊNCIA x SUMA POTÊNCIA =SUMA FELICIDADE  Homem vive isolado –fechado em Paris- nasceu e viveu ali ;  Homem ricoi e poderoso. Recebe proventos de Portugal (desde o tempo de D.Dinis);  É rodeado de gente falsa;  Benefício da tecnologia-não tem felicidade. Tecnologia : elevador,máquina de escrever,de calcular,contador de documentos,telégrafo,arrancador de cabinhos de morango., abotoador de ceroulas  José Fernandes: é amigo do protagonista. São amigos de longa data. Ele o chama de “Meu Príncipe” Acompanha o amigo em toda sua jornada.Ele é narrador e personagem secundário.Foi expulso de Coimbra e mandado pelo tio para Paris para estudar .Acamaradou-se com Jacinto,tornando-se atento observador das transformações por que passa o amigo.  Após a conversão do amigo Jacinto, Zé Fernandes retorna a Paris e,já não vendo encanto na cidade,resolve regressar a sua terra.  O Palácio de Sr. Jacinto sofre uma inundação .O elevador emperra e outros incidentes tecnológicos.-Nisso olha Paris e chega à conclusão que a cidade é uma ilusão ;  Jacinto faz 34 anos- Festa Artificial– pessoas ali estão só por convenção;  Resolve partir para Tormes .Manda para lá toda parafernália da tecnologia.  Reconcilia-se com a vida ao desembarcar em Tornes e defrontar-se com as belezas da natureza. Chega a Tormes só com a roupa do corpo, pois sua bagagem se extravia  Depara-se com a pobreza dos camponeses de suas terras. Dotado de inegável capacidade filosofante, está o criado Grilo. Do lado oposto, estão os representantes da serra, a nobreza rural e os trabalhadores braçais miseráveis que são focalizados para acirrar os contrastes.  Manda construir boticário, creche, escola,e tudo mais .  O povo o chama de “Nosso Benfeitor”,- “Pai dos Pobres” pois pensam ele ser a reencarnação de D.Sebastião.  INTERTEXTUALIDADE COM SAGARANA- lado místico  Em contato com a miséria procura reformar e remodelar a estrutura arcaica de Portugal.  CIDADE  símbolo de progresso –requinte,artificialismo- de interesse e infelicidade  SERRA  Felicidade- tradição- naturalidade.  Eça faz APOLOGIA DA VIDA NA SERRA .RESGATAR O POVO PORTUGUÊS PARA PORTUGAL (o povo que sai do campo) Observem! Os romances de Eça de Queirós costumam apresentar críticas e aspectos importantes da sociedade portuguesa,freqüentemente acompanhadas de propostas explícitas e implícitas de reforma social . Em “As cidades e as serras o aspecto que se é criticado é o atraso e o conservadorismo”. O Romance propõe uma reforma social, encabeçada pelos mais privilegiados,que promovesse a assistência social através do amparo e proteção aos menos favorecidos. Quando Jacinto tem seu apelido modificado de “Príncipe Grã Ventura” para “Pai dos Pobres” esse caráter paternalista fica evidenciado. EXERCÍCIOS

1. (UNICENTRO) A única passagem que NÃO encontra apoio em A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós, é· ·(A) Em A Cidade e as Serras, José Fernandes, de rica família proveniente de Guiães, região serrana de Portugal, narra a história de Jacinto de Tormes, seu amigo também fidalgo, embora nascido e criado em Paris. B) A Cidade e as Serras explora uma grave tese sociológica: ser-nos preferível viver e proliferar pacificamente nas aldeias a naufragar no estéril tumulto das cidades. C) Para Jacinto, Portugal estava associado à infelicidade, enquanto Paris associava-se à felicidade; ao longo do romance, contudo, essa opinião se modifica. D) No romance dois ambientes distintos são enfocados ao longo das duas partes em que o livro pode ser dividido: a civilização e a natureza.


E) Já avançado em idade, Jacinto se aborrece com as serras e tenciona reviver as orgias parisienses, mas faltam-lhe, agora, saúde e riqueza. 2. (FOVEST) O romance A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós, publicado em 1901, é desenvolvimento de um conto chamado “Civilização”. Do romance como um todo pode afirmar-se que A) apresenta um narrador que se recorda de uma viagem que fizera havia algum tempo ao Oriente Médio, à Terra Santa, de onde deveria trazer uma relíquia para uma tia velha, beata e rica. B) caracteriza uma narrativa em que se analisam os mecanismos do casamento e o comportamento da pequena burguesia da cidade de Lisboa. C) apresenta uma personagem que detesta inicialmente a vida do campo, aderindo ao desenvolvimento tecnológico da cidade, mas que ao final regressa à vida campesina e a transforma com a aplicação de seus conhecimentos técnicos e científicos. D) revela narrativa cujo enredo envolve a vida devota da província e o celibato clerical e caracteriza a situação de decadência e alienação de Leiria, tomando-a como espelho da marginalização de todo o país com relação ao contexto europeu. E) se desenvolve em duas linhas de ação: uma marcada por amores incestuosos; outra voltada para a análise da vida da alta burguesia lisboeta. Comentário: Em A Cidade e as Serras, o narrador conta a vida de seu amigo, Jacinto, defensor da vida urbana hipercivilizada, repleta de tecnologia e artificialismos. Inicialmente, Jacinto acreditava que "o homem só é superiormente feliz quando é superiormente civilizado", porém ao partir para o campo, Tormes, cidade fictícia, em Portugal, ele recupera suas origens, torna-se mais compreensivo com o que antes rejeitava e integra-se à vida rural, trabalhando nos campos elevando para a vida campesina o que a sociedade urbana e a tecnologia ofereciam de melhor. 3. (FUVEST) Já a tarde caía quando recolhemos muito lentamente. E toda essa adorável paz do céu, realmente celestial, e dos campos, onde cada folhinha conservava uma quietação contemplativa, na luz docemente desmaiada, pousando sobre as coisas com um liso e leve afago, penetrava tão profundamente Jacinto, que eu o senti, no silêncio em que caíramos, suspirar de puro alívio. Depois, muito gravemente: Tu dizes que na Natureza não há pensamento... Outra vez! Olha que maçada! Eu... Mas é por estar nela suprimido o pensamento que lhe está poupado o sofrimento! Nós, desgraçados, não podemos suprimir o pensamento, mas certamente o podemos disciplinar e impedir que ele se estonteie e se esfalfe, como na fornalha das cidades, ideando gozos que nunca se realizam, aspirando a certezas que nunca se atingem!... E é o que aconselham estas colinas e estas árvores à nossa alma, que vela e se agita que viva na paz de um sonho vago e nada apeteça, nada tema, contra nada se insurja, e deixe o mundo rolar, não esperando dele senão um rumor de harmonia, que a embale e lhe favoreça o dormir dentro da mão de Deus. Hem, não te parece, Zé Fernandes? Talvez. Mas é necessário então viver num mosteiro, com o temperamento de S. Bruno, ou ter cento e quarenta contos de renda e o desplante de certos Jacintos... Eça de Queirós, A cidade e as serras. Considerado no contexto de A cidade e as serras, o diálogo presente no excerto revela que, nesse romance de Eça de Queirós, o elogio da natureza e da vida rural··(a) indica que o escritor, em sua última fase, abandonara o Realismo em favor do Naturalismo, privilegiando, de certo modo, a observação da natureza em detrimento da crítica social. b) demonstra que a consciência ecológica do escritor já era desenvolvida o bastante para fazê-lo rejeitar, ao longo de toda a narrativa, as intervenções humanas no meio natural. c) guarda aspectos conservadores, predominantemente voltados para a estabilidade social, embora o escritor mantenha, em certa medida, a prática da ironia que o caracteriza. d) serve de pretexto para que o escritor critique, sob certos aspectos, os efeitos da revolução industrial e da urbanização acelerada que se haviam processado em Portugal nos primeiros anos do Século XIX. e) veicula uma sátira radical da religião, embora o escritor simule conservar, até certo ponto, a veneração pela Igreja Católica que manifestara em seus primeiros romances.


4. (PUC) O romance A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós, publicado em 1901, é desenvolvimento de um conto chamado “Civilização”. Do romance como um todo pode afirmar-se que··( A) apresenta um narrador que se recorda de uma viagem que fizera havia algum tempo ao Oriente Médio, à Terra Santa, de onde deveria trazer uma relíquia para uma tia velha, beata e rica. B) caracteriza uma narrativa em que se analisam os mecanismos do casamento e o comportamento da pequena burguesia da cidade de Lisboa. C) apresenta uma personagem que detesta inicialmente a vida do campo, aderindo ao desenvolvimento tecnológico da cidade, mas que ao final regressa à vida campesina e a transforma com a aplicação de seus conhecimentos técnicos e científicos. D) revela narrativa cujo enredo envolve a vida devota da província e o celibato clerical e caracteriza a situação de decadência e alienação de Leiria, tomando-a como espelho da marginalização de todo o país com relação ao contexto europeu. E) se desenvolve em duas linhas de ação: uma marcada por amores incestuosos; outra voltada para a análise da vida da alta burguesia lisboeta. COMENTÁRIOS: A obra A Cidade e as Serras relatam as transformações na maneira de o protagonista Jacinto encarar o mundo. Inicialmente ele se encontra inserido na modernidade, vivendo em Paris, entusiasta das novidades tecnológicas. Depois de uma crise de “fartura”, muito deprimido, reencontra o prazer de viver nas serras de Tormes, em uma vida simples que anteriormente criticava. Essa nova fase conscientiza o protagonista dos problemas sociais, levando-o a procurar conciliar os avanços tecnológicos com o modo de vida local. 5-- O romance A cidade e as serras pode ser dividido em duas partes.Quais são elas e quais as principais características de cada uma? 6- No oitavo capítulo do livro A cidade e as serras, Jacinto planeja e executa uma viagem a Portugal.Responda ao que se pede: a) A viagem acontece da forma como o narrador a planejara? b) Qual a importância desse capítulo na estruturação da narrativa? 7- Os tipos femininos apresentados pelo narrador possuem diferenças significativas de caráter e tais diferenças são devidas ao fato de elas residirem em localidades diferentes.Mencione ao menos uma personagem de cada localidade e explique as diferenças entre elas. 8- A vida de Jacinto em Paris, no apartamento 202, é marcada por uma série de episódios cômicos.Mencione ao menos um deles e relate a crítica do autor sobre o episódio. 2-Til de José de Alencar . Quem

foi

Alencar?

José de Alencar foi antes de tudo um inovador, o primeiro que, destemidamente, mostrou-se rebelde à tradição portuguesa. Sem dúvida um precursor da revolução modernista de 1922. Uma das marcas registradas de sua obra é o sentimento brasileiro. O índio que ele tanto cantou e exaltou, é a personificação de seu entranhado nacionalismo. Tanto que Machado de Assis declara que "nenhum escritor teve em mais alto grau a alma brasileira". O seu estilo revela-se retórico, sonoro e brilhante, o que nada mais é do que o espírito de sua escola - o Romantismo. As suas paisagens, além do sentimento brasileiro, têm cores maravilhosas da nossa exuberante vegetação tropicas. Ele não descreve cenas, quadros: pinta-os molhando o pincel nas mais vivas e variadas tintas. Conhecia o Português e conhecia a Gramática, mas sua preocupação estava acima disto: quis criar um estilo brasileiro, independente, pessoal, reflexo dos nossos modismos sintáticos e vocabulares, um linguajar brasileiro. Isso ele conseguiu; se não para os seus contemporâneos, mas para os pósteros que cada vez mais reconhecem sua originalidade e modernidade. A obra romanesca de Alencar costuma ser dividida pela crítica em quatro áreas: a indianista, a histórica, a urbana e regionalista.


a) os romances indianistas apresentam três fases do índio: civilizado e dominado pelos portugueses na luta pela conquista da terra - O Guarani; os primeiros contatos dos brancos com os nativos na civilização do Ceará - Iracema; e o índio em seu estado natural, sem interferência do branco, longe da civilização, em época indeterminada - Ubirajara. b) Os romances históricos evocam nosso passado com As minas de prata, o primeiro romance histórico de nossa literatura; A guerra dos mascates, narrativa da famosa revolução de 1710, em Pernambuco, e, ainda através das crônicas dos tempos coloniais e das novelas O garatuja e Alfarrábios. c) Os romances regionalistas focalizam as paisagens e tipos humanos do norte e do sul do país, através de O sertanejo e O gaúcho, reproduzindo costumes típicos e folclóricos dessas regiões. O tronco do ipê e Til, considerados romances sociais, patenteiam também a corrente regionalista de Alencar. Com Til, retrata os costumes dos ambientes paulistas nas grandes épocas do café. Com O tronco do ipê, apresenta o panorama das fazendas do Rio de Janeiro. d) Os romances urbanos caracterizam a corte e o meio social carioca do Segundo Reinado. São romances de amor, que espelham a mentalidade romântica da época, capaz dos maiores sacrifícios para solidificar esse sentimento. Neles, o autor cria diversos perfis de mulheres, vivendo no trato íntimo da sociedade, mas sem grande penetração psicológica. Exemplificam esse gênero: Cinco minutos, A viuvinha, A pata da gazela, Sonhos d'ouro, Lucíola, Diva, Senhora e Encarnação. Além de romancista, Alencar foi teatrólogo, merecendo destaque as comédias: Verso e Reverso, O demônio familiar, As asas de um anjo, Noite de João além dos dramas Mãe e O jesuíta. Como poeta, deixa-nos o poema indianista Os filhos de Tupã.

TIL - José de Alencar Retrata os costumes, a linguagem e a vida rural da época, e segue os moldes românticos, abordando a inocência, o amor, a fragilidade, a idealização da natureza e a subjetividade. Escrita em 1872 por José de Alencar, Til pertence à fase regionalista do autor. Na obra, são retratados os costumes, a linguagem e a vida rural da época abordando a inocência, o amor, a fragilidade, a idealização da natureza e a subjetividade. O enredo de Til Em um passeio pela fazenda, Berta - jovem pequena, esbelta - e Miguel - alto, ágil e robusto - encontram Jão Fera, com fama de bandido. Após um desentendimento entre eles, Jão vai embora a pedido da menina. Os dois amigos vão ao encontro de Linda e Afonso, irmãos gêmeos e filhos de Luís Galvão, homem inteligente, e de Ermelinda. Linda ama Miguel, mas Berta e Miguel já se amam. Contudo, para não ver o sofrimento da amiga, Berta faz de tudo para que Miguel fique com Linda. Todos gostavam muito de Berta - apelidada de Til -, pois era alegre e de bom coração. Num outro trecho da obra, ela visita constantemente Zana, uma mulher com problemas mentais. Brás, menino de 15 anos, também com problemas mentais tentar matar Zana por sentir ciúme de Berta, mas não consegue. A história é marcada por tentativas de assassinatos. Pelo assassinato de Aguiar, seu filho oferecera uma recompensa a quem matar o assassino Jão Fera. Já o personagem Barroso e seu bando planejam provocar um incêndio na casa de Luis Galvão para matá-lo e, depois, apagando o incêndio Barroso pretende oferecer seus serviços à viúva e conquistá-la, vingando assim a traição do passado, pois ficaria com a esposa daquele que manchara a honra de sua esposa Besita. Ribeiro que trocara seu nome para Barroso tinha agora uma irrupção no rosto, Jão e Ribeiro tinham-se visto poucas vezes na época de Besita, por isso não se reconheceram quando se encontraram. À noite João, Gonçalo, o pajem Faustino e Monjolo, trancam a senzala e ateiam fogo no canavial, Luis tenta apagar o fogo e é agredido pelas costas por Gonçalo, mas Jão o salva, e mata os três bandidos. Barroso foge e, conforme o combinado, Jão se entrega ao filho de Aguiar, diz que irá pra onde ele quiser desde que ninguém toque nele, pois se isso acontecer este desfeito o acordo e ele estará livre novamente. Os capangas tentam amarrá-lo, ele espanca todos e vai embora. Barroso


que ficara sabendo dessa prisão volta para tentar matar Berta, Jão que estava solto novamente consegue pegá-lo e o mata de forma violenta. Brás que presenciara tudo leva Berta pra ver a cena, mas ela foge horrorizada, enquanto Jão se entrega a policia. Luís resolve contar tudo a esposa, ela chora e decide que ele deve reconhecer Berta como filha. Eles contam tudo a Berta, omitindo, porém as circunstâncias desagradáveis, Berta sente que estão escondendo algo. Jão foge da prisão e procura Berta, ela o faz prometer que nunca mais matará ninguém. Ele fala de Besita sua mãe e ela lhe implora que conte tudo. Ele assim o faz, revelando que Besita casou-se com Ribeiro que desapareceu logo depois do casamento. Alguns meses depois, Besita é avisada por Zana que seu marido chegara. Como era noite, no escuro ela se entrega às caricias do marido, e depois descobre que não era ele e, sim, Luís Galvão. Jão pensa em matá-lo por isso, mas ela o impede. Meses depois Luís casa-se com D. Ermelinda e nasce Berta, filha de Besita. Um dia Besita pede a Jão que vá comprar coisas para o bebê. Durante sua ausência, aparece Ribeiro, que a acusa de traição e a estrangula. Neste momento, Jão chega e consegue salvar Berta, mas Ribeiro foge. Luís quer que Berta vá morar com ele e sua família em São Paulo, mas ela se nega e pede que leve Miguel que ama Linda. Miguel tenta convencê-la a ir junto, mas ela recusa, ficando no interior. Os personagens de Til A principal personagem da obra é Berta, que recebeu o apelido de Til, pois quando aprendeu a ler achava o acento til gracioso. Miguel é um rapaz robusto e apaixonado por Berta. Jão Fera tem fama de bandido, mas é o personagem que salva Berta e Luis Galvão, dono da fazenda em que a história é ambientada. Síntese de Viagens Til Til é uma narrativa que envolve os personagens Berta, Miguel, Linda e Afonso. Eles são adolescentes despreocupados. Regionalista, a obra supervaloriza o interior do Brasil e da vida bucólica. Til é o apelido de Berta, a heroína capaz de imensos sacrifícios por um ideal. Desenvolvimento da obra Til A história se desenvolve na fazenda no interior de São Paulo em meio a uma história de amor e descobertas sobre o passado de Berta. Problemática da obra Til- A filha de Besita é fruto de uma noite de amor com Luís Galvão, imaginando que ele é seu marido que voltara de viagem. Clímax da obra Til- Quando Jão Fera revela o segredo sobre a mãe de Berta. Desfecho da obra Til- Luís e a família se mudam para São Paulo, enquanto Berta fica no interior do estado. A linguagem de Til- Regionalista. O espaço/tempo em Til- A história se passa no interior paulista, em uma fazenda do século XIX. Narrador e foco narrativo de Til- Obra narrada em terceira pessoa. Narrador Onisciente. Contexto histórico de Til- No ano de publicação da obra, o Brasil estava às voltas com a aprovação da Lei do Ventre Livre, que garantia a liberdade a filhos de escravos nascidos no Brasil. Sobre o autor de Til- José de Alencar nasceu em 1° de maio de 1829, em Mecejana, no Ceará, e faleceu dia 12 de dezembro de 1877, no Rio de Janeiro. Formou-se advogado escreveu para jornais da época. Foi eleito deputado federal pelo Ceará e Ministro da Justiça. Alencar escreveu romances indianistas, urbanos, regionais, históricos, obras teatrais, poesias, crônicas, romances-poemas de natureza lendária e escritos políticos. Sua principal obra é Iracema. 1) -Ação- Til, de José de Alencar, é uma obra caracterizada como romance- novela; possui uma dramaticidade dinâmica. Sua temática é baseada na época do Brasil Colonial. Embora não tendo, uma sequência cronológica dos fatos, o romance possui coerência e coesão que torna o drama compreensível, porém exigindo do leitor muita atenção para não se perder no decorrer da narração que torna o romance muito movimentado e em um pequeno espaço de tempo cria inúmeros acontecimentos envolvendo muitos personagens. Há uma pequena intertextualidade com as tragédias gregas ao narrar a


“Ave-Maria” ,muitas mortes e muitos órfãos interligando assim vários núcleos existentes no enredo: A família de Guedes, a família de D.Tudinha, Luiz Galvão, o Tinguá e ainda os capangas : Jão Fera e Gonçalo Pinta. 2) –Espaço- Tudo acontece em um lugar chamado Santa Bárbara, próximo a Campinas no estado de São Paulo, mas o romance faz referência também à cidade de Itu; à Vila de Piracicaba e à fazenda do Limoeiro. A floresta, assim como o bar à beira da estrada, o Bacorinho e o lugar chamado Ave-Maria são recursos particulares dentro do romance. Os sentimentos que o romance causa no leitor são: Piedade, indignação e choro e algumas vezes satisfação quando há uma vingança. O autor se mostra um artista da palavra quando através dela utiliza de vários adjetivos para reforçar característica das personagens e lugares fazendo o leitor “viajar em imaginação na história”, e também quando toca o emocional do leitor. 3)-Tempo- O narrador utiliza disfarces físicos e mudança de nomes em seus personagens. De acordo com a chegada de cada personagem na trama, o tempo é manejado pelo narrador que torna o tempo passado sempre presente. Portanto o tempo predominante é o psicológico. 4) -Personagens- Personagens planas- Não tem iniciativa, não tem ação significativa no romance. (Linda, Miguel, D. Ermelinda, Besita e D. Tudinha). Personagens redondas- Tudo gira em torno da personagem principal (Berta). Jão Fera- Ação de heroísmo. 5) – Trama- O romance é a história de Berta, uma menina que fica órfã ainda bebê; sua mãe é assassinada pelo próprio marido, por ciúme ao saber que não era pai da criança. A menina cresceu inocente de sua própria história e era uma pessoa muito amável, justa e bondosa. Vivia com D.Tudinha, uma senhora que a adotou e a amamentou junto com seu filho Miguel. Berta era muito amiga de Afonso e Linda, ambos, filhos de Luiz Galvão: grande fazendeiro, e D. Ermelinda. Jão Fera é um personagem muito importante na trama, pois ele no início é um “bandido”, assassino e cruel. No decorrer da novela, ele vai se revelando como um herói. Ele é um guardião para Berta, pois desde quando ficou órfã, ele a defendera e continuava sempre por perto. Berta era muito amada por Miguel e Afonso; mas não se decidia por nenhum, pois Linda era apaixonada por Miguel e sua grande amiga. Berta chega a convencer Miguel a namorar Linda, embora sinta ciúme. Til, é um apelido que a própria Berta se dá para facilitar o aprendizado de Brás, pois era o símbolo que ele mais gostava no alfabeto. Por ser deficiente, Brás não conseguia aprender com clareza e por isso apanhava de palmatória nas aulas, e só Berta conseguiu ensiná-lo. Portanto eis o nome da obra. O romance não se enquadra na característica linear ou progressivo e sim como vertical ou analítico, pois dá maior ênfase aos personagens e no drama que eles vivem. Exemplo: Berta é tão marcada por sua história quando a descobre, que decide não aceitar a paternidade de Luiz Galvão e sua riqueza e fica com D.Tudinha, cuidando dos excluídos a sua volta. 6) -Verossimilhança- A ação dos personagens tem grande importância dentro do romance, pois são eles e principalmente Jão Fera, que faz a novela acontecer, ele possui um heroísmo fantástico, exemplo: Consegue vencer uma manada de Caitetus com Berta sobre os ombros e ainda salva o Pai-Quicé; se entrega à prisão e consegue sair livre. Por se tratar de fazendeiros, capangas, escravos, lavouras de cana e café, a trama tem uma semelhança com a verdade, pois isso faz parte da história do Brasil. 7) -Ponto de Vista- A narração do romance é feita em terceira pessoa. O narrador é onisciente; ele conhece, sabe todos os pensamentos e planos dos personagens e os revela ao leitor. Não é um personagem e nem um simples espectador. 8) Tipo de romance- Romance aberto- A trama apresenta características de um romance aberto, Pois o narrador traz ao longo da história, personagens próximos da realidade, por exemplo: Pessoas bondosas como Berta, D.Tudinha, e maldosas como Ribeiro e Gonçalo Pinta, que retratam sentimentos e ações comuns de pessoas reais. O narrador faz com que o leitor tenha profundas reflexões sobre o preconceito, a exclusão, a injustiça, e permite ao leitor participar da trama, pois faz o leitor pensar, refletir pressupor o que irá acontecer em alguns capítulos, ao mesmo tempo cria “armadilhas” durante seu “percurso” que pode confundir o leitor se não estiver atento. O leitor pode ainda continuar imaginando uma sequência mesmo após o final do romance.


O Romance não é monofônico e também não é polifônico, pois não apresenta características. Essa oposição, a monofonia e a polifonia são observadas por M. Bakhtin como aquelas que se diferenciam no discurso como verdades fechadas e abertas. O discurso monofônico é próprio do discurso autoritário, que não permite o diálogo ou a relação entre o eu e o outro. Em contrapartida, na polifonia, própria da linguagem poética, a verdade surge como possibilidade discursiva em diálogo com a multiplicidade de vozes textuais.

9-)Resumo de Til- José de Alencar Em um passeio pela fazenda, Berta, jovem pequena, esbelta, ligeira, buliçosa, grandes olhos, negros, boca mimosa. E Miguel que era, alto, ágil, de talhe robusto e bem conformado, encontram Jão Fera, homem de grande estatura e vigorosa compleição, que tinha fama de bandido. Após um desentendimento entre Jão Fera e Miguel ele vai embora a pedido de Berta. Os dois amigos vão ao encontro de Linda e Afonso, irmãos gêmeos de cabelos castanhos e olhos pardos, filhos de Luís Galvão que era um bonito homem, de fisionomia inteligente e regular estatura, e de D. Ermelinda de 38 anos. Linda ama Miguel. Berta e Miguel se amam. Mas pra não fazer sofrer a amiga Linda, Berta faz de tudo para que Miguel ame Linda. E consegue. Ficam sabendo que Luís Galvão vai fazer uma viagem para Campinas e que a mãe deles estava com mau pressentimento. Berta fica assustada, pois acha que Jão Fera está por trás disso, e parte pela floresta para evitar a emboscada. Chegando lá discute com ele que lhe tem muito amor, e consegue evitar o assassinato. Havia sido contratado por Barroso homem de cinquenta anos, uma barba ruiva e áspera, de mediana estatura e excessivamente magro. Este fica furioso ao saber que ele não cumprira o acordo. Jão fica em débito com Barroso e precisa de cinquenta mil réis para saldar a divida. Todos gostavam muito de Berta, pois era alegre e de bom coração. Visitava constantemente Zana, uma mulher com problemas mentais. Brás de 15 anos era feio, e descomposto em seus gestos. Tinha um ar pasmo, um olhar morno, com expressão indiferente e parva, ele também tem problemas mentais, ao sentir ciúme de Berta ele tenta matar Zana, é repreendido por Berta e se arrepende. Brás era filho de uma irmã de Luís Galvão, que morrera viúva, e por isso ele vivia na casa de seu tio. Ele dera a Berta o apelido de Til, pois quando ela lhe ensinava o abc ele achava o til do alfabeto gracioso, então o associou a Berta a quem queria muito bem. Pelo assassinato de Aguiar, do Limoeiro, seu filho oferecera uma recompensa a quem matar o assassino Jão Fera. Avisado do acontecido por Chico, Jão pede que este vá ate o filho de Aguiar do limoeiro e peça cinquenta mil reis em troca Jão Fera ira a seu encontro. Barroso e seu bando planejam provocar um incêndio na casa de Luís Galvão para matá-lo e depois apagando o incêndio Barroso pretende oferecer seus serviços à viúva e conquistá-la. Vingando assim a traição do passado, pois ficaria com a esposa daquele que manchara a honra de sua esposa Besita. Ribeiro trocara seu nome para Barroso, tinha agora uma irrupção no rosto, Jão e Ribeiro tinham-se visto poucas vezes na época de Besita, por isso não se reconheceram quando se encontraram. Na noite são João, Gonçalo, o pajem Faustino e Monjolo trancam a senzala e ateiam fogo no canavial, Luís tenta apagar o fogo e é agredido pelas costas por Gonçalo, Jão o salva, e mata os três bandidos. Barroso foge. Conforme o combinado, Jão se entrega ao filho de Aguiar, diz que ira pra onde ele quiser desde que ninguém toque nele, pois se isso acontecer está desfeito o acordo e ele estará livre novamente. Os capangas tentam amarrá-lo, ele espanca todos e vai embora. Barroso que ficara sabendo dessa prisão, volta para tentar matar Berta, Jão que estava solto novamente consegue pegá-lo e o mata de forma violenta. “Quem o visse dilacerando a vítima com as mãos transformadas em garras pensaria que a fera de vulto humano ia devorar a presa e já palpitava com o prazer de trincar as carnes vivas do inimigo.” Brás que presenciara tudo e como não gosta dele, leva Berta pra ver a cena. Ela foge horrorizada. Ele tenta explicar o ocorrido, ela bate-lhe no rosto. Percebendo que ela agora lhe tem asco, Jão se entrega a policia. Luís resolve contar tudo a esposa, ela chora e decide que ele deve reconhecer Berta como filha. Contam tudo a Berta, omitindo porem as circunstancia desagradáveis, Berta sente que estão escondendo algo. Jão foge da prisão e procura Berta, ela o faz prometer que nunca mais matara ninguém. Ele fala de Besita sua mãe e ela lhe implora que conte tudo. Ele conta. Besita era a moça mais bonita da cidade, vivia com seu pai Guedes, Luís Galvão e Jão Fera, que eram amigos, apaixonam-se por ela, Jão achando que ela nunca o amaria abre mão desse amor para Luís, este só quer divertir-se não pretende casar-se,


ela conhece Ribeiro e aceita casar-se com ele, Jão fica Furioso e se afasta de Luís. Besita casa-se com Ribeiro que desaparece logo depois do casamento, após receber um bilhete chamando-o com urgência a Itu. Alguns meses depois Besita e avisada por Zana que seu marido chegara, era noite, e no escuro ela se entrega as caricias do marido, depois descobre que não era ele e sim Luís Galvão. Jão pensa em matá-lo por isso, mas ela o impede. Meses depois Luís casa-se com D. Ermelinda e nasce Berta filha de Besita. Elas vivem isoladas, moram com ela Zana que amamenta o bebe e Jão Fera, que cuida delas como um cão fiel. Um dia Besita pede a Jão que vá a Itu comprar algumas coisas para o bebe. Durante sua ausência, aparece Ribeiro, que a acusa de traição e a estrangula, Jão chega e consegue salvar Berta, Ribeiro foge. Nhá Tudinha, mãe de Miguel, ouve choro vindo da casa de Besita e vai ate lá, Jão conta o acontecido e ela adota Berta como sua filha. Zana enlouquece e continua morando na casa de Besita e tendo alucinações com a morte dela. Jão torna-se capanga e matador, tentando aplacar a furiosa sede de vingança que tem. Ela o abraça e diz que ele cuidou dela e que e seu pai. Jão passa a trabalhar na terra. Luís quer que Berta vá morar com ele e sua família, ela se nega e pede que leve Miguel que ama Linda. Miguel tenta convencê-la a ir junto, mas ela recusa. “Não, Miguel. Lá todos são felizes! Meu lugar é aqui, onde todos sofrem.” Eles partem para São Paulo. Berta fica. “Como as flores que nascem nos despenhadeiros e algares, onde não penetram os esplendores da natureza, a alma de Berta fora criada para perfumar os abismos da miséria, que se cavam nas almas, subvertidas pela desgraça.”

3- Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis -INTRODUÇÃO Maior escritor brasileiro de todos os tempos, Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) era um mestiço de origem humílima, filho de um mulato e de uma lavadeira portuguesa dos Açores. Moleque de morro, magro, franzino e doentio, o maior escritor brasileiro se fez sozinho, adquirindo a sua vasta e espantosa cultura de forma inteiramente autodidata. Ao estudar a obra de Machado de Assis, a crítica divide-a em duas fases bem distintas cujo marco deliminatório é o romance Memórias Póstumas de Brás Cubas publicado em 1881. Até essa data, a obra machadiana é marcante romântica, e nela sobressai poesia, conto e romances como Ressurreição (1872), A mão e a luva (1874), Helena (1876) e Iaiá Garcia (1878). Tais obras pertencem, pois, à chamada primeira fase. A partir de 1881, com a publicação das Memórias, Machado de Assis muda de tal forma que Lúcia Miguel Pereira, biógrafa e estudiosa do escritor, chega a afirmar que "tal obra não poderia ter saído de tal homem", pois, "Machado de Assis liberou o demônio interior e começa uma nova aventura": a análise de caracteres, numa verdadeira dissecação da alma humana. É a Segunda fase, fase perpassada dos ingredientes do estilo realista. Além de contos, poesia, teatro e crítica, integram essa fase os romances seguintes, entre os quais está o nosso Dom Casmurro (1900): Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891), Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908), seu último livro, pois morre nesse mesmo ano. Toda essa obra está ligada ao estilo realista, embora seja correto reconhecer que um escritor da categoria ao estilo realista, embora seja correto reconhecer que um escritor da categoria de Machado de Assis não pode ficar preso às delimitações de um estilo de época.

Memórias Póstumas de Brás Cubas O autor Joaquim Maria Machado de Assis nasceu em junho de 1839, no Morro do Livramento, Rio de Janeiro, filho de Francisco de Assis, pintor de paredes que descendia de mulatos libertos, e de uma lavadeira açoriana. Perdeu a mãe muito cedo, mas a madrasta, Maria Inês, preta extremamente carinhosa, amparou o menino, auxiliando-o inclusive no processo de alfabetização. Com a morte do pai, e as consequentes dificuldades financeiras, Machado, aos doze anos, vendia na rua os


doces que Maria Inês fazia; para aumentar a pequena renda, fazia também serviços de coroinha, e ainda, nos poucos intervalos de tempo, buscava assistir a algumas aulas, lia muitos livros emprestados, e procurava aprender francês com os padeiros franceses do bairro imperial. Quando "descobriu" a livraria Paula Brito, passou a frequentá-la, e foi na revista A Marmota Fluminense, editada pela livraria, que Machado fez sua estreia literária, publicando, em 1855, um poema exageradamente romântico. No ano seguinte é admitido como aprendiz de tipógrafo na Imprensa Oficial, onde ganha um salário de fome. Dormia e comia mal, e vivia lendo nas horas de trabalho, o que motivou as queixas de seu chefe ao diretor. Esse diretor era Manuel Antônio de Almeida; em vez de puni-lo, tratou de melhorar-lhe a vida. Assim, Machado pode tentar completar sua educação e frequenta as reuniões "lítero-humorísticas" da sociedade Petalógica, que se faziam na Paula Brito. Aí, esse jovem franzino, tímido e gago, mulato de origem obscura e humilde, trava relações com literatos prestigiados: Gonçalves Dias, Joaquim Manuel de Macedo, Casimiro de Abreu e José de Alencar. Em 1860, Machado, que já vinha colaborando com jornais, alcança o alto jornalismo no Diário do Rio de Janeiro, em que se revela um jornalista de formação liberal, afinado com as causas populares, engajado, inclusive, na campanha abolicionista. Ao mesmo tempo, produz contos, comédias, críticos literários. Aos vinte e oito anos, muda-se para o centro da cidade, deixando para trás as lembranças da origem humilde. Nomeado funcionário do Diário Oficial, experimenta, pela primeira vez, a segurança econômica. Já reconhecido por seus méritos, é condecorado com a Ordem da Rosa. Aos trinta anos, encontra a mulher que seria sua grande companheira e colaboradora: Carolina Xavier de Novais, mulher culta e sensível, que o orientava em suas leituras e apresentou-lhe o clássico inglês. Em 1873, a publicação de Ressurreição consagra Machado como romancista. Nesse mesmo ano, é nomeado oficial da Secretaria da Agricultura, iniciando uma carreira burocrática exemplar: ao longo de trinta e cinco anos, foi alcançando todos os níveis de promoção. Com quase quarenta anos, Machado, que desde a infância sofria de crises epilépticas, é obrigado a internar-se em Friburgo para tratamento. Quando superou a crise, Machado reapareceu no vigor de sua capacidade criadora, e produziu as obras-primas da maturidade: os contos e romances da dita fase realista, inaugurada em 1881, com Memórias Póstumas de Brás Cubas. Envelhecendo com serenidade, procura patrocinar jovens talentos literários, cultiva os amigos, aprende alemão, joga gamão e xadrez e frequenta, agora como a figura mais ilustre, as rodas intelectuais. Quando o grupo da Revista Brasileira decide fundar a Academia Brasileira de Letras, Machado é o nome imediatamente lembrado para presidi-la. "Com as barbas brancas disfarçando os lábios grossos e o penteado sonegando os cabelos crespos, o antigo 'Machadinho' tinha então uma aparência olímpica, encarnação simultânea da respeitabilidade vitoriana e da suprema excelência das letras brasileiras.(...) A ascensão social fora completa. (...) A curva da velhice foi para Machado o desdobramento de uma apoteose, onde a única nota dissonante foi uma nota íntima: as saudades invencíveis com que o deixou a morte de Carolina, quatro anos antes da arteriosclerose que o levou, em meio à tristeza profunda do país e da cidade” (1), em 1908. "Mulato? - dirá seu querido Joaquim Nabuco - só vi nele o grego!"


Obra: Machado de Assis cultivou quase todos os gêneros literários Poesia Crítica Literária Crisálidas, Falenas, Americanas e Ocidentais Crítica Teatro

Crônica

Não Consultes Médico O Protocolo Os Deuses de Casaca O Caminho da Porta A Semana Quase Ministro Queda que as Mulheres têm pelos Tolos

Narrativas Fase romântica: Ressurreição, A Mão e a Luva, Helena, laia Garcia (romances), Contos Fluminenses, Histórias da Meia-Noite (contos). Fase realista: Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, Dom Casmurro, Esaú e Jacó, Memorial de Aires (romances), Papéis Avulsos, Várias Histórias, Páginas Recolhidas, Relíquias de Casa Velha (contos).

Enredo Antes de iniciar a narração de sua autobiografia, o narrador, Brás Cubas, dedica-a: "Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico com saudosa lembrança estas MEMÓRIAS PÓSTUMAS"

Consciente de que sua narrativa haveria de provocar um estranhamento no leitor, habituado às narrativas lineares e verossímeis do século XIX, adverte-o: "Ao leitor Que Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, coisa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinquenta, nem vinte e, quando muito, dez. Dez? Talvez cinco. Trata-se, na verdade uma obra difusa, na qual eu, Brás Cubas, se adotei a forma livre de um Sterne ou de um Xavier de Maistre, não sei se lhe meti algumas rabugens de pessimismo. Pode ser. Obra de finado. Escrevi-a com a pena da galhofa e a tinta da melancolia, e não é difícil antever o que poderá sair desse conúbio. Acresce que a gente grave achará no livro umas aparências de puro romance, ao passo que a gente frívola não achará nele o seu romance usual; ei-lo aí fica privado da estima dos graves e do amor dos frívolos, que são as duas colunas máximas da opinião. Mas eu ainda espero angariar as simpatias da opinião, e o primeiro remédio é fugir a um prólogo explícito e longo. O melhor prólogo é o que contém menos coisas, ou o que as diz de um jeito obscuro e trancado. Conseguintemente, evito contar o processo extraordinário que empreguei na composição destas Memórias, trabalhadas cá no outro mundo. Seria curioso, mas nimiamente extenso, e aliás desnecessário ao entendimento da obra. A obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote, e adeus. Brás Cubas.”

Capítulo I – Óbito do autor Brás Cubas declara que, por ser um defunto autor e não um autor defunto, resolveu começar sua narração pela própria morte, que se dera às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, em sua bela chácara de Catumbi. Tinha 64 anos "rijos e prósperos" e fora acompanhado ao cemitério por 11 amigos. A sua morte haviam assistido poucas pessoas: a irmã Sabina, o cunhado Cotrim, a sobrinha e uma senhora, cuja identidade recusa-se a revelar, informando, apenas, que sofreu mais que os outros presentes. O leitor a conheceria quando o narrador evocasse os tempos moços. Informa, ainda, que morrera tranquila e metodicamente:


"A vida estrebuchava-me no peito, com uns ímpetos de vaga marinha, esvaía-se-me a consciência, eu descia à imobilidade física e moral, e o corpo fazia-se-me planta e pedra, e lodo, e coisa nenhuma.” A causa da morte fora uma pneumonia, mas Brás Cubas diz dever-se mais a uma grandiosa ideia que tivera e que vai apresentar em seguida. Capítulo II - O emplasto Brás Cubas revela, que, um dia, uma idéia pendurou-se no trapézio que ele tinha no cérebro e provocou-o: "Decifra-me ou devoro-te". Essa ideia era a criação de um emplasto anti-hipocondríaco, "destinado a aliviar nossa melancólica humanidade". Para o governo, afirmara que esse resultado era verdadeiramente cristão; aos amigos, falara das vantagens pecuniárias que o emplasto traria, mas, já que havia morrido, podia confessar a verdade: o que o movera fora a vaidade, queria alcançar fama e glória. "Assim, a minha ideia trazia duas faces, como as medalhas, uma virada para o público, outra para mim. De um lado, filantropia e lucro; de outro lado, sede de nomeada. Digamos: — amor da Glória." Aspectos Modernos  Enredo rarefeito;  Quebra da linearidade;  Narrativa Fantástica;  Metalinguagem;  Leitor incluso; (é personagem na obra Machadiana)  Estrutura de obra aberta; (várias leituras e interpretações)  Valorização do espaço branco do papel. Capítulo III – Genealogia Evocando seu passado remoto, Brás Cubas fala das origens de sua família. O fundador havia sido um certo Damião Cubas, nascido no Rio de Janeiro na primeira metade do século XVIII, tanoeiro de profissão, que, ao tornar-se lavrador, enriquecera; ao morrer, deixara grande herança ao filho, Luís Cubas. A família só se referia aos antepassados até esse avô, que estudara em Coimbra e tivera prestígio social, omitindo Damião que, afinal, havia sido simples tanoeiro. O pai de Brás Cubas, de início, para esconder sua origem, inventara que a família provinha da mesma de que nascera o capitão-mor fundador da Vila de São Vicente, e para reforçar a falsificação dera ao filho o nome de Brás. A família do capitão-mor Brás Cubas se opusera a essa inverdade, por isso o pai do narrador forjou outra mentira: a família descendia de um cavaleiro premiado com o sobrenome Cubas por ter, heroicamente, subtraído trezentas cubas aos mouros, durante as batalhas da África. Observa Brás Cubas que seu pai, homem digno e de bom caráter, tinha esses fumos de vaidade. Capítulo IV - A ideia fixa Brás Cubas confessa que a ideia do emplasto tornara-se uma obsessão. Não lhe ocorre nada que seja tão fixo; talvez a lua ou as pirâmides. Sugere, então, ao leitor que escolha a comparação que mais o agrade e não torça o nariz, embora reconheça que o leitor deve estar impaciente porque a narrativa propriamente dita ainda não teve início, mas afirma que chegará a ela, justificando: "Creio que prefere a anedota à reflexão, como os outros leitores, seus confrades, e acho que faz muito bem. Pois lá iremos. Todavia, importa dizer que este livro é escrito com pachorra, com a pachorra de um homem já desafrontado da brevidade do século, obra supinamente filosófica, de uma filosofia desigual, agora austera, logo brincalhona, coisa que não edifica nem destrói, não inflama nem regela, e é todavia mais do que passatempo e menos do que apostolado.” Capítulo V - Em que aparece a orelha de uma senhora


Durante os preparativos para a criação do emplasto, Brás Cubas recebeu um golpe de ar; adoeceu e não se tratou, pois só pensava na glória que o emplasto lhe traria. Como piorasse, resolveu tratar-se, mas sem cuidado nem persistência, sobrevindo a pneumonia que o matou. Diz-nos que, no leito de morte, enquanto refletia sobre o fato de uma simples corrente de ar pôr a perder qualquer projeto humano, despediu-se da mulher a quem se referira no primeiro capítulo, a qual, embora entrada em anos, havia sido a mais bela entre suas contemporâneas; faz, então, uma surpreendente revelação: "Tinha então 54 anos, era uma ruína, uma imponente ruína. Imagine o leitor que nos amamos, ela e eu, muitos anos antes, e que um dia, já enfermo, vejo-a assomar à porta da alcova..." Capítulo VI - Chimène, qui l'eüt dit? Rodrigue, qui 1'eút cru? À porta da alcova, a mulher hesitou, pois havia um homem no quarto; Brás Cubas não a via há dois anos, e contemplava-a mudo, olhando-a não como era, mas como ela (e ele) haviam sido. A mulher entrou e ficou em pé, ao lado do leito. O homem retirou-se. Brás Cubas e Virgília — chamava-se Virgília — continuavam a olhar-se calados: "Quem diria? De dois grandes namorados, de duas paixões sem freios, nada mais havia ali, vinte anos depois; havia apenas dois corações murchos, devastados pela vida e saciados dela, não sei se em igual dose, mas enfim saciados.” Quebrando o silêncio, Brás Cubas perguntou-lhe se andava a visitar defuntos. Virgília, com um muxoxo, respondeu — "Ora, defuntos!" Sentou-se; com voz amiga e doce, comentou com Brás Cubas alguns acontecimentos, com graça e um pouco de maldade, o que deu prazer ao enfermo: "(...) eu, prestes a deixar o mundo, sentia um prazer satânico em mofar dele, em persuadir-me que não deixava nada." Às três horas, retirou-se, dizendo que voltaria no dia seguinte ou no outro. Diante da observação de Brás Cubas de que talvez não conviesse — ele era solteirão e na casa não havia senhoras —- Virgília disse não se importar — estava velha! — mas voltaria com o filho. Quando voltou com Nhonhô, o filho bacharel, Brás Cubas ficou constrangido: o menino, aos cinco anos, havia sido cúmplice inconsciente do amor clandestino de Brás e Virgília. Virgília adivinhou a causa do constrangimento que mantinha Brás Cubas calado, e dissimulou, dizendo ao filho que Brás Cubas não falava para fazer crer que estava à morte. Todos sorriram. Virgília tinha o aspecto "das vidas imaculadas": "(...) nenhum gesto que pudesse denunciar nada; uma igualdade de palavra e de espírito, uma dominação sobre si mesma, que pareciam e talvez fossem raras." Casualmente falaram de amores ilegítimos e Virgília referiu-se à mulher de que se tratava — aliás, sua amiga — com desdém e indignação.

Capítulo VII - O delírio Brás Cubas conta que, antes de morrer, delirou por vinte ou trinta minutos. Em seu delírio, viu-se transformado em um barbeiro chinês; escanhoava um mandarim que lhe pagava com beliscões e confeitos. Depois se viu transformado na Summa Theológica de S. Tomás de Aquino. De volta à forma humana, viu-se arrebatado por um hipopótamo que informou irem à origem dos séculos. Brás Cubas ia de olhos fechados e sentia aumentar a sensação de frio. Ao abrir os olhos viu que galopavam numa planície de neve, onde vegetação e animais também eram de neve. De repente, apareceu uma figura imensa de mulher, cujos contornos perdiam-se no ambiente, e que se apresentou: “— Chama-me Natureza ou Pandora; sou tua mãe e tua inimiga”. (...) — Não te assustes, disse ela, minha inimizade não mata; é sobretudo pela vida que se afirma. Vives: não quero outro flagelo." A figura estendeu o braço, segurou Brás Cubas pelos cabelos e levantou-o ao ar.


“Só então pude ver-lhe de perto o rosto, que era enorme. Nada mais quieto; nenhuma contorção violenta, nenhuma expressão de ódio ou ferocidade; afeição única, geral, completa, era a da impassibilidade egoísta, a da eterna surdez, a da vontade imóvel. Raivas, se as tinha, ficavam encerradas no coração. Ao mesmo tempo, nesse rosto de expressão glacial, havia um ar de juventude, mescla de força e viço, diante do qual me sentia eu o mais débil e decrépito dos seres”. — Entendeste-me? disse ela, no fim de algum tempo de mútua contemplação. — Não, respondi; nem quero entender-te; tu és absurda, tu és uma fábula. Estou sonhando, decerto, ou, se é verdade que enlouqueci, tu não passas de uma concepção de alienado, isto é, uma coisa vã, que a razão ausente não pode reger nem palpar. Natureza, tu? a Natureza que eu conheço é só mãe e não inimiga; não faz da vida um flagelo, nem, como tu, traz esse rosto indiferente, como o sepulcro. E por que Pandora? — Porque levo na minha bolsa os bens e os males, e o maior de todos, a esperança, consolação dos homens. Tremes? — Sim; o teu olhar fascina-me. — Creio; eu não sou somente a vida; sou também a morte, e tu estás prestes a devolver-me o que te emprestei. Grande lascivo, espera-te a voluptuosidade do nada." Incrédulo, Brás Cubas pondera que ela lhe havia incutido o amor à vida; como poderia golpear a si própria, matando-o? Natureza ou Pandora respondeu que já não precisava dele, o egoísmo era sua única lei. Levando-o ao alto de uma montanha, obrigou-o a acompanhar o desfile dos séculos: "Imagina tu, leitor, uma redução dos séculos, e um desfilar de todos eles, as raças todas, todas as paixões, o tumulto dos impérios, a guerra dos apetites e dos ódios, a destruição recíproca dos seres e das coisas. Tal era o espetáculo, acerbo e curioso espetáculo. A história do homem e da terra tinha assim uma intensidade que lhe não podiam dar nem a imaginação nem a ciência, porque a ciência é mais lenta e a imaginação mais vaga, enquanto que o que eu ali via era a condensação viva de todos os tempos. Para descrevê-la seria preciso fixar o relâmpago. Os séculos desfilavam num turbilhão, e, não obstante, porque os olhos do delírio são outros, eu via tudo o que passava diante de mim, —flagelos e delícias, — desde essa coisa que se chama glória até essa outra que se chama miséria, e via o amor multiplicando a miséria, e via a miséria agravando a debilidade. Aí vinham a cobiça que devora, a cólera que inflama, a inveja que baba, e a enxada e a pena, úmidas de suor, e a ambição, a fome, a vaidade, a melancolia, a riqueza, o amor, e todos agitavam o homem, como um chocalho, até destruí-lo, como um farrapo. Eram as formas várias de um mal, que ora mordia a víscera, ora mordia o pensamento, e passeava eternamente as suas vestes de arlequim, em derredor da espécie humana. A dor cedia alguma vez, mas cedia à indiferença, que era um sono sem sonhos, ou ao prazer, que era uma dor bastarda. Então o homem, flagelado e rebelde, corria diante da fatalidade das coisas, atrás de uma figura nebulosa e esquiva, feita de retalhos, um retalho de impalpável, outro de improvável, outro de invisível, cosidos todos a ponto precário, com a agulha da imaginação; e essa figura, — nada menos que a quimera da felicidade, —ou lhe fugia perpetuamente, ou deixava-se apanhar pela fralda, e o homem a cingia ao peito, e então ela ria, como um escárnio, e sumia-se, como uma ilusão. " Os séculos passavam cada vez mais aceleradamente. Brás Cubas fixou o olhar porque veria passar o último século, mas a rapidez era tal que ele viu os objetos mudarem: uns cresciam, outros diminuíam e um nevoeiro cobriu tudo; o próprio hipopótamo também começou a diminuir, ficando do tamanho de um gato. Brás Cubas saía do delírio, pois era mesmo seu gato Sultão que brincava à porta do quarto. Capítulo VIII - Razão contra Sandice A Razão voltava e insistia que a Sandice saísse: "La maison est à moi, c 'est à vous d'en sortir.” Brás Cubas, porém, pondera que a Sandice toma amor às casas alheias e é difícil ser despejada. Queria ficar, pois tentava descobrir o mistério da vida e o da morte... Capítulo IX – Transição


Brás Cubas informa que fará, com destreza e arte, a maior transição do livro: como seu delírio ocorrera na presença de Virgília; como Virgília havia sido seu pecado da juventude; como não há juventude sem meninice; como não há meninice sem nascimento, assim ele chega ao dia do seu nascimento: 20 de outubro de 1805. "De modo que o livro fica assim com todas as vantagens do método, sem a rigidez do método." Capítulo X - Naquele dia "Naquele dia, a árvore dos Cubas brotou uma graciosa flor. " O nascimento de Brás Cubas havia sido intensamente festejado; o tio João, oficial de infantaria, via nele um olhar de Bonaparte, o tio Ildefonso, simples padre, já o via cônego. O pai, orgulhoso, perguntava a todos se Brás não era inteligente e bonito. Capítulo XI - O menino é pai do homem Acatando a afirmação de um poeta, segundo a qual o menino é o pai do homem, Brás Cubas confessa ter sido "dos mais malignos do meu tempo, arguto, indiscreto, traquinas e voluntarioso", e, desde os cinco anos, era chamado "menino diabo". Maltratava os escravos, fazia de Prudêncio seu cavalo de todos os dias, fustigando-o com uma varinha, indiferente a seus gemidos. O pai tinha por Brás Cubas grande admiração; repreendia-o por mera formalidade diante dos outros mas, em particular, beijava-o. A mãe, piedosa, fazia decorar orações, mas "era uma senhora fraca, de pouco cérebro e muito coração (...) temente às trovoadas e ao marido". O tio cônego fazia, em vão, reparos à educação que Brás Cubas recebia; tinha muita austeridade e pureza, que apenas compensavam um espírito medíocre. O outro tio, João, era um homem de vida libertina, que importunava as escravas com ditos e gestos maliciosos. Era dele que Brás Cubas, desde os onze anos, ouvia anedotas obscenas. A tia Emerenciana era bem diferente desses tios e tinha grande autoridade sobre Brás, mas com ela o convívio fora breve, apenas dois anos. "o que importa é a expressão geral do meio doméstico, e essa aí fica indicada, — vulgaridade de caracteres, amor das aparências rutilantes, do arruído, frouxidão da vontade, domínio do capricho, e o mais. Dessa terra e desse estrume é que nasceu esta flor.” Capítulo XII - Um episódio de 1814 Em 1814, quando Brás Cubas tinha nove anos, ocorreu a queda de Napoleão. Seu pai, que odiava o corso, ofereceu grande jantar em comemoração. Um dos presentes, o letrado Doutor Vilaça, pouco antes da sobremesa começou a declamar, colhendo a admiração da plateia. Assim estimulado, não interrompia a recitação. Brás Cubas, que ansiava por comer uma compota, pediu ao pai, em voz baixa, que lhe desse o doce. Não atendido, começou a berrar, a bater os pés; tia Emerenciana pediu que uma escrava o tirasse da sala. Brás Cubas, culpando Vilaça por sua expulsão e privação da sobremesa, resolveu vingar-se: faria algo que o expusesse ao ridículo. Ficou seguindo-o durante o resto da tarde; viu-o conversar com D. Eusébia. O Vilaça tinha quarenta e sete anos, era casado e pai, mas, tendo penetrado numa moita com D. Eusébia, trocava com ela confidencias amorosas; num dado momento, deu-lhe um beijo, "o mais medroso dos beijos". "— O Doutor Vilaça deu um beijo em Dona Eusébia! bradei eu correndo pela chácara. Foi um estouro esta minha palavra; a estupefação imobilizou a todos; os olhos espraiavam-se a uma e outra banda; trocavam-se sorrisos, segredos, à socapa, as mães arrastavam as filhas pretextando o sereno. Meu pai puxou-me as orelhas, disfarçadamente, irritado deveras com a indiscrição; mas, no dia seguinte, ao almoço, lembrando o caso, sacudiu-me o nariz, a rir: Ah! brejeiro! ah! brejeiro!" Capítulo XIII - Um salto


Brás Cubas diz preferir não se deter nos tempos de escola, "a enfadonha escola", mas recorda-se do mestre, Ludgero Barata. "Vejo-te ainda agora entrar na sala, com as tuas chinelas de couro branco, capote, lenço na mão, calva à mostra, barba rapada; vejo-te sentar, bufar, grunhir, absorver uma pitada inicial, e chamar-nos depois à lição. E fizeste isto durante vinte e três anos, calado, obscuro, pontual, metido numa casinha da rua do Piolho, sem enfadar o mundo com a tua mediocridade, até que um dia deste o grande mergulho nas trevas, e ninguém te chorou, salvo um preto velho, — ninguém, nem eu, que te devo os rudimentos da escrita." Recorda-se, ainda, do colega Quincas Borba, um menino gracioso, inventivo e travesso, que nas brincadeiras queria sempre o papel de rei, ministro, general; era garboso e dava gosto vê-lo de imperador nas festas do Espírito Santo. Capítulo XIV - O primeiro beijo Em 1822, com dezessete anos, Brás Cubas conheceu sua primeira paixão, uma moça espanhola chamada Marcela, "luxuosa, impaciente, amiga de dinheiro e de rapazes. Naquele ano, morria de amores por um certo Xavier, sujeito abastado e tísico — uma pérola!". Viu-a pela primeira vez no Rocio Grande; viu-a três dias depois, em sua própria casa, nos Cajueiros, levado por tio João, que o convidara a ir "a uma ceia de moças". A saída, pediu ao tio que o aguardasse e voltou sozinho, com o pretexto de haver esquecido o lenço. A sós com Marcela, deu-lhe um beijo. Capítulo XV – Marcela A conquista de Marcela durou trinta dias, em duas fases: a consular e a imperial. "Na primeira, que foi curta, regemos o Xavier e eu, sem que ele jamais acreditasse dividir comigo o governo de Roma; mas, quando a credulidade não pôde resistir à evidência, o Xavier depôs as insígnias, e eu concentrei todos os poderes na minha mão; foi a fase cesariana. " Marcela era uma paixão cara; a princípio, o pai cedia qualquer quantia que Brás Cubas lhe pedisse, mas, ao considerar o abuso, passou a limitar cada vez mais os valores; Brás Cubas, então, recorreu à mãe, que, todavia, não podia dar-lhe muito, e às escondidas. Brás Cubas, então, contando com a herança que receberia do pai, passou a fazer empréstimos, que, depois, pagaria com juros. Marcela amava os dobrões de ouro e as joias com que Brás a presenteava. Um dia, porém, como o moço não lhe pudesse dar um valioso colar, disse-lhe que o amor deles não precisava de tais estímulos, acrescentando que, de um antigo amante, que não era rico, só aceitara, sem relutância, presentes de pouco valor, como a pequena cruz de ouro que trazia ao seio. Brás Cubas, surpreso, lembrou que ela lhe afirmara ser presente do pai. "— Não percebeste que era mentira, que eu dizia isso para te não molestar? Vem cá, chiquito, não sejas assim desconfiado comigo... Amei a outro; que importa, se acabou? Um dia, quando nos separarmos... — Não digas isso! bradei eu. — Tudo cessa! Um dia... Não pôde acabar; um soluço estrangulou lhe a voz; estendeu as mãos, tomou das minhas, conchegou-me ao seio, e sussurrou-me baixo ao ouvido: — Nunca, nunca, meu amor! Eu agradeci-lhe com os olhos úmidos. No dia seguinte levei-lhe o colar que havia recusado.” Capítulo XVI - Uma reflexão imoral Visto que, nesse momento, ocorre-lhe uma reflexão imoral, Brás Cubas diz querer corrigir o que dissera no capítulo XIV, que Marcela morria de amores pelo Xavier; na verdade, vivia. E se pergunta o que seria do amor se não fossem os joalheiros.


Capítulo XVII - Do trapézio e outras coisas "Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos. " Ao saber dos onze contos, o pai de Brás Cubas, furioso, exigiu o rompimento: o moço iria para a Europa, faria universidade em Coimbra. Brás Cubas não se opôs à ideia da viagem porque tinha a intenção de levar Marcela consigo; a moça, porém, recusou. Brás Cubas implorou, mostrou-se desesperado, mas Marcela ouvia impassível, "fria como um pedaço de mármore". Brás teve uma ideia que lhe pareceu salvadora: convencê-la-ia com algo mais concreto: recorrendo a mais um empréstimo, comprou um pente de marfim adornado com três grandes brilhantes. Marcela prometeu que o acompanharia. Capítulo XVIII - Visão do corredor Três dias depois, Brás Cubas partiu sozinho, com uma ideia fixa: lançar-se ao mar, repetindo o nome de Marcela. Capítulo XIX- A bordo No navio havia onze passageiros e o pai de Brás recomendou-o a todos. O capitão não tirava os olhos de cima dele; quando não podia ficar a observá-lo, levava-o à mulher, tuberculosa em fase terminal. Uma noite, Brás resolveu suicidar-se, mas encontrou o capitão junto à amurada, olhando embevecido o esplendor da noite; apontando a lua, perguntou-lhe por que não fazia uma ode à noite. Brás respondeu que não era poeta. O capitão, então, tirou do bolso alguns sonetos de sua autoria e recitou-os com amor. A musa do capitão afastou de Brás o desejo de matarse. No dia seguinte, uma tempestade. O passageiro louco pulava, outros rezavam, cheios de medo. Brás experimentou o horror da morte. Agora o capitão sempre lia seus versos para que Brás os apreciasse e a vida de sua mulher se esvaía; contou a Brás como se apaixonara, como ela lhe fora sempre fiel e dedicada e mostrou os poemas que fizera para ela. No dia em que a mulher morreu e foi lançada ao mar, Brás procurou consolar o capitão elogiando lhe os versos e oferecendo-se para publicá-los. No dia seguinte, levou a Brás Cubas um poema recém-composto em que rememorava as circunstâncias da morte da mulher e da singular sepultura que tivera. Leu-o com voz comovida e mãos trêmulas. Brás Cubas elogiou a composição. O capitão ponderou que talvez não tivesse talento, mas tinha sentimento, "se não é que o próprio sentimento prejudicou a perfeição". Brás respondeu que era perfeita; o capitão leu-a novamente, mas sem tremores, enfatizando a melodia dos versos e dando relevo às imagens. Depois, apertou a mão do moço e predisse-lhe um grande futuro. Capítulo XX - Bacharelo-me Grande futuro? Brás imaginou-se preeminente, talvez um naturalista, um literato, um banqueiro, um político ou um bispo, mas confessa ter-se aplicado pouco para isso; embora tivesse alcançado o grau de bacharel, havia sido um aluno medíocre: "um acadêmico estroina, superficial, tumultuado e petulante, dado às aventuras, fazendo romantismo prático e liberalismo teórico, vivendo na pura fé dos olhos pretos e das constituições escritas". Mas o diploma dava-lhe a liberdade, e Brás começou a sentir "uns ímpetos, uma curiosidade, um desejo de acotovelar os outros, de influir, de gozar, de viver..." Capítulo XXI - O almocreve Um dia em que Brás montava um jumento, o animal empacou. Brás fustigou o jumento, que corcoveou e jogou-o fora da sela, mas o pé do moço ficou preso no estribo; o animal deu dois saltos e ameaçava disparar, quando um almocreve, que lá estava, com grande esforço segurou-o pelas rédeas — apesar do perigo — e Brás pôde desvencilhar-se. Convencido de que o almocreve provavelmente lhe salvara a vida, Brás decidiu dar-lhe três das cinco moedas de ouro que trazia consigo.


Enquanto pegava as moedas, Brás pensou que a recompensa talvez fosse excessiva, bastavam duas. Uma. Examinou as roupas do almocreve: era um pobre-diabo, que jamais vira uma moeda de ouro. Ouviu-o conversar com o jumento e depois dar-lhe um beijo na testa. O almocreve explicou: "— Queira vosmecê perdoar, mas o diabo do bicho está a olhar para a gente com tanta graça... Ri-me, hesitei, meti-lhe na mão um cruzado em prata, cavalguei o jumento, e segui a trote largo, um pouco vexado, melhor direi um pouco incerto do efeito da pratinha. Mas a algumas braças de distância, olhei para trás, o almocreve fazia-me grandes cortesias, com evidentes mostras de contentamento. Adverti que devia ser assim mesmo; eu pagara-lhe bem, pagara-lhe talvez demais. Meti os dedos no bolso do colete que trazia no corpo e senti umas moedas de cobre; eram os vinténs que eu devera ter dado ao almocreve, em lugar do cruzado em prata. Porque, enfim, ele não levou em mira nenhuma recompensa ou virtude, cedeu a um impulso natural, ao temperamento, aos hábitos do oficio; acresce que a circunstância de estar, não mais adiante nem mais atrás, mas justamente no ponto do desastre, parecia constituí-lo simples instrumento da Providência; e de um ou de outro modo, o mérito do ato era positivamente nenhum. Fiquei desconsolado com esta reflexão, chamei-me pródigo, lancei o cruzado à conta das minhas dissipações antigas; tive (por que não direi tudo?) tive remorsos. " Capítulo XXII - Volta ao Rio Brás Cubas já havia anos perambulava pela Europa e achava-se em Veneza quando recebeu uma carta do pai, em que pedia que voltasse depressa, pois a mãe estava à morte. Brás amava a mãe e disparou para o Rio de Janeiro. "Vim... Mas não; não alonguemos este capítulo. Às vezes, esqueço-me a escrever, e a pena vai comendo papel, com grave prejuízo meu, que sou autor. Capítulos compridos quadram melhor a leitores pesadões; e nós não somos um público in-folio, mas in-12, pouco texto, larga margem, tipo elegante, corte dourado e vinhetas... principalmente vinhetas... Não, não alonguemos o capítulo." Capítulo XXIII - Triste, mas curto Ao voltar à cidade natal, Brás Cubas experimentou viva emoção; confessa que tal não se devia ao reconhecimento da pátria política, mas à lembrança de sua meninice. A mãe agonizava, roída por um câncer, mas seu rosto iluminou-se ao ver o filho. A agonia foi longa e cruel; ao morrer só lhe restavam os ossos. Brás não se conformava; como uma criatura tão dócil, tão meiga e tão santa podia morrer em meio a tanto sofrimento, devastada por uma doença sem misericórdia? "Confesso que tudo aquilo me pareceu obscuro, incongruente, insano...” Capítulo XXIV- Curto, mas alegre Nesse tempo, Brás Cubas já era um "fiel compêndio de trivialidade e presunção". Jamais se preocupara com o problema da vida e da morte. Reconhece que a Universidade lhe havia ensinado algumas coisas, mas delas só conservara "a fraseologia, a casca, a ornamentação..." "Talvez espante ao leitor a franqueza com que lhe exponho e realço a minha mediocridade; advirta que a franqueza é a primeira virtude de um defunto. Na vida, o olhar da opinião, o contraste dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os remendos, a não estender ao mundo as revelações que faz à consciência; e o melhor da obrigação é quando, à força de embaçar os outros, embaça-se um homem a si mesmo, porque em tal caso poupa-se o vexame, que é uma sensação penosa, e a hipocrisia, que é um vício hediondo. Mas, na morte, que diferença! que desabafo! que liberdade! Como a gente pode sacudir fora a capa, deitar ao fosso as lentejoulas, despregar-se, despintar-se, desafeitar-se, confessar lisamente o que foi e o que deixou de ser! Porque, em suma, já não há vizinhos, nem amigos, nem inimigos, nem conhecidos, nem estranhos; não há plateia. O olhar da opinião, esse olhar agudo e judicial, perde a virtude, logo que pisamos o território da morte; não digo que ele se não estenda para cá, e nos não examine e julgue; mas a nós é que não se nos dá do exame nem do julgamento. Senhores vivos, não há nada tão incomensurável como o desdém dos finados. "


Capítulo XXV -Na Tijuca Depois da missa de 7º dia em memória da mãe, Brás, acompanhado de Prudêncio, isolou-se numa velha propriedade da família, na Tijuca; recusara o convite da irmã Sabina e do cunhado Cotrim para morar uns tempos com eles. Na solidão, começou a sentir certa hipocondria, "essa flor amarela, solitária e mórbida, de um cheiro inebriante e sutil". Passou, então, a sentir uma estranha sensação: a volúpia do aborrecimento. "Volúpia do aborrecimento: decora esta expressão, leitor; guarda-a, examina-a, e se não chegares a entendê-la, podes concluir que ignoras uma das sensações mais sutis desse mundo e daquele tempo.” Uma semana depois estava farto da solidão, e se preparava para deixar a Tijuca, quando Prudêncio informou que Dona Eusébia e a filha haviam-se mudado, na véspera, para uma casa muito próxima dali. Brás Cubas lembrou-se do episódio de 1814 e sentiu certa vergonha, mas reconfortou-se, pois os fatos posteriores haviamlhe dado razão: Dona Eusébia tivera uma filha e Vilaça, ao morrer, deixara-lhe um bom legado. Informado por Prudêncio que Dona Eusébia vestira o corpo de sua mãe, Brás Cubas achou que lhe devia uma visita. Capítulo XXVI - O autor hesita Brás queria desvencilhar-se logo do compromisso da visita, mas, inesperadamente, apareceu seu pai, que lhe trazia dois projetos: um lugar de deputado e um casamento. Brás Cubas ponderou que não entendia de política e não pensava em casar-se, queria viver como urso. O pai insistiu, fê-lo ver as vantagens de uma posição política e de uma mulher formosa; não sairia de lá sem resposta. Brás Cubas não respondia; a um canto da mesa, escrevia aleatoriamente uma palavra, um verso, sem ordem, assim: “

arma virumque cano A Arma virumque cano arma virumque cano arma virumque arma virumque cano virumque Maquinalmente tudo isto; e, não obstante, havia certa lógica, certa dedução; por exemplo, foi o virumque que me fez chegar ao nome do próprio poeta, por causa da primeira sílaba; ia a escrever virumque, — e sai-me Virgílio, então continuei: Vir

Virgílio Virgílio

Virgílio Virgílio

Virgílio Meu pai, um pouco despeitado com aquela indiferença, ergueu-se, veio a mim, lançou os olhos ao papel... — Virgílio! exclamou. És tu, meu rapaz; a tua noiva chama-se justamente Virgília." Capítulo XXVII- Virgília? Tratava-se da mesma Virgília que, em 1869, estava com Brás Cubas moribundo. “Naquele tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos; era talvez a mais atrevida criatura da nossa raça, e, com certeza, a mais voluntariosa. Não digo que já lhe coubesse a primazia da beleza, entre as mocinhas do tempo, porque isto não é romance, em que o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas; mas também não digo que lhe maculasse o rosto nenhuma sarda ou espinha, não. Era bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia daquele feitiço,


precário e eterno, que o indivíduo passa a outro indivíduo, para os fins secretos da criação. Era isto Virgília, e era clara, muito clara, faceira, ignorante, pueril, cheia de uns ímpetos misteriosos; muita preguiça e alguma devoção, — devoção, ou talvez medo; creio que medo." Capítulo XXVIII - Contanto que... Diante da insistência do pai, Brás Cubas admitiu considerar tanto a candidatura quanto o casamento, contanto que não fosse obrigado a aceitar a ambos. O pai observou que todo homem público deve ser casado. E acrescentou que não tivera tantos cuidados, que não gastara tanto dinheiro para não vê-lo brilhar. E aconselha: “

Teme a obscuridade, Brás; foge do que é ínfimo. Olha que os homens valem por diferentes modos, e o mais seguro de todos é valer pela opinião dos outros homens. Não estragues as vantagens da tua posição, os teus meios..." Nesse momento, Brás Cubas viu que murchava a "flor da hipocondria" e brotava outra: o amor da fama, que o levará a conceber o emplasto Brás Cubas. Capítulo XXIX- A visita O pai vencera: Brás acabou aceitando a candidatura e o casamento. Nesse mesmo dia, à tarde, foi visitar Dona Eusébia, que o recebeu com alegria; pediu que Brás falasse de sua viagem, dos estudos, dos namoros... Brás, neste instante, recordou-se do acontecido em 1814, da moita, do beijo... Suas lembranças foram interrompidas por um ruído de saias e alguém chamando: "—Mamãe... mamãe... " Capítulo XXX - A flor da moita Uma mocinha morena parou à porta. Era Eugênia, filha de Dona Eusébia, que a fez entrar para que cumprimentasse o Doutor Brás Cubas, que voltara da Europa. Brás reconhece a moça como "a flor da moita", pois nascera da relação adúltera do Vilaça com Dona Eusébia. Eugênia tinha, então, dezesseis anos, era quieta e serena; a mãe a elogiava e ela apenas sorria, com os olhos brilhantes, "como se lá dentro do cérebro lhe estivesse a voar uma borboletinha de ouro e olhos de diamante"... Mas foi uma borboleta preta que entrou na varanda, assustando Dona Eusébia. Brás expulsou a borboleta; depois se despediu e saiu rindo da superstição das duas mulheres. Capítulo XXXI - A borboleta preta No dia seguinte, uma borboleta, maior e mais negra que a que assustara Dona Eusébia e Eugênia, entrou no quarto de Brás Cubas, que a matou. Brás ficou aborrecido e incomodado, mas consolou-se dizendo consigo: "— Também por que diabo não era ela azul? " Ponderou, depois, que, se fosse azul ou cor de laranja, não teria tido mais sorte, mas acabou voltando à primeira ideia, que para ela teria sido melhor nascer azul. Capítulo XXXII- Coxa de nascença Nesse dia Brás tinha a intenção de deixar a Tijuca, mas Dona Eusébia apareceu e convidou Brás Cubas a jantar em sua casa. Como insistisse muito, Brás cedeu. Eugênia apresentou-se muito simples, num vestido branco sem enfeites, e não trazia nenhuma joia; apesar da singeleza, Brás notou-lhe a graça natural e admirou seu espírito, suas ideias claras e maneiras diretas.


Após o jantar, Dona Eusébia quis mostrar-lhe a chácara. Brás notou que Eugênia coxeava um pouco e perguntou se havia machucado o pé. A moça respondeu sem titubear que era coxa de nascença. Brás achou-se desastrado e grosseirão; durante o passeio, olhava a moça de soslaio, mas pode reconhecer que o olhar de Eugênia "não era coxo, mas direto, perfeitamente são"; seus olhos pretos e tranquilos fitavam-no com franqueza e sem temeridade. Capítulo XXXIII - Bem-aventurados os que não descem Brás Cubas não se conformava com o defeito de Eugênia: tão bela e coxa! Esse contraste o fazia pensar que a natureza às vezes é um "imenso escárnio: Por que bonita, se coxa? Por que coxa, se bonita?". Fazia-se sempre essa mesma pergunta sem conseguir respondê-la; resolveu enxotar "essa outra borboleta preta", que esvoaçava em seu cérebro. Reconheceu-se envolvido com Eugênia, adiava a partida, porque não queria afastar-se de sua "Vênus Manca". "Queria-lhe, é verdade; ao pé dessa criatura tão singela, filha espúria e coxa, feita de amor e desprezo, ao pé dela sentia-me bem, e ela creio que ainda se sentia melhor, ao pé de mim," Ao saber que Brás pretendia ir-se no domingo, Eugênia pediu-lhe que não descesse. Brás pensou: "— Bem-aventurados os que não descem, porque deles é o primeiro beijo das moças". Com efeito, naquele domingo, beijaram-se pela primeira vez. Eugênia entregara-se candidamente, comovida, com os braços nos ombros de Brás, vendo nele seu futuro marido, enquanto Brás... "(...) e eu com os olhos em 1814, na moita, no Vilaça, e a suspeitar que não podias mentir ao teu sangue, à tua origem (...)” Capítulo XXXIV - A uma alma sensível Brás supõe que entre seus cinco ou dez leitores possa haver uma alma sensível que se tenha chocado com o capítulo anterior e comece a temer pelo destino de Eugênia, considerando-o um cínico. "Eu cínico, alma sensível? Pela coxa de Diana! esta injúria merecia ser lavada com sangue, se o sangue lavasse alguma coisa nesse mundo. Não, alma sensível, eu não sou cínico, eu fui homem; meu cérebro foi um tablado em que se deram peças de todo gênero, o drama sacro, o austero, o piegas, a comédia louça, a desgrenhada farsa, os autos, as bufonerias, um pandemônio, alma sensível, uma barafunda de coisas e pessoas em que podias ver tudo, desde a rosa de Esmirna até a arruda do teu quintal, desde o magnífico leito de Cleópatra até o recanto da praia em que o mendigo tirita o seu sono. Cruzavam-se nele pensamentos de vária casta e feição. Não havia ali a atmosfera somente da água e do beija-flor; havia também a da lesma e do sapo. Retira, pois, a expressão, alma sensível, castiga os nervos, limpa os óculos, — que isso às vezes é dos óculos, — e acabemos de uma vez com esta flor da moita." Capítulo XXXV - O caminho de Damasco Brás resolveu deixar a Tijuca, imediatamente, por dois motivos: a piedade, pois Eugênia o desarmava com sua candura, e o medo de vir a amá-la e desposá-la. "Uma mulher coxa!" Eugênia descobriu logo a razão da partida. Ao despedir-se, apertou a mão de Brás com simplicidade e disse: "— Faz bem em fugir ao ridículo de casar comigo. " Retirou-se, engolindo as lágrimas. Brás alcançou-a e jurou que tinha obrigações, por isso partia; afirmou querer-lhe muito e perguntou se ela acreditava. Serena, Eugênia respondeu: "— Não, e digo-lhe que faz bem." Capítulo XXXVI - A propósito de botas


De volta à casa paterna, Brás foi recebido com alegria pelo pai, que não o esperava; não respondeu, porém, às perguntas que o pai lhe fazia: correu a tirar as botas, que estavam apertadas. Já aliviado, refletiu que botas apertadas são uma das maiores felicidades da terra, porque, ao provocarem dor, provocam o imenso prazer de as descalçar. "Enquanto essa ideia me trabalhava no famoso trapézio, lançava eu os olhos para a Tijuca, e via a aleijadinha perder-se no horizonte do pretérito, e sentia que o meu coração não tardaria também a descalçar as suas botas. " Daí a poucos dias livrou-se do incômodo que lhe despertava a lembrança de Eugênia; concluiu, então, que a vida é um fenômeno engenhoso; inventou os calos porque eles aperfeiçoam a felicidade terrestre; toda a sabedoria humana não vale um par de botas curtas. "Tu, minha Eugênia, é que não as descalçaste nunca; foste aí pela estrada da vida, manquejando da perna e do amor, triste como os enterros pobres, solitária, calada, laboriosa, até que vieste também para esta outra margem... O que eu não sei è se a tua existência era muito necessária ao século. Quem sabe? Talvez um comparsa de menos fizesse patear a tragédia humana. " Capítulo XXXVII - Enfim! Brás Cubas vai conhecer a noiva, Virgília, filha do Conselheiro Dutra; antes de saírem Brás perguntara ao pai se havia algum arranjo prévio de casamento. O pai negou, dizendo que acreditava que o filho, uma vez casado, mais depressa seria deputado, e passou a elogiar a moça, uma jóia, uma flor, uma estrela, uma coisa rara. Ao ser apresentado a Virgília, Brás pôde constatar que os elogios do pai não eram exagerados; no fim de um mês estavam íntimos. Capítulo XXXVIII - A quarta edição Brás Cubas jantaria na casa da noiva, mas antes queria dar umas voltas, enquanto a sege o esperava. Na rua do Ouvidor, ao consultar o relógio, caiu-lhe o vidro. Entrou na primeira loja, pequena, escura e empoeirada. Atrás do balcão, estava uma mulher; via-se que fora bonita, mas achava-se precocemente envelhecida, trazia o rosto devastado pela varíola e o cabelo estava ruço e cheio de poeira; no dedo, brilhava um diamante. Era Marcela que, ao reconhecer Brás, ensaiou esconder-se ou fugir, mas permaneceu e sorriu. Depois, falou de sua vida, das lágrimas que chorara com a partida de Brás, da doença. Vendera quase todos os bens, tinha agora aquela loja de ourivesaria, que lhe havia deixado um dos amantes. Quis que Brás lhe falasse também de sua vida, e perguntou se já havia casado. Brás alegou ter que ir à outra loja comprar o vidro do relógio. Marcela, porém, chamou um moleque e o incumbiu da compra. Nesse tempo, comentou que gostaria de ter de novo a proteção dos conhecidos do passado; prometeu a Brás que, quando ele casasse, vender-lhe-ia jóias a bons preços. Brás suspeitou que Marcela não tivera nenhum problema financeiro, ainda dispunha de bom dinheiro, e mantinha a loja pela paixão do lucro, "que era o verme roedor daquela existência". Foi, aliás, o que depois confirmaram a Brás. Capítulo XXXIX - O vizinho Enquanto aguardavam o retorno do moleque, entrou na loja um vizinho que trazia uma menina de quatro anos pela mão. Ergueu-a nos braços, dizendo que pedisse a benção à Dona Marcela. Contou, em seguida, que a filha tinha paixão por Marcela: na véspera quisera oferecer as orações não a Nossa Senhora, mas a Santa Marcela. Quando pai e filha saíram, Marcela disse a Brás que era um relojoeiro da vizinhança, gente boa. Brás pode perceber nesse momento um tom de alegria na voz de Marcela e uma onda de felicidade em seu rosto. Capítulo XL - Na sege


O moleque voltou com o vidro do relógio. Brás prometeu a Marcela que voltaria e partiu, com o coração batendo, mas era "uma espécie de dobre de finados". O dia amanhecera bom, mas aquela volta do passado o aborrecera. Meteu-se na sege e ordenou ao boleeiro que corresse. Remoía consternado aquele encontro; parecia-lhe que a sege não andava e repreendeu o boleeiro, que, espantado, informou já estarem parados à porta do Conselheiro Dutra. Capítulo XLI - A alucinação Brás encontrou Virgília ansiosa e de mau humor; reclamou que o esperava mais cedo. Brás desculpou-se, alegando que um amigo o retivera. De repente, calou-se: via o belo rosto de Virgília desfigurado pela varíola e fez um gesto de repulsa, Virgília afastou-se. Brás viu-lhe o rosto de novo fresco e belo, a pele fina e branca. Brás continuou a falar, mas Virgília, amuada, ouvia-o calada e não o olhava. Tinha as sobrancelhas contraídas e Brás pode notar que ela sofria. Capítulo XLII - Que escapou a Aristóteles Os dois encontros levaram Brás a uma reflexão, segundo ele, metafísica: dá-se movimento a uma bola que, rolando, encontra outra bola, fazendo-a também rolar. A primeira bola seria Marcela, a segunda Brás Cubas e a terceira Virgília, que não tinha nada com Marcela; os extremos sociais se tocam e se estabelece a "solidariedade do aborrecimento humano.” Capítulo XLIII - Marquesa, porque eu serei marquês Frustram-se os projetos de Brás Cubas com o aparecimento de Lobo Neves, que lhe tomou Virgília e a candidatura, embora não tivesse nenhuma qualidade superior; mas o Conselheiro Dutra explicou a Brás que a candidatura de Lobo Neves era apoiada por pessoas muito influentes. Um dia, Virgília perguntou a Lobo Neves quando ele seria ministro. Lobo Neves disse-lhe que, por sua vontade, seria imediatamente, mas demoraria um ano. Perguntou-lhe, então, se a faria baronesa. Lobo Neves prometeu fazê-la marquesa, pois seria marquês. Comparando a águia (Lobo Neves) com o pavão (Brás Cubas), Virgília escolheu a águia, restando ao pavão o espanto, o despeito e, talvez, cinco beijos. Capítulo XLIV- Um Cubas! O pai de Brás não pôde conformar-se com o desabar de seus sonhos. Não admitia um Cubas preterido e morreu quatro meses depois amargurado, triste, abatido pelo desencanto. Capítulo XLV – Notas Apesar de ter tomado muitas notas sobre os procedimentos do velório e do enterro para redigir um capítulo, Brás Cubas informa que não vai escrevê-lo, pois seria vulgar e triste. Capítulo XLVI - A herança Oito dias após a morte do pai, Brás Cubas discute com a irmã Sabina e o cunhado Cotrim o espólio do pai. Além da disputa pela posse das casas, disputaram os escravos, a sege, o boleeiro... Cotrim, que havia reclamado a posse de Prudêncio, indignou-se ao saber que o sogro o libertara havia dois anos. Chegou-se à prataria, que era valiosa e antiga, do tempo de D. José I, presenteada ao bisavô Luís Cubas pelo Conde da Cunha. Cotrim dela fazia questão por ser desejo de Sabina, mas Brás resolveu não ceder. Sabina acusou-o de querer-lhe a roupa do corpo. Agastado, Brás propôs dividirem a prataria; Sabina recusou e ofereceu de volta Paulo e um outro escravo para ter toda a prataria para si. Cotrim opôs-se, afirmando que não fazia esmolas. Durante o jantar estavam todos tristes. A sobremesa apareceu o tio cônego que, ouvindo a discussão, observou que o irmão deixara um pão bem grande para ser repartido. Cotrim atalhou:


"— Creio, creio. A questão, porém, não é de pão, é de manteiga. Pão seco é que eu não engulo. Conseguiram fazer a partilha, mas estavam brigados. " Capítulo XLVII - O recluso Brás Cubas foi-se deixando viver, meio recluso, entre a ambição e o desânimo. Escrevia sobre política e fazia literatura, alcançando certa reputação como polemista e poeta. Às vezes, lembrava-se de Lobo Neves, já deputado, e de Virgília, futura marquesa; perguntava-se, então, se não seria melhor deputado e melhor marquês. Afinal — dizia-se olhando para o próprio nariz — valia muito mais, era muito mais que ele... Capítulo XLVIII - Um primo de Virgília Luís Dutra, primo de Virgília, estava no Rio de Janeiro, vindo de São Paulo. Era poeta, suas composições agradavam, mas tinha necessidade de que as pessoas confirmassem a aprovação. Acanhado, não perguntava sobre seus versos a ninguém, aguardava e ouvia com alegria palavras de apreço, que o estimulavam. Brás Cubas sabia que as composições de Luís Dutra valiam mais que as suas e, quando o moço o procurava com alguma produção nova, esperando de Brás um comentário, desviava o assunto, falando de tudo, menos de literatura. Brás confessa que sua intenção era fazer Luís Dutra duvidar de si mesmo, desanimá-lo, eliminá-lo, sempre olhando a ponta de seu próprio nariz. Capítulo XLIX- A ponta do nariz A essa altura de suas memórias, Brás dirige-se ao leitor, perguntando-lhe se alguma vez meditou no destino do nariz e declara, em seguida, ter encontrado "a única, verdadeira e definitiva explicação" ao olhar o costume do faquir. O faquir, segundo Cubas, fica longas horas olhando a ponta do nariz; perde, então, o sentimento das coisas eternas, e vê a luz celeste. Brás declara que "essa sublimação do ser pela ponta do nariz é o fenômeno mais excelso do espírito". Acrescenta que tal contemplação tem, como efeito, a subordinação do universo a um nariz somente e constitui o equilíbrio das sociedades. "A conclusão, portanto, é que há duas forças capitais: o amor, que multiplica a espécie, e o nariz, que a subordina ao indivíduo. Procriação, equilíbrio." Capítulo L- Virgília casada Foi Luís Dutra quem deu a Brás a informação de que Virgília casara-se com Lobo Neves. No dia seguinte ao da notícia, Brás a viu: estava magnífica, uma mulher esplêndida; apenas cumprimentaram-se. Viu-a oito dias depois, num baile, e trocaram algumas palavras. Noutro baile, um mês depois, dançou uma valsa com ela; ao ter junto ao seu aquele corpo, Brás teve a sensação de que fora roubado. Três semanas depois Lobo Neves o convidava para uma reunião íntima. Ao recebê-lo, Virgília intimou-o a valsar com ela. Dançou não uma, mas duas vezes. Brás afirma ter certeza de que a valsa foi a perdição deles.

Capítulo LI - É minha! Ao chegar a casa, Brás exultava: "É minha!" De repente, viu no chão uma moeda de ouro e recolheu-a; "É minha!" No dia seguinte teve escrúpulos; reconheceu que não podia ficar com a moeda e decidiu devolvê-la ao dono. Escreveu, então, ao chefe de polícia pedindo-lhe que recorresse a todos os meios para que a moeda, que enviava junto com a carta, chegasse ao verdadeiro dono. Desde a véspera Brás trazia a consciência pesada por causa da valsa e esse ato devolveu-lhe uma certa paz de espírito. "Assim eu, Brás Cubas, descobri uma lei sublime, a lei da equivalência das janelas, e estabeleci que o modo de compensar uma janela fechada é abrir outra, afim de que a moral possa arejar continuamente a consciência. "


Capítulo Lll - O embrulho misterioso Uns dias depois, na praia, Brás achou um embrulho muito bem feito e, curioso, deu-lhe um pontapé, mas o embrulho não se desfez. Salvo algumas crianças, a praia estava deserta; Brás resolveu apanhar o embrulho e levá-lo. Em casa, enquanto o abria, imaginou que o embrulho pudesse conter lenços velhos ou goiabas podres, mas lá estavam, arrumadinhos, cinco contos de réis. Tornou a fazer o embrulho perguntando-se se alguém poderia tê-lo visto na praia. À noite, na casa de Lobo Neves, encontrou o chefe de polícia, que contou aos presentes o episódio da devolução da moeda de ouro, e Brás percebeu que Virgília aprovava feliz seu procedimento. Durante a semana, Brás procurou não pensar nos cinco contos, mantidos quietinhos na gaveta. Depois, começou a achar que o achado fora um "lance da Providência", pois ninguém perdia cinco mil réis tão tolamente, numa praia. Três semanas depois, já se tendo convencido de que não praticara nenhum crime ou desonra, disse consigo que, mais tarde, empregaria o dinheiro numa boa ação; foi, no mesmo dia, depositá-lo no Banco do Brasil. No banco, foi muito cumprimentado por pessoas às quais chegara a notícia da devolução da solitária moeda de ouro; Brás observou que não era caso de tanta celebração e as pessoas admiraram sua grande modéstia. Capítulo LIII - .................. O amor entre Brás Cubas e Virgília brotara impetuosamente e crescia vigorosamente. Certa noite, beijaram-se; beijo breve e ardente, "prólogo de uma vida de delícias, de terrores, de remorsos, de prazeres..." Capítulo LIV - A pêndula À noite, depois do beijo, Brás não conseguiu dormir. Ficou a contar as horas, acompanhando o bater da pêndula. Tecia deliciosas fantasias; seu pensamento voou em direção à casa de Virgília, onde encontrou o pensamento dela no peitoril de uma janela. "Nós a rolarmos na cama, talvez com frio, necessitados de repouso, e os dois vadios ali postos, a repetirem o velho diálogo de Adão e Eva. " Capítulo LV – O velho diálogo Adão e Eva "Brás Cubas ...........? Virgília ............. Brás Cubas................................................. ................ Virgília........................! Brás Cubas................ Virgília................................................................................ ......................................?........................................ ................................................................................ Brás Cubas................................... Virgília................ Brás Cubas..................................................................... .................................................................... ..............................................................!...... .........!........................................................... ....................................................................! Virgília.................................................? Brás Cubas.............! Virgília.............!”


Capítulo LVI - O momento oportuno Brás Cubas perguntava-se a razão daquela mudança. No passado haviam-se prometido casamento e, em seguida, haviam se separado sem dor nem mágoa, porque não havia paixão a uni-los; como agora amavam-se com delírio? Dois anos depois do primeiro beijo, Brás achou uma explicação: o passado não fora o momento oportuno para o amor deles. Brás, então, ponderou que passara por grandiosa evolução de importuno a oportuno. Capítulo LVII – Destino Virgília confessou a Brás Cubas que às vezes sentia alguns remorsos, mas amá-lo era vontade do céu. Brás tinha certeza, então, de que Virgília falava a verdade, pois era um pouco religiosa, embora recriminasse a beatice. Durante algum tempo Brás achou que Virgília tinha certa vergonha de sua fé e a mantinha por ser confortável. Capítulo LVIII – Confidência Brás frequentava a casa de Lobo Neves e Virgília e, a princípio, sobressaltava-se, pois sabia o quanto Lobo Neves adorava a mulher. Um dia Lobo Neves abriu-se em confidencias e confessou a Brás Cubas sua decepção com a vida pública. Buscara-a por gosto, ambição e vaidade, mas não alcançara a glória e a fama. Brás Cubas tentou confortá-lo, inutilmente. Lobo Neves calara-se, em profundo abatimento; nisso chegaram dois deputados e um chefe político da paróquia. Lobo Neves recebeu-os com uma alegria que parecia falsa, mas depois de meia hora ninguém duvidaria de que não fosse o mais feliz dos homens. Capítulo LIX - Um encontro Ao sair da casa de Lobo Neves, ocorreu a Brás que poderia ser ministro e gostou tanto da ideia que se sentou num banco do Passeio Público, a remoê-la com deliciosa sensação. Alguns minutos depois, viu que se encaminhava em sua direção uma pessoa que lhe pareceu conhecida. ''Imaginem um homem de trinta e oito a quarenta anos, alto, magro e pálido. As roupas, salvo o feitio, pareciam ter escapado ao cativeiro de Babilônia; o chapéu era contemporâneo do de Gessler. Imaginem agora uma sobrecasaca, mais larga do que pediam as carnes, — ou, literalmente, os ossos da pessoa; a cor preta ia cedendo o passo a um amarelo sem brilho; o pelo desaparecia aos poucos; dos oito primitivos botões restavam três. As calças, de brim pardo, tinham duas fortes joelheiras, enquanto as bainhas eram roídas pelo tacão de um botim sem misericórdia nem graxa. Ao pescoço flutuavam as pontas de uma gravata de duas cores, ambas desmaiadas, apertando um colarinho de oito dias. Creio que trazia também colete, um colete de seda escura, roto a espaços, e desabotoado. — Aposto que me não conhece, Senhor Doutor Cubas? disse ele. — Não me lembra... — Sou o Borba, o Quincas Borba. Recuei espantado... Quem me dera agora o verbo solene de um Bossuet ou de Vieira, para contar tamanha desolação! Era o Quincas Borba, o gracioso menino de outro tempo, o meu companheiro de colégio, tão inteligente e abastado. Quincas Borba! Não; impossível; não pode ser. Não podia acabar de crer que essa figura esquálida, essa barba pintada de branco, esse maltrapilho avelhentado, que toda essa ruína fosse o Quincas Borba. Mas era. Os olhos tinham um resto da expressão de outro tempo, e o sorriso não perdera certo ar escarninho, que lhe era peculiar. Entretanto, ele suportava com firmeza o meu espanto. No fim de algum tempo arredei os olhos; afigura-se repelia, a comparação acabrunhava. — Não é preciso contar-lhe nada, disse ele enfim; o senhor adivinha tudo. Uma vida de misérias, de atribulações e de lutas. Lembra-se das nossas festas, em que eu figurava de rei? Que trambolhão! Acabo mendigo... E alçando a mão direita e os ombros, com um ar de indiferença, parecia resignado aos golpes da fortuna, e não sei até se contente. Talvez contente. Com certeza, impassível. Não havia nele a resignação cristã, nem a conformidade filosófica. Parece que a miséria lhe calejara a alma, a ponto de lhe tirar a sensação de lama. Arrastava os andrajos, como outrora a púrpura: com certa graça indolente. — Procure-me, disse eu, poderei arranjar-lhe alguma coisa.


Um sorriso magnífico lhe abriu os lábios. —Não é o primeiro que me promete alguma coisa, replicou, e não sei se será o último que não me fará nada. E para quê? Eu nada peço, a não ser dinheiro; dinheiro sim, porque é necessário comer, e as casas de pasto não fiam. Nem as quitandeiras. Uma coisa de nada, uns dois vinténs de angu, nem isso fiam as malditas quitandeiras... Um inferno, meu... ia dizer meu amigo... Um inferno! o diabo! todos os diabos! Olhe, ainda hoje não almocei. — Não? —Não; saí muito cedo de casa. Sabe onde moro? No terceiro degrau das escadas de São Francisco, à esquerda de quem sobe; não precisa bater na porta. Casa fresca, extremamente fresca. Pois saí cedo, e ainda não comi... Tirei a carteira, escolhi uma nota de cinco mil-réis, — a menos limpa, — e dei-lha. Ele recebeu-ma com os olhos cintilantes de cobiça. Levantou a nota ao ar, e agitou-a entusiasmado. — In hoc signo vinces! bradou. E depois a beijou, com muitos ademanes de ternura, e tão ruidosa expansão, que me produziu um sentimento misto de nojo e lástima. Ele, que era arguto, entendeu-me; ficou sério, grotescamente sério, e pediu-me desculpa da alegria, dizendo que era alegria de pobre que não via, desde muitos anos, uma nota de cinco mil-réis. — Pois está em suas mãos ver outras muitas, disse eu. — Sim? acudiu ele, dando um bote para mim. Trabalhando, concluí eu. Fez um gesto de desdém; calou-se alguns instantes; depois me disse positivamente que não queria trabalhar. Eu estava enjoado dessa abjeção tão cômica e tão triste, e preparei-me para sair. — Não vá sem eu lhe ensinar a minha filosofia da miséria, disse ele, escarranchando-se diante de mim." Capítulo IX - O abraço Brás Cubas queria afastar-se mas Quincas Borba pegou-lhe o pulso e admirou-lhe o brilhante que trazia no dedo. Em seguida, examinou as elegantes roupas, os sapatos e quis saber se Brás havia casado. Brás tentou dar seu endereço, mas Quincas Borba interrompeu-o; se se vissem novamente, aceitaria outra nota de cinco mil réis, mas, por orgulho, não a buscaria na casa do amigo. Quando Brás se despediu, Quincas quis agradecê-lo com um abraço. Brás afastou-se, triste: "queria ver-lhe a miséria digna"; ia consultar as horas, mas não achou o relógio: Quincas Borba o furtara no abraço. Capítulo LXI - Um projeto Brás jantou, ainda triste; resolveu ir à casa de Virgília; antes, teve a idéia de passar pelo Passeio Público para ver se achava Quincas Borba, pois considerara a necessidade de regenerá-lo. Não o achou e foi ter com Virgília. Capítulo LXII - O travesseiro Foi ter com Virgília, na certeza de que cinco minutos em sua companhia o fariam esquecer Quincas Borba, pois a amante "era o travesseiro do meu espírito, um travesseiro mole, tépido, aromático, enfronhado em cambraia e bruxelas", onde Brás descansava das sensações más, aborrecidas ou dolorosas... “não era outra a razão da existência de Virgília”. Capítulo LXIII - Fujamos! Três semanas depois, achou Virgília abatida: ela achava que o marido desconfiava de alguma coisa; o medo a fazia dormir mal, naquela noite sonhara que Damião ia matá-la. Enquanto tentava tranquilizá-la, Brás pôs-se a imaginar estar longe com Virgília, onde não houvesse marido, nem casamento, nem moral; uma casa só deles. Animado com essa idéia, Brás propôs que fugissem, pois Lobo Neves poderia vir a descobrir o adultério e, de qualquer forma, Virgília estaria perdida, pois ele o mataria. Virgília empalideceu, depois disse que talvez não adiantasse: o marido a procuraria e, encontrando-a, matava-a. Brás procurava convencê-la, dizendo que o mundo era muito vasto, quando Lobo Neves chegou. Depois de brincar com o filho, Lobo Neves informou ter reservado um camarote para ouvir a Candiani, cantora lírica italiana, Virgília alvoroçou-se: bateu palmas e mostrou-se preocupada com a toalete que vestiria.


Durante o jantar, Brás nem olhou para Virgília, tão encolerizado estava. Capítulo LXIV - A transação A atitude de Virgília fez Brás Cubas suspeitar que ela não o amasse mais. No dia seguinte, não pôde conter-se: foi à casa de Virgília, que o recebeu com olhos vermelhos de choro e acusou-o de não mais amá-la, de tratá-la mal. Brás Cubas tranquilizou-a, jurou-lhe afeição e, confessando ciúmes de Lobo Neves, voltou a propor a necessidade de uma casinha só deles. Virgília concordou, observando que, para isso, nem precisariam fugir. Capítulo LXV - Olheiros e escutas Foram interrompidos por um escravo que anunciava a visita da baronesa X. Brás Cubas despediu-se mas, logo depois, arrependeu-se de ter saído, pois a baronesa era uma das pessoas que mais desconfiavam deles. Ocorreu-lhe que outras pessoas também desconfiavam: o Viegas, parente de Virgília, velho, doente e avaro; e, ainda, o primo Luís Dutra, mas esse Cubas controlava elogiando-lhe os versos... Capítulo LXVI -As pernas Enquanto Brás refletia, suas pernas o levaram a jantar no hotel Pharoux, e agradece-lhes: "E cumpristes à risca vosso propósito, amáveis pernas, o que me obriga a imortalizar-vos nesta página."

Capítulo LXVII - A casinha Ao voltar do jantar, encontrou uma caixa de charutos que lhe mandara Lobo Neves; dentro, havia um bilhete de Virgília, em que lhe dizia que tudo estava perdido, não se veriam mais. Apesar do golpe, Brás foi à casa da amante; a baronesa a advertira que já se falava muito sobre os dois. Brás insistiu em que fugissem; Virgília não concordava: "Vi que era impossível separar duas coisas que no espírito dela estavam inteiramente ligadas: o nosso amor e a consideração pública. Virgília era capaz de iguais e grandes sacrifícios para conservar ambas as vantagens, e a fuga só lhe deixava uma." Optaram pela casinha. Brás achou-a alguns dias depois, na Gamboa; nela moraria uma senhora, que fora costureira e agregada na casa de Virgília. Brás estava contente; cansado de conviver com as coisas do "outro", a casinha lhe dava a aparência de posse exclusiva, o que lhe permitia "adormecer a consciência e resguardar o decoro”. Capítulo LXVIII- O vergalho Brás caminhava pelo Valongo quando viu um ajuntamento; era um preto que chicoteava outro, que gemia e implorava perdão. Indiferente às súplicas, o preto continuava a surra. Brás reconheceu-o: era Prudêncio. Brás pediu-lhe que parasse com a surra e Prudêncio obedeceu-lhe. "Nhonhô manda, não pede". "Era um modo que o Prudêncio tinha de se desfazer das pancadas recebidas, — transmitindo-as a outro. Eu, em criança, montava-o, punha-lhe um freio na boca, e desancava-o sem compaixão; ele gemia e sofria. Agora, porém, que era livre, dispunha de si mesmo, dos braços, das pernas, podia trabalhar, folgar, dormir, desaguilhoado da antiga condição, agora é


que ele se desbancava: comprou um escravo, e ia-lhe pagando, com alto juro, as quantias que de mim recebera. Vejam as sutilezas do maroto!" Capítulo LXIX - Um grão de sandice O episódio de Prudêncio fez Brás Cubas lembrar-se de um louco que conhecera, que se dizia Tamerlão. "— Eu sou o ilustre Tamerlão, dizia ele. Outrora fui Romualdo, mas adoeci, e tomei tanto tártaro, tanto tártaro, tanto tártaro, que fiquei Tártaro, e até rei dos Tártaros. O tártaro tem a virtude de fazer Tártaros. " Capítulo LXX - Dona Plácida Virgília decorara a casinha com muito gosto. Custou muito à sua antiga agregada, Dona Plácida, aceitar a casa, pois suspeitava a que serviria. O oficio de alcoviteira doía-lhe, chegara a chorar, mas cedeu, apesar do nojo de si mesma. Mal olhava para Brás, embora a tratasse com carinho. Quando Brás fez-lhe um pecúlio de cinco contos de réis — os que achara na praia—Dona Plácida agradeceu com lágrimas nos olhos. Assim se acabou o nojo de Dona Plácida, que agora rezava por Brás todas as noites. Capítulo LXXI - O senão do livro Brás confessa começar a arrepender-se de escrever suas memórias, ao reconhecer que o maior defeito do livro... "(...) és tu leitor. Tu tens pressa de envelhecer, e o livro anda devagar; tu amas a narração direita e nutrida, o estilo regular efluente, e este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem..." Capítulo LXXII - O bibliômano Brás divaga sobre a possibilidade de o seu livro cair, setenta anos depois, nas mãos de um bibliômano, que o teria achado num alfarrábio. Apesar do valor ínfimo que teria pago por ele, ao sabê-lo único, sentir-se-ia um bem-aventurado, e rejeitaria quaisquer outros louvores. Capítulo LXXIII - O luncheon Brás Cubas, que já comparara seu estilo ao andar dos ébrios, agora o compara ao lanche que, às vezes, fazia com Virgília. Entre vinhos, frutas e compotas, trocavam palavrinhas ternas, criancices... Às vezes convidavam Dona Plácida, que sempre recusava, o que levou Virgília a dizer-lhe, um dia, que Dona Plácida não gostava mais dela. Dona Plácida reagiu, afirmando, entre lágrimas, que Virgília era a pessoa de quem mais gostava no mundo. Virgília acariciou-a e Brás deu-lhe uma pratinha. Capítulo LXXIV - A história de Dona Plácida Alguns dias depois, Dona Plácida contou sua história a Brás Cubas. Era filha natural de um sacristão e de uma doceira. Quando tinha dez anos, morreu-lhe o pai; nessa época já ajudava a mãe a fazer doces. Casara-se com um alfaiate e tivera uma filha, mas enviuvara cedo. Fazendo doces e alguma costura, sustentara a mãe, a filha e a si. Desejara casar-se de novo, mas não tivera pretendentes; apesar dos conselhos da mãe, não aceitara amantes de ocasião. A mãe morrera e a filha fugira com um sujeito; já quase velha e doente, ficara como agregada na casa de Virgília até o casamento dela. Depois, vivera ao deus-dará, temendo acabar na rua, pedindo esmola... Capítulo LXXV – Comigo


Quando Dona Plácida se retirou, Brás Cubas ponderou que o nascimento dela devera-se à "conjunção de luxúrias vadias" e que, se ela pudesse falar ao nascer, teria perguntado aos pais por que a haviam chamado; eles, então, responderiam naturalmente: "— Chamamos-te para queimar os dedos nos tachos, os olhos na costura, comer mal, ou não comer, andar de um lado para outro, na faina, adoecendo e sarando com o fim de tornar a adoecer e sarar outra vez, triste agora, logo desesperada, amanhã resignada, mas sempre com as mãos no tacho e os olhos na costura, até acabar um dia na lama ou no hospital; foi para isso que te chamamos, num momento de simpatia." Capítulo LXXVI - O estrume Brás Cubas experimentou uma crise de consciência: ofendera a dignidade de Dona Plácida, obrigando-a ao torpe papel de alcoviteira. Consolou-se, pensando que havia uma compensação: Dona Plácida não precisaria recorrer à mendicância e deduziu que "o vício é muitas vezes o estrume da virtude". Capítulo LXXVII – Entrevista As reflexões de Brás Cubas foram interrompidas pela chegada de Virgília. Embora ainda se amassem, arrefecera a paixão tresloucada dos primeiros tempos e os encontros "entravam no período cronométrico". Virgília disse estar aborrecida, pois Brás não havia ido à sua casa, na véspera, como prometera. Brás acabou confessando que não fora à sua casa por culpa dela: na antevéspera, na casa da baronesa, Virgília valsara duas vezes com o mesmo cavalheiro e aceitara, alegre, sem galanteios, o que despertara o ciúme do amante. Virgília ouviu pasmada, como se não acreditasse; depois riu jovialmente e Brás não teve outro remédio se não rir também. Capítulo LXXVIII - A presidência Certo dia, Lobo Neves anunciou que ocuparia uma presidência de província. Ao ver que Virgília empalidecera, e confessar que não a agradava, o marido afirmou que era necessidade política; lembrou-lhe que, se queria ser marquesa, não devia tolher sua ambição. No dia seguinte, ao encontrar-se com Brás, Virgília estava triste e insistiu em que o amante devia acompanhar a ela e ao marido. Brás Cubas reagiu, afirmando que seria uma insensatez. Achou que devia fazê-la reconhecer a importância da relação deles e resolveu deixá-la só. Ao retirar-se, tomou-lhe as mãos e disse: "— Repito, a minha felicidade está nas tuas mãos." Capítulo LXXIX – Compromisso Brás Cubas padeceu nas primeiras horas. Vacilava entre a piedade e o egoísmo: desejava vê-la e, ao mesmo tempo, queria forçá-la a decidir-se por ele. Às vezes sentia certo remorso, quando reconhecia que abusava da fraqueza de Virgília, Decidiu que a veria em sua própria casa, pois na presença do marido não poderia falar-lhe nada e então saberia se sua intimidação surtira algum efeito. “

Agora, que isto escrevo, quer-me parecer que o compromisso era uma burla, que essa piedade era ainda uma forma de egoísmo, e que a resolução de ir consolar Virgilia não passava de uma sugestão de meu próprio padecimento." Capítulo LXXX - De secretário Na noite seguinte foi à casa de Virgilia. Encontrou-a triste, mas Lobo Neves estava alegre, fazendo planos para o exercício da presidência. De repente, convidou Brás para acompanhá-lo como secretário. Brás sobressaltou-se, acreditando que Lobo Neves descobrira o adultério, mas Brás Cubas viu-lhe o olhar direto, o rosto sereno e sentiu alívio. Sentia que Virgilia lhe pedia que aceitasse, e disse que iria.


"Na verdade, um presidente, uma presidenta, um secretário, era resolver as coisas de um modo administrativo." Capítulo LXXXI -A reconciliação No dia seguinte Brás recebeu a visita de sua irmã Sabina, que propunha a reconciliação. Viera com o marido, Cotrim, e queria apresentar-lhe a filha, Sara, então com cinco anos. Brás ficou sinceramente emocionado. Quando Brás falou da viagem ao norte, a irmã e o cunhado ponderaram que nem a política a justificava, pois era na corte que Brás devia continuar brilhando. Ao sair, Sabina disse a Brás que ele precisava casar-se. Capítulo LXXXII - Questão de botânica Despediram-se com palavras afetuosas; Brás estava feliz: era amado, tinha a confiança do marido da amante e reconciliarase com a irmã. Comentando com conhecidos que iria ao norte como secretário de província, Brás teve a revelação de que seus amores com Virgilia eram já de domínio público, pois muitos sorriam maliciosamente. Brás sentia, nessas ocasiões, uma sensação suave e lisonjeira. A princípio, ficava carrancudo; agora sorria também. “

Não sei se há aí alguém que explique o fenômeno. Eu explico-o assim: a princípio, o contentamento, sendo interior, era por assim dizer o mesmo sorriso, mas abotoado; andando o tempo, desabotoou-se em flor, e apareceu aos olhos do próximo. Simples questão de botânica." Capítulo LXXXIII- 13 Cotrim tentou fazer com que Brás desistisse da viagem; julgava-a insensata e perigosa. Observou que, na corte, seu caso com Virgilia podia perder-se na multidão, mas na província seria escândalo maior. Os conselhos de Cotrim deixaram Brás aflito. Quando encontrou Virgilia, disse-lhe que não sabia se devia acompanhá-los. Virgilia riu e informou que o marido não aceitara a nomeação, pois o decreto saíra no dia 13 e Lobo Neves, supersticioso, achava-o um número fatídico. Capítulo LXXXIV - O conflito Brás reconheceu que o "número fatídico" foi sua salvação. Ao encontrar-se com Lobo Neves, notou-lhe o abatimento: sufocara a ambição pela superstição e ainda temia expor-se ao ridículo. Além disso, Lobo Neves teve outro dissabor: o ministro não acreditou tratar-se de motivos pessoais para a recusa e tratou-o mal, acusando-o de envolver-se em outros arranjos políticos; com o tempo, Lobo Neves foi para a oposição. Capítulo LXXXV - O cimo da montanha "Quem escapa a um perigo ama a vida com outra intensidade ". Brás e Virgília passaram a amar-se mais ardorosamente, pois imaginavam o que teriam sofrido, caso se tivessem separado. "Esse foi, cuido eu, o ponto máximo do nosso amor, o cimo da montanha, donde por algum tempo divisamos os vales de leste e de oeste, e por cima de nós o céu tranqüilo e azul Repousado esse tempo, começamos a descer a encosta, com as mãos presas ou soltas, mas a descer, a descer... " Capítulo LXXXVI - O mistério Um dia Brás Cubas viu Virgília diferente e perguntou-lhe o que tinha. A mulher calou-se e fez um gesto de enfado. Como Brás insistisse, Virgília contou-lhe. Nesse momento, Brás sentiu uma sensação forte, singular e beijou-a na testa com delicadeza. Virgília fitou-lhe os olhos e afagou-o com um gesto maternal. "Eis aí um mistério, deixemos ao leitor o tempo de decifrar este mistério."


Capítulo LXXXVII – Geologia Viegas, o tio avarento de Virgília, morrera. Virgília sempre tivera esperanças que deixasse algum pecúlio para seu filho. Lobo Neves nunca confessara ter as mesmas expectativas. Brás Cubas reconhecia que havia nele uma dignidade fundamental, "uma camada de rocha, que resistia ao comércio dos homens ". "As outras, as camadas de cima, terra solta e areia, levou-lhas a vida, que é um enxurro perpétuo. Se o leitor ainda se lembra do capítulo XXIII, observará que é agora a segunda vez que eu comparo a vida a um enxurro; mas também há de reparar que desta vez acrescento-lhe um adjetivo —perpétuo. E Deus sabe a força de um adjetivo, principalmente em países novos e cálidos. O que é novo neste livro é a geologia moral do Lobo Neves, e provavelmente a do cavalheiro, que me está lendo. Sim, essas camadas de caráter, que a vida altera, conserva ou dissolve, conforme a resistência delas, essas camadas mereceriam um capítulo, que eu não escrevo, por não alongar a narração." Brás lembra, apenas, que o homem mais probo que conhecera, numa ocasião mentira quatro vezes em apenas duas horas. Quando Brás lhe observou esse fato, o homem, que se chamava Jacó, desculpara-se dizendo: "A veracidade absoluta era incompatível com um estado social adiantado e que a paz das cidades só se podia obter à custa de embaçadelas recíprocas... " Capítulo LXXXVIII - O enfermo Como Virgília não ocultava as esperanças no pecúlio, sempre cumulara o tio de afeições; cobria-o de mimos, adulava-o. Havia em sua casa uma "cadeira do Viegas", diante da qual, numa banqueta, Virgília sentava-se e, com as mãos nos joelhos do velho, ouvia-o entre acessos de tosse, falar da casa que haveria de construir. Quando nhonhô vinha à sala, discreto e sério, Viegas, que gostava do menino, dava-lhe pastilhas antiasmáticas. O pequeno dizia que eram boas. Capítulo LXXXIX - In extremis Quando Viegas caiu de cama, Virgília ia vê-lo constantemente. Um dia Brás foi fazer-lhe companhia. Ao chegar, encontrou Viegas a discutir com um homem o preço de uma casa. O homem oferecia trinta contos e Viegas exigia quarenta. Durante a discussão Viegas tinha acessos de tosse que lhe tiravam o fôlego, mas não cedia. Exibiu um maço de papéis: eram as contas das despesas com a construção da casa e as explicava com mãos trêmulas; insistia nos quarenta contos, lembrava os juros. "Vinham tossidas essas palavras, às golfadas, às sílabas, como se fossem migalhas de um pulmão desfeito. Nas órbitas fundas rolavam os olhos lampejantes, que me faziam lembrar a lamparina da madrugada. " O homem concordou em trinta e oito contos. Mas o doente, arfando muito: "—Não... não... quar... quaren... quar... quar... Teve um forte acesso de tosse e expirou." Capítulo XC - O velho colóquio de Adão e Caim Viegas não deixara nada ao filho de Virgília, nem uma pastilha. Virgília aceitou com raiva essa derrota, Brás sugeriu que esquecesse e pensasse em coisas alegres, no filho deles, por exemplo. Esse era o mistério a que Brás aludira no capítulo LXXXVI. Virgília esperava um filho de Brás Cubas e ele estava radiante. "O melhor é que conversávamos os dois, o embrião e eu, falávamos de coisas presentes e futuras. O maroto amava-me, era um pelintra gracioso, dava-me pancadinhas na cara com as mãozinhas gordas, ou então traçava a beca de bacharel, porque ele havia de ser bacharel e fazia um discurso na câmara dos deputados. E o pai a ouvi-lo de uma tribuna, com os olhos rasos de lágrimas. De bacharel passava outra vez, à escola, pequenino, lousa e livros debaixo do braço, ou então caía no berço


para tornar a erguer-se homem. Em vão buscava fixar no espírito uma idade, uma atitude: esse embrião tinha a meus olhos todos os tamanhos e gestos: ele mamava, ele escrevia, ele valsava, ele era o interminável nos limites de um quarto de hora, — baby e deputado, colegial e pintalegrete. As vezes, ao pé de Virgília, esquecia-me dela e de tudo; Virgília sacudia-me, reprochava-me o silêncio; dizia que eu já lhe não queria nada. A verdade é que estava em diálogo com o embrião; era o velho colóquio de Adão e Caim, uma conversa sem palavras entre a vida e a vida, o mistério e o mistério." Capítulo XCI -Uma carta extraordinária Por esse tempo, Brás recebera uma carta de Quincas Borba, na qual dizia que estava então em boa situação e pedia licença para expor-lhe um novo sistema de filosofia: "É singularmente espantoso este meu sistema; retifica o espírito humano, suprime a dor, assegura a felicidade, e enche de imensa glória o nosso país. Chamo-lhe Humanitismo, de Humanitas, princípio das coisas." Junto com a carta, vinha um relógio. Capítulo XCII - Um homem extraordinário Brás Cubas acabava de guardar a carta e o relógio, quando o procurou um homem que trazia um bilhete do Cotrim, convidando Brás a jantar. Esse homem era Damasceno, cunhado do Cotrim, e viera havia pouco do norte. Em cinco minutos, revelou que fizera a revolução de 1831, saíra do Rio de Janeiro por desacordo com o Regente, expôs sua preferência por um governo moderadamente despótico, opinou sobre o tráfico de escravos, falou de seu gosto pelo teatro e pela ópera, afirmou-se patriota e despediu-se alegando ter de levar a resposta do convite ao Cotrim. Capítulo XCIII- O jantar Brás achou o jantar um suplício, Sabina fizera-o sentar ao lado de Eulália, filha do Damasceno, de apelido Nhã-Loló. Não era elegante, mas tinha belos olhos. Apesar de acanhada, não tirara os olhos de Brás durante o jantar. Depois, cantou, com voz "muito mimosa", como dissera o pai. Quando Brás se retirava, Sabina quis saber o que Brás achara da moça. Brás respondeu: "— Assim, assim." Sabina, afirmando que Nhã-Loló era uma pérola, disse que, querendo ou não, Brás haveria de casar-se com ela. Capítulo XCIV - A causa secreta Brás foi ter com Virgília. Cumprimentou-a perguntando como estava "minha querida mamãe". Virgília aborreceu-se. Sempre se aborrecia quando Brás aludia ao filho que esperavam. Brás chegou a supor que o filho trazia à Virgília a consciência do pecado ou que Virgília concebera para prender Brás a ela e agora se arrependia, o que não seria absurdo, pois "a minha doce Virgília mentia às vezes, com tanta graça!" Brás descobriu depois que o aborrecimento devia-se ao medo do parto, pois sofrerá ao ter o primeiro filho, e à privação da vida elegante. Capítulo XCV - Flores de antanho "Onde estão elas, as flores de antanho? Uma tarde, após algumas semanas de gestação, esboroou-se todo o edifício das minhas quimeras paternais. Foi-se o embrião, naquele ponto em que se não distingue Laplace de uma tartaruga. Tive a notícia por boca do Lobo Neves, que me deixou na sala, e acompanhou o médico à alcova da frustrada mãe. Eu encostei-me à janela, a olhar para a chácara, onde verdejavam as laranjeiras sem flores. Onde iam elas, as flores de antanho? " Capítulo XCVI - A carta anônima Um dia, estando Brás a consolar Lobo Neves, chegou uma carta. Depois de lê-la, Lobo Neves empalideceu e dobrou-a com mãos trêmulas. Nos dias seguintes passou a receber Brás Cubas de modo frio e taciturno.


Dias depois Virgília contou a Brás que a carta, anônima, denunciava-os. O marido quisera saber a verdade e Virgília jurara ser uma infâmia. Lobo Neves se fragilizara. "Talvez a imaginação lhe mostrou, ao longe, o famoso olho da opinião, a fitá-lo sarcasticamente, com um ar de pulha; talvez uma boca invisível lhe repetiu ao ouvido as chufas que ele escutara ou dissera outrora". Brás Cubas ouviu Virgília perturbado, não tanto por reconhecer que era necessário maior dissimulação, mas pela tranquilidade de Virgília, que não revelava nenhuma emoção, nenhum susto, nenhum remorso. Notando-o preocupado, a amante disse: "— Você não merece os sacrifícios que lhe faço." Brás aproximou-se e beijou-a na testa. "Virgília recuou, como se fosse o beijo de um defunto." Capítulo XCVII - Entre a boca e a testa "Sinto que o leitor estremeceu, — ou devia estremecer. Naturalmente a última palavra sugeriu-lhe três ou quatro reflexões. Veja bem o quadro; numa casinha da Gamboa, duas pessoas que se amam há muito tempo, uma inclinada para a outra, a dar-lhe um beijo na testa, e a outra recuar, como se sentisse o contato de uma boca de cadáver. Há aí, no breve intervalo, entre a boca e a testa, antes do beijo e depois do beijo, há aí largo espaço para muita coisa, — a contração de um ressentimento, — a ruga da desconfiança, — enfim o nariz pálido e sonolento da saciedade... " Capítulo XCVIII – Suprimido Brás e Virgília acabaram despedindo-se alegremente. À noite, Brás foi ao teatro; num dos camarotes estava Damasceno com a família. Durante o intervalo, Brás foi visitá-los. Nhá-Loló estava vestida com elegância e o moço suspeitou que o pai contraíra dívidas para trajá-la com aquele apuro. A moça não tirava os olhos dele e Brás sentiu-se bem; observando que o fino tecido cobria-lhe castamente os joelhos, Brás deu-se conta que "a natureza previu a vestidura humana, condição necessária ao desenvolvimento da nossa espécie". "A nudez habitual, dada a multiplicação das obras e dos cuidados do indivíduo, tenderia a embotar os sentidos e a retardar os sexos, ao passo que o vestuário, negaceando a natureza, aguça e atrai as vontades, ativa-as, reprodu-las, e conseguintemente faz andar a civilização. Abençoado uso que nos deu Otelo e os paquetes transatlânticos." Capítulo XCIX - Na plateia Na plateia, Brás encontrou-se com Lobo Neves; falaram-se fria e constrangidamente. No intervalo seguinte, porém, Lobo Neves, tranquilo, tratou-o com afabilidade e riso. Brás ousou perguntar-lhe pela mulher. Durante o ato seguinte, Brás ficou distraído, lembrando a conversa com Lobo Neves. Convenceu-se que só encontraria Virgília na casinha da Gamboa, não iria mais à casa dela. Além disso, já estava com quarenta anos e devia dedicar-se a alguma coisa, para alcançar brilho e projeção, de que Virgília se orgulharia. Capítulo C - O caso provável "Segundo parece, e não é improvável, existe entre os fatos da vida pública e os da vida particular uma certa ação recíproca, regular, e talvez periódica, — ou, para usar de uma imagem, há alguma coisa semelhante às marés da praia do Flamengo e de outras igualmente marulhosas. Com efeito, quando a onda investe a praia, alaga-a muitos palmos adentro; mas esta mesma água torna ao mar, com variável força, e vai engrossar a onda que há de vir, e que terá de tornar como a primeira. Esta é a imagem; vejamos a aplicação." De fato, Lobo Neves recusara a nomeação para presidente de província porque o decreto fora assinado num dia 13, o que o levara à oposição; alguns meses depois, um ato político permitiu-lhe reconciliar-se com o ministério. Capítulo Cl - A revolução dálmata


Brás soube da nova oportunidade de Lobo Neves por Virgília. Ao fim do relato, Brás observou que ela, então, seria baronesa. Virgília fez um gesto de indiferença, mas Brás sabia que ela "amava cordialmente a nobreza. Certa vez o conde B.V., da legação..." da legação da Dalmácia, suponhamos, — namorara Virgília durante três meses. Fidalgo verdadeiro, transtornara a cabeça de Virgília, mas uma revolução na Dalmácia o havia feito perder a embaixada. Apesar de saber que tal revolução fora sangrenta, dolorosa, Brás a abençoara, pois lhe havia tirado "uma pedrinha do sapato". Capítulo ClI - De repouso Simultaneamente à lembrança do episódio do conde, vem à lembrança de Brás outro episódio, do qual confessa ter vergonha, que prefere contar depois. Capítulo CIII - A distração Um dia Brás, por distração, chegou uma hora mais tarde ao encontro que deveria ter com Virgília. Ao chegar, a amante já havia ido embora. Dona Plácida repreendeu-o, afirmando que Virgília chorara muito. Três dias depois, no encontro seguinte, Virgília admirou-se quando Brás desculpou-se pelas lágrimas que ela teria derramado. Apesar das desculpas, Virgília não perdoou ao amante; ameaçou com a separação e começou a elogiar o marido. Brás, enquanto isso, olhava para o chão, onde uma mosca arrastava uma formiga que lhe mordia o pé. Virgília enfureceu-se porque Brás permanecia calado; ameaçou retirar-se, mas Brás a reteve e passou a dizer-lhe palavras carinhosas. Nisso, caiu um brinco de Virgília; quando Brás foi apanhá-lo, viu que a mosca trepara nele, levando ainda a formiga ao pé. Brás pôs na palma da mão "aquele casal de mortificados", e pediu a Virgília um grampo para separar os dois insetos, mas a mosca voou antes. "Pobre mosca! pobre formiga! E Deus viu que isto era bom como se diz na Escritura. " Capítulo CIV- Era ele! Às três horas, Virgília dispunha-se a ir embora quando Dona Plácida informou que chegava Lobo Neves. Virgília fez-se pálida e Brás dispôs-se a esperar o marido dela. Virgília, porém, empurrou-o para o quarto. Olhando pelo buraco da fechadura, Brás viu que Virgília atirou-se ao marido. Lobo Neves estava "pálido, frio, quieto, sem explosão, sem arrebatamento" e olhava atentamente em volta da sala. Virgília explicou que lá estava pois vira Dona Plácida à janela e resolvera visitar a velha senhora. Dona Plácida confirmou, dizendo que aquele "anjinho" nunca se esquecera dela. O casal despediu-se, Virgília convidando Dona Plácida a aparecer. Capítulo CV - Equivalência das janelas Dona Plácida desabou sobre uma cadeira. Saindo do quarto, Brás Cubas quis sair para "arrancar Virgília ao marido". A velha senhora o deteve. "Tempo houve em que cheguei a supor que não dissera aquilo senão para que ela me detivesse; mas a simples reflexão basta para mostrar que, depois dos dez minutos da alcova, o gesto mais genuíno e cordial não podia ser senão esse. E isto por aquela famosa lei da equivalência das janelas, que eu tive a satisfação de descobrir e formular, no capitulo LI. Era preciso arejar a consciência. A alcova foi uma janela fechada; eu abri outra com o gesto de sair, e respirei." Capítulo CVI - Jogo perigoso Sentado, Brás refletia se não teria sido melhor Virgília permanecer no quarto e ele na sala, mas concluiu que teria sido pior. Imaginou o que poderia estar acontecendo na casa da amante. Dona Plácida ofereceu-se para ir à casa de Lobo Neves. Brás deixou-se ficar; reconheceu que participava de um jogo perigoso; começou a pensar em casamento: um amor casto, pois estava cansado de aventuras. Viu-se casado com uma mulher adorável, junto a um bebê, todos vivendo numa chácara sombria e verde, contemplando uma nesga do céu extremamente azul.


Capítulo CVII- Bilhete Brás recebeu um bilhete em que Virgília informava que o marido nada fizera, mas suspeitava de algo; não a tratara mal nem bem. Recomendava cautela, muita cautela. Capítulo CVIII - Que não se entende Brás afirma que deveria analisar o bilhete, mas não o fará. Confessa que o leu várias vezes, mas não experimentou comoção. "Nem então, nem ainda agora cheguei à discernir o que experimentei. Era medo, e não era medo; era dó e não era dó; era vaidade e não era vaidade; enfim, era amor sem amor, isto é, sem delírio; e tudo isso dava uma combinação assaz complexa e vaga, uma coisa que não podereis entender, como eu não entendi Suponhamos que não disse nada." Capítulo CIX - O filósofo Nesse dia, Brás Cubas recebeu a visita de Quincas Borba. Ao saber que Brás almoçara frugalmente, convidou-o a praticar o Humanitismo, sua filosofia, que "acomodava-se facilmente com os prazeres da vida", pois o ascetismo "era a expressão acabada da tolice humana". Quincas Borba estava todo mudado; recebera uma herança de um tio de Barbacena, e agora vestia-se com esmero, calçava botas de verniz e trazia ao peito um botão de ouro. Quincas Borba queria expor a Brás a sua filosofia do Humanitismo, mas Brás pediu-lhe que o fizesse noutra ocasião, pois seu espírito era "uma espécie de peteca", pelos acontecimentos que recentemente vivera. "Cuido que não nasci para situações complexas. Esse puxar e empuxar as coisas opostas, desequilibrava-me; tinha vontade de embrulhar o Quincas Borba, o Lobo Neves e o bilhete de Virgília na mesma filosofia, e mandá-los de presente a Aristóteles." Capítulo CX – 31 Uma semana depois, Lobo Neves foi nomeado presidente de província. Brás tinha esperanças de que o decreto viesse de novo com data de 13, mas a data fora 31, "e esta simples transposição de algarismos eliminou deles a substância diabólica. Que profundas que são as molas da vida!" Capítulo CXI - O muro Poucos dias antes da partida do casal, Brás achou, na casa de Dona Plácida, um bilhete de Virgília, em que ela dizia esperálo à noite, na chácara, e terminava informando que "o muro é baixo do lado do beco". Brás achou o bilhete audacioso e ridículo, ao imaginar-se pulando o muro. Ao pedir a Dona Plácida que fosse dar a Virgília o recado de que iria, a mulher observou que aquele bilhete era antigo, encontrara-o numa gaveta. Brás lembrou-se de que realmente tratava-se de um velho bilhete, do começo dos amores deles, quando, chamado por Virgília, saltara, sim, o muro. "Guardei o papel e... Tive uma sensação esquisita." Capítulo CXII - A opinião Horas depois, Brás encontrou Lobo Neves na rua do Ouvidor; falaram da presidência e da política. Brás notou que Lobo Neves tentava dissimular certo retraimento e pareceu-lhe que tinha medo da opinião. Pensou que Lobo Neves talvez nem mais amasse a mulher e tivesse pensado já em separação, mas o medo da opinião o teria impedido, pois estaria divulgando o adultério; assim, tinha de simular a mesma ignorância de outrora e os mesmos sentimentos. Capítulo CXIII- A solda "A conclusão, se há alguma no capítulo anterior, é que a opinião é uma boa solda das instituições domésticas. "


Capítulo CXIV - Fim de um diálogo Virgília partiria com o marido, e perguntou a Brás se iria a bordo despedir-se. Brás perguntou-lhe se estava louca, e disse ser impossível. Capítulo CXV - O almoço Brás não viu Virgília partir. Experimentou alguma coisa que "não era dor nem prazer, uma coisa mista, alívio e saudade, tudo misturado, em doses iguais". Brás afirma saber que o leitor esperaria que confessasse um grande sofrimento, deixasse até de comer; prefere, porém, a verdade: foi almoçar regiamente, deliciando-se com os acepipes de M. Proudhon, cozinheiro do hotel Pharoux. "Ai dor! era-me preciso enterrar magnificamente os meus amores. Eles lá iam, mar em fora, no espaço e no tempo, e eu ficava-me ali numa ponta de mesa, com os meus quarenta e tantos anos, tão vadios e tão vazios; ficava-me para os não ver nunca mais, porque ela poderia tornar e tornou, mas o eflúvio da manhã quem é que o pediu ao crepúsculo da tarde?" Capítulo CXV! - Filosofia das folhas velhas Com a partida de Virgília, Brás Cubas sentiu-se viúvo; meteu-se em casa, "a fisgar moscas". Sentia saudades, ambições, um pouco de tédio. Nesse tempo, morreu-lhe o tio cônego e dois primos; "levei-os ao cemitério como quem leva dinheiro a um banco. Que digo? como quem leva cartas ao correio: selei as cartas, meti-as na caixinha, e deixei ao carteiro o cuidado de as entregar em mão própria". Nasceu-lhe a sobrinha, Venância. Brás continuava às moscas. Às vezes, agitado, dedicava-se à leitura de cartas antigas, de parentes, amigos, namoradas, buscando, assim, recompor o passado. Capítulo CXVII - O Humanitismo Duas forças, além de uma terceira, impeliram Brás Cubas a voltar à vida agitada: a irmã Sabina insistia no casamento com Nhã-Loló e Quincas Borba expôs-lhe, enfim, o Humanitismo: “— Humanitas, dizia ele, o princípio das coisas, não é outro senão o mesmo homem repartido por todos os homens”. Conta três fases Humanitas: a estática, anterior a toda a criação; a expansiva, começo das coisas; a dispersiva, aparecimento do homem; e contará mais uma, a contrativa, absorção do homem e das coisas. A expansão, iniciando o universo, sugeriu a Humanitas o desejo de o gozar, e daí a dispersão, que não é mais do que a multiplicação personificada da substância original. Como me não aparecesse assaz clara esta exposição, Quincas Borba desenvolveu-a de um modo profundo, fazendo notar as grandes linhas do sistema. Explicou-me que, por um lado, o Humanitismo ligava-se ao Bramanismo, a saber, na distribuição dos homens pelas diferentes partes do corpo de Humanitas; mas aquilo que na religião indiana tinha apenas uma estreita significação teológica e política, era no Humanitismo a grande lei do valor pessoal. Assim, descender do peito ou dos rins de Humanitas, isto é, ser um forte, não era o mesmo que descender dos cabelos ou da ponta do nariz. Daí a necessidade de cultivar e temperar o músculo." Acrescentou Quincas Borba que a vida era o maior benefício do universo, e a única desgraça era não nascer: "— Imagina, por exemplo, que eu não tinha nascido, continuou o Quincas Borba; é positivo que não teria agora o prazer de conversar contigo, comer esta batata, ir ao teatro, e para tudo dizer numa só palavra: viver. Nota que eu não faço do homem um simples veículo de Humanitas; não, ele é ao mesmo tempo veículo, cocheiro e passageiro; ele é o próprio Humanitas reduzido; daí a necessidade de adorar-se a si próprio. Queres uma prova da superioridade do meu sistema? Contempla a inveja. Não há moralista grego ou turco, cristão ou muçulmano, que não troveje contra o sentimento da inveja. O acordo é universal, desde os campos da Iduméia até o alto da Tijuca. Ora bem; abre mão dos velhos preconceitos, esquece as retóricas rafadas, e estuda a inveja, esse sentimento tão sutil e tão nobre. Sendo cada homem uma redução de Humanitas, é claro que nenhum homem é fundamentalmente oposto a outro homem, quaisquer que sejam as aparências


contrárias. Assim, por exemplo, o algoz que executa o condenado pode excitar o vão clamor dos poetas; mas substancialmente é Humanitas que corrige em Humanitas uma infração da lei de Humanitas. O mesmo direi do indivíduo que estripa a outro; é uma manifestação da força de Humanitas. Nada obsta (e há exemplos) que ele seja igualmente estripado. Se entendeste bem, facilmente compreenderás que a inveja não é senão uma admiração que luta, e sendo a luta a grande função do gênero humano, todos os sentimentos belicosos são os mais adequados à sua felicidade. Daí vem que a inveja é uma virtude. " Diante da estupefação de Brás Cubas, Quincas Borba, trincando uma asa de frango, continuou: "— Para entender bem o meu sistema, concluiu ele, importa não esquecer nunca o princípio universal, repartido e resumido em cada homem. Olha: a guerra, que parece uma calamidade, é uma operação conveniente, como se disséssemos o estalar dos dedos de Humanitas; a fome (e ele chupava filosoficamente a asa do frango), a fome é uma prova a que Humanitas submete apropria víscera. Mas eu não quero outro documento da sublimidade do meu sistema, senão este mesmo frango. Nutriu-se de milho, que foi plantado por um africano, suponhamos, importado de Angola. Nasceu esse africano, cresceu, foi vendido; um navio o trouxe, um navio construído de madeira cortada no mato por dez ou doze homens, levado por velas, que oito ou dez homens teceram, sem contar a cordoalha e outras partes do aparelho náutico. Assim, este frango, que eu almocei agora mesmo, é o resultado de uma multidão de esforços e lutas, executados com o único fim de dar mate ao meu apetite." Quincas Borba, pouco antes do café, observou que seu sistema era a supressão da dor, desde que o homem se compenetrasse de que era o próprio Humanitas. Alguns dias depois, Quincas leu para Brás sua grande obra: quatro volumes manuscritos, de cem páginas cada um. O último era um tratado político fundamentado no Humanitismo: "Reorganizada a sociedade pelo método dele, nem por isso ficavam eliminadas a guerra, a insurreição, o simples murro, a facada anônima, a miséria, a fome, as doenças; mas sendo esses supostos flagelos verdadeiros equívocos do entendimento, porque não passariam de movimentos externos da substância interior, destinados a não influir sobre o homem, senão como simples quebra da monotonia universal, claro estava que a sua existência não impediria a felicidade humana. Mas ainda quando tais flagelos (o que era radicalmente falso) correspondessem no futuro à concepção acanhada de antigos tempos, nem por isso ficava destruído o sistema, e por dois motivos: 1o porque sendo Humanitas a substância criadora e absoluta, cada indivíduo deveria achar a maior delícia do mundo em sacrificar-se ao princípio de que descende; 2oporque, ainda assim, não diminuiria o poder espiritual do homem sobre a Terra, inventada unicamente para ser recreio dele, como as estrelas, as brisas, as tâmaras e o ruibarbo. Pangloss, dizia-me ele ao fechar o livro, não era tão tolo como o pintou Voltaire." Capítulo CXVIII - A terceira força A terceira força a tirar Brás Cubas da apatia foi o desejo de brilhar, de fazer qualquer coisa para atrair o aplauso da multidão. e Capítulo CXIX – Parênteses "Quero deixar aqui, entre parênteses, meia dúzia de máximas das muitas que escrevi por esse tempo. São bocejos de enfado; podem servir de epígrafe a discursos sem assunto: Suporta-se com paciência a eólica do próximo. _____________ Matamos o tempo; o tempo nos enterra. _____________ Um cocheiro filósofo costumava dizer que o gosto da carruagem seria diminuto, se todos andassem de carruagem. _____________


Crê em ti; mas nem sempre duvides dos outros. _____________ Não se compreende que um botocudo fure o beiço para enfeitá-lo com um pedaço de pau. Esta reflexão é de um joalheiro. _____________ Não te irrites se te pagarem mal um benefício: antes cair das nuvens, que de um terceiro andar. " Capítulo CXX - Compelle intrare Sabina insiste com Brás na necessidade de casar-se e ter filhos. Brás sobressaltou-se com a ideia de não ter filhos. Resolveu casar-se, ainda que isso significasse relacionar-se com Damasceno. Quincas Borba animou-o, afirmando que Humanitas se agitava no seio do amigo. Capítulo CXXI - Morro abaixo Depois de três meses, tudo ia bem com Nhã-Loló. Às vezes Brás lembrava-se de Virgília, mas logo a substituía pela lembrança da figura da noiva, "terna, luminosa, angélica". Num domingo, foi com Nhã-Loló e Damasceno à missa na capela do Livramento. Quando voltavam, no meio do morro um grupo de homens acompanhava uma briga de gaios. Damasceno deteve-se, fascinado; a briga de gaios era uma de suas paixões. Nhã-Loló, constrangida, sugeriu a Brás que fossem embora. Ao pé do morro, beijaram-se: "Humanitas osculou Humanitas". Nesse momento, Brás sentiu que desapareciam os anos que o separavam da moça. Ficaram à espera de Damasceno, que chegou no meio dos apostadores. Os gaios vinham feridos, ensangüentados, respirando a custo, mas os apostadores comentavam alegremente as façanhas dos combatentes. Brás afastou-se envergonhado; Nhã-Loló envergonhadíssima. Capítulo CXXII - Uma intenção mui fina Nhã-Loló tinha vergonha do pai, achando mesmo que Brás o consideraria um sogro indigno e esforçava-se para encobrir a inferioridade de sua família. Um dia, porém, os maus modos do pai entristeceram-na muito. Brás tentou diverti-la, mas em vão. Ela buscava aprimorar-se para alcançar a estatura social de Brás Cubas, daí seu profundo abatimento. "—Não há remédio, disse eu comigo, vou arrancar esta flor a este pântano." Capítulo CXXIII - O derradeiro Cotrim Brás achou que seria de bom tom falar ao Cotrim sobre seu desejo de casar-se com Nhã-Loló; o tio da moça, porém, afirmou que não aconselhava o casamento, embora se recusasse a expor as razões. "Talvez pareça excessivo o escrúpulo do Cotrim, a quem não souber que ele possuía um caráter ferozmente honrado. Eu mesmo fui injusto com ele durante os anos que se seguiram ao inventário de meu pai. Reconheço que era um modelo. Arguiam-no de avareza, e cuido que tinham razão; mas a avareza ê apenas a exageração de uma virtude, e as virtudes devem ser como os orçamentos: melhor é o saldo que o déficit. Como era muito seco de maneiras tinha inimigos, que chegavam a acusá-lo de bárbaro. O único fato alegado neste particular era o de mandar com frequência escravos ao calabouço, donde eles desciam a escorrer sangue; mas, além de que ele só mandava os perversos e os fujões, ocorre que, tendo longamente contrabandeado em escravos, habituara-se de certo modo ao trato um pouco mais duro que esse gênero de negócio requeria, e não se pode honestamente atribuir à índole original de um homem o que é puro efeito de relações sociais. Aprova de que o Cotrim tinha sentimentos pios encontrava-se no seu amor aos filhos, e na dor que padeceu quando lhe morreu Sara, dali a alguns meses; prova irrefutável, acho eu, e não única. Era tesoureiro de uma confraria, e irmão de várias irmandades, e até irmão remido de uma destas, o que não se coaduna muito com a reputação da avareza; verdade é que o beneficio não caíra no chão: a irmandade (de que ele fora juiz) mandara-lhe tirar o retrato a óleo. Não era perfeito,


decerto; tinha, por exemplo, o sestro de mandar para os jornais a notícia de um ou outro benefício que praticava, — sestro repreensível ou não louvável, concordo; mas ele desculpava-se dizendo que as boas ações eram contagiosas, quando públicas; razão a que se não pode negar algum peso. Creio mesmo (e nisto faço seu maior elogio) que ele não praticava, de quando em quando, esses benefícios senão com o fim de espertar a filantropia dos outros; e se tal era o intuito, força é confessar que a publicidade tornava-se uma condição sine qua non. Em suma, poderia dever algumas atenções, mas não devia um real a ninguém. " Capítulo CXXIV - Vá de intermédio "Que há entre a vida e a morte? Uma curta ponte. " Brás diz que escreve este capítulo porque o leitor ficaria abalado se, imediatamente após um retrato, apresentasse um epitáfio, pois sabe que o leitor "não se refugia no livro, senão para escapar à vida". Capítulo CXXV- Epitáfio

"AQUI JAZ DONA EULÁLIA DAMASCENO DE BRITO MORTA AOS DEZENOVE ANOS DE IDADE ORAI POR ELA!"

Capítulo CXXVI – Desconsolação Nhã-Loló morrera de febre amarela. Brás acompanhou o enterro triste, mas sem lágrimas e concluiu que talvez não a amasse de verdade. Não entendia, porém, a necessidade da epidemia, menos ainda a morte da moça. “

Quincas Borba, porém, explicou-me que epidemias eram úteis à espécie, embora desastrosas para uma certa porção de indivíduos; fez-me notar que, por mais horrendo que fosse o espetáculo, havia uma vantagem de muito peso: a sobrevivência do maior número. Chegou a perguntar-me se, no meio do luto geral, não sentia eu algum secreto encanto em ter escapado às garras da peste; mas esta pergunta era tão insensata, que ficou sem resposta." Damasceno ficara inconsolável com a morte da filha. Confessou que sua dor fora aumentada com a que os homens lhe haviam imposto: enviara oitenta convites para o enterro e somente apareceram doze pessoas. Cotrim tentou consolá-lo, dizendo que os que faltaram viriam por mera formalidade. Damasceno, porém, abanando a cabeça, suspirou: "— Mas viessem!" Capítulo CXXVII – Formalidade Dois anos depois, Brás lembrou-se das palavras de Damasceno quando olhou uma gravura que representava seis damas turcas, que traziam o rosto tapado por um véu finíssimo, que simulava descobrir somente os olhos, mas revelavam a cara inteira. Reconheceu, então, que o homem social tem uma "rígida e meiga companheira". "Amável Formalidade, tu és, sim, o bordão da vida, o bálsamo dos corações, a medianeira entre os homens, o vínculo da terra e do céu; tu enxugas as lágrimas de um pai, tu captas a indulgência de um Profeta. Se a dor adormece, e a consciência se acomoda, a quem, senão a ti, devem esse imenso benefício? A estima que passa de chapéu na cabeça não diz nada à alma; mas a indiferença que corteja deixa- lhe uma deleitosa impressão. A razão é que, ao contrário de uma velha fórmula absurda, não é a letra que mata; a letra dá vida; o espírito é que é objeto de controvérsia, de dúvida, de interpretação, e conseguintemente de luta e de morte. Vive tu, amável Formalidade, para sossego do Damasceno e glória de Muhammed."


Capítulo CXXVIII - Na câmara Brás vira a gravura na câmara dos deputados, enquanto ouvia o discurso de um deputado, seu colega: Lobo Neves. "A onda da vida trouxe-nos à mesma praia, como duas botelhas de náufrago, ele contendo o seu ressentimento, eu devendo conter o meu remorso." Brás confessa que, todavia, não continha nada: só a ambição de ser ministro. Capítulo CXXIX - Sem remorsos Brás reafirma que não tinha remorsos, só a grande vontade de ser ministro de Estado. Capítulo CXXX - Para intercalar no Capítulo CXXIX Brás Cubas tornara a ver Virgília num baile, em 1855. Não tinha ela o frescor da mocidade, mas uma beleza "outoniça", realçada por belo vestido azul. Haviam-se falado, mas sem aludir ao passado. Quando ela se retirou, Brás foi vê-la descer as escadas e murmurou: "—Magnífica! Convém intercalar este capítulo entre a primeira oração e a segunda do capítulo CXXIX. " Capítulo CXXXI - De uma calúnia Nesse momento, um conhecido pôs a mão no ombro de Brás Cubas e perguntou-lhe se tinha recordações do passado. Brás desvencilhou-se; refletiu, em seguida, que, em relação à aventura amorosa, as mulheres têm fama de indiscretas, mas os homens são mais, porque ao sentimento amoroso somam a vaidade, sentem-se "legitimamente" orgulhosos de vencer outro homem. Reconheceu que algumas mulheres cometiam indiscrição por ser desastradas, o que teria levado a rainha de Navarra a afirmar, metaforicamente: "Não há cachorrinho tão adestrado, que afim lhe não ouçamos o latir". Capítulo CXXXII - Que não é sério A Brás ocorreu que, quando uma pessoa vê outra irritada, costuma perguntar: "Gentes, quem matou seus cachorrinhos?", como se dissesse: "quem lhe levou os amores, as aventuras secretas?". "Mas este capítulo não é sério". Capítulo CXXXIII - O princípio de Helvetius Brás reconheceu que acabara revelando ao conhecido seus amores com Virgília. Entendendo-se superficialmente o princípio de Helvetius, deveria ter-se calado, mas reafirma o motivo da indiscrição masculina: antes do interesse de segurança, havia o interesse do desvanecimento. Conclui que o princípio de Helvetius era verdadeiro no seu caso; "— a diferença é que não era o interesse aparente, mas o recôndito". Capítulo CXXXIV - Cinquenta anos Nessa ocasião, Brás já tinha cinquenta anos. Vendo Virgília descer as escadas, deu-se conta que a melhor parte de sua vida descia pela escada abaixo. Voltou à sala, dançou e sentiu-se remoçar. "Mas, meia hora depois, quando me retirei do baile, às quatro da manhã, o que é que fui achar no fundo do carro? Os meus cinquenta anos. Lá estavam eles, os teimosos, não tolhidos de frio, nem reumáticos, — mas cochilando a sua fadiga, um pouco cobiçosos de cama e de repouso. Então, — e vejam até que ponto pode ir a imaginação de um homem, com sono, — então pareceu-me ouvir de um morcego encarapitado no tejadilho: Senhor Brás Cubas, a rejuvenescência estava na sala, nos cristais, nas luzes, nas sedas, — enfim, nos outros." Capítulo CXXXV – Oblivion


A idade fez com que Brás reconhecesse que os tempos mudam; é um turbilhão que leva tudo, sem exceção nem piedade. OBLIVION — o esquecimento — alcança a todos. "Espetáculo, cujo fim é divertir o planeta Saturno, que anda muito aborrecido". Capítulo CXXXVI – Inutilidade "Mas, ou muito me engano, ou acabo de escrever um capítulo inútil." Capítulo CXXXVII - A barretina Brás, no dia seguinte, confessou seu acabrunhamento a Quincas Borba. O filósofo animou-o, afirmando que cinquenta anos era a idade da ciência e do governo. Brás voltou estimulado ao projeto do ministério; até então, não interviera nos debates, "cortejava a pasta por meio de rapapés, chás, comissões e votos". Três dias depois, discursou sobre a necessidade de diminuir o tamanho da barretina da guarda nacional. Todos elogiaram o discurso quanto à forma, mas muitos o consideraram politicamente deplorável. Capítulo CXXXVIII - A um crítico Dirigindo-se a um eventual crítico, Brás explica a frase: "Já se vai sentindo que o meu estilo não é tão lesto como nos primeiros dias", que redigira em capítulo anterior. Observa que não está mais velho do que quando começara o livro, pois a morte não envelhece. "Quero dizer, sim, que em cada fase da narração da minha vida experimento a sensação correspondente."

CXXXIX - De como não fui ministro d´ estado .................................................................................................................................................. ............................................................................................................................................................... ............................................................................................................................................................... ............................................................................................................................................................... .............................................. Capítulo CXL - Que explica o anterior Além de não alcançar o ministério, Brás Cubas perde a cadeira da câmara dos deputados. Quincas Borba tentou tirá-lo do abatimento, afirmando que a ambição de Brás não era a verdadeira paixão pelo poder, mas um capricho. Quando quis explicar à luz do Humanitismo, Brás mandou-o ao diabo com sua filosofia. Era uma bela tarde de sol e céu azul. "De cada janela, — eram três —pendia uma gaiola com pássaros, que chilreavam as suas óperas rústicas. Tudo tinha a aparência de uma conspiração das coisas contra o homem: e, conquanto eu estivesse na minha sala, olhando para a minha chácara, sentado na minha cadeira, ouvindo os meus pássaros, ao pé dos meus livros, alumiado pelo meu sol, não chegava a curar-me das saudades daquela outra cadeira, que não era minha." Capítulo CXLI - Os cães Para distrair Brás Cubas, Quincas convidou-o a sair. Foram para os lados do Engenho Velho. Durante o passeio, o filósofo insistiu que era preciso lutar e sugeriu a Brás que criasse um jornal. "Vida sem luta é um mar morto no centro do organismo universal".


Daí a pouco, viram dois cães que lutavam furiosamente por um osso que nem tinha carne. Quincas deteve-se, olhando-os fascinado; queria que Brás contemplasse a beleza do espetáculo. "nem deixou de recordar que em algumas partes do globo o espetáculo é mais grandioso: as criaturas humanas é que disputam aos cães os ossos e outros manjares menos apetecíveis; luta que se complica muito, porque entra em ação a inteligência do homem, com todo o acúmulo de sagacidade que lhe deram os séculos, etc. " Capítulo CXLII - O pedido secreto Ao voltarem a casa, Brás recebeu uma carta. Era de Virgília, que lhe pedia conseguir internar, na Misericórdia, Dona Plácida, que estava muito mal. Brás não entendia, pois deixara para a velha os cinco contos encontrados na praia. Nesse momento, Quincas Borba observou que o filósofo Pascal fizera uma grande reflexão: o homem leva grande vantagem sobre o resto do universo porque sabe que morre. Acrescentou, em seguida, que sua reflexão era mais profunda: o homem sabe que tem fome; a morte limita o entendimento e a fome tem a vantagem de voltar, de prolongar o estado consciente.

Capítulo CXLIII - Não vou Durante o jantar, Brás sentia-se incomodado e aborrecido com o pedido de Virgília. Já dera os cinco contos a Dona Plácida e ela com certeza os havia dissipado em grandes festas. Imaginou que o Beco das Escadinhas, onde Virgília dissera que Dona Plácida podia ser encontrada, era algum recanto estreito e escuro da cidade. Resolveu não ir. Capítulo CXLIV- Utilidade relativa “Mas a noite, que é boa conselheira, ponderou que a cortesia mandava obedecer aos desejos da minha antiga dama”. -— Letras vencidas, urge pagá-las, disse eu ao levantar-me. Depois do almoço fui à casa de Dona Plácida; achei um molho de ossos, envolto em molambos, estendido sobre um catre velho e nauseabundo; dei-lhe algum dinheiro. No dia seguinte fi-la transportar para a Misericórdia, onde ela morreu uma semana depois. Minto: amanheceu morta; saiu da vida às escondidas, tal qual entrara. Outra vez perguntei, a mim mesmo, como no capítulo LXXV, se era para isto que o sacristão da Sé e a doceira trouxeram Dona Plácida à luz, num momento de simpatia específica. Mas adverti logo que, se não fosse Dona Plácida, talvez os meus amores com Virgília tivessem sido interrompidos, ou imediatamente quebrados, em plena efervescência; tal foi, portanto, a utilidade da vida de Dona Plácida. Utilidade relativa, convenho; mas que diacho há absoluto nesse mundo? " Capítulo CXLV - Simples repetição Quanto aos cinco contos, um mau-caráter fingira-se apaixonado por Dona Plácida e casara-se com ela; poucos meses depois, inventara um negócio e fugira com o dinheiro. "É o caso dos cães do Quincas Borba. Simples repetição de um capítulo". Capítulo CXLVI - O programa Brás Cubas decidiu fundar o jornal rapidamente. Redigiu um programa, que era uma aplicação política do Humanitismo; concluía afirmando que a nova doutrina derrubaria o ministério de então. Quincas Borba achou a conclusão mesquinha, mas Brás ponderou que "Humanitas queria substituir Humanitas para consolação de Humanitas". Capítulo CXLVI I - O desatino Brás Cubas divulgou, pela imprensa, a notícia de que publicaria um jornal oposicionista. No dia seguinte, o cunhado Cotrim foi procurá-lo para dissuadi-lo de fundar o jornal, alegando que seria um desatino indispor-se contra o ministério. À noite, no teatro, Sabina repetiu ao irmão os conselhos do marido. Como Brás não cedesse, deu-lhe as costas:


"— Pois siga o que lhe parecer, concluiu; nós cumprimos a nossa obrigação." Capítulo CXLVIII - O problema insolúvel Vinte e quatro horas depois da publicação do primeiro número do jornal, Cotrim publicou em outros uma declaração, na qual, dizia que, apesar de não militar em nenhum partido político, queria deixar bem claro que não tinha nenhuma influência sobre o jornal do cunhado, cujas idéias reprovava. Ainda acrescentava que o ministério "parecia-lhe destinado a promover a felicidade pública". Brás não conseguiu compreender a atitude de Cotrim; considerou-o, inclusive, um ingrato, pois, quando deputado, Brás intercedera para que Cotrim fizesse fornecimentos ao arsenal da marinha que lhe renderiam uns duzentos contos. Capítulo CXLIX - Teoria do benefício Quincas Borba censurou o amigo, quando Brás Cubas comentou a ingratidão do Cotrim, afirmando que o prazer do beneficiador é sempre maior que o do beneficiado; explicou que o beneficiado, ao ter satisfeita a sua privação, esquece o beneficio, mas o beneficiador retém na memória o benefício praticado, pois, além do sentimento da boa ação, fica com a convicção de sua superioridade sobre outra criatura. Capítulo CL- Rotação e translação Durou pouco o jornal de Brás Cubas; seis meses após a primeira publicação, "amanheceu morto". Quase ao mesmo tempo, Lobo Neves veio a falecer, "com o pé na escada ministerial". Quando soubera que Lobo Neves ia ser ministro, Brás Cubas sentira irritação e inveja; a notícia da morte, confessa, deu-lhe tranqüilidade, alívio, "e um ou dois minutos de prazer". Brás foi ao enterro e viu que Virgília chorava comovida e sinceramente a morte do marido. Capítulo CLI - Filosofia dos epitáfios Após o enterro, Brás retirou-se fingindo ler os epitáfios; gostava deles; "eles são, entre a gente civilizada, uma expressão daquele pio e secreto egoísmo que induz o homem a arrancar à morte um farrapo ao menos da sombra que passou. Daí vem, talvez, a tristeza inconsolável dos que sabem os seus mortos na vala comum; parece-lhes que a podridão anônima os alcança a eles mesmos". Capítulo CLII - A moeda de Vespasiano Ao sair do cemitério, Brás ainda se lembrava das lágrimas de Virgília, e isso lhe parecia um problema. "Virgília traíra o marido, com sinceridade, e agora chorava-o com sinceridade." Brás achava difícil essa combinação. Em casa, porém, reconheceu que era possível: "Meiga Natural! A taxa da dor é como a moeda de Vespasiano; não cheira à origem, e tanto se colhe do mal como do bem. A moral repreenderá, porventura, a minha cúmplice; é o que te não importa, implacável amiga, uma vez que lhe recebeste pontualmente as lágrimas. Meiga, três vezes meiga Natural" Capítulo CLIII - O alienista Uma noite, durante o sono, Brás Cubas sonhou que era nababo. Acordou com a idéia de ser nababo e confessou-a a Quincas Borba. Era brincadeira, mas o filósofo preocupou-se e, olhando-o com pena, disse a Brás Cubas que ele estava ficando louco. No dia seguinte, Quincas Borba mandou um alienista para examinar Brás Cubas; depois de confirmar-lhe a sanidade, segredou a Brás que, na verdade, quem enlouquecia era o filósofo. Diante do espanto de Brás Cubas, o alienista procurou suavizar a notícia: afirmou que "um grão de sandice, longe de fazer mal, dava certo pico à vida". Capítulo CLIV - Os navios do Pireu


CLVII - Fase brilhante Como Brás Cubas reagisse com horror a essa afirmação, o alienista lembrou-lhe o caso do maníaco de Atenas, um pobretão que acreditava que eram seus todos os navios que entravam no porto de Pireu, e acrescentou que há, em todos os homens, um maníaco de Atenas. Brás Cubas continuava espantado; o alienista pediu a Brás que observasse seu criado, que batia os tapetes, mantendo as janelas escancaradas e as cortinas afastadas, para que todos pudessem ver de fora a sala ricamente decorada, e observou: "Este seu criado tem a mania do ateniense: crê que os navios são dele; uma hora de ilusão que lhe dá a maior felicidade da Terra". Capítulo CLV - Reflexão cordial Brás refletiu que, estando certo o alienista, não devia lastimar Quincas Borba, devia cuidar dele. Capítulo CLVI - Orgulho da servilidade Quando Brás relatou a Quincas a observação do alienista em relação ao criado, o filósofo não concordou, afirmando que o sentimento do criado era um sentimento regido pelas leis do Humanitismo: o orgulho da servilidade; queria mostrar que não era criado de um "qualquer", e concluiu que "muitas vezes o homem, ainda a engraxar botas, é sublime".

Por esse tempo, Brás reconciliou-se com o Cotrim. Ficou contente, pois a solidão lhe pesava, e a vida era para ele a pior das fadigas, "que é a fadiga sem trabalho". Convidado a filiar-se a uma Ordem Terceira, Brás foi aconselhado por Quincas Borba a aceitar. Confessa que essa fase de caridade foi a melhor de sua vida: "Os quadros eram tristes; tinham a monotonia da desgraça, que é tão aborrecida como a do gozo, e talvez pior. Mas a alegria que se dá à alma dos doentes e dos pobres é recompensa de algum valor; e não me digam que é negativa, por só recebê-la o obsequiado. Não; eu a recebia de um modo reflexo, e ainda assim grande, tão grande que me dava excelente ideia de mim mesmo. " Capítulo CLVIII - Dois encontros Depois de três ou quatro anos, Brás Cubas cansou-se do ofício; fez um grande donativo e deixou-o. Não quer, porém, encerrar o capítulo sem contar que, no hospital da Ordem, viu Marcela morrer, feia, magra e decrépita. No mesmo dia, ao visitar um cortiço, para distribuir esmolas, vira Eugênia, "tão coxa como a deixara, e ainda mais triste". Ao ver Brás Cubas, Eugênia baixou os olhos por um instante, mas logo ergueu a cabeça e fitou-o com muita dignidade. "Compreendi que não receberia esmolas da minha algibeira, e estendi-lhe a mão, como faria à esposa de um capitalista." Capítulo CLIX - A semidemência Ao reconhecer-se velho, Brás Cubas sentiu que precisava de uma força; mas Quincas Borba estava em Minas Gerais. Alguns meses depois, quando o filósofo voltou, Brás Cubas constatou que vinha louco. Brás Cubas constatou que Quincas não só estava louco, como sabia que estava louco. Não sofria, porém; dizia que era uma prova de Humanitas, "que assim brincava consigo mesmo". Disse ter queimado o manuscrito e que ia recomeçá-lo. Pouco tempo depois, morreu na casa de Brás Cubas, "jurando e repetindo sempre que a dor era uma ilusão..." Capítulo CLX - Das negativas "Entre a morte do Quincas Borba e a minha, mediaram os sucessos narrados na primeira parte do livro. O principal deles foi a invenção do emplasto Brás Cubas, que morreu comigo, por causa da moléstia que apanhei. Divino emplasto, tu me darias


o primeiro lugar entre os homens, acima da ciência e da riqueza, porque eras a genuína e direta inspiração do céu. O acaso determinou o contrário; e aí vos ficais eternamente hipocondríacos. Este último capítulo é todo de negativas. Não alcancei a celebridade do emplasto, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto. Mais; não padeci a morte de Dona Plácida, nem a semidemência do Quincas Borba. Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente que saí quite com a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas. Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria.’

LEIA- MUITO BOM

Apesar de inaugurar em 1881 tanto a fase realista de Machado de Assis quanto o próprio Realismo, Memórias Póstumas de Brás Cubas é marcado pelo fantástico e absurdo, a começar pelo título (como memórias podem ser póstumas?) e pela dedicatória (“ao verme que primeiro roeu as carnes de meu cadáver”). Esses elementos, somados à óptica do narrador, um defunto autor, que analisa tudo de forma sarcástica e isenta, pois está no reino dos mortos, fazem o texto filiar-se a uma tradição literária do início da era cristã e que já havia alimentado outras obras, como o Auto da Barca do Inferno: a sátira menipeia.( A sátira menipeia é um gênero

em verso e prova, de caráter sério-cômico, criado pelo filósofo e satirista grego Menipo de Gádara.) A crítica, portanto, é a grande preocupação desse livro. No entanto, não é por causa dela, nem mesmo do aproveitamento da visão pessimista da existência, que a obra pode ser considerada como típica do Realismo. De fato, supera os limites dessa escola e torna-se universal. Os julgamentos feitos pelo morto vão-se tornar mais eficientes graças a outros ingredientes, como a quebra da linearidade narrativa garantida pela digressão, metalinguagem e intertextualidade. Além de contribuírem para a intemporalidade do texto – que pode ser resultado ou do ponto de vista da morte ou mesmo da análise psicológica, que impede um suceder cronológico –, garantem a intenção de impossibilitar o envolvimento do leitor com a narração, para que a visão da realidade seja a mais objetiva possível. A personagem principal dessas memórias sempre se mostrou de forma nada idealizada já a partir da infância, em que é apresentada como traquinas, mimada e vingativa. Suas estripulias fazem-na assemelhar-se a outra criança, o Leonardo de Memórias de um Sargento de Milícias. É interessante notar já nessa fase muitas temáticas ácidas do autor. A primeira manifesta-se por meio do moleque Prudêncio, escravo constantemente humilhado pelo menino Brás Cubas. Mais tarde, quando ganha a liberdade, ao invés de conseguir o pão com o suor de seu próprio rosto, compra um escravo e descarrega nele tudo o que havia recebido do sinhozinho. Essa atitude, aparentemente paradoxal, acaba exibindo um quadro cruel de nossa civilização, fortemente ajustada na exploração do homem pelo homem. Prudêncio, assim como Juliana, de O Primo Basílio, acaba legitimando um sistema injusto, pois, apesar de ter sido vítima dele, quando assume determinado poder, não luta por melhorá-lo, apenas repete e reforça os erros imperantes. Outro elemento cruel, ainda na mesma temática do absurdo, ocorre durante uma festa que o pai de Cubas oferece para celebrar a queda de Napoleão. Em um dado momento, o menino ouve a conversa de dois sujeitos sobre a negociação de escravos. Não parece fazer sentido como a mesma sociedade que se reunia para homenagear a restauração da liberdade, o mesmo grupo que se dizia adepto do Liberalismo, vivia escusamente da escravidão. Mais outro aspecto, comum em toda a obra, surge nessa comemoração. O pai do protagonista a dá inspirado aparentemente em ideais nobres. No entanto, o que ele quer é exibir-se diante da nata fluminense. Usando a mesma metáfora do narrador, embaixo de grandes bandeiras sobrevivem pequenas, muitas vezes até por mais tempo do que as outras. É o tema do espadim do menino Cubas: nem pensa em grandes ideais – quer é curtir seu brinquedo. Essa busca egoísta por brilho, escondida em atos nobres, é constante no romance. Ainda nesse mesmo episódio fica-se conhecendo Eusébia e o Dr. Vilaça, flagrados pelo vingativo menino em situação vexatória atrás de uma moita. Esse será um mote a ser retomado. Por enquanto, fica marcada na mente do leitor a peraltice que foi o escândalo da criança em gritar no meio de todos o que havia visto. O próximo passo da narrativa é a adolescência, quando o memorando conhece a cortesã Marcela. Cegado pela paixão libidinosa, quase dilapida a fortuna da família para saciar a sede dessa esperta espanhola. Mostra-se, mais uma vez, a temática da exploração. Brás tem um desempenho medíocre na universidade, pois está mais preocupado com a boemia do que com os estudos. Ainda assim, ironicamente consegue formar-se, o que lhe traz uma certa crise, pois é hora de tomar responsabilidade por sua vida. Talvez isso explique a delonga em voltar ao Brasil.


Volta à pátria, no entanto, por causa da proximidade da morte de sua mãe. É um capítulo tocante que servirá para uma reflexão capital. O memorando não entende como uma pessoa tão bondosa, que nunca desejou o mal de ninguém, foi morrer de uma doença tão cruel quanto o câncer. Estabelece-se a outra ponta da temática do absurdo: o lado existencial. Que lógica a vida tem? Derrubado, isola-se em Tijuca. Lá conhece Eugênia, chamada ironicamente pelo narrador de “flor da moita”, já que era filha do Dr. Vilaça com D. Eusébia. Há um leve enlace amoroso, que não se desenvolve, pois o protagonista não é forte o suficiente para romper três barreiras: ela é bastarda, pobre e coxa. Vê-se, de forma bem realista, que o amor tem limites. Vê-se, também, mais uma vez, certa perplexidade diante da inteligibilidade da existência: por que bonita, se coxa? Por que coxa, se bonita? Essa aventura amorosa é deixada de lado, pois o pai do personagem principal apresenta-lhe uma proposta interessante: Virgília. Casar-se com ela seria uma forma de garantir uma excelente carreira política, pois o pai da moça, o Conselheiro Dutra, possuía muita influência. Mais uma vez está em ação o desespero humano por brilho social. No entanto, não age. Deixa-se, assim como Leonardo e Macunaíma, levar passivamente. Resultado: perde sua noiva para Lobo Neves, muito mais ambicioso e ativo. Brás Cubas e Virgília tempos depois voltam a se encontrar. Apesar de ela já ser uma senhora casada, o triângulo amoroso estabelece-se. O narrador fica mais uma vez intrigado quanto às leis da vida: quando eram noivos, não havia amor; agora que está casada com outro é que surge esse sentimento. O adultério começa perigosamente a dar na vista. É por isso que os dois arranjam uma casinha para encontraremse sossegadamente. E para cuidar dela contratam D. Plácida, ex-agregada da família de Virgília. É mais um momento para Machado de Assis dedicar-se à análise da condição humana. D. Plácida, ao perceber que serviria de medianeira para os amantes, sofre uma crise de consciência. É por isso que não trata bem Cubas no início, o que dá a ele certo desconforto. No final, ela acaba adaptando-se à nova condição, mais ainda quando recebe uma gorda quantia, suficiente para lhe garantir uma velhice tranquila. Além disso, o protagonista apazigua sua própria consciência com uma cínica reflexão de que o vício é o estrume da flor-virtude. Ou seja, é um pecado grave utilizar-se da miséria da velha senhora. No entanto, foi assim que a tirou da mendicância. Combina-se, pois, toda uma rica temática ligada ao pessimismo e à exploração da miséria. No entanto, muito depois um homem vai-se tornar amante de D. Plácida e levará todo o seu dinheiro, fazendo-a morrer na pobreza. Então, para que ela viveu? Só para sofrer? Só para passar dificuldades? Só para servir? Mais reflexões que escapam à compreensão. Ainda assim, mesmo com a ajuda da pobre mulher, essa calmaria durou pouco. Lobo Neves está para ser indicado presidente de província, o que poderá separar os amantes. Virgília resolve a situação, convencendo seu marido a nomear Brás secretário. Mas tudo em Machado de Assis é dilemático. Ao mesmo tempo em que esse ato ajuda-os, atrapalha em igual monta. É o que percebemos com a visita de Sabina, irmã de Cubas. Os dois estavam brigados por causa da divisão da herança do finado pai. Agora o reatar é realizado graças à preocupação dela com o nome da família: o triângulo amoroso é comentário em toda a Corte; seria o cúmulo levar isso em frente com a ida à província. Para evitar essa vergonha, chega a arranjar casamento com Eulália, jovem vinda dos “novos-ricos”. Mais uma vez o matrimônio funcionando como escada social, pois seria uma forma da menina obter o que faltava aos seus – nobreza –, mesmo que graças a tal expediente. Complicações rondam não só a possível noiva. Parecem também cercar Lobo Neves. Há várias pistas na obra que nos fazem desconfiar de que ele sabe que está sendo traído. Mas, por que não toma atitude? A explicação revela um aspecto vil da personagem: agir seria acabar com sua carreira política. É o status atropelando a honra. A catástrofe moral não ocorreu. O candidato apresentou uma estranha alegação supersticiosa ligada ao 13 que o fez recusar a nomeação. Ao que parece, foi a melhor saída para a situação em que se encontrava a narrativa: se ele aceitasse, o adultério viraria desavergonhado; se recusasse Brás Cubas como secretário, levantaria incômodas suspeitas. Sem obstáculos, o relacionamento adulterino cai num marasmo que vem para arrefecer tudo. Tanto que Lobo Neves foi mais uma vez escolhido presidente de província (num decreto que sai no dia 31) e parte levando Virgília sem causar grandes fraturas – já estava tudo esgarçado. A partir daí acelera-se o fim das memórias. Brás Cubas embarca na política, mas demonstra um desempenho ridículo e vergonhoso. É também nessa época que reencontra Quincas Borba, colega de infância que fora rico, virara mendigo – chegou a roubar um relógio do protagonista – e que agora estava afortunado novamente, graças a uma herança de um tio de Barbacena. E vinha apaixonado por uma filosofia que havia inventado, destinada a derrubar todas as outras: Humanitismo. Na realidade, era nada menos do que uma paródia de Machado de Assis em cima das inúmeras teorias que surgiram no final do século XIX, principalmente o Positivismo, o Darwinismo e a sua idéia de seleção natural. Quincas, que havia escolhido seu amigo como discípulo, no final acaba enlouquecendo. Então Brás dedica-se a um projeto que se torna idéia fixa: a criação de um emplasto que eliminaria da humanidade todo sofrimento. Mais uma vez o tema do espadim, pois tal descoberta, aparentemente altruísta, nada mais era do que fruto de um


pensamento egoísta: o desejo de ter o seu nome impresso em todo vidrinho de remédio em cada casa da nossa civilização. Esse sonho torna-se tão obsessivo que o pesquisador chega a apanhar um resfriado e nem se preocupa em se cuidar. Complica-se numa pneumonia que o coloca às portas da morte. É nesse momento que Virgília, já senhora, vem reconciliar-se. É também o instante em que ele tem um delírio. É um capítulo importantíssimo para a obra. Nele, Brás Cubas viaja à origem dos séculos até encontrar a Natureza, com quem estabelece um diálogo em que são expressas claramente as idéias básicas do romance, como o vazio da existência humana, baseada na dor, miséria e sofrimento. É um discurso que faz lembrar Schopenhauer, filósofo que influenciou a literatura machadiana. No final, o personagem pede mais tempo de sobrevivência, no que é atendido. Fica a impressão de que a Natureza nos concede a vida como um grande escárnio do qual se deleita. O personagem agüenta mais alguns dias, o suficiente para conviver um pouco mais com Virgília. Logo depois, morre. Daí nasce o narrador. É importante lembrar neste ponto alguns conceitos básicos quanto à estrutura narrativa do livro. Em primeiro lugar, há dois Brás Cubas. O primeiro é o personagem das memórias, dono de caráter que vacila entre o preocupar-se com a opinião alheia e o deixar-se levar pelo sabor do acaso. Falta-lhe, pois, consciência firme, tornando-se, assim, um fraco. Esse ser sem vigor acaba sendo superado pelo narrador Brás Cubas. É dotado de enorme sagacidade e espírito crítico. Suas observações são agudas e saborosas. O seu toque de Midas dá enorme valor estético ao relato de uma existência medíocre. Nota-se, portanto, como é necessário diferenciar narrador de personagem. Este respeita a opinião alheia. Aquele a desdenha e tem motivos para tanto: já está morto. Não deve nada a ninguém. Por isso, é capaz de analisar a sociedade e a existência humanas. Ainda dentro desse aspecto, crucial se faz discriminar o tempo do enunciado e o tempo da enunciação. Tempo do enunciado refere-se à história narrada. Pertence, portanto, à personagem. No caso do romance, é o pretérito, pois está ligado a ações anteriores ao ato de produção textual. Tempo da enunciação está ligado ao ato de narrar. No caso do romance é, na maior parte das vezes, o presente, seja por ser a forma mais adequada para a intemporalidade da narrativa, pois quem a redige caiu na eternidade da undiscovered country, seja porque é o que mais adequada e eficientemente reporta o ato da escritura. Há mais outro aspecto interessante, que é justamente a presença de elementos que antecipam o Modernismo. Trata-se dos capítulos que abusam dos aspectos iconográficos, como “De Como Não Fui Ministro”, “O Velho Diálogo de Adão e Eva” e “Epitáfio”. Neles, o leitor é levado a completar a mensagem, num esquema que lembra a iconoclastia de um Oswald de Andrade e António de Alcântara Machado. Do balanço da obra fica a análise social aguda que não se restringe ao mundo carioca, muito menos ao final do século XIX. Alguns dos seus problemas ainda podem ser vistos em boa parte do mundo. O primeiro é a luta incessante por prestígio, numa preocupação exagerada com a opinião e o conceito alheios. É algo que o próprio “Velho do Restelo” já havia criticado. Outro elemento a ser levado em conta é o absurdo da sociedade em que vivia Brás Cubas: escravocrata, apesar de defender o liberalismo, concentradora violenta de renda e exploradora da miséria alheia. Há também absurdo na questão existencial. A vida parece ilógica. Tentar entender esses elementos, expostos nos dois parágrafos anteriores, é encaminhar-se para a loucura – tema muito comum na obra – ou como válvula de escape a indicar que a mente falhou (o mundo é incompreensível), ou como chegada a um nível superior a indicar que a mente evoluiu (o mundo é compreensível). Qualquer que seja o ponto de vista a ser assumido, não há como não enxergar que essa obra é um monumento da Literatura Brasileira, por fazer uma análise profunda e ainda atual da condição humana. Exercícios TEXTO Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco. (Machado de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas)


1) Pode-se afirmar, com base nas idéias do autor-personagem, que se trata: a) de um texto jornalístico b) de um texto religioso c) de um texto científico d) de um texto autobiográfico e) de um texto teatral 2) Para o autor-personagem, é menos comum: a) começar um livro por seu nascimento. b) não começar um livro por seu nascimento, nem por sua morte. c) começar um livro por sua morte. d) não começar um livro por sua morte. e) começar um livro ao mesmo tempo pelo nascimento e pela morte. 3) Deduz-se do texto que o autor-personagem: a) está morrendo. b) já morreu. c) não quer morrer. d) não vai morrer. e) renasceu. 4) A semelhança entre o autor e Moisés é que ambos: a) escreveram livros. b) se preocupam com a vida e a morte. c) não foram compreendidos. d) valorizam a morte. e) falam sobre suas mortes. 5) A diferença capital entre o autor e Moisés é que: a) o autor fala da morte; Moisés, da vida. b) o livro do autor é de memórias; o de Moisés, religioso. c) o autor começa pelo nascimento; Moisés, pela morte. d) Moisés começa pelo nascimento; o autor, pela morte. e) o livro do autor é mais novo e galante do que o de Moisés. 6) Deduz-se pelo texto que o Pentateuco: a) não fala da morte de Moisés. b) foi lido pelo autor do texto. c) foi escrito por Moisés. d) só fala da vida de Moisés. e) serviu de modelo ao autor do texto.


7) Autor defunto está para campa, assim como defunto autor para: a) intróito b) princípio c) cabo d) berço e) fim 8) Dizendo-se um defunto autor, o autor destaca seu (sua): a) conformismo diante da morte ; b) tristeza por se sentir morto c) resistência diante dos obstáculos trazidos pela nova situação d) otimismo quanto ao futuro literário e) atividade apesar de estar morto Gabarito- 1- d 2-c 3- b 4- e 5- d 6- c 7- d 8- e

4-- Memórias de um Sargento de Milícias de Manuel Antônio de Almeida

Ser ou ser: é essa a questão? Não há um consenso quanto classificação de Memórias de um sargento de milícias. Pergunta-se: TEXTO ROMÂNTICO?  Há a idealização das personagens?  A observação dos fatos é subjetiva?  Há ausência das camadas inferiores da população e presença de camadas superiores?  Há tensão entre o bem x mal, herói x vilão? TEXTO REALISTA?  Há análise psicológica que investiga os motivos das ações das personagens?  A história está centrada no presente?  A narrativa é lenta e minuciosa?  Ação e enredo perdem importância para a caracterização das personagens?  As personagens são impulsionadas por suas necessidades e seus interesses? Há, portanto todo esse questionamento em torno de Memórias de um sargento de milícias, romance de costumes por representar os hábitos de uma sociedade de uma determinada época. O certo é que a narrativa transita entre o Romantismo e o Realismo, porém mais do que se preocupar com a sua exata classificação. O resgate de um moleque esperto e de um Brasil com suas gentes e costumes

A obra Memórias de um sargento de milícias não foi muito bem aceita na época de sua publicação, pois o público era sedento por heróis e heroínas românticos, com os quais buscavam identificação e sonhavam.


Quem então resgatará essa obra? Um grande estudioso do folclore e da cultura popular brasileiros, criador do que podemos entender como síntese de um presumido “ modo de ser brasileiro”-o herói sem nenhum caráter Macunaíma, Mário de Andrade. Teria esse grande escritor modernista detectado algum elo de identificação entre esse seu anti-herói e Leonardo, o primeiro malandro brasileiro? Manuel Antônio de Almeida - vida breve - 30 anos -Obra escrita, de início, em folhetim. Publicou o livro com um nome falso “Um Brasileiro” Antônio César Ramos – o verdadeiro Sargento de Milícias contou para o escritor suas aventuras, peripécias e passou para o livro.  

Memórias Alheias - Manuel Antônio pegou as Memórias de outro; História Central - diabruras de Leonardo;

0bservações a serem guardadas: Realidade do Brasil no século XIX - Rio de Janeiro;  Época diferente apresentada pelos românticos;  Período da vinda da família real ao Brasil - D.João VI(refugiou-se no Rio);  Tempo do compadrio - vida suburbana ao contrário da vida na corte. A elite não é o foco;  Mundo carnavalesco - Avesso do clero, justiça, família;  Linguagem simples, bem humorada, popularesca, coloquial;  Personagens-tipo;  Linguagem próxima da jornalística;  Algumas caricaturas e diálogos bem humorados;  Intenção- diversão-vida dos portugueses - costumes e peculiaridades;  Festas populares carioca - modinhas, danças da época - procissões e macumba;  Rompimento com o padrão romântico (obras de Macedo e Alencar);  Quebra do maniqueísmo - rompe com a distinção entre herói e vilão;  Queda da idealização romântica das personagens - anti-herói, Luisinha – feia e desajeitada, não idealizada. Forma de início do romance entre Leonardo Pataca e Maria da Hortaliça – “pisão e beliscão”;  Realismo existente é casual e não técnico;  Traços carnavalizados, contraste - seriedade e ordem e os momentos de completa desorganização;  O caricatural, o que faz rir, a ironia, misturam-se em um conjunto que retrata o ridículo de diversas situações retratadas;  Não é considerado romance histórico, e sim novela humorística. Crônica de costumes;  Realismo espontâneo-próxima da tradição pitoresca;  Obra ainda romântica-caráter picaresco herança espanhola-visão divertida de determinada época;  Obra não linear-digressões e quebra do enredo para comentários;  Metalinguagem - explicações sobre a obra na própria obra;  Foco narrativo-terceira pessoa, com um narrador onisciente, que interfere no texto, faz observações e busca contato com o leitor (tentativa de diálogo);  Várias tramas desenvolvem-se ao mesmo tempo, sendo Leonardo, o personagem central, responsável por atá-las tornando-se o elo, entre elas, o que permite que seja denominada também de novela;  Linguagem conotativa ou figurada;  Final vida de Leonardo organizada tudo se encaixa satisfatoriamente, mostrando-nos claramente a presença do Romantismo no texto. Final tipicamente feliz-Leonardo se regenera enquanto obra realista -final feliz é reprovado;  Dinamismo no decorrer da obra - Rio de Janeiro - análise dos costumes, desde as roupas, ruas, instituições-vocabulário específico (linguagem do povo da época);  Final da obra-impera a ordem sobre a desordem, fechando-se o processo de carnavalização;  Seria Leonardinho um pícaro? Nem a própria cultura espanhola sabe o que seja pícaro. É um anti-herói, malandro, guia-se pelo próprio prazer.Ele se assemelha a um. É considerado a um malandro neopicaresco;


 São personagens lascivos - Brás Cubas, Leonardo e Macunaíma;  Leonardo - precursor de Macunaíma- malandro carioca - avesso ao trabalho, levar vantagem - Deixa a vida me levar...”;  Manuel Antônio de Almeida diz que: “Luisinha e Leonardo não são ingênuos, e o escritor põe em dúvida o caráter da personagem e suas intenções”;  “Leonardo, filho de uma pisadela e um beliscão”-a forma como foi o namoro não tem nada de idealização; Estrutura da obra Os episódios são quase autônomos, só ligados pela presença de Leonardo, dando à obra uma estrutura mais de novela que de romance, como já ficou observado. O leitor acompanha o crescimento do herói com sua infância rica em travessuras, a adolescência com as primeiras ilusões amorosas e aventuras, e o adulto, que, com o senso de responsabilidade, que essa idade exige, vai-se enquadrando na sociedade, o que culmina com o casamento. ESPAÇO Cidade do Rio de Janeiro-romance urbano. Tempo - Apesar de se tratar de memórias de fatos ocorridos no início do século XIX, elas seguem a linha do tempo. A obra é dividida em duas partes: a primeira com vinte e três capítulos e a segunda com vinte e cinco.

Enredo O narrador, baseando-se em uma história contada por um sargento de milícias aposentado, adota a postura de contador de histórias para narrar os costumes e acontecimentos de mais ou menos cinqüenta anos atrás. Logo, o narrador não viveu na época das estripulias de Leonardo. Leonardo, filho de dois imigrantes portugueses, a sabia Maria da Hortaliça e Leonardo”, algibebe “em Lisboa e depois meirinho no Rio do tempo do Rei D. João VI: nascimento do “herói”, sua infância de endiabrado, suas desditas de filho abandonado mas sempre salvo de dificuldades pelos padrinhos, não casados (a parteira e um barbeiro); sua juventude de valdevinos; seus amores com a dengosa mulatinha Vidinha; suas malandrices com o truculento Major Vidigal, chefe de polícia; seu namoro com Luisinha; sua prisão pelo major; seu engajamento, por punição, no corpo de tropa do mesmo major; finalmente, porque os fados acabaram por lhe ser propícios e não lhe faltou a proteção da madrinha, tudo tem “conclusão feliz”-: promoção a sargento de milícias e casamento com Luisinha”. Narrador Apesar de se tratar de um livro de Memórias (memórias dos outros), Memórias de um sargento de milícias é narrado em 3ª pessoa por um narrador que conhece todos os fatos, mas que deles não participa. Por meio de uma linguagem mais próxima da fala que da escrita (pela 1ª vez na literatura brasileira), vemos desfilar também pela primeira vez, os representantes dos segmentos mais simples da sociedade do tempo do rei Quem são eles? Personagens de camadas inferiores, como meirinhos (espécie de oficial de justiça), barbeiro, parteira, saloia, algibebe,ciganos, padre, polícia, comadres, e compadres, entre os quais destacamos: Leonardo: anti-herói, herói às avessas, herói picaresco - desde a infância é esperto, vagabundo e mulherengo, assemelhase ao protagonista, Macunaíma. Leonardo-Pataca: oficial de justiça, sentimental, sempre enroscado em suas paixões. Maria-da-Hortaliça: mãe do herói Major Vidigal: temido e respeitado por todos.Severo punidor é, ao mesmo tempo, policial e juiz. Comadre: protetora de Leonardo vive tentando livrá-lo dos enroscos em que se metia.


Compadre Barbeiro: outro protetor. Cria o menino como se fosse o seu filho, sonhando um próspero futuro para ele; só que isso não acontece. D. Maria: velha, rica e bondosa. Era apaixonada por causas judiciais. Tia e tutora de Luisinha, amiga da comadre e do compadre. Luisinha: primeiro amor de Leonardo. Suas características fogem da idealização dos modelos românticos: era feia, pálida e desajeitada. José Manuel: caça-dotes representa uma crítica à burguesia. Vidinha: cantora de modinhas, segunda paixão de Leonardo. Chiquinha: filha de D. Maria e esposa de Leonardo Pataca. Maria-Regalada: amante de Vidigal. Além desses, há outros como: A vizinha, a cigana, o mestre-de-rezas, Tomás, etc. Os personagens encaixam-se na categoria de tipos alegóricos, pois não possuem profundidade psicológica e são como caricatura de uma classe social: o povo, a classe média carioca da época.Não dá para deixar de reconhecer o arrojo de Manuel Antônio de Almeida que, aos 21 anos, tece a ousadia de apresentar o homem brasileiro tal qual ele culturalmente se configura: como aquele que quer levar vantagem, um malandro. Essa coragem não se revela nas obras de seus contemporâneos românticos. Por exemplo, José de Alencar exibiu o nosso índio como “o bom selvagem”, não canibal, não poligâmico e cristão (Peri-O Guarani). Bernardo Guimarães expôs uma escrava branca que fala francês e toca piano.(Isauraescrava Isaura). Além de retratar o típico homem brasileiro, o autor igualmente fotografa “os costumes do Rio de Janeiro, na época de D.João VI. Estão ali”:  A pisadela e o beliscão-declaração de interesse amoroso;  As festas religiosas e ciganas;  Os ajustes matrimoniais;  O acato e veneração ao mestre de reza;  A castidade duvidosa dos padres;  A atividade das parteiras;  A palmatória;  O agregado; Três outras práticas da época observada na obra são:  Aplicação personalíssimas da justiça;  A relação social do “jeitinho” do favor e da ajuda;  Os favorecimentos na administração pública diretamente relacionados à atuação da policia-o major Vidigal. Quem era ele? O major Vidigal era o rei absoluto, o árbitro supremo de tudo que dizia respeito a esse ramo de administração; era o juiz que julgava e distribuía a pena, e ao mesmo tempo o guarda que dava a guarda aos criminosos...(cap. V).É ele que faz do prisioneiro Leonardo um granadeiro e, atendendo às solicitações de uma antiga amante Maria Regalada, perdoa-lhe todas as suas faltas, livra-o das chibatadas e o promove a soldado de linha para, em seguida, por achar o perdido muito justo, fazer dele um sargento de milícias.  Vidigal - Corrompe-se por interesses particulares (Maria Regalada). Vidigal existiu e impôs respeito de verdade.


Fluxo Narrativo  Memórias de um Sargento de Milícias é romance narrado em terceira pessoa, sendo um narradoronisciente e observador quem conta a história, que interfere no texto, faz observações e busca contato com o leitor (tentativa de diálogo); 1. O cinismo bem-humorado, as sistemáticas interferências nas situações sempre divertidas que relata, as ironias e as brincadeiras envolvendo costumes e personagens da época constituem alguns traços marcantes deste narrador, cujo juízo crítico a respeito do que vai documentando algumas vezes revela-se de forma claramente debochada. Além de romper com a tradicional postura idealizadora do narrador romântico, em relação aos indivíduos e também à terra, o narrador da obra ora suprime etapas narrativas, ora transita da terceira para a primeira pessoa. Assim, ele assume uma cumplicidade de caráter metalinguístico com o leitor, o que significa um anúncio de procedimentos modernistas, também percebido nas conversas com o leitor e nos comentários jocosos que faz à propósito do que conta. Memórias de um sargento de milícias foi publicado semanalmente, em fascículos, no suplemento “A Pacotilha”, do jornal Correio Mercantil entre 30 de junho de 1852 e 31 de julho de 1853.Somente em 1854 e 1855 foi lançado em livro, em dois volumes.O fato de lançar um capítulo a cada 7 dias, totalizando 48 capítulos ao final de treze meses exigiu que seu autor estabelecesse algumas estratégias na condução da narrativa.Não é difícil perceber o ritmo acelerado da narrativa.Podemos exemplificar tal constatação com a seguinte passagem do livro:  Leonardo é despedido da ucharia (espécie de despensa em que se guardavam e se manipulavam carnes e outros alimentos para o consumo dos moradores de um castelo).  Ao relatar o acontecido para a namorada Vidinha, esta vai tirar satisfação com a mulher do Toma Largura, enquanto Leonardo ainda do lado de fora da casa é preso pelo Major Vidigal.  O Toma Largura se encanta com a moça e a segue de longe para saber onde é sua casa.  Logo depois começam a namorar.  A família da moça resolve então fazer uma festa. Toma Largura alegre, bebe demais e faz voar sobre a cabeça dos convidados pratos, garrafas e tudo mais.  Eis que surge o Major Vidigal e ordena a um de seus homens que detenha o bêbado.  Qual não é a surpresa de todos ao reconhecerem no granadeiro o malandro Leonardo.  Ou seja, a promoção do prisioneiro (cap. XXXIX) a granadeiro ( cap. XLI), passando da condição de fora da lei à de defensor do exército ,dá-se com uma ligeireza tão desabalada que é como se tivesse acontecido da noite para o dia. O mesmo já havia ocorrido na ocasião do fim do namoro com Luisinha e do despertar da paixão por Vidinha, no capítulo XXX, ”Remédio aos Males”. Leonardo que ainda pensava em Luisinha, bastou ouvir boquiaberto, a modinha que Vidinha cantava: Se os meus suspiros pudessem Aos teus ouvidos chegar, Verias que uma paixão Tem poder de assassinar, Não são de zelos Os meus queixumes, Nem de ciúme Abrasador; São das saudades Que me atormentam Na dura ausência Do meu amor.  Trecho dessa modinha aprece na letra da música Memórias de um sargento de milícias-de Paulinho da Viola, interpretado também por Martinho da Vila-samba enredo da escola de samba Portela, no carnaval de 1966, que vale a pena conhecermos: Memórias de Um Sargento de Milícias


Martinho da Vila Composição: Paulinho da Viola


Era o tempo do rei Quando aqui, chegou Um modesto casal feliz pelo recente amor Leonardo, tornando-se meirinho Deu a Maria Hortaliça um novo lar Um pouco de conforto e de carinho Dessa união, nasceu Um lindo varão Que recebeu o mesmo nome do seu pai Personagem central da história que contamos neste carnaval Mas um dia Maria Fez a Leonardo uma ingratidão Mostrando que não era uma boa companheira Provocou a separação Foi assim que o padrinho passou A ser do menino tutor A quem lhe deu toda dedicação Sofrendo uma grande desilusão Outra figura importante em sua vida Foi a comadre parteira popular Diziam que benziam de quebranto A beata mais famosa do lugar Havia nesse tempo aqui no Rio Tipos que devemos mencionar Chico Juca, era mestre em valentia E por todos se fazia, respeitar O reverendo amante da cigana Preso pelo Vidigal AINDA VEJA O RESUMO DE CADA CAPÍTULO Em síntese, o enredo de Memórias de um Sargento de Milícias, “tecido, como observa Antônio Soares Amora no já citado Pequeno Dicionário de Literatura Brasileira, com muitas peripécias e intrigas, que não deixam, ainda hoje, de entreter e prender o leitor, pode resumir-se na história da vida de Leonardo, filho de dois imigrantes portugueses, a sabia Maria da Hortaliça e Leonardo”, algibebe “em Lisboa e depois meirinho no Rio do tempo do Rei D. João VI: nascimento do “herói”, sua infância de endiabrado, suas desditas de filho abandonado mas sempre salvo de dificuldades pelos padrinhos, não casados (a parteira e um barbeiro); sua juventude de valdevinos; seus amores com a dengosa mulatinha Vidinha; suas malandrices com o truculento Major Vidigal, chefe de polícia; seu namoro com Luisinha; sua prisão pelo major; seu engajamento, por punição, no corpo de tropa do mesmo major; finalmente, porque os fados acabaram por lhe ser propícios e não lhe faltou a proteção da madrinha, tudo tem “conclusão feliz”: promoção a sargento de milícias e casamento com Luisinha”. Para que se tenha uma ideia mais precisa do conteúdo do livro no que se refere ao enredo, vamos transcrever aqui o resumo sobre Memórias de um Sargento de Milícias, no qual o presente trabalho está apoiado. A obra é dividida em duas partes: a primeira com vinte e três capítulos e a segunda com vinte e cinco. .:. PRIMEIRA PARTE I - Origem, Nascimento e Batizado. A novela se abre com a frase “Era no tempo do rei”, que situa a estória no século XIX, no Rio de Janeiro. Narra a vinda de Leonardo-Pataca para o Brasil. Ainda no navio, namora uma

61


patrícia, Maria da Hortaliça, sabia portuguesa. Daí resultou o casamento e... “Sete meses depois teve a Maria um filho, formidável menino de quase três palmos de comprido, gordo e vermelho, cabeludo, esperneador e chorão; o qual, logo depois que nasceu, mamou duas horas seguidas sem deixar o peito”. Esse menino é o Leonardo, futuro “sargento de milícias” e o “herói” do livro. O capitulo termina com o batizado do garoto, tendo a “Comadre” por madrinha e o barbeiro ou “Compadre” por padrinho, personagens importantes da estória. II - Primeiros Infortúnios. Leonardo-Pataca descobre que Maria da Hortaliça, sua mulher, o traía com vários homens; dá-lhe uma surra e ela foge com um capitão de navio para Portugal. O filho, depois de levar um pontapé no traseiro, é abandonado e o padrinho se encarrega dele. III - Despedida às Travessuras. O padrinho, já velho, e sem ter a quem dedicar sua afeição, ficou caído pelo garoto, concentrando todos os seus esforços no futuro de Leonardo e desculpando todas as suas travessuras.Depois de muito pensar, resolveu que ele seria padre. IV - Fortuna. Leonardo-Pataca apaixonou-se por uma cigana que também o abandona. Para atraí-la novamente, recorre a feitiçarias de um caboclo velho e imundo que morava num mangue. Na última prova, à noite, quando estava nu e coberto com o manto do caboclo, aparece o Major Vidigal... V - O Vidigal. Este capítulo descreve o Major - “um homem alto, não muito gordo, com ares de moleirão; tinha o olhar sempre baixo, os movimentos lentos, e a voz descansada e adocicada”. Era a polícia e a justiça da época, na cidade. Depois de obrigar todos que se achavam na casa do caboclo a dançar, até não agüentarem mais, chicoteia-os e leva Leonardo para a “Casa da Guarda”, espécie de depósito de presos. Depois de visto pelos curiosos, é transferido para a cadeia. VI - Primeira Noite Fora de Casa. Leonardo filho vai acompanhar uma “Via Sacra” de rua, muito comum naquela época, e junta-se a outros moleques. Acabam passando a noite num acampamento de ciganos. Descreve-se a festa e a dança do fado. De manhã, Leonardo pede para voltar para casa. VII - A Comadre. Era a madrinha de Leonardo - “uma mulher baixa, excessivamente gorda, bonachona, ingênua ou tola até um certo ponto, e finória até outro; vivia do oficio de parteira, que adotara por curiosidade e benzia de quebranto...”. Gostava de ir à missa e ouvir o cochicho das beatas. Viu a vizinha do barbeiro e logo quis saber do que é que ela falava. VIII - O Pátio dos Bichos. Assim era chamada a sala onde ficavam os velhos oficiais a serviço de El-Rei, esperando qualquer ordem. No meio deles, estava um Tenente-Coronel a quem a Comadre vai pedir para interceder junto a El-Rei para soltar Leonardo-Pataca. IX - O Arranjei-me do Compadre. O autor conta-nos como o barbeiro conseguiu arranjar-se na vida, apesar de sua profissão pouco rentável: improvisou-se de médico, ou melhor, “sangrador”, a bordo de um navio que vinha para o Brasil. O Capitão moribundo entregou-lhe todas as economias para que as levasse à sua filha (do Capitão). Quando chegou a terra, ficou com tudo e nunca procurou a herdeira. X - Explicações. O Tenente-Coronel interessara-se pelo Leonardo porque, de certa forma, ele o havia livrado de certa obrigação: seu filho, um desmiolado, é que havia infelicitado a tal de Mariazinha, a Maria da Hortaliça, ex-mulher de Leonardo. Por isso empenha-se e, por meio de um outro amigo, consegue que El-Rei solte Leonardo.

62


XI - Progresso e Atraso. Este capítulo é dedicado às dificuldades que o padrinho encontra para ensinar as primeiras letras ao afilhado e às implicâncias da vizinha. A seguir vem um bate-boca entre os dois, com o menino arremedando a velha, e com grande satisfação para o barbeiro que se julga “vingado”. XII - Entrada para a Escola. É uma descrição das escolas da época. Aborda a importância da palmatória e nos conta como o novo e endiabrado aluno leva bolos de manhã e à tarde. XIII - Mudança de Vida. Depois de muito esforço e paciência, o padrinho convence ao afilhado de voltar para a escola, mas ele foge habitualmente e faz amizade com o coroinha da Igreja. Pede ao padrinho, e este acede, para também ser coroinha. Pensava assim o barbeiro que seria meio caminho andado para se tomar padre. Como coroinha, aproveitou-se dessa função para jogar fumaça de incenso na cara da vizinha e derramar-lhe cera na mantilha. Vingava-se assim dela. XIV - Nova Vingança e Seu Resultado. Neste capitulo, aparece o “Padre Mestre de Cerimônias”, que, embora de um exterior austero, mantinha relações com a cigana, a mesma que abandonara Leonardo Pataca e fora causa de sua função. No dia da festa da Igreja da Sé, o Mestre de Cerimônia prepara-se orgulhosamente para proferir seu sermão. O menino Leonardo, encarregado de avisar-lhe a hora do sermão, informa-lhe que será às 10 horas, quando na verdade devia ser às 9:00 h.Um capuchinho italiano, para cooperar, e porque o pregador não chegava, começou a homilia. Depois de algum tempo, chega o Mestre, furioso, e corre para o púlpito também. Após um bate-papo com o religioso, toma o lugar dele e continua o sermão. O resultado foi o sacristão ser despedido. XV - Estralada. Leonardo Pataca, sabendo que o Mestre de Cerimônias é que lhe tirara a cigana e que este iria ao aniversário dela, contratou Chico-Juca para criar confusão na festa. Avisou antecipadamente o Major Vidigal, que prende todo mundo, inclusive o Padre, e os leva para a “Casa da Guarda”. XVI - Sucesso do Plano. O Mestre de Cerimônias, com o escândalo, foi obrigado a deixar a cigana, voltando para Leonardo, que recebe as censuras da Comadre. XVII - D. Maria. O capitulo é dedicado a D. Maria, “uma mulher velha, muito gorda; devia ter sido muito formosa no seu tempo, porém dessa formosura só lhe restaram o rosado das faces e a alvura dos dentes...”; “... tinha bom coração e era benfazeja, devota e amiga dos pobres, porém, em compensação destas virtudes, tinha um dos piores vícios daquele tempo e daqueles costumes; era a mania das demandas...” ·Em sua casa, estavam reunidos, por causa da “Procissão dos Ourives”, o Compadre e o menino, a Comadre e a vizinha O assunto gira em tomo das peripécias do garoto, que aproveita a ocasião e pisa a saia da vizinha, rasgando-a. A seguir, todos discutem o futuro do rapaz. Depois de cada um dar o palpite, D. Maria sugere que ele seja “Procurador de Causas...”. XVIII - Amores. Leonardo não correspondeu a nenhum dos desejos do padrinho: não foi para Coimbra, não se fez padre, não trabalhou em cartório algum e não foi para a Conceição. Tomou-se um vadio. Um vadio comum, que simplesmente não pensa em nada, vai-se deixando levar pelos acontecimentos sem tirar proveito pessoal de nenhum. Enquanto isso, Leonardo Pataca acaba casando-se com a sobrinha da Comadre. Por sua vez, D. Maria ganha a demanda para ser tutora de uma sobrinha órfã e começa a receber a visita freqüente do Compadre com o afilhado. A sobrinha de D. Maria era já bem desenvolvida, mas muito desajeitada: tinha perdido a graça da menina e não adquirira ainda a beleza da moça.Leonardo saiu rindo dela, mas não a esqueceu jamais. XIX - Domingos do Espírito Santo. Na “Festa do Divino”, o Compadre vai com D. Maria e Leonardo ao Campo para ver o fogo. Leonardo começa a apaixonar-se pela sobrinha de D. Maria.

63


XX - O Fogo no Campo. Terminada a “Festa do Divino” com foguetes e fogos de artifício, Leonardo e Luisinha, sobrinha de D. Maria, tomam-se íntimos. XXI - Contrariedades. Luisinha voltou ao seu silêncio interior e um novo personagem aparece: é o José Manuel. Muito experiente na vida, passa a cortejar D. Maria, mas interessado na sobrinha e principalmente na herança dela. XXII - Aliança. O Padrinho e a Comadre aliam-se num só plano contra José Manuel. XXIII - Declaração. Numa cena ridícula, todo desajeitado, depois de muitas tentativas e retrocessos, Leonardo consegue declarar-se a Luisinha. SEGUNDA PARTE I - A Comadre em Exercício. Aqui, o autor narra o nascimento da filha de Leonardo Pataca e de Chiquinha. A Comadre faz o parto, e o autor aproveita para fazer interessante descrição dos costumes da época. II - Trama. A Comadre, numa aliança com o sobrinho e o Compadre contra José Manuel, inventa para D. Maria que este fora o raptor da moça na porta da Igreja (um caso policial da época). III - Derrota. José Manuel põe-se em campo para saber quem é seu adversário e quem tinha feito a intriga perante D. Maria. IV - O Mestre de Reza. Os mestres de reza da época eram geralmente cegos que ensinavam às crianças as primeiras rezas e o catecismo. Faziam-no á base da palmatória. O Mestre de Reza encarregou-se de descobrir, para José Manuel, quem era o intrigante. V - Transtorno. O Compadre morre e deixa Leonardo como seu herdeiro. Segue-se a cerimônia de luto e o enterro. Leonardo volta para a casa do pai. A Comadre, que também mora com a filha, faz agora as vezes do Compadre. Leonardo não se entende com a madrasta, Chiquinha. VI - Pior Transtorno. Leonardo, ao voltar da casa de Luisinha, aborrecido por não a ter visto, briga com Chiquinha. O pai intervém de espada, e Leonardo foge de casa. A Comadre censura os dois e vai procurar o afilhado, enquanto os vizinhos comentam as ocorrências... VII - Remédio dos Males. Ao fugir de casa, Leonardo encontra o antigo colega, o Sacristão da Sé, num piquenique em companhia de moças e rapazes, o qual o convida para ficar; ele aceita e enche-se de amores por Vidinha, cantora de modinhas, que tocava viola. “Vidinha era uma mulatinha de dezoito a vinte anos, de altura regular. Ombros largos, peito alteado, cintura fina e pés pequeninos; tinha os olhos muito pretos e muito vivos, os lábios grossos e úmidos, os dentes alvíssimos. a fala era um pouco descansada, doce e afinada.” VIII - Novos Amores. Este capitula faz a descrição da nova família que acolhe Leonardo. Era composta de duas irmãs viúvas, uma com três filhos e a outra com três filhas. Passavam dos quarenta anos e eram muito gordas e parecidas. Os três filhos da primeira tinham mais de 20 anos e eram empregados no trem. As moças, mais ou menos da idade dos rapazes, eram bonitas, cada uma a seu modo. Uma delas era Vidinha. IX - José Manuel Triunfa. A Comadre procurou Leonardo por toda parte e, não o encontrando, foi à casa de D. Maria, que a repreendeu por “ter cometido um grande...” Ela logo entendeu e percebeu que José Manuel estava regenerado aos olhos de D. Maria; e também chegou à conclusão de que o cego Mestre de Reza é que tinha desvendado tudo. A Comadre desculpa-se e toma conhecimento do interesse de José Manuel por Luisinha.

64


X - O Agregado. Leonardo fica agregado na nova família, como era costume naquela época. Dois irmãos pretendentes a Vidinha unem-se contra Leonardo, que estava gostando dela. Vidinha e as Velhas tomam o partido de Leonardo. Houve briga e confusões. Leonardo decidiu sair da casa, mas as velhas não consentem. Leonardinho conhece Vidinha, mulata que gosta de tocar viola e cantar suas modinhas, quando reencontra um ex-sacristão seu amigo, que o chama para fazer companhia a ele e ao bando de amigos que o segue naquela ocasião. Agrada-o ouvir Vidinha, com seus dentes brancos e os lábios umedecidos, cantar entre eles. Tomás da Sé leva-o para a casa na qual também vive Vidinha e Leonardinho ali permanece, ligando-se à moça. · Capítulo 8 As viúvas e seus filhos vivem na mesma casa. Leonardinho passa a conviver com a família. Vidinha é uma das três moças que lá moram. Além delas, existem três rapazes. Os moços são funcionários da estrada de ferro. A idade dos jovens todos está por volta dos vinte anos. · Capítulo 9 José Manuel procura desfazer a má impressão que as intrigas haviam deixado em D.Maria a respeito dele. A madrinha procura o afilhado, sem conseguir encontrá-lo em lugar algum. Quando vai até a casa de D.Maria, leva uma reprimenda, por tudo o que dissera a respeito de José Manuel, já que o pretendente de Luisinha conseguira livrar-se das acusações, auxiliado pelo Mestre de Rezas. A Comadre pede desculpas a D.Maria, já que não tem meios de ajudar Leonardinho naquele momento. · Capítulo 10 Vidinha é o pomo da discórdia em sua casa, pois desperta o interesse do primo e também o de Leonardinho. Acontece uma briga e o rapaz deseja partir. As viúvas e Vidinha estão a favor dele.É convencido a permanecer com a família. A Comadre consegue achá-lo logo após a briga. · Capítulo 11 A Comadre e as viúvas conversam. Leonardinho fica. Quando está em um piquenique, divertindo-se, acaba prisioneiro do Major Vidigal, por vadiagem. · Capítulo 12 José Manuel ganha uma das demandas para D.Maria e, desta forma, consegue o sim da velha senhora, ao seu pedido de casamento. Luisinha está bastante acabrunhada com o desaparecimento de Leonardinho, que não mais a procurara. Sem qualquer entusiasmo, aceita casar-se. O noivo vive a fazer os cálculos de quanto irá lucrar com o enlace. Casam-se os noivos e é feita uma grande festa. · Capítulo 13 O Major Vidigal acaba desmoralizado, pois Leonardinho serve-se de uma agitação que ocorria na rua por onde passava aprisionado e foge. Volta para a casa da mulata Vidinha. Como jamais nenhum safado lhe escapara e por não estar acostumado com falta de respeito, Vidigal irrita-se como nunca e procura-o incansavelmente, em companhia dos granadeiros. · Capítulo 14 Encontrar o fujão é uma questão de honra para o Major. Quer se vingar, pois não aceita ter sido alvo de chacotas. A Comadre, por sua vez, implora a Vidigal pelo afilhado, sem saber que ele já não está mais na prisão. Chega a chorar, ficando de joelhos, mas riem de sua atitude. · Capítulo 15 Sabendo que o afilhado está em liberdade e desejando salvá-lo da ira do Major Vidigal, a Comadre vão até a casa ds viúvas, passa uma descompostura em Leonardinho e exige que ele comece a trabalhar. Consegue-lhe um emprego na despensa ou ucharia real, local em que estão depositados mantimentos. Para Vidigal, essa é uma notícia ruim, pois seu perseguido deixa de ser um vadio, não havendo mais motivo para prendê-lo. Leonardinho, porém, não toma jeito. Rouba provisões da ucharia, levando-as para Vidinha. Envolve-se com a mulher de um dos empregados do Paço Real - o toma…-largura -, visitando-lhe a mulher, na

65


ausência deste, pois a moça é bela e desperta-lhe o interesse. O toma-largura acaba encontrando o maroto tomando um caldo com sua mulher e, desconfiado, persegue-o. Leonardinho acaba na rua, sem emprego. · Capítulo 16 Vidinha, que já andava abandonada pelo moço, acaba sabendo do que acontecera, pois as notícias correm de boca em boca. Movida pelo ciúme e pela raiva, toma satisfações com a mulher do toma-largura e aproveita para fazer desfeita para o pobre coitado. Leonardinho, que seguira a jovem até a ucharia, termina em poder de Vidigal. · Capítulo 17 O toma-largura e a mulher não reagem, ante os desacatos de Vidinha. O homem, ao contrário, interessa-se por ela e procura saber onde mora, depois que ela se vai. Quer conquistá-la, ter uma aventura e vingar-se daquele que o ultrajara. · Capítulo 18 Ninguém consegue encontrar Leonardinho, que está devidamente oculto por Vidigal. Procuram-no, mas é em vão. Nem na Casa da Guarda pode ser encontrado. A família de Vidinha chega à conclusão de que ele não deseja que o encontrem. Tirada essa conclusão, todos passam a detestá-lo. A Comadre é outra que perde seu tempo inutilmente, pois não consegue achar o afilhado. Somente quando o Major Vidigal surge, em uma reunião festiva, em que o toma-largura se excede, após beber demais, em companhia dos familiares de Vidinha, é que o desaparecimento de Leonardinho se esclarece. Em realidade, Vidigal fizera-o granadeiro e seu auxiliar, a fim de aproveitar-lhe a sabedoria em malandragem. Como o toma-largura ficasse rondando a casa de Vidinha, a família dela terminou por convidá-lo para participar de uma "patuscada em Cajueiros", que foi exatamente onde o granadeiro Leonardo deu-lhe ordem de prisão. · Capítulo 19 Leonardinho, granadeiro do Regimento Novo por ordem de Vidigal, sentara praça assim que saíra da prisão. O Major vê que não se enganara com relação ao moço, pois este se mostra competente em suas funções. No entanto, continua a fazer suas peraltices, o que não lhe permite cumprir completamente com as funções que lhe haviam sido atribuídas. · Capítulo 20 Em casa de Leonardo Pataca acontece uma comemoração. Teotônio - jogador, tocador e cantor - está presente, entoando suas melodias. Entretanto, ele irrita o Major Vidigal, ao lhe imitar os trejeitos na presença de todos, despertando-lhes o riso. Vidigal inconforma-se com a brincadeira e dá ordens a Leonardinho, para que aprisione o outro. O granadeiro segue até a casa do pai, para cumprir as ordens recebidas. É acolhido com simpatia e gosta de Teotônio, o que o leva a revelar-lhe a missão que lhe haviam destinado. Ele e Teotônio, então, resolvem tapear o Major Vidigal e, para tanto, traçam um plano adequado. · Capítulo 21 Um amigo desmascara Leonardinho diante de Vidigal, ao cumprimentá-lo pela façanha que tramara com Teotônio. O Major percebe-se enganado e mais uma vez prende o maroto. A madrinha consegue libertá-lo, ao descobrir uma antiga namorada do Major, por meio de D.Maria. José Manuel revela seu verdadeiro caráter, quando chega ao fim a lua-de-mel. · Capítulo 22 Auxiliadas por Maria Regalada, a Comadre e a tia de Luisinha tentam libertar o moço. Regalada e a Comadre procuram obter um relaxamento de prisão para ele. O Major não quer ceder, porém a ex-namorada segredalhe, ao ouvido, algo que o faz mudar de idéia, soltar o moço e ainda ajudá-lo no que é possível. · Concluem-se os fatos iniciados no capítulo anterior.

Capítulo

23

66


· Capítulo 24 O sargento Leonardo e Luisinha reencontram-se durante o velório de José Manuel, que falecera devido a um ataque do coração, causado por uma demanda que D.Maria havia movido contra ele. Ao rever a moça, Leonardo admira-a e é correspondido nisto. · Capítulo 25 O namoro de ambos é retomado, assim que termina o luto da jovem pelo falecido. Como o granadeiro não pode se casar, por ser um sargento de linha, o casal recorre ao Major, pedindo sua intervenção. Vidigal vive com Maria Regalada, que cumprira o que lhe prometera, para que libertasse Leonardinho anteriormente. É ela, mais uma vez, quem interfere e convence o Major a passar Leonardo de granadeiro a Sargento de Milícias, a fim de que possa se casar com Luisinha. De posse da herança que o padrinho lhe deixara e que o pai, Leonardo Pataca, acabara por devolver-lhe, o moço desposa Luisinha finalmente. Fecha-se o romance, noticiando-se a morte de D.Maria e a de Leonardo Pataca, além de vários acontecimentos tristes, que o narrador diz preferir poupar o leitor de conhecer. 5-Viagens na minha terra de Almeida Garret Viagens na minha terra, romance de Almeida Garret, publicado em folhetins entre 1845 e 1846 na Revista Universal Lisbonense , considerado por alguns críticos como o ápice da prosa do seu autor, inaugura um gênero completamente novo na literatura portuguesa. Tendo como modelo as obras “Viagem à roda do meu quarto” de Xavier de Mauster e “Viagem sentimental” de Laurence Stern, configura-se como uma obra de dificílima classificação, pois reúne em suas páginas relatos de viagens, jornalísticos, ensaísta e ficcional. Toda essa miscelânea literária se deve à formação multiforme de Garrett, que segundo José Pereira Tavares, foi um homem erudito, versado em todas as literaturas. A narrativa inserida em Viagens na minha terra liga-se á tradição do “romance de aprendizagem” por estar impregnada de dados autobiográficos do autor. Segundo Massaud Moisés: A figura de Georgina é claramente pautada claramente nas reminiscências do tempo em que o autor esteve exilado em Warwick; a instabilidade emocional do protagonista, bem como seus ideais políticos, reflete o comportamento e a mundividência de Garrett. Por outro lado, agrega-se a intenção de meditar acerca da crise de valores que domina a cultura portuguesa. Nesse sentido as personagens se revestem de um valor simbólico: Carlos, alter ego do narrador, de personalidade instável, é incapaz de se relacionar, por inteiro, com o outro. Formado em um universo em crise de valores, abandona os ideais para assumir um comportamento adequado aos apelos do mundo: ser barão. Desta perspectiva, é o símbolo do Portugal contemporâneo. Frei Diniz, representa valores tradicionais destruídos pelo liberalismo. Joaninha, “a menina dos rouxinóis”, simboliza um Portugal ingênuo e telúrico que não tem mais condições de sobreviver ao progresso. Francisca, a avó, em sua cegueira, indica a imprudência com a qual o liberalismo foi assumido em Portugal: graças à falta de visão dos defensores do liberalismo, o país, impotente, assiste a sua destruição. P. 40. Viagem na minha terra desenvolve-se em uma estrutura de novela contemporânea, e basicamente apresenta dois níveis narrativos: impressões de viagem, e a parte propriamente novelesca que trata do romance entre Carlos e joaninha. A linguagem usada pelo autor se aproxima muito da linguagem falada, sem, portanto, deixar de ser uma linguagem literária, o uso de digressões é constante, o próprio autor situa o leitor na narrativa, que se desenvolve em planos temporais diferentes: presente, passado recente e passado remoto, é comum na narrativa a analise psicológica das personagens, descrições físicas, como em: “os olhos de Joaninha eram verdes... não daquele verde descorado e traidor dos felinos, não não, eram verde-verde, puros e brilhantes como esmeraldas do mais subido quilate .p. 90.; com pontadas de humor e muita ironia, sátiras aos clérigos e à sociedade:

“Nas cidades, aquela figuras graves e sérias com seus hábitos talares, quase todos pitorescos e alguns

67


elegantes, atravessavam as multidões de macacos e bonecas de casaquinha esguia e chapelinho de alcatruz, que distinguem a peralvilha europeia, cortavam a monotonia do ridículo e davam fisionomia à população. P. 92. A obra é permeada de ferozes críticas à falta de espiritualismo e ao materialismo: “andai ganha-pães, andai: reduzi tudo a cifras, todas as considerações desse mundo a equações de interesse corporal, vendei, agiotai. No fim de tudo isso, o que lucrou a espécie humana? Que mais umas poucas dúzias de homens ricos”. P. 48. Nem a própria literatura da época escapa às suas críticas: “a literatura é uma hipócrita, que tem religião nos versos, caridades nos romances, fé nos artigos de jornal - como os que dão esmolas para pôr no Diário...” p.49. Observando todas essas características, pode-se dizer que Garrett se utiliza de um diálogo crítico para apontar as causas que levaram Portugal a uma crise cada vez mais profunda. Embora reúna uma série de características de outras escolas literárias, cronologicamente, a obra, escrita em 1846, pertence ao Romantismo (1825-1865), e é considerada a obra mais importante dessa escola, sobre ela, Massaud Moisés escreve: “Instrumento para reflexão do seu autor, Viagens na minha terra, não só moderniza a prosa portuguesa, extirpando lhe os vícios retóricos de grandiloquência, como também traz em seu bojo a marca de uma lúcida consciência dos problemas que afligem seu país.”p.40. Referências bibliográficas: GARRET, Almeida. Viagens na minha terra. 3° edição. Lisboa: Sá da Costa, 1974. MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa em perspectiva Símbolos

e

Imagens

em

VIAGENS

NA

MINHA

TERRA

de

Almeida

Garrett

Viagens na Minha Terra é uma obra que relata uma viagem feita por Almeida Garrett, seguindo o percurso de Lisboa a Santarém. É ao mesmo tempo verdadeira e simbólica, como afirma o próprio autor. Verdadeira porque de fato a viagem foi realizada, em 1843, a mando do político Passos de Manuel. É Simbólica, pois vai fazer uso da ficção como meio de representar as manifestações ocorridas em Portugal no século XIX. Trata-se de uma obra muito especial, considerada por muitos críticos, a mais importante prosa literária em Portugal, através desse livro Garrett procura denunciar o malogro do Liberalismo e o triunfo do Materialismo. Pode-se afirmar que a obra apresenta um caráter híbrido, visto que a narrativa manifesta características de relato jornalístico, leitura de viagens, novela sentimental, memória autobiográfica, ensaio sociológico-político, diário íntimo, prosa de ficção. O autor procura descrever com muita maestria a viagem sob diversos aspectos: geográfico, cultural, histórico e político. Em Viagens na Minha Terra Garrett procura estabelecer uma conexão entre passado, presente e futuro, utilizando-se das memórias e das imagens. Estas vão ser corporificadas através de seus personagens principais: Carlos, Frei Dinis, Joaninha, D. Francisca e Georgina. Cada um deles, configurando um aspecto-símbolo da história de Portugal. O século XX foi um período difícil para Portugal uma vez que evidencia a crise de identidade portuguesa, resultado dos vários acontecimentos como a Guerra Civil, a Restauração, o combate entre absolutistas e liberalistas. Imagens e Símbolos A obra em questão é carregada de símbolos e imagens em que o autor utiliza-as de forma singular a fim de reconstituir a história de Portugal. As personagens e suas representações- No percurso da viagem a Santarém — um dos núcleos importantes da obra — o autor registra vários fatos que, incorporados pouco a pouco vão dando forma ao romance. A viagem a Santarém é a imagem do “livro de pedra” em que Garrett busca entremear as partes da história, fazendo alusão a três momentos: o retorno ao passado remoto — período em que Portugal ostentava suas grandezas e atos heroicos; passado recente no qual o autor-narrador, através do relato da história de Joaninha dos Rouxinóis procura evidenciar os fatos histórico-políticos que levaram à degradação material dos monumentos da nação às ruínas e, finalmente o presente que é explicado através da reconstituição dos momentos pretéritos. Em relação aos personagens, comecemos pela história da Menina dos Rouxinóis que é a metáfora da história de Portugal, narrada sob a forma de novela sentimental que envolve Carlos e Joaninha e onde Garrett introduz princípios relacionados ao Absolutismo X Liberalismo e Materialismo X Espiritualismo, fazendo referência a Sancho Pança e D. Quixote, prefigurando a trajetória comportamental de Carlos e Frei Dinis a fim de explicar os fatos que compuseram a história de Portugal. Joaninha não era bela, mas era pura, ingênua, gentil, “o ideal de espiritualidade”, a possuidora dos olhos “verdes-verdes, puros e brilhantes como esmeraldas.Os olhos de Joaninha têm uma simbologia muito grande, vão representar a opulência, o destino agrícola e marítimo de Portugal em seu momento áureo. Talvez por isso, ela tenha um lugar especial no coração de Carlos. Joaninha simboliza o ideal moral positivo, é a imagem do equilíbrio, do sonho, da nostalgia; é o elo, a memória — fator de ligação entre o passado glorioso e o presente catastrófico. Ela é a configuração da monumentalidade histórica de Portugal que insiste em permanecer viva, pelo menos na memória, entremeando o passado remoto com o passado recente a fim de encontrar explicações para a falência do Espiritualismo e da Restauração. A Menina dos Rouxinóis representa o Portugal telúrico que se conservava resistente, Assim como Joaninha, Georgina representa o ideal moral positivo. Mesmo amando Carlos, ela percebe que o seu coração não lhe pertence, está dividido entre ela e Joaninha, por isso, resolve deixá-lo, talvez pressentindo que ele não fosse capaz de fazer uma escolha entre elas. Apesar de Joaninha supostamente se constituir como sua rival, elas têm uma relação “civilizada”, compreendem-se e respeitam-se profundamente, pois são vítimas de uma mesma situação. Elas representam a essência do bem num mundo que não tem mais lugar para elas, portanto, perdem o seu valor no mundo materializado. Outra figura importante na obra é Carlos que, juntamente com Frei Dinis revelam-se as metáforas que evidenciam os polos antagônicos da narrativa. Neles está representada a marcha do progresso social da nação portuguesa, do Materialismo Absolutista ao Espiritualismo (ideal liberalista burguês). Carlos, em sua primeira fase, quando ainda morava com a avó Francisca e Joaninha sua prima, mostra-se um jovem defensor de ideias liberalistas, o D. Quixote. Após descobrir o segredo que macula a honra da família, Carlos resolve ir embora. Posteriormente alista-se no exército

68


liberal e, por conta da Guerra Civil regressa ao seu país, deixando sua noiva Georgina na Inglaterra. No retorno, encontra Joaninha, já moça feita e apaixonam-se imediatamente Após descobrir que é filho de Frei Dinis, Carlos renuncia à família, aos “amores” e aos ideais. Vitimado por uma crise de valores que o obriga a optar por assumir-se Sancho Pança ou D. Quixote (materialista ou espiritualista), um verdadeiro combate interior, deixa-se seduzir então pelos apelos do Materialismo — mascarado pelo Liberalismo, pois este, já havia se afastado dos princípios primitivos. Dessa forma, Carlos trai a si próprio, aos seus valores e decide então incorporar a figura de Sancho, tornando-se barão — símbolo do Portugal contemporâneo que rejeita a estagnação e os princípios cristãos. Essa alternância tão contraditória (Quixote/Sancho) de personalidade e ideário determina o progresso, “é a crônica do passado, a história do presente, o programa do futuro” (cap. II); o Materialismo Absolutista X Liberalismo que explicam a situação histórica, cultural e política de Portugal no século XIX. Carlos já não é mais o mesmo (ou já o era?), revela uma personalidade ainda mais instável; mostra-se um indivíduo multifacetado e oscilante, o qual não consegue conciliar seu idealismo com as ofertas que lhes são oferecidas pelo Materialismo, tão pouco se decidir por uma das duas mulheres que circundam sua vida, ou melhor, ele nunca soube fazêlo, nunca soube amar verdadeiramente nenhuma das mulheres que cruzaram seu destino, sempre ficou dividido entre elas. Essa impotência sentimental (muito comum no Romantismo) o levou a abandonar as duas: Georgina e Joaninha, talvez como uma forma de fuga para não enfrentar seus problemas. Num determinado momento Carlos deseja morrer e parecelhe que essa seja a solução mais adequada, visto que ele torna-se um indivíduo perseguido pelo passado cheio de contradições. Além disso, não consegue aceitar o fato de ser filho de Frei Dinis. Apesar de perdoar-lhe, não consegue conviver com a realidade, pois ela o assusta. Então foge, desencadeando um processo que se pode denominar de mortes simbólicas na obra: Carlos morre ao tornar-se barão — morte de ideais, da alma, do amor. Essa inconstância aponta para uma falta de autoafirmação, de uma personalidade bem estruturada. Tal oscilação não diz respeito apenas ao aspecto amoroso, contudo, perpassa por outras áreas de sua vida (tal qual Garrett). A decisão de tornar-se barão, certamente vem consolidar a pretensão de superar o fracasso amoroso, ou do próprio eu-errante, instável. Além da morte de Carlos há também a de Joaninha que morre para a razão ao enlouquecer; Georgina morre para a vida ao converter-se ao Catolicismo, pois não aceitava ser de outro homem que não fosse Carlos; D. Francisca (que já estava semimorta), também louca, morre para o mundo, está apenas à espera da “dissolução do corpo”, assim como Frei Dinis que aguarda o momento em que Deus o leve. O rompimento entre Carlos e Joaninha é uma insígnia da vitória do Liberalismo, resultado de lastimáveis perdas e equívocos, redundando no malogro mencionado por Garret. Tal malogro é a imagem dos resultados da Guerra Civil que, de 1828 a 1834, desencadeou um conflito entre os irmãos D. Pedro IV (para nós, D. Pedro I) e D. Miguel, postulantes ao trono português. A inserção de Carlos na vida pública que estava se descortinando, simboliza o início de uma nova história da nação portuguesa. O Carlos barão representa o Portugal contemporâneo, a ruptura com os valores tradicionais e a adesão aos valores instituídos, resultantes do momento que Portugal estava vivendo, advindos do processo de modernização do país e da Europa como um todo.Portugal está em ruínas, urge a formulação de um projeto que mude esse quadro e que deveria ser realizado pela elite esclarecida, mas esta, sintetizada em Carlos, não está preparada para o desempenho da função para a qual foi convocada. Como a obra possui (também) caráter autobiográfico, convém ressaltar a atuação ativa de Garrett no governo liberal triunfante. Ele, de militante do Liberalismo primitivo, acaba rendendo-se ao Materialismo mascarado sob a forma de um Liberalismo uma vez que este se adequava aos moldes capitalistas que privilegiava uma classe que centralizava o poder em detrimento da vontade do povo. Assim como Carlos, ele não conseguiu realizar a façanha de mudar o rumo da situação. Contrapondo aos valores ditados pela nova ordem que ora se implantava no país, tem-se outro personagem do romance: Frei Dinis, cuja alternância de sua personalidade ocorre de forma oposta a de Carlos, denota, pois, as transformações pelas quais passou Portugal. Antes de tornar-se frade era materialista (Sancho Pança), preso às paixões carnais, vindo a espiritualizar-se depois (D. Quixote), transformando-se em frade, como resultado do remorso pelos crimes que provocara na família de D. Francisca. Após inserir-se na vida religiosa, Frei Dinis passa a assumir outra condição, antagonizando-se a Carlos que de espiritualizado passa a materializar-se. Ao tornar-se frei, adquire efígie de um indivíduo sisudo, triste, hermético em seu mundo: Frei Dinis representa a imagem da Igreja com todo o seu autoritarismo, rigidez, inflexibilidade diante de algumas situações que se lhe “surgia”; estava sempre disposto a seguir os dogmas religiosos e rejeitar todo princípio que não estivesse de acordo com o rigor do Catolicismo. Para todo ato pecaminoso, havia uma punição. Ele próprio se punia pelo ato cometido, ademais, entrou para vida religiosa como forma de penitência visando se redimir dos pecados através do exercício do sacerdócio. Tornou-se um “sobrevivente “à espera da morte, quando finalmente iria expurgar-se totalmente do seu pecado hediondo”. À proporção que as ideias liberais iam ganhando força, a Igreja tornava-se impotente, pois o crescimento do Liberalismo — que já não defendia uma Constituição política estabelecida sobre as bases populares, mas havia sido “contaminado” pelas influências francesa e inglesa — implicava em perda de poder do clero e da nobreza. Autoridade bastante influente, Frei Dinis controlava Joaninha e D. Francisca, só não conseguia exercer domínio sobre Carlos. Não era possível conciliação entre pai e filho — o materializado com o espiritualizado, Quixote e Sancho, Igreja e Estado. Tal relação evidencia o enfraquecimento da Igreja nas decisões ligadas ao Estado. O Liberalismo adquiriu outras nuances, afastando-se, portanto, do Cristianismo, contribuindo dessa forma para o processo de materialização. O mesmo ocorre quando Carlos despreza os vínculos familiares com Frei Dinis e torna-se barão.As relações simbólicas na obra em estudo não param por aí. Se o Frei era a representação da Igreja, D. Francisca, a avó de Joaninha era a personificação do Portugal subserviente, passivo que sempre se dobrava as ordens da Igreja, uma vez que era esta que sempre estabelecia os ditames. A descrição da imagem da avó Francisca é um demonstrativo da tristeza, resignação, impotência. O seu olhar era vago é a reminiscência da dor, que “ao final não vê, não ouve, não fala, ‘morta de alma para tudo’ , assim como Portugal, no corpo agonizante do país, o derradeiro suspiro do espírito,. A cegueira da velha não era apenas física, mas também faz referência à alma. Ela não tinha expectativas; as esperanças já se lhe faltavam há muito; a morbidez lhe era uma característica peculiar. Tal imagem é um indicativo de como Portugal estava como que imerso num invólucro, numa estagnação, num passado morto que Garrett intencionava ressuscitar através das viagens memoráveis. D. Francisca em sua cegueira é a manifestação da imprudência com que o Liberalismo foi assumido em Portugal. Isso

69


evidencia a falta de visão e o despreparo dos defensores do Liberalismo, uma vez que não havia a devida articulação para coloca-lo em prática naquele momento. “O país, impotente, assiste a sua destruição.” Todos esses símbolos e imagens descritos por Garrett não são para mostrar apenas a decadência dos sonhos e dos ideais de mudanças em Portugal. A sua viagem (simbólica e real) é a tentativa de além de retratar não só os motivos pelos quais o projeto de implantação do Liberalismo fracassou, mas, sobretudo, fazer um mapeamento da história de Portugal dentro de seus vários aspectos, já citados anteriormente com intenção de resgatar através da memória um passado glorioso, para explicar o presente decadente a fim de projetar um futuro promissor. E isso ele o faz dentro da mais pura liberdade de criação romântica, mesmo afirmando não ser adepto dos padrões Romantismo.

Para facilitar seu entendimento veja a Ficha de Leitura a seguir:

Ficha de Leitura Nome do autor: Almeida Garrett Título: Viagens na Minha Terra Titulo da obra: “Viagens na Minha Terra” Autor: Almeida Garrett Editora: Figueirinhas Local de publicação : Porto Principais dados sobre o Autor: Almeida Garrett nasceu no Porto a 4 de Fevereiro de 1799,o nome de baptismo era João Leitão da Silva. Quando estudante em Coimbra adoptou o nome que o tornou célebre: Almeida Garrett, sendo o último nome da avó paterna. Grande escritor, a tradição reteve de Garrett a imagem do homem elegante, do dândi que ditava moda no Chiado. Dominava tanto a prosa como o verso. Morreu em 9 de Dezembro de 1854, quando trabalhava no romance HELENA.

Primeiros anos João Baptista da Silva Leitão nasceu no Porto a 4 de Fevereiro.Na adolescência foi viver para os Açores, em Angra do Heroísmo, quando as tropas francesas de Napoleão Bonaparte invadiram Portugal e onde era instruído pelo tio, D. Alexandre, bispo de Angra. Em 1816 seguiu paraCoimbra, onde se matriculou no curso de Direito. Em 1818 publicou O Retrato de Vénus, trabalho que lhe custou um processo por ser considerado materialista, ateu e imoral. E neste mesmo ano que ele e sua família passam a usar o apelido de Almeida Garrett.

Presença nas lutas liberais Participou da revolução liberal de 1820, seguindo para o exílio na Inglaterra em 1823, após a Vilafrancada. Antes havia casado com Luísa Midosi, de apenas 14 anos. Foi em Inglaterra que tomou contato com o

70


movimento romântico, descobrindo Shakespeare, Walter Scott e outros autores e visitando castelos feudais e ruínas de igrejas e abadias góticas, vivências que se refletiriam na sua obra posterior. Em 1824, seguiu para França, onde escreveu Camões (1825) e Dona Branca (1826), poemas geralmente considerados como as primeiras obras daliteratura romântica em Portugal. Em 1826 foi amnistiado e regressou à pátria com os últimos emigrados dedicando-se ao jornalismo, fundando e dirigindo o jornal diário O Português (1826-1827) e o semanário O Cronista (1827). Teria de deixar Portugal novamente em 1828, com o regresso do Rei absolutista D. Miguel. Ainda nesse ano perdeu a filha recém-nascida. Novamente em Inglaterra, publica Adozinda(1828) e Catão (1828). Juntamente com Alexandre Herculano e Joaquim António de Aguiar, tomou parte no Desembarque do Mindelo e no Cerco do Porto em 1832 e1833. Vida política A vitória do Liberalismo permitiu-lhe instalar-se novamente em Portugal, após curta estadia em Bruxelas como cônsul-geral e Em Portugal exerceu

cargos

encarregado políticos,

de

negócios,

distinguindo-se

onde

nos anos

lê Schiller, Goethe e Herder. 30 e 40 como

um

dos

maioresoradores nacionais. Foram de sua iniciativa a criação do Conservatório de Arte Dramática, da Inspeção-Geral dos Teatros, do Panteão Nacional e do Teatro Normal (atualmente Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa). Mais do que construir um teatro, Garrett procurou sobretudo renovar a produção dramática nacional segundo os cânones já vigentes no estrangeiro.
Com a vitória cartista e o regresso de Costa

Cabral ao

governo,

Almeida

Garrett

afasta-se

da vida

política

até 1852.Contudo,

em 1850 subscreveu, com mais de 50 personalidades, um protesto contra a proposta sobre a liberdade de imprensa, mais conhecida por “lei das rolhas”. Garrett sedutor A vida de Garrett foi tão apaixonante quanto a sua obra. Revolucionário nos anos 20 e 30, distinguiu-se posteriormente sobretudo como o tipo perfeito do dandy, ou janota, tornando-se árbitro de elegâncias e príncipe dos salões mundanos.Foi um homem de muitos amores, uma espécie de homem fatal. Separado da esposa, passa a viver em mancebia com D. Adelaide Pastor até à morte desta em 1841. A partir de1846, a sua musa é a viscondessa da Luz, Rosa Montufar Infante, inspiradora dos arroubos românticos das Folhas caídas. Em 1851, Garrett é feito visconde de Almeida Garrett em duas vidas, e em 1852 sobraça, por poucos dias, a pasta dos Negócios Estrangeiros em governo presidido pelo Duque de Saldanha. Falece em 1854, vítima de cancro. Classificação da Obra: Romance Histórico Número de capítulos: 49 capítulos Ação principal: O autor resolve fazer uma viagem de Lisboa a Santarém de comboio, com a intenção de conhecer as ricas várzeas desse Ribatejo, e assim saudar do alto cume a mais histórica e monumental das vilas de Portugal. Paralelamente as paisagens visitadas o autor e narrador , presenteiam os presentes com um romance de amor.

71


Tipo de ação: Encadeada Personagens Principais: Joaninha e Carlos, protagonistas da história de amor. Personagens Secundárias: A avó de Joaninha – D. Francisca, Frei Dinis, Georgina, Júlia. Narrador: Participante Espaço principal: A história contada do romance de amor passa-se em 1932, e é narrada por Almeida Garrett, aos participantes da viagem. O mesmo Almeida é o cronista narrador. Tempo Histórico: séc. IX Tempo A ação decorre durante uma viagem que Garrett faz de Lisboa a Santarém, além de discorrer sobre a paisagem, seus devaneios, o leva até este romance.

Resumo “Viagens na Minha Terra” pode ser considerado um romance contemporâneo. Um livro difícil de enquadrar em género literário, pelo hibridismo que apresenta, além da viagem que de fato acontece paralelamente o autor conta um romance sentimental. O conteúdo da obra, parte, como já dito, de um fato real, uma viagem que Garrett fez a Santarém e que teve o cuidado de situar no tempo. Além da viagem real, Garrett, faz nas suas divagações, várias viagens paralelas. Tantas e tais viagens, que numa delas o leva justamente, e pela mão de um companheiro de itinerário, a centrar-se no drama sentimental de Carlos e a “menina dos rouxinóis”- Joaninha. O Romance resume-se, a intricada história, de uma velhinha ( vó Francisca) com sua neta Joaninha. A menina-moça tem um primo, filho da única filha da avó, que já falecera. A moça tinha por si só a avó. Todas as semanas, Frei Dinis, vinha visitá-las, e alguma vez trazia notícias de Carlos, que já algum tempo, fazia parte do séquito de D. Pedro. Só que a maneira como Frei Dinis falava de Carlos, dava para perceber algo, que só a idosa e Frei Dinis conhecia. Passara o ano de 1830, Carlos formara-se em Coimbra, e só então visitou a família, mas com muitas reticências em relação a avó e Frei Dinis. Carlos também pressentia que ele e a avó mantinham um segredo. Carlos, nas suas andanças, já tinha elegido uma fidalga para ele: D. Georgina, mulher de fino trato.No entanto a guerra civil progredia, eram meados de 1833. Os Constitucionalistas tinham tomado a Esquadra de D. Miguel, Lisboa estava em poder deles, e Carlos era um dos guerreiros da parte Realista. Em 11 de Outubro, os soldados estão todos por volta de Lisboa, às tropas constitucionais vinham ao encalço das Realistas, e na batalha sangrenta, muitos ficaram feridos. A casa de Joaninha foi tomada por soldados Realistas, que vigiavam a passagem dos Constitucionais.

72


Numa das andanças de Joaninha, por perto de casa, encontra Carlos, ele pede que não diga que ali está, mas abraçam-se e trocam juras de amor ali mesmo. Só que Carlos sabia que Georgina o esperava, e a sua mente tornou-se confusa, já não sabia se amava Georgina. Com Carlos ferido e alojado perto do vale onde morava Joaninha, essa veio inúmeras vezes vê-lo, e ajudálo na enfermidade. Certo dia Carlos depois de muita insistência de Joaninha foi ver a avó, e ficou surpreso da cegueira da mesma, por lá encontrou Frei Dinis, e quanto mais o olhava, menos gosto tinha. Enquanto permaneceu por perto, Carlos e Joaninha mantiveram um tórrido romance. Mas, Carlos, já refeito dos ferimentos seguiu para a tropa, e antes passa na casa da avó para se despedir. Implora que ela conte a verdade sobre o suspeito segredo. Então, Dona Francisca conta que frei Dinis é pai de Carlos, que a sua mãe morreu de desgosto, e para se defender, Frei Dinis mata o pai de Joaninha, e o marido da sua amante. Com isso Carlos parte, deixando Joaninha desolada. Volta a viver com Georgina. Escreve à prima contando todo o seu romance com Georgina, o que para a moça foi um impacto terrível. Mais Tarde Carlos se fez Barão. Também abandona Georgina , que vira Abadessa. Joaninha enlouqueceu e morreu. Frei Dinis foi quem cuidou da velha senhora até á morte. E assim o Comboio chega ao Terreiro do Paço, e Garrett finaliza mais uma das suas melhores obras. Avaliando da Obra: Viagens na Minha Terra é um livro da autoria de Almeida Garrett; na obra onde se misturam o estilo digressivo da viagem real (que o autor fez de Lisboa a Santarém) e a narração novelesca em torno de Carlos, Frei Dinis e Joaninha. As Viagens, publicadas em volume em 1846, são o ponto de arranque da moderna prosa literária portuguesa: pela mistura de estilos e de géneros, pelo cruzamento de uma linguagem ora clássica ora popular, ora jornalística ora dramática, ressaltando a vivacidade de expressões e imagens, pelo tom oralizante do narrador, Garrett libertou o discurso da pesada tradição clássica, antecipando o melhor que a este nível havia de realizar Eça de Queirós. Mas as Viagens valem também pela análise da situação política e social do país e pela simbologia que Frei Dinis e Carlos representam: no primeiro é visível o que ainda restava de positivo e negativo do Portugal velho, absolutista; o segundo representa, até certo ponto, o espírito renovador e liberal. No entanto, o fracasso de Carlos é em grande parte o fracasso do país que acabava de sair da guerra civil entre miguelistas e liberais e que dava os primeiros passos duma vivência social e política em moldes modernos.

73


No século XIX e em boa parte do século XX, a obra literária de Garrett era geralmente tida como uma das mais geniais da língua, inferior apenas à de Camões. A crítica do século XX (notavelmente João Gaspar Simões) veio questionar esta apreciação, assinalando os aspectos mais fracos da produção garrettiana. No entanto, a sua obra conservará para sempre o seu lugar na história da literatura portuguesa, pelas inovações que a ela trouxe e que abriram novos rumos aos autores que se lhe seguiram. Garrett, até pelo acentuado individualismo que atravessa toda a sua obra, merece ser considerado o autor mais representativo do romantismo em Portugal.

6- O Cortiço-Aluísio de Azevedo ANÁLISE

DETALHADA

Neste livro, já não é mais a estória dos personagens que interessa tanto. Mais do que ela, salienta-se rivalidade entre o espaço de João Romão e do comendador Miranda, a simbolizarem todo um processo de transformação econômica em momento de expansão urbana. João Romão, um ganancioso comerciante de origem portuguesa, possui uma pedreira, uma taverna e um terreno razoável, onde constrói casinholas de baixo custo para alugar. Secundando-o nas tarefas e com ele repartindo a cama, a figura da negra Bertoleza ex-escrava forte e também ambiciosa, supostamente alforriada. A poucos metros da venda, havia um sobrado que veio a ser ocupado por Miranda, Estela e Zulmira, uma família economicamente segura, cujo chefe vendia pano por atacado. A proximidade do cortiço incomodava Miranda que, por sua vez incomodava João Romão com seu ar de fidalguia e seu título de comendador. A contratação de Jerônimo , um operário português ,para o trabalho na pedreira altera um pouco a competição do cortiço,para onde ele se muda em companhia da mulher, a Piedade e a filha Senhorinha.Essa alteração ganha intensidade, sobretudo a partir do momento em que nasce o interesse amoroso entre o operário e Rita Baiana ,beleza máxima daquele agrupamento. Rita ,no entanto tinha compromisso com Firmo,mulato garboso e gabola, capoerista hábil ,morador de um cortiço vizinho, o “Cabeça de Gato”. No primeiro enfrentamento ,Firmo leva a melhor , e atinge Jerônimo com uma navalha. Enquanto isso , Botelho, um agregado em casa de Miranda ,começa a estimular o interesse de João Romão por Zulmira ,a filha do atacadista de panos. Nesse projeto, evidentemente ,inclui-se um plano para dispensar Bertoleza. A essa altura Rita e Jerônimo já vivem juntos , e a preocupação deste é vingar-se da navalhada que o atingira e , se possível eliminar seu rival de vez. Através de uma combinação prévia ,dois tipos escusos atraem Firmo para uma cilada e Jerônimo assassina-o a pauladas. Em conseqüência dessa morte , os”Cabeça-de-Gato” atacam os “ carapicus” do cortiço de João Romão e a luta só se interrompe por causa de um incêndio provocado( pela bruxa, a lavadeira Paula). Na verdade.desse fogo arrasador renasce um cortiço novo e mais “próspero”. O fogo ajudara, indiretamente, os planos de João Romão que , agora já vinha mantendo boas relações com a família de Miranda .Só restava o empecilho de Bertoleza.Mas o providencial Botelho descobrira o dono daquela escrava , cujo dinheiro da alforria ,tão duramente economizado ,fora embolsado por João Romão. Diante da ameaça de retorno ao cativeiro,Bertoleza estripa-se ,enquanto João Romão recebe um prêmio como amigo da Sociedade Abolicionista. Vamos lá........ ESTRUTURA DA OBRA

74


A obra apresenta 23 capítulos não intitulados e não muito curtos. Presença constante de diálogos. Foco Narrativo Narrado em 3ª pessoa, a obra tem um narrador onisciente que se situa fora do mundo narrado e/ou descrito. Há um total distanciamento entre o narrador e o mundo ficcional, por vezes no cortiço de João Romão, outras no sobrado de Miranda. Como o narrador exerce a onisciência, por vezes sua fala se confunde com a dos personagens, principalmente com João Romão, por meio do discurso indireto livre . Há o predomínio na narrativa do discurso indireto livre, o que permite ao autor revelar o pensamento das personagens. ESPAÇOA narrativa transcorre em alguns bairros do Rio de Janeiro, mas seu foco de atenção se atém ao cortiço de João Romão, situado em Botafogo. O cenário é descrito com ambiente e os caracteres em toda a sua sujeira, podridão e promiscuidade, com uma intenção crítica - mostrar a miséria do proletariado urbano - sem esconder a náusea que o narrador sente diante da realidade que revela, mas posicionando-se de maneira solidária junto ao povo do cortiço: "Sentia-se naquela fermentação sanguínea, naquela gula viçosa de plantas rasteiras ...o prazer animal de existir,... E naquela terra, ...naquela umidade quente e lodosa, começou a minhoca a esfervilhar, a crescer,... uma coisa viva, uma geração que parecia espontânea,... multiplicar-se como larvas no esterco." TEMPO A narrativa apresenta tempo cronológico, bem marcado, co inúmeras situações de horas, dias da semana etc...Porém em alguns capítulos o narrador conta em flashback acontecimentos passados, que orientam a narrativa. Romance de cunho social, O Cortiço, de Aluísio Azevedo, é o marco da literatura realistanaturalista brasileira. Uma história envolvente e sombria de uma habitação coletiva no Rio de Janeiro do Segundo Império (período em que as estalagens coletivas proliferavam) que tem como tema a ambição e a exploração do homem pelo próprio homem. De um lado, João Romão, que aspira à riqueza, e Miranda, já rico, que aspira à nobreza. Do outro lado, a "gentalha", caracterizada como um conjunto de animais, movidos pelo instinto e pela fome. Todas as existências se entrelaçam e repercutem umas nas outras. O cortiço é o núcleo gerador de tudo e foi feito à imagem de seu proprietário, cresce, se desenvolve e se transforma com João Romão. O SEXO O sexo é, em O Cortiço, força mais degradante que a ambição e a cobiça. A supervalorização do sexo, típica de determinismo biológico e do naturalismo, conduz Aluísio a focalizar diversas formas de "patologia" sexual: "acanalhamento" das relações matrimoniais, adultério, prostituição, lesbianismo etc. Na elaboração de O Cortiço, Aluísio Azevedo seguiu, como em Casa de Pensão (que é bastante inferior), a técnica naturalista de Zola. Visitou inúmeras habitações coletivas do Rio; interrogou lavadeiras, sapoeiras, vendedores, cavouqueiros; observou-lhes a linguagem; escutou atento os ruídos coletivos dos cortiços; sentiu-lhes o cheiro (como na obra de Zola, as imagens olfativas têm importância na fixação do ambiente, segundo um processo criado pelos naturalistas); viu-lhes a promiscuidade e notou que as coletividades, apesar de divergirem, são ligadas por um estranho sentimento de classe que as une, nos momentos mais críticos, quando são esquecidos os ódios e as divergências. Com toda essa “documentação”, criou o enredo em tomo de um problema social que se tomava mais e mais grave, com a formação de grandes massas urbanas proletárias, constituídas em boa parte pelos operários dos primórdios da industrialização do país. O VISUAL Duas grandes qualidades devem ser observadas no estilo de O Cortiço: uma é a grande capacidade de representação visual do autor, certamente relacionada com sua habilidade para o desenho (Aluísio exerceu, em certa época, a atividade de caricaturista) e que faz que tenhamos frequentemente, ao ler o romance, a impressão de estarmos assistindo a um filme; a outra é a sua formidável habilidade para dar vida à multidão, ao grande grupo humano dos moradores do cortiço. De fato, vemos, no romance, essa coletividade pulsar, reagir, legando-se, deprimindo-se ou irando-se — e ocupando o lugar de personagem central da obra. Desse grupo variado e animado destacam-se alguns tipos, a que o romancista soube atribuir urna individualidade

75


marcante. Entre estes últimos, é inesquecível a figura de Rita Baiana, a bela, sensual, generosa e graciosa mulata, que se tornou uma das personagens mais notáveis da literatura brasileira. Deve se notar que no romance, as mulheres são reduzidas a três condições: de objeto, usadas e aviltadas pelo homem: Bertoleza e Piedade; de objeto e sujeito, simultaneamente: Rita Baiana; e de sujeito, são as que se independem do homem, prostituindo-se: Leonie e Pombinha. Veja

exemplos

de

descrição

realista

e

objetiva

dos

tipos

humanos

na

obra:

PERSONAGENS As personagens em O Cortiço não podem ser tratadas como entidades independentes, podendo ser vistas preferencialmente como partes de uma rede intrincada de influências e interações. Alguns podem ser separados em grupos de forma mais clara em grupos de relacionamento, esquema no qual serão apresentados a seguir. O cortiço e o sobrado: personagem principal; sofre processo de zoomorfização; é o núcleo gerador de tudo e foi feito à imagem de seu proprietário, cresce, se desenvolve e se transforma com João Romão. Apesar de seu crescimento, desenvolvimento e transformação acompanharem os mesmos estágios nas pessoas de João Romão, é, na verdade, o estabelecimento que muda o dono, não o contrário. Vê-se na evolução do cortiço um processo que não se pode evitar ou reverter, determinado desde o início da história, tendo João Romão apenas feito o que estava em seu instinto de homem desprovido de livre-arbítrio fazer. O sobrado representa para o cortiço o mesmo que Miranda representa para Romão, criando-se entre eles a mesma tensão que existe entre os dois homens. João Romão: E seu tipo baixote, socado, de cabelos à escovinha, a barba sempre por fazer, ia e vinha da pedreira para a venda, da venda hortas e ao capinzal, sempre em mangas de camisa, tamancos, sem meias, olhando para todos os lados, com o seu eterno ar de cobiça apoderando-se, com os olhos, de tudo aquilo de que ele não pode apoderar-se logo com as unhas. ...possuindo-se de tal delírio de enriquecer, que afrontava resignado as mais duras privações. Dormia sobre o balcão da própria venda, em cima de uma esteira, fazendo travesseiro de um saco estopa cheio de palha. Miranda- português, 35 anos, negociante de tecidos. Muda-se para um sobrado, ao lado do cortiço de J. Romão. Casa-se por interesse com Estela, que não o ama, sente-se humilhado e aos poucos irá invejar J. Romão que ascendeu sozinho, sem precisar se casar por conveniência Estela- esposa de Miranda, pretensiosa e com fumaças de nobreza. Zulmira- suposta filha de Miranda e Estela- tinha de 12 para 13 anos, pálida, com pequeninas manchas roxas nas narinas.- sardas pelo rosto- unhas moles e curtas, olhos grandes, vivos e maliciosos. Bertoleza- quitandeira,, escrava que enganada por J. Romão crê que está alforriada. Trabalhadeira, humilde e servil Piedade- esposa de Jerônimo, não se adapta aos costumes do cortiço mantém seus hábitos portugueses, tanto na alimentação como em não tomar banho todos os dias.Abandonada pelo marido, vai se degradando até ser expulsa do cortiço. Jerônimo-português de uns 35 a 40 anos,, alto, barba áspera,cabelos pretos e maltratados caindo-lhe sobre a testa, pescoço de touro e e cara de Hércules.,olhos que exprimiam bondade. A princípio mostra-se trabalhador, bom marido, bom pai. Ao se apaixonar por Rita Baiana passa por uma degradação muito grande-( chamamos abrasileiramento).No final da narrativa busca sua mulher e filha e abandona o cortiço, na esperança de voltar a ser o que era. Rita Baiana- mulata muito sensual, amiga de todos no cortiço.”E toda ela respirava o asseio das brasileiras e um odor sensual de trevos e plantas aromáticas.” Mulher independente, causadora da transformação de Jerônimo que fica fascinado por ela. Tudo começa quando ela lhe oferece um café. Firmo- capoeirista, amante de Rita Baiana.Teria seus trinta e poucos anos,mas não parecia ter vinte e poucos.Pernas e braços finos, pescoço estreito,porém forte; não tinha músculos, tinha nervos.Não tinha barba, e sim um bigodinho crespo, petulante onde reluzia à brilhantina de barbeiro; grande cabeleira encaracolada, negra e bem negra, dividida ao meio na cabeça, estufando debaixo da aba do chapéu de palha, que ele punha de banda derreado sobre a orelha esquerda.

76


João Romão, Miranda, Bertoleza e secundariamente, Zulmira, Botelho e D.Estela: de acordo com o crítico literário Rui Mourão, os elementos conflitantes na obra "não se isolam em planos equidistantes. Ao contrário, o que existe [...] é um estado de permanente tensão e mútua agressão". Afirma, em outra ocasião, que dessas lutas ninguém sairá vencedor ou vencido. Miranda e João Romão, apesar de aparentarem ser diferentes frente à sociedade, são essencialmente influenciados pelos mesmos elementos, tendo que ter, portanto, o mesmo destino. Seus rumos se tornam entrelaçados similarmente aos laços existentes entre sobrado e cortiço: vizinhos, porém distantes; diferentes, porém iguais sob olhar mais minucioso. Romão e Miranda são complementares. Bertoleza e D.Estela são, sob todas as óticas, o oposto uma da outra: a negra escrava, pobre e fiel, e a mulher branca, nobre e adúltera. Não há relação de complementação nesse caso, apenas uma forma de acentuação do abismo de inveja que une João e Miranda. Enquanto um deseja a independência, a prosperidade e a fidelidade conjugal do outro, o outro almeja os contatos, a nobreza e a capacidade de esbanjamento do um. Zulmira e Botelho têm aqui papéis de meros instrumentos do autor para dar andamento à história. Jerônimo, Rita, Firmo e Piedade: nas relações entre essas personagens é demonstrado mais claramente o princípio naturalista que rege a obra de Azevedo. Suas interações são baseadas puramente no instinto, no desejo sexual, no ciúme, na ira. Jerônimo e Firmo, são como Romão e Miranda, complementos um do outro. Um era "a força tranqüila ,o pulso de chumbo, em constante tensão com a força nervosa (...) o arrebatamento que tudo desbarata no sobressalto do primeiro instante". Mas, nas palavras de Azevedo, ambos corajosos. O autor deixa claro que nenhum deles pode fugir ao que lhes está destinado. Jerônimo, desde o dia em que viu Rita dançar pela primeira vez, estava fadado à perdição, arrastando Firmo e Piedade para o caminho do ciúme e da destruição a morte, no caso de Firmo, e a miséria e a quase-loucura, no caso de Piedade. A metamorfose de Jerônimo se dá como tentativa de se tornar Firmo antes de tirar o que lhe pertence não só Rita, mas tudo o que ela implicava: a beleza, os encantos da terra, a vida feliz do malandro sem preocupações. Cada um reage mais ou menos de acordo como suas características pessoais, notoriamente a raça (a submissão da portuguesa e a belicosidade do mulato capoeira), mas se faz presente em todos a conformação, a inércia. Com a morte de Firmo, Jerônimo assimila o papel de seu rival, mantendo um fantasma do que era no passado, que a bebida e a Rita contribuem para esmaecer. Os elementos naturais e as circunstâncias estão sempre a sufocar qualquer manifestação psicológica independente, carregando os personagens numa correnteza inevitável e irreversível. Pombinha, Leónie e Senhorinha: desde o momento em que é apresentada, a prostituta Leónie, madrinha de uma das filhas de Augusta, representa a independência financeira que aqueles que têm vida honesta não conseguem alcançar. Vende seu corpo, mas o que faz não é crime aos olhos dos moradores do cortiço, que não tem as cínicas restrições sexuais da burguesia brasileira. Pombinha, filha de D.Isabel, era uma garota de 18 anos que ainda não se havia tornado mulher. Após anos esperando o momento de se casar, irá se separar do marido após pouco tempo para seguir num relacionamento homossexual com Léonie, que havia lhe iniciado no prazer sexual. Ao atiçar a sexualidade de Pombinha, fazendo com que ela atinja a puberdade, Leónie põe em funcionamento uma dinâmica de acontecimentos que passam a independer da vontade dos personagens. Pombinha possuía um desenvolvimento intelectual maior que a maioria dos personagens do cortiço, talvez por não se ter visto envolvida tão cedo nas tramas de sexo e ciúme que os consumiam. Ao ter que começar uma vida como mulher casada, não conseguiu se adaptar à falta de liberdade e foi viver com Leónie, aprendendo seu ofício. Ironicamente, a comercialização do sexo protagonizada por Leónie e Pombinha se contrapõe à vulgarização do sexo pelos moradores do Cortiço enquanto esses são escravos de seus impulsos, Leónie e Pombinha se tornam mais senhoras de si através do desejo alheio. Nesse quadro, Senhorinha, a filha de Jerônimo se insere para provar que ninguém foge ao meio: tendo sido criada num cortiço, substituindo Pombinha para seus moradores, com os pais separados e vendo homens tirar proveito da mãe de forma constante, termina tendo o mesmo destino de Pombinha, apesar da educação que teve. Alguns personagens secundários, usados por Azevedo principalmente como objetos de estudo da temática determinista: As LAVADEIRAS- Leandra( a machona), Augusta Carne-Mole ( esposa de Alexandre, mãe de Juju),Leocádia ( esposa de bruno), Paula ( a bruxa), Marciana e sua filha Florinda,D. Isabel ( mãe de Pombinha)

77


- Henrique: filho de um fazendeiro importante que se encontra aos cuidados de Miranda até o fim de seus estudos. Cultivará um caso com D.Estela. - Valentim: filho alforriado de uma escrava por quem D. Estela nutria afeição ilimitada. Leonor: negrinha virgem, moradora do cortiço. Leandra (Machona): portuguesa feroz, habitante do cortiço. Ana das Dores: filha desquitada de Machona. Neném: filha virgem de Machona, muito cobiçada. Agostinho: filho caçula de Machona que morre num acidente da pedreira. - Augusta Carne-Mole: brasileira branca, honesta, casada com Alexandre e com muitos filhos. - Alexandre: mulato, militar, dava muito valor ao seu emprego. Juju: afilhada de Leónie., Leocádia: portuguesa, esposa de Bruno, comete adultério com Henrique. Bruno: ferreiro casado com Leocádia. - Paula (a Bruxa): cabocla velha que exercia função de curandeira. Põe fogo no cortiço duas vezes após enlouquecer, morrendo na segunda tentativa. - Marciana: mulata velha, com mania de limpeza, mãe de Florinda, que perde o juízo quando a filha foge de casa. - Florinda: filha virgem de Marciana, que engravida de um dos vendeiros de Romão e foge de casa. - Dona Isabel: mãe de Pombinha. Seu maior sonho é ver a filha casada. - Albino: Fechava a fila das primeiras lavadeiras, o Albino, um sujeito afeminado, fraco, cor de aspargo cozido e com um cabelinho castanho, deslavado e pobre, que lhe caia, numa só linha, até o pescocinho mole e fino.lavadeiro homossexual, morador do cortiço. - Delporto, Pompeo, Francesco e Andrea: imigrantes italianos que residiam no cortiço. Azevedo foi um dos primeiros a caracterizar literariamente a figura do imigrante italiano no Brasil, mesmo que de forma preconceituosa, retratando-os como carcamanos imundos. Porfiro: mulato capoeira amigo de Firmo. - Libório: velho pão-duro que esmolava entre os outros moradores do Cortiço, mas que possuía uma fortuna escondida, da qual Romão irá se apoderar depois da morte de Libório no segundo incêndio provocado por Bruxa. - Pataca: cúmplice de Jerônimo no assassinato de Firmo, torna-se um dos aproveitadores de Piedade depois que Jerônimo vai morar com Rita. Botelho: Era um pobre-diabo caminhando para os setenta anos, antipático, cabelo branco, curto e duro como escova, barba e bigode do mesmo teor; muito macilento, com uns óculos redondos que lhe aumentavam o tamanho da pupila e davam-lhe à cara uma expressão de abutre, perfeitamente de acordo com o seu nariz adunco e com a sua boca sem lábios: viam-lhe ainda todos os dentes mas, tão gastos, que pareciam 1imados até ao meio. (...) Atirou-se muito às especulações; durante a guerra do Paraguai ainda ganhara forte, chegando a ser bem rico; mas a roda desandou e, de malogro em malogro, foi-lhe escapando tudo por entre as suas garras de ave de rapina. Pombinha- considerada “ a flor do cortiço”, bonita, loira,muito pálida, modos finos e educados, recebeu instrução até em francês.Depois de violentada por Léonie, casa-se ,mas insatisfeita, separa-se e, juntamente com Léonie, dominam o meretrício da região. João da Costa- noivo e depois marido de Pombinha- Traído pela mulher, depois a abandona. Léonie- cocote de procedência francesa.Prostituta e lésbica era muito querida por todos no cortiço. Gosta de Pombinha e a força numa experiência homossexual.Ao final ambas dominam o meretrício. Enredo O Cortiço conta principalmente duas histórias: a de João Romão e Miranda, dois comerciantes, o primeiro, o avarento dono do cortiço, que vive com uma escrava a qual ele mente liberdade. Com o tempo sua inveja de Miranda, menos rico, mas mais fino, com um casamento de fachada, leva-o a querer se casar com sua filha (e tornar-se Barão no futuro, tal qual Miranda se torna no meio da história). Isto faz com que ele se refine e mais tarde tente devolver Bertoleza, a escrava, a seu antigo dono (ela se mata antes de perder a liberdade). A outra história é a de Jerônimo e Rita Baiana, o primeiro, um trabalhador português que é seduzido pela Baiana e vai se abrasileirando. Acaba por abandonar a mulher, para de pagar a escola da filha e matar o examante de Rita Baiana. No pano de fundo existem várias histórias secundárias, notavelmente as de Pombinha,

78


Leocádia e Machona, assim como a do próprio cortiço, que parece adquirir vida própria como personagem. Vejamos. A área suburbana do Rio de Janeiro do século XIX é o cenário da história de um esperto e pão-duro comerciante português chamado João Romão. Comprando um pequeno estabelecimento comercial, este consegue se aliar a uma negra escrava fugida de nome Bertoleza, proprietária de uma pequena quitanda. Para agradá-la, falsifica uma carta de alforria que asseguraria à negra a tão desejada liberdade. O pequeno estabelecimento, mantido pela esperteza de João Romão e o trabalho árduo de Bertoleza, começa a crescer. Aos poucos o português começa a construir e alugar pequenas casas, o que leva a edificação de um grande cortiço: a "Estalagem São Romão." Logo se ergueriam novas pendências, como a pedreira (que servia emprego aos moradores) e o armazém (onde os mesmos compravam seus artigos de necessidade). O crescimento só não agrada ao Senhor Miranda, dono de um sobrado vizinho. Nas casas do cortiço, figuras das mais variadas caracterizações podem ser vistas e apreciadas: entre eles o negro Alexandre, a lavadeira Machona, a moça Pombinha, Jerônimo e Piedade (casal de portugueses), e a sensual Rita Baiana, que desfilava toda a sua sensualidade dançando nas festas. Num desses encontros feitos de música e gritos, Jerônimo se encanta com a dança de Rita Baiana, o que provoca ciúmes em Firmo, amante da moça. Há uma violenta briga, e Firmo fere o jovem português com uma navalha, fugindo logo depois. Jerônimo vai parar num hospital. Forma-se um novo cortiço perto dali, recebendo o apelido de "Cabeça-de-gato" pelos moradores do cortiço de João Romão. Estes, por sua vez, os apelidam de "Carapicus", o que já indica a competição e a rincha entre eles. Enquanto isso, Jerônimo volta do hospital e, numa emboscada, mata Firmo, agora morador do cortiço rival. Enquanto o jovem português larga a mulher para viver com Rita Baiana, o pessoal do "Cabeça-de-gato" entra em guerra com os moradores do cortiço de João Romão para vingar a morte de Firmo. Um incêndio misterioso acaba com o conflito e destrói grande parte do cortiço do velho comerciante português. João Romão reconstrói sua estalagem, que fica ainda mais próspera, e se alia a Miranda, com a intenção de freqüentar rodas mais finas e elegantes e se casar com uma moça de boa educação. O verdadeiro intento do esperto comerciante é a mão de Zulmira, filha do novo amigo. Concretizando seu sonho, só resta agora se livrar do incômodo de sua companheira Bertoleza. Isso se dá através de uma carta enviada aos proprietários da negra fugida, revelando seu esconderijo. Estes não demoram a aparecer no cortiço com o intuito de levá-la de volta. Bertoleza, percebendo a traição, suicida-se com a mesma faca de limpar peixes que usou a vida inteira para preparar as refeições de João Romão e os clientes do seu armazém. A

homossexualidade

retratada

em

O

Cortiço

No naturalismo brasileiro o homem é visto como produto do meio e biológico. A questão da homossexualidade é tratada como desvio de conduta, anormal, patológico, animalesca. Assim as personagens apresentam desvios. O naturalismo é material, é do corpo não humano. Retratando a realidade de forma objetiva, descrevendo grupos marginalizados. O autor retrata a vivência e o comportamento da sociedade sobre uma ótica estética, rica em detalhes, com teor denunciativo, rompimento com o romance convencional. Na época em que foi publicado o romance causava choque aos leitores, por seus temas que mostrava através do ficcional o factual, como, por exemplo, a homossexualidade de Léonie e Pombinha. Léonie configura-se como a pervertida, que desvia Pombinha do caminho, havendo apelos carnais. O autor descreve as personagens com instinto animal, patente o depreciativo, relações de interesse, sedução, desejo, poder, culminados nos processos deterministas do cientificismo/ evolucionismo.Os furtos, estupros, homicídios ocorrem sem justificativa. Léonie - Nos dias atuais poderíamos definir Léonie, como uma mulher forte, autêntica, a frente do seu tempo. Mais por se tratar de um romance naturalista há controvérsia, já que no naturalismo Léonie seria definida

79


como mulher pervertida, impura, aquela que tem que ser banida, pois é um "mal" que assola a sociedade e pode contaminar os que conviverem com ela. A mulher no naturalismo era tratada como objeto sexual, e tudo sobre os desvios na sexualidade estavam relacionados a fatores internos e externos. O autor caracteriza Léonie como mulher de procedência francesa que possuía um sobrado na cidade, o que demonstrava status. A busca por relação sexual para satisfazer-se: (...) Os seus lábios pintados de carmim, sua pálpebras tingidas de violeta; o seu cabelo artificialmente loiro. (AZEVEDO, 2009, p.105). Utiliza faceta para seduzir, abocanhar sua presa, um jogo de interesse, dava-lhe presente, premiando-a constantemente: O

troco

Leónie (...)

ficou

esquecido,

entregou

tomou

a

á

mão

de

de

propósito,

Pombinha Pombinha

uma e

sobre medalha

meteu-lhe

um

anel

a

cômoda

(...).

(pag.108)

de

prata

(...).

(pag.109)

cercado

de

pérolas.

(pag.139)

Quando sua presa caía na armadilha, ela saciava sua sede, devorando-a ferozmente toda. -Vem cá, minha flor!... Disse-lhe, puxando-a contra si (...). Sabes? Eu te quero cada vez mais!...Estou louca por ti!(p.135) E, num relance, desfez para o lado, examine, inerte, os membros atirados num abandono de bêbado. (p.136137) No jogo do homoerotismo, essa mulher subjuga as vontades da afilhada utilizando discurso sedutor: Léonie saltava para junto dela e pôs-se a beijar-lhe, á força, os ouvidos e o pescoço, fazendo-se muito humilde, adulando-a, comprometendo-se a ser sua escrava e obedecer-lhe como um cachorrinho. (p.137). Pombinha - Na segunda análise da personagem vale ressaltar seu estereótipo de fraca, nervosa, doente, enfermiça, doente, loira, muito pálida, sua sensualidade associada a doses de inocência, pureza, boa família, asseada. A relação homossexual entre Pombina e sua madrinha Léonie se dá em consequência de um estupro.Pombinha rompe drasticamente com os padrões impostos por ima sociedade preconceituosa, desigual, desumana. A moral cristã do naturalismo aniquila com os padrões qualquer possibilidade do "patólogico", defeituoso, se dar bem. A personagem tem a figura da mãe, que a protege e a figura do pai, um homem que fracassa e comete suicídio. Talvez essa figura do pai é substituída pelas carícias e mimos de sua madrinha Léonie. O que conta muito segundo os estudiosos para a formação da personalidade de Pombinha. Léonie perverteu Pombinha desviando-a para uma vida de prostituição, sexo e embriagues. Pombinha toma Léonie como espelho, modelo de vida a ser seguido. Observemos "A

folha

à

afilhada, era

a

antes flor

da do

relação cortiço

homoérotica: (...)".

(p.37)

"As mãos ocupadas com o livro de rezas, o lenço e a sombrinha(...) é mesmo umaflor(...)orçando pelos dezoito anos, não tinha pago a natureza o cruento tributo da puberdade". (p.38).

80


Este assunto não era segredo para ninguém, porém quando menstruou , todos ficaram sabendo, houve comemoração, é como se as janelas da liberdade fossem abertas e um pássaro pudesse finalmente voar. "E devorava-a de beijos violentos, repetidos, quentes, que sufocavam a menina, enchendo de espanto e de um instinto temor (...)" (p.135) A ruptura acontece quando Pombinha se separa do seu marido, após adultério. Atirou-se as coisas mundanas e foi morar com Léonie, mais sustentava a mãe com o dinheiro da prostituição, a qual se tornou perita e com sua sagacidade, conquistava todos os homens. Pombinha tinha uma afilhada e a tratava com a mesma simpatia que fora tratada por Léonie. "A cadeia continuava e continuaria interminavelmente; o cortiço estava preparando uma nova prostituta naquela pobre menina desamparada, que se fazia mulher" (p.236) Você que vai prestar FUVEST-UNICAMP-FAMEMA- veja estas questões, resolva-as e, se quiser, traga para a professora olhar. 1. Caracterize o narrador em personagem ou observador-onisciente. Justifique com passagens do texto. 2. De que forma resume o narrador, no capítulo I, A RIVALIDADE ENTRE João Romão e Miranda? 3. Quem foi Bertoleza, descrita no capítulo I ? Relacione: João Romão > venda > cortiço >pedreira João Romão > Bertoleza Como se apresenta , o casal Miranda e D. Estela? Sobrado > Miranda > Estela 4. Uma reflexão feita por Miranda, no cap. II,dá bem a medida do interesse crítico de Aluísio de Azevedo pelo imigrante português.Localize a passagem e transcreva-a. 5. O cap. III inicia-se por uma longa descrição do amanhecer no cortiço. Redija um texto semelhante acerca de outro tema , por exemplo, uma multidão aglomerada na porta de um estádio de futebol ou a entrada solene da noiva em casamento de gala.Observe que é indispensável, num quadro assim a ordem dos detalhes colhidos.Caracterize as lavadeiras - perspectiva naturalista: busque exemplos. 6. Durante todo o romance , Aluísio de Azevedo opõe o mundo dos brasileiros ao mundo dos portugueses, descrevendo-lhes os hábitos , as crenças, os gostos, etc,,,No capítulo VII, a polaridade inclui também a música pela contraposição da dolência do fado à sensualidade do samba .Comente o trecho em que essa cena acontece. 7. Quem era o suposto dono do cortiço “cabeça de gato”?( cap. XIII) 8. Quase no fim do capítulo III aparece em cena Jerônimo, cuja história será contada apenas no capítulo V. De que forma é descrito? 9. Jerônimo x João Romão > consciência do valor do trabalho x interesse capitalista-Caracterize Jerônimo e Piedade 10. Quem era Firmo? Caracterize- Caracterize também o velho Libório 11. O que acontece com Jerônimo? Piedade sente o perigo por instinto ou por inteligência? 12. Relacione: Henriquinho x Leocádia x Bruno 13. Ao longo e cínico diálogo entre João Romão e Botelho termina com o ditado:” O dente que já não presta arranca-se fora” ( cap. XXI). Que sentido tem no contexto da conversa? 14. Jerônimo > processo de abrasileiramento > Rita > Firmo > Piedade-O que descobriu Marciana? Que proveito tira João Romão da situação? 15. Caracterize Leonie e seu relacionamento com as pessoas do cortiço. 16. O que se comemora no sobrado de Miranda?A revolta de Marciana e suas conseqüências. Por que a bruxa sorriu quando Miranda ameaçou João Romão? 17. Por que Firmo e Jerônimo brigaram? Quem representava a força? Quem representava a agilidade? O que colocou fim na briga? Por que os moradores temiam a presença da policia?

81


18. O que o narrador revela sobre a visita de Pombinha a casa de Leonie? Como o narrador apresentou a transformação de Pombinha em mulher? Os preparativos do casamento de Pombinha. Qual o efeito que o pedido de Bruno provocou em Pombinha? 19. O que era o Cabeça de Gato? Quem eram os Carapicus? Que transformações aconteceram com J. Romão? O que as motivava? Ao final do cap. II ,qual recurso utiliza Botelho para aquietar a consciência do jovem Henrique, amante de D. Estela? Qual o acordo que fez com o Botelho? 20. Rita x Firmo x Jerônimo: o que os aproxima? O que os distancia? O que Aconteceu com o Firmo? 21. A descrição da chegada de Rita Baiana no Cortiço ( cap. VI) exemplifica a maestria de Azevedo na criação de tipos populares, um dos segredos também de Camilo Castelo Branco( veja-se o João da Cruz de Amor de Perdição) Explique o trecho, anotando-o. Qual a reação do cortiço com a volta de Rita? 22. No capítulo VIII, Piedade, mulher de Jerônimo, sente pela primeira vez, ciúmes de Rita Baiana. Assim o expressa o narrador:’Não era a inteligência nem a razão o que lhe apontava o perigo, mas o instinto, o faro sutil e desconfiado de toda fêmea pelas outras, quando sente o seu ninho exposto”. O que aconteceu com Rita e Piedade? Como reagiram os habitantes do cortiço diante da disputa das duas? O que voltou a unir os habitantes do cortiço? 23. Que fato importante da trajetória do cortiço é focalizado no 17º capitulo? Quem o provocou? O que os fatos deste capítulo revelam sobre a solidariedade entre os menos favorecidos? 24. O capítulo II de Iracema(1865), de Alencar, começa pela descrição da heroína, aquela que ficou conhecida como a “Virgem dos lábios de mel”.Curiosamente o parágrafo iniciado por “Naquela mulata estava o grande mistério...’(CAP.VII) faz uso do mesmo tipo de metáfora para dizer dos tormentos íntimos de Jerônimo. Comparar os dois textos é bom exercício de verificação de proximidades e das distâncias entre Romantismo e Realismo, vizinhança que se explica muito bem nas obras de Raul Pompeia Aluísio Azevedo ou Camilo C. Branco. 25. A quem Piedade culpa por ter sido abandonada pelo marido? Como Piedade passou a se comportar depois que foi abandonada por ele ? Por que Senhorinha também foi atingida por esse fato? 26. Qual o problema que J. Romão tem de resolver para poder casar-se com Zulmira? Era um casamento por amor? Justifique. Como J. Romão tentou resolver o problema? Qual foi a solução definitiva? Quanto ele pagou por ela? 27. O reencontro entre Jerônimo e Piedade, no capítulo XIX, pode ser considerado um momento de romantismo, dos tantos em que resvala o narrador ao longo da obra? 28. A última hora, às vésperas do casamento , os sonhos românticos de Pombinha com que se desfazem( cap. XII). Por quê? O que aconteceu com Pombinha depois do casamento? 29. Por que no final de O Cortiço revela certo gosto de Aluísio pelo melodramático? 30. Que cenas marcaram o final da narrativa? Leia, ainda, que é importante !!!!!! O Protagonista do Cortiço é o próprio cortiço Conjunto 1 – Cortiço São Romão Define-se por sua composição elementar .Seus elementos têm uma constituição primária e estão ao nível da natureza do instinto . O Conjunto 2- Casa do Miranda- mostra a vigência de certas regras mais definidas culturalmente.Existe entre seus elementos uma coexistência baseada num maleável regime de trocas que indica a predominância de outros interesses que não o puramente instintivo. Portanto ,ainda que correndo o risco de simplificar a questão se poderia dizer que o conjunto 1 está do lado da Natureza e o conjunto 2 está do lado da cultura.Toda a movimentação de Romão ,por exemplo , é para sair do solo puramente biológico e instintivo em que se agita o cortiço e entrar numa organização social regida por um sistema jurídico e político representativo da cultura. O conjunto simples nivela-se em vários sentidos,porque sua dominante é a horizontalidade.De um ponto de vista racial sua grande maioria é de preto e mestiços e os elementos de outras raças que acabam por se comportar como a maioria.De um ponto de vista social todos são empregados e assalariados vivendo de pequenos misteres sendo , portanto , economicamente dependentes do regime imposto pelos elementos do

82


conjunto 2. Nivelam-se por baixo pela miséria e pobreza.Agrupam-se num coletivismo tribal e identificamse mais pelas semelhanças do que pelas diferenças. .O próprio nome CORTIÇO-marca a sua natureza.Num cortiço, metaforicamente falando também a grande quantidade de abelhas são as operárias com funções semelhantes, excetuando-se somente a abelha rainha.Não estranha, portanto, que o narrador insista numa seqüência de imagens de animais e insetos para caracterizar esse conjunto.Tome-se como exercício e pesquisa o campo III relatando o despertar do cortiço .Por aí através de um processo de antropomorfização não se diferem objetos , homens,animais e vegetais.É tudo um bando de machos e fêmeas, numa fermentação sanguínea,naquela gula viçosa de plantas rasteiras ,mostrando o prazer animal de existir.Há um verminar constante de formigueiro assanhado e destacam-se risos, sons de vozes que se alternavam,sem saber onde grasnar de marrecos,cantar de galos,cacarejar de galinhas. Para ressaltar essa borda de seres primitivos, o narrador acentua a degradação tipos aproximando-os insistentemente de animais e conferindo-lhes apelidos.Leandra com “äncas de animal do campo“,Neném como uma “enguia”; Paula com “dente de cão “e Pombinha ,com esse nome no diminutivo ocultando seu verdadeiro nome ,significa a fusão do natural e do cultural,quando o narrador privilegia o apelido de caracterização zoomórfica.E assim, narrativa a dentro persiste um movimento de zoomorfização das criaturas , nivelando-as por baixo ,pelo que tem de mais elementar.Romão e Bertoleza trabalham como uma junta de bois, o cortiço exala um “fartum de besta no coito “,os personagens se xingam de cão ,vaca , galinha, porco ; Jerônimo com suas “lascívias de macaco e cheiro sensual de bodes“;Piedade abandonada surge “ululante como um cão “,soltando um “mugido lúgubre ‘ como “ uma vaca chamando de longe ‘. PERSONAGENS Relação Bruno/Leocádia: quando Bruno descobre que Leocádia encontra-se com Henriquinho, a solução que encontra é a destruição de sua casa e a expulsão da mulher sob ameaça de morte. Relação Jerônimo/Firmo: a rivalidade por causa da mulata Rita configura-se por uma briga de porrete versus navalha, e num outro ponto da narrativa pelo assassinato de Firmo. Relação Romão/Bertoleza: ao se ver traída por Romão , Bertoleza comete violência contra si mesma e rasga a barriga derramando as vísceras no chão da cozinha . Relação Rita/Piedade: reduplicando o conflito Firmo/Jerônimo, brasileiro/ português , branco/mulato xingando-se as personagens como os mais diferentes nomes de animais, reafirmando o primitivismo de seu conjunto. Já o outro conjunto- o complexo, soluciona os conflitos efetivando trocas de objetos e dons. Na verdade, mais objetos do que dons, uma vez que o romance se esforça por cumprir os preceitos naturalistas ressaltando sempre o aspecto físico/objetivo das relações. Relação Estela/Miranda: Apontada desde o príncipio da narrativa como uma associação de interesses em que a mulher entrava com o capital e o homem com a sua gerência , destaca-se a função do dote, na formação dessa sociedade econômico - sentimental . João Romão: Significa elemento vitorioso segundo uma seleção das espécies , valores tidos como positivos na cultura brasileira. João Romão vendeiro Miranda: sua posição de aristocrata com pequenas variações se mantém e ele atinge o baronato. Jerônimo: depois de atingir o máximo de sua posição de assalariados, envolvido pelos elementos naturais do conjunto 1 no interior do qual foi viver, entra em degenerescência. Jerônimo: quando aparece na estalagem de Romão . A figura mitológica aí não é acidental ,mas ganha mais sentido com a fisionomia da personagem depois que entra em decadência.Ele aí chega com ideais de ascensão,pois saíra da roça onde “tinha que se sujeitar a emparelhar com os negros escravos e viver com sem aspirações nem futuro , trabalhando eternamente para outro” [ cap. V ].Todo esse capítulo é uma exaltação das virtudes de Jerônimo como um tipo clássico-mitológico. A- Mulher Objeto- Exemplifica-se inicialmente em Bertoleza, elemento feminino que se associa ao masculino(Romão) para criação do cortiço. Macho e Fêmea trabalham dia e noite, e quanto mais o tempo passa, mais o macho se afasta da Fêmea , uma vez que ela era peça fundamental apenas no principio de carreira de Romão : “a medida que ela galgava posição social, a desgraça descia mais e mais, fazia-se mais escrava e rasteira”. Outro exemplo é Zulmira: vai ser outro degrau utilizado por Romão , agora não no

83


conjunto 1,mas no conjunto 2. A passagem de um conjunto ao outro implica na presença de um elemento feminino no regime de troca Reafirmam-se certas regras da sociedade, daquilo que José de Alencar chamara de “mercado matrimonial”. As ligações entre ele e Bertoleza e ele e Zulmira são totalmente circunstanciais. As mulheres aí são elementos cambiáveis no comércio que ele opera. B- A MULHER Sujeito - objeto . A relação Estela / Miranda coloca os dois em nível de igualdade.Ambos se beneficiam. Essa relação ajusta o regime de trocas sexuais, que são a contrapartida das trocas econômicas e sociais. A dupla Rita/Jerônimo exemplifica o mesmo regime de trocas. O narrador vem ao nível do enunciado para dizer que entre eles se cumpria o ritual da atração racial. Rita é metonímia da natureza tropical enquanto Jerônimo é o símbolo daquilo que o autor chama de “raça superior”: “mas desde que Jerônimo propendeu para ela, fascinando-a com sua tranqüila seriedade de animal bom e forte, o sangue da mestiça reclamou os seus direitos de apuração, e Rita preferiu no europeu o macho de raça superior.”(cap. 15) Todas essas personagens têm a caracteriza-las ou permanência no mesmo status econômico e social ou a decadência. Nenhuma sai de seu conjunto, as transformações são endógenas e não exógenas como se dará com Leonie, Pombinha, Senhorinha. C) Mulher-sujeito. – O termo “sujeito” aqui implica numa interpretação dos valores ideológicos da comunidade descrita. Assim como Romão consegue se impor afirmando-se enquanto indivíduo dentro dos padrões vigentes na sociedade, aquelas mulheres(Leonie, Pombinha, Senhorinha) também se destacam da dependência contínua ao macho e passam a exercer o poder através do sexo-luxúria. Como Romão , elas extrapolam de seu conjunto original e se realizam no conjunto complexo. Léonie- Como protótipo da mulher do cortiço que saiu para a prostituição de elite, mantém trânsito livre entre um conjunto e outro. Ela pode desfilar com os amantes pelas ruas e teatros com a mesma leveza com que regressa ao cortiço para ver sua afilhada. Sua ascensão social permite-lhe o trânsito. O modelo de Léonie repete-se em Pombinha, que é por ela seduzida, deixando de lado seu aspecto angelical para assumir a imagem da “serpente”, que o narrador maneja para classificar vigor do instinto e a ameaça sexual. Repete-se em termos onomásticos o determinismo: a pombinha vai ser devorada pela leoa através da iniciação homossexual: “a serpente vencia afinal: Pombinha foi, pelo próprio pé, atraída, meter-se-lhe na boca”. Pombinha, enfim, “desfere o vôo” Fique Atento!  Bertoleza se considera como pertencente a uma raça superior à negra, pois é cafuza e inferior à branca.Seu meio de origem é,evidentemente,inferior ao de João Romão, pois ela era escrava a ele provinha de um país europeu, embora fosse de classe baixa. Daí a admiração que a mulher tem pelo português e daí a sua total subserviência a ele.  As imagens que o autor emprega na descrição do desenvolvimento do cortiço são degradantes( lodo, lama,esterco) e reduzem as pessoas ao grau mais baixo e repulsivo da escala animal( larvas). Essa tendência ao rebaixamento e à animalização das pessoas é características do naturalismo.  Está implícita na obra que Miranda tem a ideia de que o Brasil é um paraíso para os espertos. O pais não é visto como um lugar de trabalho construtivo, mas sim um lugar para fazer a América., ou seja,enriquecer facilmente e aproveitar de tudo sem escrúpulos.  Apesar de ser mais feliz com Rita Baiana , em nova vida cercada de prazeres , Jerônimo perdeu com seu caráter português, sua antiga fibra moral, sua disciplina e seus projetos de enriquecimento.Agora, leva vida relaxada, endivida-se , embriaga-se.  Existe uma relação entre a mulata e a lua, a mulher é, nos dois textos associada ao brilho prateado da lua. .  O narrador diz que Rita Baiana era volúvel( leviana) como toda mestiça. Aqui temos a expressão de um preconceito determinista que era tomado como verdade científica pelos naturalistas.De que preconceito e determinismo se trata?Trata-se do determinismo da raça , que era tomado como verdade científica e que degenerou em simples preconceito racial.

84


 Aluísio de Azevedo pertence ao Naturalismo , que tem como características principais o zoomorfismo e o descritivismo objetivo, que fixa elementos sensoriais.  O zoomorfismo aparece no aglomerado de” fêmeas e machos” ,”não molhar o pelo”,”fossando” ,” pomba no cio” e a análise objetiva voltada para elementos sensoriais, aprece em “ fio d´água que escorria da altura de uns cinco palmos”,”chão inundava-se”, dentre outras.  O reencontro entre Jerônimo e Piedade, no cap.XIX, pode ser considerado um momento de romantismo, pois arrependidos , chorosos, cheios de melancolia e derrotada ternura um pelo outro, eles são vistos comovidamente pelo narrador, que usa de sinais de pontuação subjetivos e de frases entrecortadas, à moda de balbucio, de voz embargada pela tristeza- embora volte quase que imediatamente a postura impessoal.  No final do capítulo II,Aluísio de Azevedo põe em boca de Botelho um discurso cuja ironia nos lembra O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queirós ( 1875) com os argumentos levantados pelos safados padres de Leiria para tornar lícito seu amasiamento ilegal com as devotas, para aquietar a consciência do jovem Henrique, amante de D. Estela, dizendo:”Fique então sabendo que não é só a ela que você faz o obséquio , mas também ao marido, quanto mais escovar-lhe você a mulher, mais macia ela fica para ele. Dessa forma ele ficará tranqüilo quando voltar do serviço, um pouco de descanso. Escove-a, escove-a! que a porá macia que nem veludo!”  Observe a prosopopeia ou personificação “Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos,mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas”( cap. III).  FUVEST-2010- Considere o seguinte excerto de O cortiço, de Aluísio Azevedo, e responda ao que se pede. (...) desde que Jerônimo propendeu para ela, fascinando-a com a sua tranquila seriedade de animal bom e forte, o sangue da mestiça reclamou os seus direitos de apuração, e Rita preferiu no europeu o macho de raça superior. O cavouqueiro, pelo seu lado, cedendo às imposições mesológicas, enfarava a esposa, sua congênere, e queria a mulata, porque a mulata era o prazer, a volúpia, era o fruto dourado e acre destes sertões americanos, onde a alma de Jerônimo aprendeu lascívias de macaco e onde seu corpo porejou o cheiro sensual dos bodes. Tendo em vista as orientações doutrinárias que predominam na composição de O cortiço, identifique e explique aquela que se manifesta no trecho a e a que se manifesta no trecho b, a seguir: a) “o sangue da mestiça reclamou os seus direitos de apuração”. b) “cedendo às imposições mesológicas”. Resposta É do naturalismo -poética predominante na composição de Aluísio de Azevedo a concepção de que os comportamentos humanos, obedecem a determinismos “de raça”, ou seja genético, como se demonstraria, na propensão da mestiça determinada por seu “sangue”, para o “macho de raça superior”. B) As “imposições mesológicas” representam o determinismo “do meio”, ou seja do ambiente físico e social, sobre o comportamento humano.

7- Capitães da Areia- Jorge Amado Jorge Amado- “Baiano, romântico e sensual”, mas era bem mais que isso. Escritor brasileiro conhecido e respeitado no exterior. Autor dos romances que fizeram e fazem sucesso intenso hoje, ainda. De sua cabeça nasceram:Pedro Bala,Tieta,Gabriela,Quincas Berro d´água. Escreveu 25 romances, 2 biografias(Castro Alves“AB de Castro Alves” e do líder comunista Luís Carlos Prestes-”O Cavaleiro da Esperança”), histórias infantis, contos, novelas( A morte e a morte de Quincas Berro d´água e poemas( A estrada é assim).

85


É um regionalista cujo estilo despojado e coloquial trouxe para os livros que escreveu os tipos peculiares da Bahia, os coronéis da época do cacau, prostitutas, meninos abandonados de rua, bêbados inveterados, marinheiros, marginais e pescadores, dentre outros. Há em Jorge Amado muita descrição e tessitura narrativa, a sensualidade das cores e de ações. Jorge Amado narra histórias inesquecíveis, como Capitães da Areia, na qual aborda temas extremamente importantes como a infância abandonada e meninos que se criam nas ruas á mercê de sua própria sorte. Obras de Jorge Amado O país do Carnaval (1931) Cacau (1933) Suor (1934) Jubiabá (1935) Mar morto (1936) Capitães da areia (1937) ABC de Castro Alves (1941) Terras do sem fim (1942) São Jorge dos ilhéus (1944) O cavaleiro da esperança; vida de Luis Carlos Prestes (1945) Seara vermelha (1946) O amor de Castro Alves, reeditado com O amor do Soldado (1947) Os subterrâneos da liberdade (1952) I. Os ásperos tempo II. A agonia da noite III. A luz e o túnel Gabriela, cravo e canela (1958) Os velhos marinheiros (1961) Os pastores da noite (1964) Dona Flor e seus dois maridos (1967) Tenda dos milagres (1970) Teresa Batista cansada de guerra (1973) Tieta do agreste (1977) O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá (1978) Farda, fardão, camisola de dormir (1979) O menino Grapiúna (1981) A bola e o goleiro (1984) Tocais grande; a face obscura (1984) O sumiço da Santa (1988) Navegação de cabotagem (1992) A descoberta da América pelos turcos (1994 A história é uma metonímia O Trapiche- lugar onde os meninos infratores se amontoam para dormir e fugir da polícia.é uma metonímia do que hoje acontece nas grandes cidades brasileiras- casarões abandonados e debaixo dos viadutos, nas praças, desestabilizando a sociedade em que se inserem longe dos alcances das autoridades, e quando recolhidos sob a tutela do Estado, esquecidos nas casa que abrigam menores. A Política e a Polícia , as autoridades e os brasileiros mais comuns ensinaram a eles que só é possível viver aos bandos , na rua,, encaminhando para a delinqüência, a desobediência, a transgressão.Mas pode se observar que esses tipos de meninos também são capazes de amar(Dora), de descobrir Deus (Pirulito),de descobrir a arte (Professor), de se tornarem vigaristas e violentos ( Gato e Volta Seca),preferir a morte a entregar-se ( Sem Pernas), de descobrir a liderança e a sabedoria por vocação (Pedro Bala)

86


Análise da obra Capitães da Areia- romance de 37- foi escrito na primeira fase da carreira de Jorge Amado, e nota-se grandes preocupações sociais. As autoridades e o clero são sempre retratados como opressores (Padre José Pedro é uma exceção, mas nem tanto; antes de ser um bom padre foi um operário), cruéis e responsáveis pelos males. Os Capitães da Areia são tachados como heróis no estilo Robin Hood. Faz neste romance denúncia social que é vista como uma advertência : os meninos pobres do Brasil estão abandonados á própria sorte. Não importa que linguagem falem, as autoridades é preciso olhar por eles, ensinar-lhes a existência e a alegria de viver, dar-lhes escolas, ampliando-lhes os horizontes futuros. Nesse sentido o trapiche abandonado é um microcosmo povoado de criaturas tão diversas: reunidos ali,á margem de todo reconhecimento humano, há gente que guarda histórias, sofrimentos e que antes de mais nada acredita que a liberdade deve ser defendida a qualquer custo. No geral, as preocupações sociais dominam, mas os problemas existenciais dos garotos os transformam em personagens únicos e corajosos Capitães da Areia de Salvador. Pedro Bala é o protagonista- filho de um grevista, atingido e morto por uma bala. Não fora abandonado, o pai morrera em torno de um ideal e ele descobre que a mãe , que era da cidade alta, de origem rica, tinha morrido seis meses antes do pai.Os outros personagens são coadjuvantes.- simbólicos- metonímia. A grande admiração de Jorge Amado pelos vagabundos ensejou o romance Capitães da Areia. A narrativa se desenrola no Trapiche (hoje Solar do Unhão e o Museu de Arte Moderna); no Terreiro de Jesus (na época era lugar de destaque comercial de Salvador); onde os meninos circulavam na esperança de conseguirem dinheiro e comida devido ao trânsito de pessoas que trabalhavam lá e passavam por lá; no Corredor da Vitória área nobre de Salvador, local visado pelo grupo porque lá habitavam as pessoas da alta sociedade baiana, como o comendador mencionado no início da narrativa. OBJETIVO DO ESCRITOR Romance de denúncia- um alerta- um indício de que era preciso cuidar das crianças do Brasil, que havia meninos abandonados, a própria sorte, que não existia trapiche, só na Bahia-Salvador, mas também em outras cidades havia Pedros, Professores,Joões, Doras- criaturas do mundo e suas dificuldades. Jorge Amado não registra uma história de violência apenas. Impõe ao leitor uma reflexão.O Brasil que ele registra pulsa. Os meninos capitães existem em outros meninos de ruas nas grandes cidades brasileiras e nos mais longinquos recantos do país:esquecidos, espancados, aleijados, formam um batalhão de seres que não cobram providências para se transformarem em pintores, líderes, humanos, como quaisquer outras criaturas do país.Mostra as brutais diferenças de classe e a má distribuição de renda e os efeitos da a marginalidadesistema social perverso. Como eram vistos esses menores abandonados? Pseudo-reportagens mostravam-nos como menores abandonados marginalizados que aterrorizavam Salvador.Dessa forma, Jorge Amado narra de forma realista, e descreve o cotidiano de um grupo de menores que para arranjar dinheiro se marginalizam. O romance supervaloriza a humanidade das crianças e ironiza a ganância e o egoísmo das classes dominantes. Ainda no final do romance encontramos os destinos marginalizados de alguns e a sorte de outros, tais como: Sem Perna se mata antes de ser capturado pela polícia, Gato- torna-se malandro de verdade; Volta Seca torna-se cangaceiro, mata mais de 60 soldados e ao se entregar se suicida. Professor vai para o Rio de Janeiro ser pintor; Pirulito vira frade; Padre José Pedro consegue sua paróquia; João Grande se torna marinheiro; Querido de Deus um grande capoeirista, mas não perde as traquinas de malandro. Dora, personagem do bando que trouxe carinho feminino (papel de mãe e irmã para alguns),ama Pedro Bala e graças a ela que sua vida muda totalmente, pois ao descobrir o amor, que não é só violência, e sim uma entrega afetiva ao próximo) Dora morre com muita febre depois de se entregar a Pedro Bala, que se lembrará dela como uma estrela- momento poético do romance. Pedro Bala cada vez mais fascinado com as histórias de seu pai sindicalista, deixa de ser líder do bando e passa a ser líder revolucionário comunista. Na época o comunismo é considerado algo bom. Tempo - A obra apresenta tempo cronológico demarcado pelos dias, meses, anos e horas conforme exemplificam os fragmentos: "É aqui também que mora o chefe dos Capitães da Areia, Pedro Bala. Desde cedo foi chamado assim, desde seus 5 anos. Hoje tem 15 anos. Há dez anos que vagabundeia nas ruas da Bahia." O tempo psicológico correspondente às lembranças e recordações constantes na narrativa. No final do romance, as marcas da temporalidade se avolumam. “ Depois de terminada a greve” “Anos depois” “ E no dia em que ele fugiu...”

87


Foco

Narrativo

A obra Capitães da Areia é narrada na terceira pessoa, onisciente- sendo o autor, Jorge Amado, também narrador expectador. Ele se comporta, durante todo o desenvolvimento do tema, de maneira indiferente, criando e narrando os acontecimentos sem se envolver diretamente com eles. Capta a intensidade dramática daqueles que habitam o trapiche. A obra Capitães é poética, pois há transbordamento pela descrição. Descreve com muita luz, som e cor cada acontecimento, cada aspecto de viver dos meninos. EspaçoEspaço aberto- cidade onde os meninos estão em todas as partes- conhecem todos os becos , ruas, morros: Espaço Fechado- o trapiche- armazém abandonado próximo ao cais.( hoje o Museu da Arte Moderna em Salvador) As recorrências temáticasRomance típico da literatura urbana- interesse de mostrar o conjunto, a comunidade, o coletivo. Pedro Bala é só um herói- menino. Ele crescerá, tomará vulto e lidará grevista, assim como o pai. O mais gritante é o confronto entre as classes sociais: meninos infratores de um lado e os poderosos de outro (Polícia, Reformatório, Orfanato, Igreja Católica convencional) A Estrutura do romanceO livro é dividido em três partes. Antes delas o Prefácio “Cartas Á Redação”- Artigo inicial denunciador, publicado no Jornal da Tarde de Salvador( não são cartas verdadeiras, mas um pretexto para o início do romance)”Capitães da Areia, que infestam a cidade invadiram á casa do Comendador José Ferreira, apunhalaram o jardineiro e roubaram quantia e um relógio”. Várias cartas são enviadas á redação e se fecha com manchetes elogiosa ao reformatório.” O Reformatório Baiano é uma grande família”. Em suma, uma sequência de reportagens e depoimentos, explicando que os Capitães da Areia é um grupo de menores abandonados e marginalizados, que aterrorizam Salvador. Os únicos que se relacionam com eles são Padre José Pedro e uma mãe-de-santo, Don'Aninha. O Reformatório é um antro de crueldades, e a polícia os caça como adultos antes de se tornarem um. A primeira parte em si, "Sob a lua, num velho trapiche abandonado" conta algumas histórias quase independentes sobre alguns dos principais Capitães da Areia (o grupo chegava a quase cem, morando num trapiche abandonado, mas tinha líderes). Pedro Bala, o líder, tinha uma cicatriz no rosto, uma espécie de pai para os garotos, mesmo sendo tão jovem quanto os outros, que depois descobre ser filho de um líder sindical morto durante uma greve; Volta Seca, afilhado de Lampião, que tem ódio das autoridades e o desejo de se tornar cangaceiro; Professor, que lê e desenha vorazmente, sendo muito talentoso; Gato, que com seu jeito malandro acaba conquistando uma prostituta, Dalva; Sem- Pernas, o garoto coxo que serve de espião se fingindo de órfão desamparado (e numa das casas que vai é bem acolhido, mas trai a família ainda assim, mesmo sem querer fazê-lo de verdade); João Grande, o "negro bom" como diz Pedro Bala, segundo em comando; Querido- de- Deus, um capoeirista amigo do grupo, que dá algumas aulas de capoeira para Pedro Bala, João Grande e Gato; e Pirulito, que tem grande fervor religioso. O apogeu da primeira parte é dividido em quando os meninos se envolvem com um carrossel mambembe que chegou à cidade, e exercendo sua meninez; e quando a varíola ataca a cidade, matando um deles, mesmo com Padre José Pedro tentando ajudá-los e se indo contra a lei por isso. Ainda, A aventura de Ogun- Mãe de santo procura os meninos para pedir ajuda que em uma batida da polícia em seu terreiro, os policiais levaram seu santo do altar. Pedro Bala dá um jeito de armar um assalto e ir até a delegacia, é obrigado a ir à sala de detenção e lá coloca o santo debaixo da camisa e o devolve a mãe de santo. Encontramos outra parte Deus sorri como um negrinho- Pirulito fora a grande conquista de Padre José Pedro. Quando Bala assumiu os meninos acabou com o sexualismo entre eles, não porque condenasse, mas segundo o padre aquilo era coisa indigna num homem.Pirulito desde que ouvira falar de Deus não praticara mais a violência, nem brigas, mas um dia roubou uma imagem do menino Jesus e a Virgem Maria e correu para o trapiche com Ele encostado ao peito, tal como tinha feito João Grande quando o encontrara na rua e o levava para o armazém..Sua morrera de ataque fulminante no meio da rua e ele com apenas uns meses é levado por João Grande e o D Aninha cuidou dele. Em Família- Sem Pernas simula ser pobre órfão e entra na casa de Dr Raul e D. Ester que

88


perderam o filho único,Augusto, que morrera bem pequeno.Acolhe-o como um filho, levam-no ao cinema, tomam sorvete.Pela 1ª vez tem sensação de família.Dr. Raul viajou e os capitães entram na casa e fazem um rapa.Ele não quis o resultado do furto e chora....Ainda, outro fato importante é Alastrina, que é o mesmo que varíola (bexiga negra). O 1º a pegar varíola foi Almiro.Sem Pernas desesperado manda-o embora para que não pegasse nos demais.Resolve entregar Almiro á mãe, uma pobre lavadeira amigada com um agricultor.Almiro morre no lazareto(estabelecimento para controle sanitário). A segunda parte, "Noite da Grande Paz, da Grande Paz dos teus olhos", surge uma história de amor quando a menina Dora torna-se a primeira "Capitã da Areia", e mesmo que inicialmente os garotos tentem tomá-la á força, ela se torna como mãe e irmã para todos. Filha do bexiguento- Estevão e Margarida morrem no lazareto de recaída do alastrim. Deixa dois órfãos: Dora de 13 para 14 anos e Zé Fuinha com seis anos. Perambulavam pela cidade e foram achados por João Grande e pelo Professor e levados para o trapiche. Dora, mãe- Dora se integra ao grupo e passa a exerce as funções de mãe dos meninos.Professor e Pedro Bala se apaixonam Dora e ela se apaixona por Pedro Bala.Dora, irmã e noiva-Veste calças compridas e se junta ao bando e começa a mostrar serviço.Professor a olhava sempr4e com olhos doces.Reformatório—durante um assalto a uma casa a polícia prende Pedro,Dora e João Grande,Sem Pernas e Gato e estes não revelam nada sobre o bando. Pedro Bala foi levado ao Reformatório e Dora para o orfanato.Sem Pernas assume o bando até Pedro voltar.Sem Pernas manda uma corda a Pedro e este foge do reformatório. Orfanato- Dora ficou um mês no orfanato.Professor, João Grande Gato e Pedro buscam-na e ela ainda está com febre.Noite de grande- Don Aninha faz uma prece para a febre desaparecer,mas não adianta. Ela é olhada por todos como mãe , irmã, noiva e amada pelo Professor.Dora, esposa –A febre continua.Dora diz a Pedro Bala que menstruou no orfanato e agora pode ser dele.Eles se amam pela primeira vez na praia e ela morre, marcando o começo do fim para os principais membros do grupo. A terceira parte "Canção da Bahia, Canção da Liberdade"-Vocações- Professor olha o trapiche como uma moldura sem quadro. vai nos mostrando a desintegração dos líderes.O destino de cada um, como já foi comentado acima Tudo estava vazio.Professor se despede para estudar no Rio.Promete que um dia irá retratar a vida dos meninos: as desigualdades sociais,as barbaridades que fazem contra a pobreza.Pirulito parou de furtar e foi vender jornais e carregar bagagens de viajantes. O Padre José Pedro é chamado pelo arcebispo e ganha sua paróquia e traz Pirulito para estudar.Mais tarde será o Irmão Francisco da Sagrada Família. Canção de amor da Vitalina – Havia na cidade uma solteirona, Joana, rica, feia e nervosa.Tinha 45 anos.Sem Pernas se aproxima dela e diz que é órfão.Ela necessitada de sexo quer brincar um pouco com o menino, mas não cede a ele.Ele com raiva rouba-lhe as jóias e cai fora.Mas mal sabe ela que Sem Pernas a desejou de verdade. Como um trapezista de circo- Pedro Bala, João Grande e Barandão disparam numa corrida e se livram da prisão, no assalto a casa Rui Barbosa.Mas o Sem Pernas corre de um lado para outro , desesperado e se joga de costas no espaço do elevador, como se fosse um trapezista de circo. Terminava assim a vida de quem escolheu a liberdade á prisão .Neste momento, o narrador entra na intimidade da personagem e capta seus pensamentos mais intensos “...nuca fora amado pelo que era, menino abandonado, aleijado e triste.Os ataques ressoam como clarins de guerra- Acontece uma greve e quando termina o estudante Alberto continua a frequentar o trapiche .Gato reaparece bem vestido.Dalva ficou em Ilhéus amigada com um coronel.Pedro Bala passa o comando para Barandão e vai cumprir o destino que seu pai deixou pela metade.Uma pátria e uma famíliaPedro Bala, militante,político,proletário está sendo perseguido pela polícia de cinco estados como organizador de greve, dirigente de partidos dos ilegais e perigoso inimigo da ordem estabelecida. Ao ser preso e levado para uma colônia, recebia dos lares pobres o apoio para continuar a luta.

Personagens Personagens: Pedro Bala: Negro, mais alto e mais forte do bando. Cabelo crespo e baixo, músculos rígidos, tem 13 anos. Seu pai, um carroceiro gigantesco, morreu atropelado por um caminhão, quando tentava desviar o cavalo para um lado da rua. Após a morte de seu pai, João Grande não voltou mais ao morro onde morava, pois estava atraído pela cidade da Bahia. Cidade essa que era negra, religiosa, quase tão misteriosa como o verde mar. Com nove anos entrou no Capitães da areia. Época em que o Caboclo ainda era o chefe. Cedo, se fez um dos chefes do grupo e nunca deixou de ser convidado para as reuniões que os maiorais faziam para organizar os furtos. Ele

89


não era chamado para as reuniões porque ele era inteligente e sabia planejar os furtos, mas porque ele era temido, devido a sua força muscular. Se fosse para pensar, até lhe doía a cabeça e os olhos ardiam. Os olhos ardiam também quando viam alguém machucando menores.Então seus músculos ficavam duros e ele estava disposto a qualquer briga. Ele era uma pessoa boa e forte, por isso, quando chegava pequenino cheio de receio para o grupo, ele era escolhido o protetor deles. O chefe dos capitães da areia era amigo de João Grande não por sua força, mas porque Pedro o achava muito bom, até melhor que eles. João Grande aprende capoeira com o Querido-de-Deus junto com Pedro Bala e Gato. João Grande tem um grande pé, fuma e bebe cachaça. João Grande não sabe ler. João Grande era chamado de Grande pelo professor, admirava o professor. O professor achava João Grande um negro macho de verdade. Dora: Morreu de uma febre muito forte, depois de se tornar esposa de Pedro Bala*. Morreu como uma santa, pois havia sido boa. *Para ele, virara uma estrela. Sem-Pernas: Morrera, jogando-se de um penhasco (elevador), depois de muito correr fugindo da polícia após um roubo. Ele preferira morrer a se entregar. Professor: Com seu dom de pintar, fora ao "Rio de Janeiro" tentar sucesso. Lá com os quadros dos Capitães da Areia ficou famoso. Boa-Vida: Era mais um malandro da cidade, que fazia sambas e cantava pelas ruas, nas calçadas, nos bares, a "vagabundar". Querido-de-Deus: Ensinava os meninos a lutar capoeira. Todos no trapiche o admiravam. Era pescador. Dalva: Era uma mulher de uns trinta e cinco anos, o corpo forte, rosto cheio de sensualidade. Gato a desejou imediatamente. Pirulito: Garoto magro e muito alto, olhos encovados e fundos. Tinha Hábito de rezar. Volta-Seca: Mulato sertanejo. Viera da caatinga. Tinha como ídolo o cangaceiro Lampião.era afilhado deste. O Gato: Candidato a malandro do bando, era elegante, gostava de se vestir bem. Tinha um caso com a prostituta, Dalva, que lhe dava dinheiro, por isso, muitas vezes, não dormia no trapiche. Só aparecia ao amanhecer, quando saía com os outros, para as aventuras do dia. João-de-Adão: Estivador, negro fortíssimo e antigo grevista, era igualmente temido e amado em toda a estiva. Através dele, Pedro Bala soube de seu pai.

Enredo Tendo como cenário as ruas e as areias das praias de Salvador, Capitães da Areia trata da vida de crianças sem família que viviam em um velho armazém abandonado no cais do porto. Os motivos que as uniram eram os mais variados: ficaram órfãs, foram abandonadas, ou fugiram dos abusos e maus tratos recebidos em casa. Aproximadamente quarenta meninos de todas as cores, entre nove e dezesseis anos, dormiam nas ruínas do velho trapiche. Tinham como líder Pedro Bala, rapaz de quinze anos, loiro, com uma cicatriz no rosto. Generoso e valente, há dez anos vagabundeava pelas ruas de Salvador, conhecendo cada palmo da cidade. Durante o dia, maltrapilhos, sujos e esfomeados, mostravam-se para a sociedade, perambulando pelas ruas, fumando pontas de cigarro, mendigando comida ou praticando pequenos furtos para poder comer. Esse contato precoce com a dura realidade da vida adulta fazia com que se tornassem agressivos e desbocados. Além desses pequenos expedientes, os Capitães da Areia praticavam roubos maiores, o que os tornou conhecidos, temidos e procurados pela polícia, que estava em busca do esconderijo e do chefe dos capitães. Esses meninos se pegos, seriam enviados para o Reformatório de Menores, visto pela sociedade como um estabelecimento modelar para a criança em processo de regeneração, com trabalho, comida ótima e direito a lazer. No entanto, esta não era a opinião dos menores infratores. Sabendo que lá estariam sujeitos a todos os tipos de castigo, preferiam as agruras das ruas e da areia à essa falsa instituição. Um dia, Salvador foi assolada pela epidemia de varíola. Como os pobres não tinham acesso à vacina, muitos morriam, isolados no lazareto. Almiro, o primeiro capitão a ser infectado, ali morreu. Já Boa-Vida teve outra sorte; saiu de lá, andando. Dora e o irmão, Zequinha, perderam os pais durante a epidemia. Ao saber que eram filhos de bexiguentos, o povo fechava-lhes a porta na cara. Não tendo onde ficar, os dois acabaram no trapiche, levados por João Grande e o Professor. A confusão, causada pela presença de Dora no armazém, foi contornada por Pedro. Os meninos aceitaram-na no grupo e, depois de algum tempo, vestida como um deles, participava de todas as atividades e roubos do

90


bando. Pedro Bala considerava Dora mais que uma irmã; era sua noiva. Ele que não sabia o que era amor, viuse apaixonado; o que sentia era diferente dos encontros amorosos com as negrinhas ou prostitutas no areal. Quando roubavam um palacete de um ricaço na ladeira de São Bento, foram presos. Parte do grupo conseguiu fugir da delegacia, graças à intervenção de Bala que acabou sendo levado para o Reformatório. Ali sofreu muito, mas conseguiu fugir. Em liberdade, preparou-se para libertar Dora. Um mês no Reformatório feminino foi o suficiente para acabar com a alegria e saúde da menina que, ardendo em febre, se encontrava na enfermaria. Após renderem a irmã, Pedro, Professor e Volta-Seca fugiram, levando Dora consigo. Infelizmente, não resistindo, ela morreu na manhã seguinte. Don'aninha embrulhou-a em uma toalha de renda branca e Querido-de-Deus levou-a em seu saveiro, jogando-a em alto mar. Pedro Bala, inconsolável e muito triste, chorou com todos a ausência de Dora. Alguns anos se passaram e o destino de cada um do grupo foi tomando rumo. Graças ao apoio de um poeta, o Professor foi para o Rio, e já estava expondo seus quadros. Pirulito, que já não roubava mais, entrara para uma ordem religiosa. Sem-Pernas morreu, quando fugia da polícia. VoltaSeca estava fazendo o que sempre tinha sonhado; aliou-se ao bando de seu padrinho, Lampião, tornando-se um terrível matador de polícia. Gato, perfeito gigolô e vigarista, estava em Ilhéus, trapaceando coronéis. BoaVida, tocador de violão e armador de bagunças, pouco aparecia no trapiche. João Grande embarcou como marinheiro, num navio de carga do Lloyd. Após o auxílio na greve dos condutores de bonde, o bando Capitães da Areia de Pedro Bala, tornou-se uma "brigada de choque", intervindo em comício, greves e em lutas de classes. Assim como Pirulito, Bala havia encontrado sua vocação. Passando a chefia do bando para Barandão, seguiu para Aracaju, onde iria organizar outra brigada. Anos depois, Pedro Bala, conhecido organizador de greves e perigoso inimigo da ordem estabelecida, é perseguido pela polícia de cinco estados. Os Capitães da Areia são heróicos, "Robin Hood"s que tiram dos ricos e guardam para si (os pobres). O Comunismo é mostrado como algo bom. No geral, as preocupações sociais dominam, mas os problemas existenciais dos garotos os transforma em personagens únicos e corajosos. IMPORTANTE.... Capitães da Areia-Jorge Amado Ficção e realidade Em 1980, o cineasta Hector Babenco também se inclinou sobre o tema do menor abandonado e realizou o filme Pixote, a lei dos mais fracos. Roteiro de Leitura Entretanto, se a temática á a mesma, no filme ela é elaborada de forma diferente da de Jorge Amado em Capitães de areia. O enredo pode ser resumido da seguinte maneira: o retrato nu e cru da vida de menores abandonados que fogem de um reformatório e passam a viver com uma prostituta. Porém, diante do descaso das autoridades competentes e da própria sociedade, a história de ficção não está muito ou nada distante da realidade. Mais uma vez, contrariando os preceitos aristotélicos, a vida imita a arte. Não muito tempo depois de sua participação como personagem principal no cinema, todos pudemos ver nos meios de comunicação o destino de Pixote Fernando Ramos da Silva: morre em 1988, assassinado pela polícia em uma favela em Diadema (SP). Ficção ou realidade? Atônitos, porém inertes, ainda estamos longe de conseguir responder... Um livro muito atual Capitães de areia, como se sabe, foi publicado pela primeira vez em 1937. mais de meio século depois, o livro continua surpreendentemente atual. Basta dar uma olhada na manchete dos jornais e revistas dos

91


últimos anos, para se perceber como o romance de Jorge Amado ainda mexe diretamente com muitos de nossos fantasmas e nossas culpas. Por isso mesmo, é que nos comove e provoca reflexões bastante sérias sobre o modelo econômico, a organização social e a consciência dos cidadãos do Brasil. Em síntese, Capitães de areia é um dos poucos romances de denuncia social, escritos com talento e amor, que põe o dedo numa das maiores feridas de nosso país: a situação do menor abandonado. Aparentemente, muita coisa mudou no Brasil de 37 pra cá. O país passou por um desenvolvimento econômico extraordinário: estabeleceu-se um processo de industrialização, que teve como conseqüência o crescimento das grandes metrópoles, o aumento da produção agrícola e da produção agrícola e da produção dos bens de consumo. Mas esse desenvolvimento econômico esconde uma triste verdade: o Brasil é uma nação de ilhas de prosperidade em meio à miséria generalizada, como se o Primeiro Mundo dos carros importados, dos aparelhos eletrônicos, das roupas de griff convivesse com o Terceiro Mundo das favelas, dos rios poluídos e das crianças sobrevivendo precariamente nas ruas. O que se verifica, portanto é que o país cresceu em todos os sentidos. Tornou-se uma potência emergente (principalmente nos idos de 70, coma a ditadura militar) e talvez, em conseqüência de um crescimento sem um planejamento social, tornou-se também uma indústria da miséria mais abjeta, com o aumento do desemprego, das levas de retirantes do Nordeste, dos sem-tetos e da impunidade, principalmente no que diz respeito aos assustadores crimes contra os desprotegidos da sorte. Desse modo, o romance de Jorge Amado provoca uma curiosa reflexão: de um lado, comove com sua visão lírica, ás vezes apaixonada, dos meninos que atendem pelos nomes e apelidos de Pedro Bala, Sem-Pernas, Pirulito, Professor, Gato, Volta Seca, etc,; por outro lado, deixa no ar uma série de interrogações, se cotejarmos o que o livro conta com o que ocorre no nosso tempo: a) No que diz respeito aos fatos narrados por Jorge Amado piorou ou melhorou a condição do menor? b) No que diz respeito ao comportamento das personagens e seu destino seria possível pensar que as coisas se modificam para melhor ou para pior? c) No que diz respeito ao interesse das autoridades pela criança abandonada, mudou alguma coisa de 37 pra cá? A resposta a essas três questões é desoladora, porque, baseando-nos em fatos, verificamos que, tendo em vista o crescimento, o de desenvolvimento econômico do país, as coisas, em vez de melhorarem, pioraram bastante. Para ilustrar o que afirmamos, vamos nos servir de um fato ocorrido a opinião publica e que ilustra muito bem a débâcle de uma sociedade alienada e de um sistema econômico iníquo, injusto. O massacre da Candelária Numa quinta-feira, noite fira de julho, uns quarenta meninos de rua dormiam sob a marquise dos prédios da Praça Pio X, onde fica a igreja da Candelária. Encolhidos e embrulhados em velhos cobertores tinham como cama apenas o chão duro revestido de pedaços de carpete e papelão. Passava da meia-noite quando, fazendo o mínimo ruído possível, chegaram dois Chevettes, em amarelo-claro, e o outro marrom. Do primeiro, saíram quatro homens, do segundo dois. Alguns meninos acordaram, mas a maioria continuou adormecida. Um dos homens dirigiu-se a um garoto de cabelos loiros e perguntou-lhe rispidamente: Você é que é o Russo? Não, meu nome é Marco Antônio, respondeu o garoto. O homem, que era alto e forte, tirou um revólver e berrou: Não mente pra gente seu safado! Sabemos que você é O Russo. Com o barulho, Caveirinha, um outro garoto, acordou assustado e saiu correndo. Um dos homens apontou-lhe o revólver, mas a arma não disparou. Russo (ou Marco Antônio) não teve a mesma sorte. Levou dois tiros á queima-roupa: um, no olho e outro, na coxa. Mais tiros foram disparados indiscriminadamente: três meninos morreram na hora. Pimpolho, que dormia sobre a banca de jornais e que completaria doze anos na semana seguinte, chagou, em estado desesperados, ao hospital, juntamente com Russo. Ambos morreriam logo depois, não resistiram logo depois, não resistindo aos ferimentos. A continuação do massacre

92


Não muito longe da Candelária provavelmente os mesmos homens do Chevette claro abordaram Wagner, Paulo e Gambazinho. Sob a ameaça de armas, os meninos foram obrigados a entrar no bando de trás do carro. Um dos homens, alto, forte, com um dente da frente quebrado, tirou o capuz e disse que era da polícia. Foi a senha, para que mais uma cena de brutalidade começasse: os três garotos foram espancados a socos e pontapés. Wagner escapou milagrosamente da segunda chacina, com uma bala alojada na nuca, muito próxima da coluna cervical. E, assim, se tornou a testemunha de uma noite de horrores, que aumentou o numero de vítimas de cinco para sete. Horas depois, no hospital, com o rosto inchado e cheio de hematomas, recordou-se penosamente dos fatos. Depois do espancamento, um homem branco, franzino, sentara-se em cima dele e apontara-lhe um revólver para a cabeça. Os outros homens, também armados, interrogavam e ameaçavam Paulo e Gambazinho. Foi a última coisa que Wagner pôde ver, pois um tiro fez que ele perdesse a consciência. Wagner acordou em frente ao Museu de Arte Moderna, que dista três quilômetros da Praça Pio X. esvaindo-se em sangue, verificou que os companheiros estavam mortos. Saiu andando e foi a um posto de gasolina, onde o encaminharam para o hospital. A opinião pública e a negligência oficial O surpreendente nisso tudo, além da extrema crueldade das execuções, foi a opinião pública e a reação das autoridades. Os principais jornais e revistas do Brasil não só fizeram extensas reportagens sobre o fato, bem como rediscutiram a questão do menor abandonado. Chegaram à estarrecedora conclusão de que se matam quatro crianças por dia no país! A noite da Candelária foi uma exceção, e uma exceção, dolorosamente, para mais, de uma grave, terrível realidade. Mas o tom indignado, às vezes mesmo apaixonado, das reportagens não escondeu uma verdade: o público nem sempre reagiu como devia e as autoridades, como não podia e as autoridades, como não podia deixar de acontecer, se omitiram, apesar da aparência em contrário. Quanto ao público, muita gente, vítima ou não da ação criminosa dos menores ou mesmo assustada com sua presença ostensiva e ofensiva pelas ruas, respirou aliviada, como se a questão do menos abandonado só devesse ser resolvida pela via mais rápida: o puro e simples extermínio. Quanto às autoridades, lavaram as mãos como Pilatos, ainda que se ouvisse depoimentos veementes dos governantes, prometendo isso e aquilo, para unir os responsáveis, como também para tentar solucionar o problema. Água de bacalhau E tudo acabou em águas de bacalhau, ou, utilizando uma expressão mais em moda nos dias de hoje (haja vista o frequente envolvimento de nossos parlamentares em casos de corrupção), tudo acabou em pizza. Escolheram-se alguns bodes expiatórios, para encobrir os verdadeiros culpados pela chacina, remanejaram-se algumas autoridades policiais, e o crime ficou impune. Mesmo que sete crianças, de doze a dezessete anos, tivessem sido fuziladas à queima roupa, sem oportunidade alguma de defesa. Mas o pior de tudo (se é que pode dizer que haveria algo pior do que tudo que aconteceu...) é que, globalmente, nada mudou na condição do menor. Organizações assistenciais, na época, movimentaram-se, verbas foram prometidas, mas as ruas continuam cheias de menores e mais menores são, todos os dias, despejados nas ruas. Outros Russos, Caolhos, Gambazinhos continuam a roubar, a matar, a cheirar cola, sem saber (ou mesmo sabendo) que, à sombra, grupos de extermínio esperam a poeira da opinião pública assentar, para dar continuidade à genial solução para a questão do menos abandonado: a morte súbita, a tiros de revólver. Enquanto isso, o Brasil procura meios de sair do buraco, tapando os olhos para a miséria absoluta de seus pobres cidadãos, entre os quais, vivem, em condições subumanas, um simulacro de futuros homens, um simulacro de forças de trabalho. Dolorosas respostas a algumas questões Cremos que a essa altura já é possível responder às questões formuladas anteriormente. Se compararmos a situação descrita por Jorge Amado com a situação do menor abandonado hoje, verificaremos

93


tristemente que tudo evoluiu para pior. Ou seja, a condição do menor, o destino das crianças e a atuação das autoridades revelam a quem leu o livro e a quem acompanhou o horrível fato de julho de 93 que o país, em vez de andar para frente, andou para trás. E, paradoxalmente, parece que os fatos narrados pelo romancista são muitos suaves, como se seu livro, hoje, fosse incapaz de chocar tanto como chocou na época em que foi escrito. Não precisamos ir muito longe para justificar nossa afirmativa. Basta examinar a trajetória das personagens e a atuação das autoridades de Capitães da areia para chegar a essa conclusão. No livro, verificamos, por exemplo, que não há propriamente grupos de extermínio que liquidem de modo gratuito as crianças. De todas elas, somente Sem-Pernas é que morre em confronto com as forças policiais. Mas tal fato se dá às claras, nas ruas da cidade e sob a forma de suicídio da personagem, quando ela prefere a morte à perda da liberdade. O que há de idêntico entre os fatos que Jorge Amado conta e a realidade de nossos dias diz respeito às casas de correção. O juizado de menores, o orfanato de 37 e a Febem de hoje são muito semelhantes, o que vem somente confirmar nosso ponto de vista, já que, meio século depois, tais instituições deveriam ter sofrido sensível melhora. O mesmo se pode dizer da condição do menor e seu destino. Em Capitães da areia, apesar da visão degradante da situação do menor, verifica-se que há uma luz no final do túnel, uma luz de esperança. Os delitos que as crianças cometem são leves, se comparados ais que os menores abandonados cometem hoje: pequenos roubos, golpes, nada que implique, por exemplo, atentados contra a vida humana ou mesmo o tráfico de drogas (a esse respeito, leia a entrevista com um menor abandonado no final). Se o Sem-Pernas morre, porque está sem saída, outras personagens superam as adversidades com tenacidade, com grandeza. São os caos de Pedro Bala, Pirulito e Professos. O primeiro torna-se um líder operário, bastante respeitado pelos seus iguais, Pirulito entra para o seminário, respondendo a uma vocação acentuada desde o início da narrativa, e o Professor será um pintor de sucesso no Rio de Janeiro. Será que Russo, Pimpolho e Gambazinho teriam outras opções de vida, outro destino? Essa comparação sumária entre o romance de 37 e a realidade de hoje revela uma triste verdade: Jorge Amado, sem dourar a pílula, produziu um dos documentos mais sinceros, mais chocantes sobre a condição do menor. Contudo, a realidade, por incrível que pareça, em vez de se modificar, ao sofrer o impacto do romance-reportagem, mostrou-se mais chocante, mais cruel, a ponto de acentuar as iniqüidades que o romancista havia denunciado na década de 30. Por isso mesmo, Capitães da areia continua vivo, pois nos acorda para fatos que a nossa consciência às vezes prefere que sejam esquecidos ou, nos casos mais drásticos, como acontece com as pessoas sem um mínimo de humanidade, que a consciência prefere apagar, mesmo que seja com um tiro no olho de quem a incomoda.

Veja algumas questões sobre o livro:

Jorge Amado, em Capitães da Areia tem como núcleo a cidade de Salvador, com seus tipos inesquecíveis, com seus heróis extraídos das classes menos favorecidas. O escritor dá destaque ao coletivo, procurando abarcar a história de uma comunidade, mais especificamente, a dos menores abandonados.O Foco Narrativo utilizado por ele é em 3ª pessoa, com o narrador se permitindo a onisciência, ou seja, narrando os fatos de fora, e ao mesmo tempo de dentro, quando penetra na interioridade de diferentes personagens. É possível ler a obra dentro de duas vertentes temáticas: a primeira, confronto entre classe social que se antagonizam, levando a um desfecho mais ou menos previsível.O outro lado, temos os desprotegidos da sorte que se tornam senhor de um espaço vazio, a areia a que deu assim o título metafórico: os menores são capitães da terra devoluta,em que se ergue um trapiche abandonado. 01-O romance inicia-se com a descrição do trapiche, quase derruído, que servirá de contraste a construções suntuosas dentro do espaço da cidade propriamente dito, como é o caso da sede do Arcebispado, ou ainda casas em que moram os burgueses. a) Explique o efeito de contraste acentuado nitidamente. b) Qual a primeira personagem a ser introduzida no romance? Justifique. c) Por que essa personagem citada por você foi engajada no grupo dos Capitães da Areia?

94


02- Jorge Amado monta o romance “Capitães da Areia ‘ através de quadros mais ou menos independentes. Ainda, ao lado da narração, intercalam notícias de jornal, bem como, reflexões poéticas- daí o nome de romance híbrido”.Outro aspecto que chama a atenção no que diz respeito à estruturação da narrativa, é a divisão em partes. a) Comente a divisão do romance. Descreva-as. 03-Por que o episódio, intitulado “As luzes do Carrossel”, indica que os Capitães, apesar dos roubos, eram ainda crianças? Copie uma passagem que justifique sua resposta..Quais personagens se relacionam diretamente com o Carrossel? O destino final dessas personagens indica que “a sociedade” criou condições para que se tornassem “cidadãos respeitáveis?” Justifique. 04-A relação entre o Padre José Pedro e os Capitães é de autoritarismo ou é amistoso?Copie uma frase que justifique. A atitude do Padre José Pedro representa a posição da igreja ou se opõe a ela?Justifique. 05- Por que o episódio “Família” talvez seja um dos mais consistentes de todo o livro?Comente com o relacionamento com a figura de Sem Pernas. 06-A presença de Dora no grupo reafirma a “carência” afetiva dos Capitães. a) Copie uma passagem que confirme essa “carência”. b) Quem a via como mãe? c) Quem a sentia como irmã? d) Quais se apaixonaram por ela? A quem ela correspondeu? Como “o outro” ( não correspondido “ a imortalizou? 07- Numa cena bastante poética, Jorge Amado mostra Pedro Bala seguindo nas águas do rio o corpo de Dora, que irá simbolicamente se transformar numa estrela do céu. Comente. Qual a função de Dora no romance? Explique. 08-O autor fecha o romance, retratando o destino de cada membro do grupo.Comente. Os Capitães da Areia eram muitos, mas o narrador destaca alguns. Quais são eles? Qual a origem do apelido de cada um? Qual continuou na vida adulta, com as mesmas “malandragens’ da época, em que convivia com os Capitães? Copie uma passagem para justificar”. 09-Quem era o líder dos Capitães”.Como ele conseguiu essa liderança?Qual a ligação do destino desse líder com a situação política e social da época, depois que se tornou adulto? 10- Comente o último parágrafo do livro: “Apesar da miséria dos meninos desamparados, da alienação de alguns deles, o romance termina positivamente, pois Jorge Amado irá concentrar em Pedro Bala toda sua crença na força do homem, em seu poder para modificar o destino, através da luta, através da ação. Com isso, acaba por deixar às claras a sua concepção de romance: um tipo de narrativa que se presta a desalienar e a conscientizar o homem, não só lhe chamando a atenção para as mazelas sociais, como também lhe indicando o caminho da redenção”. 11- Entre as variedades de preconceito enumeradas a seguir, aponte aquelas que o grupo dos “capitães da areia” (do romance homônimo) rejeita e aquelas que acata e reforça: Preconceito de raça e cor; De religião; De gênero (homem e mulher); De orientação sexual. Justifique suas respostas. 12- Em Capitães da Areia temos a "cidade alta" como cenário principal. Pedro Bala é o chefe de um grupo de jovens arruaceiros que roubam para sobreviver. Nunca ninguém havia mencionado em literatura este bando

95


de jovens que engenhosamente desafia as autoridades, roubando a classe privilegiada e dividindo o produto do roubo entre os seus camaradas subnutridos. Explique essa assertiva 13-Os personagens são em sua maioria masculinos, e dentre eles, Pedro Bala, cuja agilidade sugerida pelo apelido, merece especial atenção - Sem Perna, Pirulito, O Professor são os mais destacados: Ainda temos no grupo João Grande, Volta Seca, Boa Vida muito bem configurados pelos seus apelidos baseados na aparência física. Explique o porquê dos apelidos, 14-Dora é a única figura feminina merecedora de destaque, pois ela passa a assumir o referencial feminino da família, a mãe. Por que Dora é considerada dessa forma entre os capitães? 15-- Ao mesmo tempo que eles se relacionam bem com o padre José Pedro, eles se dão bem com a Mãe de Santo D. Aninha. Envolviam-se no candomblé, capoeira e respeitavam a igreja. Qual o relacionamento dos meninos

com

essas

duas

figuras/

O

padre

era

hostilizado

pela

igreja/

Justifique.

16- A imprensa fazia o papel de porta-voz de problemas relacionados aos Capitães da Areia; mas o espaço era sempre o mais destacados quando o material era para acusá-los. Isso acontece atualmente? Justifique. 17-Qual o espaço em que se desenrola a narrativa ? A obra apresenta tempo psicológico ou cronológico? Dê exemplos.

8-VIDAS SECAS- Graciliano Ramos 2ª geração do modernismo no Brasil Em Literatura, o período de 1930 e 1945 caracteriza-se pela tendência do posicionamento ideológico, político e social dos intelectuais brasileiros. A rebeldia estética da 1ª fase modernista cedeu lugar à literatura socialmente comprometida, sobretudo no que diz respeito à prosa de ficção.A revolução de 1930, o declínio e a dissolução das estruturas sociais e econômicas do Nordeste a imigração nas estradas do Sul apareciam nos novos estilos de ficção, caracterizados pela observação real e direta dos fatos.Euclides da Cunha e Lima Barreto, do Pré Romantismo não eram mais exceções, mas sim os primeiros a abordar o elemento regional/social e, como tal ganharam sucessores. As elites urbanas e seus intelectuais analisavam e procuravam compreender o país nos seus novos aspectos. Diante de tal complexidade, a prosa passou a ser o gênero mais cultivado, principalmente na vertente regionalista, com as produções de Graciliano Ramos, Érico Veríssimo, Jorge Amado, Raquel de Queirós José Américo de Almeida e José Lins do Rego. Além do aspecto regional, usava-se o texto também para analisar ou denunciar injustiças sociais como dificuldades com o trabalho, o meio, o abandono do cidadão por parte do Estado, resumindo tudo na falta de perspectiva de uma vida minimamente decente para o cidadão anônimo, modelo, aliás, ao qual se enquadra a temática de Graciliano Ramos, autor de Vidas Secas. A preocupação com essas realidades foi tão intensa nesses autores que a linguagem literária evoluiu muito pouco, principalmente se considerarmos as propostas inovadoras da geração modernista de 1922, isso porque preocupações com a linguagem foram relegadas a segundo plano, haja vista que a essência do projeto artístico desses autores centrava-se nos planos social e histórico.

96


Vidas Secas – uma novela desmontável? Uma obra cíclica? Romance novela ou uma coletânea de contos? O próprio Graciliano Ramos, em Alguns tipos sem importância, uma das crônicas de seu livro Linhas tortas depõe: Em 1937 escrevi algumas linhas sobre a morte de uma cachorra, um bicho que saiu inteligente demais, creio eu, e por isso um pouco diferente dos meus bípedes.Dediquei em seguida várias páginas aos donos do animal. Essas coisas foram vendidas, em retalho, a jornais e revistas. E como José Olimpio (proprietário da Livraria José Olympio Editora) me pedisse um livro para o começo do ano passado, arranjei outras narrações, que tanto podem ser contos como capítulos de romance.Assim nasceram Fabiano, a mulher, os dois filhos e a cachorra Baleia, as últimas criaturas que pus em circulação. Portanto, Vidas Secas é a junção de treze contos formando uma novela ( ou romance como disse o próprio autor) já que todos eles estão ligados entre si, sendo o primeiro ( agora capítulo ) uma espécie de apresentação das personagens. Nos demais há capítulos especialmente feitos para cada componente da família (aí se inclui a cachorra Baleia), em que os outros viventes não passam de coadjuvantes, dando à obra um caráter novelístico.Obra neorrealista, mostra a denúncia social, a miséria física e intelectual do homem do sertão nordestino.Esses treze capítulos demonstra a saga do vaqueiro Fabiano, Sinhá Vitória, MMV, MMN e a cadela Baleia. Os capítulos (ou contos) de Vidas Secas são: Mudança; Fabiano; Cadeia; Sinhá Vitória; O menino mais novo; O menino mais velho; Inverno; Festa; Baleia; Contas; O soldado amarelo; O mundo coberto de penas; Fuga. Graciliano Ramos escreveu uma carta a coluna de João Conde da Revista “O Cruzeiro” em 1944, explicando a construção do livro.Primeiro escreveu Baleia, depois Sinhá Vitória e Cadeia. Aos poucos, a partir das lembranças da sua própria vida escreveu o restante- cujo tema Nordeste e seus problemas- A seca que transforma as pessoas em bichos esfomeados e sedentos. A- Quanto às influências recebidas Vidas Secas se enquadra na linha regionalista, introduzida na Literatura Brasileira, pelo romancista romântico Franklin Távora ao publicar em 1876 O Cabeleira, obra cujo assunto gira em torno do banditismo no Nordeste.Mas foi com romances regionalistas do Naturalismo que não só Vidas Secas, mas vários romances da geração de 1930-como, por exemplo, A Bagaceira (José Américo de Almeida), O quinze (Raquel de Queirós)mais se identificaram.Estamos falando de Dona Guidinha do Poço, de Manuel Oliveira Paiva e, principalmente Luzia Homem de Domingos Olimpio, obra em que a seca se faz presente. B-Quanto à linguagem Linguagem direta, concisa, direta ,objetiva, frases curtas e diretas.Entanto há momentos de reflexão,no momento em que faz repetições de palavras e expressões. Até mesmo em Vidas Secas, em que tudo é minguado –água, comida, dinheiro, diálogos, adjetivos, podemos encontrar algumas figuras de linguagem que quebram a seca narrativa de personagens secos vivendo em terra seca: símiles e onomatopéias são as mais utilizadas, isto porque as personagens são a todo o momento comparadas a animais e, por vezes a vegetação da região, além de balbuciarem, grunhirem rugirem imitando cabras, bois, ventos em sons omomatopaicos.Usa o discurso indireto livre, em abundância, para mostrar intimidade entre narrador e personagem .Capta a emoção e o pensamento mais interior das personagens protagonistas. Aproximações psicológicas, sonhos, lembranças. “Tipo de simbiose: ‘Estava direito aquilo.” “...era bruto.” Debaixo dos couros, Fabiano andava banzeiro, pesado, direitinho um urubu. Há na história momentos narrativo-descritivo. Faz uso de verbos no Pretérito Perfeito que indicam as ações pontuais e, no Pretérito Imperfeito, indicando ações habituais. Os substantivos são concretos. Ainda, Baleia representa os sonhos e desejos das pessoas. O enredo é quase surreal, para isso o uso do Futuro do Pretérito. “Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás”. As personagens não dialogam, resmungam. Usam interjeições e gestos. C-Quanto ao foco narrativo Narrador em 3ª pessoa – onisciente- único romance escrito em 3ª pessoa. Graciliano deixa de lado a impessoalidade, passando a sofrer com a família (inclusive Baleia),aí não seria exagero dizermos que o

97


narrador é o próprio Graciliano Ramos. Ao narrador interessa registrar além da tragédia a opressão social que recai sobre Fabiano que evita o olhar dos filhos. Fabiano tenta compreender o mundo, mas devido ao conflito interno, rebela-se contra seu destino. Como as personagens, principalmente Fabiano, são monossilábicos, pouco se expressam pela fala, os autores lança mão do discurso indireto livre. (mistura da fala do narrador e personagem) D- Quanto aos temas; Observa-se nos nomes de Sinhá Vitória e Baleia uma oposição em relação á realidade, pois Vitória significa realização de ideais e Baleia gorda que vive nas águas. Podemos citar outros temas em Vidas secas: - a miséria física e mental- a penúria em que vive a família, a arbitrariedade ou o abuso da figura do soldado amarelo, a exploração no trabalho- a figura do fazendeiro explorador e do empregado –explorado, a corrupção governamental- a figura do cobrador de impostos da prefeitura, a falta de perspectiva de vida – na figura do próprio narrador, a marginalização do sertanejo submisso, sujeição do homem pelo homem, impotência diante da natureza, revolta interior, (in)consciência do existir, ZOOMORFIZAÇÃO. E-.Comentário Até certo ponto os capítulos podem ser lidos separadamente. No entanto, ligam-se pela temática: família de nordestinos- problemática- desigualdade- desgraças cotidianas- medos- sonhos- sofrimentos e privações. Primeira VisãoParece ser fácil de ler, mas engano.É difícil, escrito como protesto para que os brasileiros, políticos em geram voltassem os olhos para os dramas dos nordestinos.-Tema de reflexão e denúncia..Vidas Secas é um canto de amor ao homem cheio de coragem e teimosia.É uma metonímia do sertão. F- Tempo narrativo A história acontece entre duas secas. 1ª Seca- Família de sertanejos migram á procura de um lugar para recomeçar a vida,vem para a fazenda abandonada- juazeiros. Fabiano apresenta-se ao patrão como vaqueiro- marcador de gado- símbolo de marcar-se a si mesmos.Seres animalizados, perdidos dentro de si mesmos. 2ª Seca- Família parte para o Sul, pois os meninos precisam se alfabetizar- busca de novas possibilidades. O capítulo Fuga fecha a narrativa. Não sabemos para onde vão..O restante é psicológico. G- EspaçoSertão do Nordeste- qualquer lugar que tem seca H- Comentário Vidas Secas é a história de uma família de retirantes, que, paradoxalmente, não chega a constituir propriamente uma história. A dura andança, sob a implacabilidade da seca, de certa forma justifica a inutilidade da comunicação ente os membros da família, o fato dos meninos não apresentarem, as dificuldades linguísticas de Fabiano, a inquietação constante. E também o sacrifício do papagaio, que tinha acompanhado a família, e que veio a transformar-se em alimento providencial .O papagaio ao ser comido representa a ruptura da linguagem. Fabiano é considerado um anti-herói- duro como a própria terra que nunca cria raízes.. É branco, de olhos claros, mas como ele mesmo se compara “ um bicho” Como se não bastasse tal infortúnio, Fabiano vem a ser preso pelo soldado amarelo, símbolo do autoritarismo local. Ao contrário de Fabiano, que se mostra matuto em tudo, Sinhá Vitória apresenta sinais de ter vindo de um meio social menos duro. Baleia, a cachorra, consegue sentir e reagir com inteligência superior à media dos animais. Sua humanização progressiva acompanha a também progressiva animalização dos membros da família.

98


Fabiano teve de sacrificar a cachorra, por suspeitar que ela estivesse padecendo de raiva. Embora se revolte contra as coisas do patrão, Fabiano tem de aceitá-las, para não perder o emprego. Seu reencontro com o soldado amarelo, depois, em plena caatinga, faz-lhe reconhecer sua própria superioridade. Acaba perdoando, ensinando ao soldado o caminho de volta. Mas a temida seca enfim está chegando. As árvores se enchem de aves de arribação. Fabiano recomeça a analisar sua vida. Quem lhe dá ânimo é Sinhá Vitória. Os retirantes deixam a casa da fazendo, e retornam o caminho de sempre. No pensamento de Fabiano brilha uma certa esperança, materializada pelas promessas de chegar ao sul do país. Mas a perspectiva que vem do narrador é a da contínua andança, sem definição e sem destino certo. Vejamos agora como se distribuem os principais acidentes dentro de cada capítulo: A FUGA DA SECA Este primeiro capítulo já supõe toda uma narrativa anterior, sobre a qual para o silêncio, e cujas características podemos adivinhar: “Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados famintos”. Vinham tocados pela seca. Chegam ao pátio de uma fazenda abandonada. Fabiano arruma uma fogueira. Baleia traz no dentes um preá. “Levantaram-se todos gritando. O menino mais velho esfregou as pálpebras afastando pedaços de sonho. Sinhá Vitória beijava o focinho de Baleia, e como o focinho estava ensangüentado, lábia o sangue e tirava proveito do beijo”.Fabiano enche-se de alegria com a promessa de chuvas no poente. Já se anuncia neste capítulo a compreensível rudeza de Fabiano com os filhos, resultado da incomunicabilidade. Podemos dizer que este primeiro capítulo apresenta as “regras sérias do jogo”, ou seja, o conjunto de princípios e situações que não se vão mudar substancialmente. É desse tabuleiro inicial que se podem escolher alguma peça para dar-lhes desenvolvimento particular m cada um dos capítulos seguintes. Dos treze capítulos do livro, apenas três fogem um pouco a esse esquema e trazem à cena alguma coisa inesperada: “Caldeira”, “Festa” e “O soldado amarelo”. Não nos deve admirar o fato de que esses três capítulos são os que estabelecem uma mínima relação da família com a periferia da sociedade, e denunciam, por isso mesmo, uma crise da comunicação e da receptibilidade. VOCÊ É UM BICHO, FABIANO! Apossara-se da casa porque não tinha onde cair morto passara uns dias mastigando raiz de imbu e sementes de mucunã. Viera a trovoada. E, com ela, o fazendeiro, que o expulsara. Fabiano fizera-se de desentendido e oferecera os seus préstimos, resmungando, coçando os cotovelos, sorrindo aflito. O jeito que tinha era ficar. E o patrão aceitara-o, entregara-lhe a marca de ferro.Fabiano trabalha como um negro. Agora Fabiano era vaqueiro, e ninguém o tiraria dali. Aparecera com um bicho, entocara-se como um bicho, mas criara raízes, estava plantado. Contente, dizia a si mesmo: “Você é um bicho, Fabiano.” Sua vida era com os brutos, sua linguagem era deficiente: “Admirava as palavras compridas e difíceis da gente da cidade, tentava reproduzir algumas, em vão, mas sabia que elas eram inúteis e talvez perigosas”. Lembravase sempre do seu Tomás da bolandeira (máquina de descaroçar algodão). Aquele sim é que falava bem. Seu Tomás “lia demais” O patrão mostra autoridade. Fabiano obedece, pois se preocupa com o futuro, com a educação dos filhos. Nota-se que a presença do patrão obedece a um movimento circular. Ele já despedira Fabiano antes. Reencontra Fabiano, e a pedido deste, deixa-o ficar. Depois despede-o de novo. A família então teve de retomar o ciclo da andança CADEIA vs FABIANO Na feira da cidade, Fabiano é convidado por um soldado amarelo para jogar trinta e um. Perde, e sai. O soldado o insulta por ter saído sem se despedir. Fabiano é levado para cadeia e apanha. Obviamente o soldado não prende Fabiano por uma antipatia pessoal, ,que o vaqueiro lhe inspirasse.

99


Prende-o, porque, afinal, com alguém ele deve exercer a autoridade. Para o soldado amarelo, Fabiano é apenas um tipo, o tipo social contra quem ele pode exercer sua discriminação e seu autoritarismo. SINHÁ VITÓRIA Sinhá Vitória que já há mais de um ano uma cama de lastro e couro, igual à do seu Tomás da bolandeira. Vêmlhe as recordações da viagem, a morte do papagaio. Tem medo da seção. Mas a presença do marido a deixa segura. A figura de seu Tomás da bolandeira funciona como um modelo um paradigma de gente culta, que a família pôde conhecer. Mas, aqui, sobretudo é importante verificar como Graciliano, atento Talvez à lição machadiana, faz a mulher ocupar um plano psicologicamente distinto do plano masculino. Dizem alguns antropólogos que a mulher te uma reação mais íntima com a natureza que o homem. Entretanto, Graciliano parece inverter esse princípio, pois Sinhá Vitória está mais próxima da cultura do que Fabiano. Portanto, sua “animalização” é menor. O MENINO MAIS NOVO (MMN) Quer ser igual ao pai, e por isso deseja realizar algo notável, para despertar a admiração do irmão e da cachorra. Queria amansar uma égua e montá-la, como o pai fizera. Por isso ele tentar montar o bode, e cai sob risadas do irmão, e a desaprovação e Baleia. Aqui também notamos uma resistência a brutalização, pois o menino continua com seus sonhos de menino, tal como sua mãe, que continua a sonhar com uma cama de lastro de couro. O MENINO MAIS VELHO (MMV) Sente imensa curiosidade pela palavra inferno. Não obtendo explicação do pai, recorre à mãe, que fala em espetos quentes e fogueiras. Ao perguntar à mãe se ela tinha visto tudo isso, Sinhá Vitória lhe dá um cocorote. Indignado, o menino se esconde. Fica abraçado com a cachorrinha. Seu ideal é ter um amigo. “Todos o abandonavam, a cadelinha era o único vivente que lhe mostrava simpatia.” Ao contrário de seu irmão, o menino mais velho já começa a apresenta sinais de mais efetiva (e mais dolorosa) imitação paterna. O desejo de saber o que significava inferno, a, e a lição recebida da mãe, já constituem, por si sós, maneiras de evidenciar como a linguagem não tem boa qualidade no contexto dos retirantes. Isso também explicaria um pouco as dificuldades lingüísticas de Fabiano, que não parecem de origem patológica, mas resultam de inadaptação cultural. E, por outro lado, no plano do narrador, o desejo de saber o que é inferno não passa de uma discreta (mas intensa) ironia, pois todos estavam, afinal, submetidos ao inferno do sol. INVERNO RIGOROSO O inverno também é rigoroso. A família se reúne ao pé do fogo. Fabiano inventa uma história, mas a família não entende, nem ele a sabe exprimir direito.Todos temem a violência ameaçadora da chuva. Também tem a seca, que virá depois. Esta imagem da família reunida, a ouvir uma história contada pelo pai, pode, de certa forma, parecer-nos excessiva. Porque nós, leitores, colocados num plano existencialmente superior ao das personagens, estranhamos que elas ainda tenham tempo para se preocupar com algo supérfluo, tanto mais que a situação delas era de completa abertura. Mas este modo de ler seria incorreto porque as situações de angústia prolongada conhecem bem um movimento de vai-e-vem, entre a angústia e a distração. Graciliano conhecia muito bem esse fenômeno FESTA NA CIDADE Festa de natal na cidade. As roupas da família ficaram apertadas. Os meninos estranham tudo em volta. “Comparando-se ao tipo da cidade, Fabiano reconhecia-se inferir.”

100


Depois da missa, convida a mulher e filhos para os cavalinhos. Quer ir às barracas de jogo, mas sinhá Vitória desaprova. Bebe em demasia, fica valente. Mas acaba pegando no sono na calçada. Fabiano sonha com soldados amarelos que lhe pisavam os pés e ameaçavam com facões terríveis. Este capítulo procura exprimir o sentimento de inferioridade da família. Mas não fica nisso. Porque a obediência forçada é muitas vezes pulverizada pela revolta repentina. Isso, aliás, é típico do comportamento sertanejo, pelo menos no que está testemunhado pela ficção regionalista. Há um sentimento de dignidade humana, que mais cedo ou mais tarde se vem a manifestar. BALEIA (o nome que lembra água) Baleia não estava bem. Fabiano calcula que era raiva (hidrofobia) e resolve matar o animal. Sinhá vitória tem de conter os meninos. Desconfiada Baleia tenta esconder-se. Feriada na perna, Baleia foge, mas não consegue alcançar os juazeiros. Baleia não conseguia entender o que estava acontecendo. “Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme.” Pode-se dizer que o realismo contínuo de Graciliano Ramos encontra em Baleia seu ponto de inversão. De fato, o carinho, a ternura com que o narrador se transfere para dentro do animal, ,a sabedoria com que soube preparar a cena patética, o clímax de humanização do bichinho antes da morte, tudo isto nos mostra repentinamente com Graciliano muito próximo dos modos sublimes da literatura narrativa, coisas que contrasta com a paisagem constante do livro. Digamos que esse é um momento de poesia trágica de Vidas Secas. O ACERTO DAS CONTAS O patrão rouba Fabiano nas contas. Os bezerros e cabritos que lhe cabiam, como paga do trabalho, Fabiano os tem de vender ao patrão. Fabiano reclama, pois as contas do patrão não conferem com as feitas por sinhá Vitória. O patrão lhe aconselha procurar serviço noutra fazenda. Fabiano depois recorda a injustiça que sofreu de um fiscal da prefeitura por ter tentado vender um porco. “O pai vivera assim, o avô também. Cortar mandacaru ensebar látegos – aquilo estava nos sangue. Conformava-se, não pretendia mais nada”. O SOLDADO AMARELO (amarelo = seca =sol) E eis que Fabiano encontra na caatinga o soldado amarelo que levara para a cadeia. O soldado, acovardado, fica à mercê de Fabiano, que vacila em sua intenção de vingança, e acaba ensinando ao soldado o caminho do retorno. Este é um dos momentos de grande ironia. Pois o soldado aí aparece naquilo que pessoal e socialmente ele é, não mais naquilo que a instituição o fazia parecer. E ele é, enfim, sob vários aspectos, inferior a Fabiano. Existe uma proporção entre ambos. Fabiano é tanto mais forte quanto mais próximo da caatinga. O soldado é tanto mais forte quanto acobertado pelas instituições. A força de Fabiano vem do próprio Fabiano; o poder do soldado, o autoritarismo que exerce sobre os outros, ao contrário,,não vem dele, mas da organização a que pertence. O MUNDO COBERTO DE PENAS (é a volta da seca) A seca estava voltando. É o que anunciam as aves de arribação. Sinhá Vitória adverte: as aves estão tomando a água que mantém vivo os outros animais. Fabiano se admira da inteligência de sua mulher, e procura matar várias aves com a espingarda. Servirão de alimento.. Fabiano não consegue esquecer Baleia. Era preciso sair dali. Novamente se vai precipitar a andança. FUGA (obra cíclica) Prepara a viagem, partem de madrugada. Fabiano mata o bezerro que possuem e salga a carne. Sinhá Vitória fala de seus sonhos ao marido. Este se enche de esperança. “E andavam para o sul, metidos naqueles sonhos. Uma cidade grande, cheia de pessoas fortes. Os meninos em escolar, aprendendo coisas difíceis e necessárias. Eles dois velhinhos, acabando-se como uns cachorros, inúteis, acabando-se como Baleia”.

101


Que iriam fazer? Retardaram-se temerosos. Chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. E o sertão continuaria a mandar gente para lá. “O sertão mandaria pra cidade homens fortes, brutos como Fabiano, sinhá Vitória e os meninos.” Este final, senão representa nem de longe um “final feliz”, é, pelo menos, uma porta aberta para sair-se do contínuo giro circular. É um final importantíssimo para a solução do romance, pois introduz uma pequena abertura para a utopia das grandes metrópoles, e reproduz com verossimilhança, aquilo que de fato vem acontecendo na cena abrasileira. F. A ESTRUTURA DO ROMANCE Um dos elementos mais aguardados, num romance regionalista, é o enredo, a intriga, ou seja, a forma que no romance assuma a sociedade. Já se vê que Vida Seca não pôde contar com um intriga sólida, complexa. Enfim, Vidas Secas não tem uma história, no sentido romancístico do termo. Pois, para que haja uma história substancial, é necessário que a sociedade se manifeste. Ora, as relações sociais, em Vidas Secas, são apenas vislumbradas de longe, ou sinalizadas em circunstâncias muito rápidas e muito fortuitas. A família é projetada para o âmbito agressivo da natureza. Portanto, a fisionomia heróica da família se vai formar na luta contra a hostilidade natural, na organização mínima do instinto de sobrevivência. A sociedade reaparece aqui ou ali,mas tensa e vigilante, como os guardas de uma fronteira. Isto, por reflexo, acaba apontando uma sociedade dividida entre grandes proprietários rurais e seus trabalhadores, que representam apenas disponibilidade eventual de força de trabalho. Do ponto d vista do narrador, que se manifesta em terceira pessoa e é onisciente a discrição tática é sensível. Repare-se que os capítulos lembram verdadeiras tomadas fílmicas. São cenas colocadas umas ao lado das outras, com pouca continuidade narrativa, embora apresentasse em constante movimentação. Obviamente, este mosaico é uma função da realidade social representada. Daí que a maioria dos capítulos passa ser lida com contos autônomos. E, de fato, a intenção primeira de Graciliano Ramos oi a de escrever um conto. Sua secura não vinha de um projeto de concisão abertamente definido, como foi o projeto de modernidade apresentado por Oswald de Andrade ou Mário de Andrade. A secura de Graciliano Ramoso tinha principalmente duas fontes. Uma era o caráter do homem, um caráter coeso e determinado, que o fazia sentir com despudor todo excesso verbal, sobretudo se fosse romântico, expansivo. A outra fonte era a própria necessidade de harmonizar a linguagem ao panorama seco e inóspito que estava descrevendo. No fundo, isto revela necessidade de adequação imitativa – adequação entre a realidade representada e o estilo de representação -, fundamental para o neo-realismo regionalista. A prosa de Graciliano Ramos corresponde a um esforço de análise dos dramas sociais. E Graciliano foi, em sua geração, a chamada geração regionalista dos anos 30, aquele que melhor soube casar a denúncia com a elaboração artística Observe: Três são os opressores de Fabiano; a seca; o soldado amarelo e o patrão. ConclusãoUrge salientar que o problema social tratado em Vidas Secas é extremamente brasileiro e de âmbito regional. A seca gera miséria, e a miséria: a morte e a desolação. Nesse sentido, é lícito pensar que não sobram alternativas para os retirantes , a não ser as migrações contínuas de terra para terra, na mesma região, caracterizando a mudança, transfigurando-se em fuga. Em qualquer cenário, é nítido observar a relação de vassalagem e de exploração, uma vez que esses homens acabam sendo tomados como mão de obra barata. No entanto, percebe-se que o vaqueiro respeita o trabalho que executa e ama a terra em que vive. O meio agride o homem, interferindo nas relações sociais. Nesse sentido, ao lado da tendência neorrealista coexiste a forte tendência neonaturalista em Vidas Secas.

Leia que vale a pena

COMENTÁRIO PRÁTICO

102


-Vidas Secas - Graciliano Ramos Movimento Literário: Modernismo (2ª geração/1930-1945),  José de Alencar- linguagem enfeitada,frases simples ,não abusa de subordinadas,coordenadas justapostas;  Graciliano Ramos-linguagem seca-oração coordenada justaposta-linguagem simples (nãopobre) abordagem social (questão social);  Guimarães Rosa-estilo barroquista- lado místico-religioso;

 

Temáticas de Graciliano Ramos1-Afetividade; 2- Opressão, 3-Linguagem;

 Personagens não estabelecem afetividade- O sistema social é tão terrível que o sertanejo perde características humanas. Em Vidas Secas, entretanto uma personagem – a cadela Baleia é afetiva.(O animal ganha características humanas- o homem perde)  O massacre do homem é violento;  Baleia é a ponte entre o inconsciente do meio em que vivem;  Questão do autoritarismo-Soldado amarelo oprime Fabiano, este oprime a mulher e os filhos;  O homem (Fabiano) quando tem o poder também massacra;  Aumenta a problemática do oprimido;  Baleia-quando recebe um tiro de Fabiano, tem vontade de reagir, mas não reage porque é seu dono;  

Fabiano e Soldado Amarelo- momento sozinho – não protestam; Fabiano e Patrão – submissão;

  Romance atual.

Se a seca é opressão, a chuva quando vem também; Vidas Secas não é romance só nordestino– toda civilização-injustiça social =

 Se Fabiano tivesse o domínio da linguagem, não seria explorado- Fabiano é seduzido pela linguagem de Tomás da Bolandeira.  VIDAS SECAS-nasceu de um conto, do conto Baleia. Três histórias com estrutura autônoma. Poderia ser novela. NOVELA- células narrativas ligadas a um elemento em comum, preocupadas com a efabulação (prender a atenção do leitor).VIDAS SECAS não têm essa característica. É a problemática do mundo Problemática do sistema social massacrando as personagens. Isto é característica de romance. Estrutura desmontável (começo-meio-fim).  Obra cíclica- 1º e último capítulos amarrados-SECA  A narrativa parte da estabilidade- conflito- clímax – desfecho.  FABIANO –louro e queimado (sol);olhos azuis (céu limpo) pés duros –resistentes aos espinhos;  Homem rude, de pouco falar. Assusta-se com o desconhecido, é desconfiado e manipulado pelos poderosos. Identifica-se com os bichos, o que denuncia a condição subumana a que está

103


confinado. Seu modo de ser e de viver muitas vezes aproxima-o do modo de ser e viver de um animal, no processo conhecido como zoomorfização.  Os Meninos- : referidos como “o menino mais velho” o “menino mais novo” não recebem nomes.O texto deixa entender que os garotos perpetuarão o mesmo tipo de vida dos pais,compondo um círculo vicioso.  MMV- queria saber o significado da palavra INFERNO.Viu uma benzedeira falar.A mãe descreve tão bem,que ele pergunta se ela já foi lá. 

MMN: que ser igual ao pai.Um dia monta um bode,mas cai- humilhante

 Sinhá Vitória: versão feminina de Fabiano. Seu sonho é ter uma cama de couro igual à de Seu Tomás da Bolandeira  Baleia: a cadela é a personagem que mais se assemelha “a um ser humano”. É solidária, atenciosa, amiga. Baleia é o elemento que confere humanidade ao grupo, sendo exemplo de antropomorfização.Baleia doente- Fabiano lhe dá um tiro, e ela cai , arrasta-se e sonha. O sonho não é realizado no momento atual. –VERBO NO FUTURO  Soldado Amarelo: símbolo do poder,autoritário,que subjuga Fabiano e todos aqueles que como ele vive.  VIDAS SECAS - a obra mais otimista que às outras, poia as personagens sonham.  Hipálage- O voo negro dos urubus- deslocamento do adjetivo negro.  Discurso Indireto Livre- É o discurso em que notamos polifonia de vozes. Há ambiguidade- consegue retratar o sonho das personagens com fidelidade.  ÚLTIMO CAPÍTULO- Eles fariam- Os meninos estudariam. Eles viveriam melhora-os verbos sempre no futuro, pois G Ramos não acredita no sonho de suas personagens. Essa situação nunca melhorará. O problema da seca não está ligado à seca, mas a estrutura social de opressão. = PROBLEMA DA NOSSA SOCIEDADE. Estrutura frasal (oração justaposta)-há coerência entre os capítulos pois os mesmos são justapostos- como a própria estrutura de raciocínio dos personagens.  Sinhá Vitória diz:-Essas aves vão matar o gado. Fabiano não consegue entender. Vê= pequena; gado = grande  Não estabelece causa e consequência, isto é pista-índice que a seca está chegando.  O livro não tem clímax. É uma estória retilínea. Característica Estilo: seco e econômico. O autor usa poucas palavras exatas. A adjetivação farta. Os ornamentos linguísticos, a expressão rara, etc. Cedem lugar a uma redação concisa. As frases são curtas, diretas e nos remetem apenas ao essencial, ao “concreto” descrito nas cenas. Através de seu estilo e vocabulário, Graciliano Ramos ambienta seu livro no mundo desolador das secas, que, em muitas passagens, remete o leitor ás característica do Naturalismo.  Estrutura: Vidas Secas é o último romance de Graciliano Ramos e a única experiência do autor com foco narrativo em terceira pessoa. A obra é construída em forma de espiral, cujo início fechado (“Mudança”, cap.1) abre-se no final, com o último capítulo (“Fuga”) conduzindo os personagens para um destino inusitado, mas que mantém o elo da desdita, de miséria, da forme e da pobreza. Entre os dois capítulos-limite são constituídos 11 quadros, que, aparentemente, nada têm em comum a não ser os personagens e a paisagem. Um tênue fio narrativo faz o leitor conhecer a história de uma família de retirantes nordestinos que fogem da seca, encontram período da passageira estabilidade e partem novamente em tirada, quando as chuvas deixam

104


de cair, prenunciando novo período de seca. A economia (de estilo, de linguagem, de vida e de cenário) pode ser destacada como característica básica do volume.

9

Sentimento do Mundo de Carlos Drummond de Andrade Análise

Publicado pela primeira vez em 1940, Sentimento do mundo é o terceiro trabalho poético de Carlos Drummond de Andrade. Os poemas deste livro foram produzidos entre 1935 e 1940. São 28 no total. Traz o olhar do poeta sobre o mundo à sua volta, tendendo para um olhar crítico e significativamente político. É uma obra que retrata um tempo de guerras, de pessimismo e sobre tudo, de dúvidas sobre o poder de destruição do homem. Escrito na fase em que o mundo se recuperava da Primeira Guerra Mundial e em que já se encontrava iminente a Segunda Grande Guerra, com a imposição do Estado Novo de Getúlio Vargas e o crescimento do Nazi-fascismo, percebe-se em Drummond a luta, a contestação, pela palavra, das atrocidades que o mundo parecia aceitar (“Tudo acontece, menina / E não é importante, menina”). Drummond lançou-se ao encontro da história contemporânea e da experiência coletiva, participando, solidarizando-se social e politicamente, descobrindo na luta a explicitação de sua mais íntima apreensão para com a vida como um todo. Em Sentimento do mundo, Drummond revê o fazer poético. Amadureceu o poeta individualista de Alguma Poesia, tomando consciência do mundo, apesar de não se esquecer de seu coração. O poeta de Sentimento do mundo constata que vive em “um tempo em que a vida é uma ordem”, que vive num mundo grande, onde os homens de “diferentes cores” vivem suas “diferentes dores” e que não é possível “amontoar tudo isso/num só peito de homem”. Ele constata, arrependido, que se voltou para si e para seus ínfimos problemas: Outrora escutei os anjos, as sonatas, os poemas, as confissões patéticas. Nunca escutei voz de gente. Em verdade sou muito pobre. ("Mundo grande", Sentimento do mundo) Mais que constatar ele se recusa a ser "o poeta de um mundo caduco", a ser "o cantor de uma mulher, de uma história". O poeta não será uma ilha, mas cantará "o tempo presente, os homens presentes, / a vida presente" ("Mãos dadas”, “Sentimento do mundo"). O verso-cachaça dá lugar ao verso-combate, que alimenta o coração do poeta, para lhe dar forças para lutar: Então, meu coração também pode crescer. Entre o amor e o fogo, entre a vida e o fogo, meu coração cresce dez metros e explode. Ó vida futura! nós te criaremos. ("Mundo grande", "Sentimento do mundo") Nos poemas de Sentimento do mundo, além do traço preciso e corrosivo, próprio da escrita de Drummond, há uma imensa preocupação com os rumos que tomam as pessoas enquanto seres humanos. Nesta obra fica claro que o individualismo está mais próximo da concordância com o modelo da situação que do protesto e que, somente unidos (“Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”), através dos mesmos sentimentos, ainda que mal se compreendam (“Ele sabe que não é nem nunca foi meu irmão, que não nos entenderemos nunca. E me despreza...”), os homens conseguiriam modificar o mundo: ...as mãos dos sobreviventes se enlaçam,

105


os corpos hirtos adquirem uma fluidez, uma inocência, um perdão simples e macio... Havemos de amanhecer ("A noite dissolve os homens") Não há, entretanto, otimismo na visão do poeta. É sombria e pessimista a visão de mundo que se justapõe à esperança da revolução e da utopia. Assim, dor e esperança são os temas básicos que regem os poemas de Sentimento do Mundo. Uma dor, talvez, maior que a esperança que a contempla, ou talvez esta não esteja tão próxima dos homens. A dor é o "Sentimento do Mundo"; dor de todos os homens e que se concentra em um só – o poeta: Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo mas estou cheio de escravos minhas lembranças escorrem e o corpo transige na confluência do amor. ("Sentimento do mundo) E, então, ele, o poeta, sente-se responsável pelas pessoas a sua volta; sofre por elas; sente-se elas. Como se vê em: É preciso casar João, é preciso suportar Antônio, é preciso odiar Melquíades, é preciso substituir nós todos. (...) ("Poema da necessidade") E em: Eu sou a Moça-Fantasma que espera na Rua do Chumbo o carro da madrugada. (...) ("Canção da Moça-Fantasma de Belo Horizonte") O "nós" é muito empregado em Sentimento do Mundo e é através do "nós" que surgirá a esperança. Ressaltese que ela, a Esperança, nunca está no presente, mas, sempre, no futuro, virá. Vem, assim como a dor, personificada em imagens possíveis de se encontrar em nosso cotidiano: o sorriso do operário, que caminha firme ("Vejo-o que se volta e me dirige um sorriso úmido"); a aurora, que dissolve a noite que traz o sofrimento ("Aurora, / entretanto eu te diviso, ainda tímida, / inexperiente das luzes que vais acender"); o soluço de vida, que resiste ao verme roedor de lembranças: Havia a um canto da sala um álbum de fotografias intoleráveis, alto de muitos metros e velho de infinitos minutos, em que todos se debruçavam na alegria de zombar dos mortos de sobrecasaca. Um verme principiou a roer as sobrecasacas indiferentes e roeu as páginas, as dedicatórias e mesmo a poeira dos retratos. Só não roeu o imortal soluço de vida que rebentava Que rebentava daquelas páginas. ("Os mortos de sobrecasaca") Assim, os temas políticos, o sofrimento do ser humano e as guerras, a solidão, o mundo frágil, os seres solitários predominam. A dor humana está lá; o eu-lírico se resguarda e canta o outro, tão mais importante que ele próprio. Poemas de Sentimento do mundo

106


1. SENTIMENTO DO MUNDO Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo, mas estou cheio escravos, minhas lembranças escorrem e o corpo transige na confluência do amor. Quando me levantar, o céu estará morto e saqueado, eu mesmo estarei morto, morto meu desejo, morto o pântano sem acordes. Os camaradas não disseram que havia uma guerra e era necessário trazer fogo e alimento. Sinto-me disperso, anterior a fronteiras, humildemente vos peço que me perdoeis. Quando os corpos passarem, eu ficarei sozinho desfiando a recordação do sineiro, da viúva e do microcopista que habitavam a barraca e não foram encontrados ao amanhecer esse amanhecer mais noite que a noite. "Sentimento do mundo" é primeiro poema e o que deu nome ao livro. Ele nos revela a visão-de-mundo do poeta: não é alegre, antes, é cheia da realidade que sempre nos estarrece, porque, por mais que sonhemos, a realidade geralmente é dura e muito desafiante. O poeta inicia (estrofe 1) indicando suas limitações para ver o mundo: Tenho apenas duas mãos; mas aponta, em seguida, alguns elementos auxiliares que o ajudarão a suprir suas deficiências de visão: escravos, lembranças e o mistério do amor (versos 3 a 5); escravos podem ser os meios escusos de que nos utilizamos para tocar a vida e decifrá-la e dela nos aproveitarmos. O pessimismo denuncia-se com as mortes do céu e do próprio poeta, na estrofe 2. Apesar da ajuda incompleta dos companheiros de vida ("Camaradas"), o poeta não consegue decifrar os códigos existenciais e pede, humilde, desculpas. Nas duas últimas estrofes, Drummond pinta uma visão de futuro bem negativo, mas bem real: mortos, lembranças, tipos de pessoas que sumiram nas batalhas da vida ("guerra", na estrofe 3). Conclui, na estrofe 5, que o futuro ("amanhecer") é bem negro, tenebroso. Feita só de dois versos, sintetiza seu sentimento do

107


mundo. 

2. CONFIDÊNCIA DO ITABIRANO

Alguns anos vivi em Itabira. Principalmente nasci em Itabira. Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro. Noventa por cento de ferro nas calçadas. Oitenta por cento de ferro nas almas. E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação. A vontade de amar, que me paralisa o trabalho, vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes. E o hábito de sofrer, que tanto me diverte, é doce herança itabirana. De Itabira trouxe prendas que ora te ofereço: este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval; este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas; este orgulho, esta cabeça baixa... Tive ouro, tive gado, tive fazendas. Hoje sou funcionário público. Itabira é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói! O poema começa com a saudade profunda de seu lugar de nascimento, traçado em quatro belas, mas sofredoras estrofes. Confessa (estrofe 3) que aprendeu a sofrer por causa de Itabira; mas, paradoxalmente: "A vontade de amor (...) vem de Itabira"; vale dizer que o amor nasce e é servido no sofrimento. De Itabira vem a explicação de Drummond viver de "cabeça baixa" (estrofe 3, verso 6). Afinal, apesar das negatividades, o poeta sente uma incomensurável saudade de sua cidade natal. 

3. POEMA DA NECESSIDADE

É preciso casar João, é preciso suportar Antônio, é preciso odiar Melquíades é preciso substituir nós todos. É preciso salvar o país, é preciso crer em Deus, é preciso pagar as dívidas, é preciso comprar um rádio, é preciso esquecer fulana. É preciso estudar volapuque, é preciso estar sempre bêbado, é preciso ler Baudelaire, é preciso colher as flores de que rezam velhos autores. É preciso viver com os homens

108


é preciso não assassiná-los, é preciso ter mãos pálidas e anunciar O FIM DO MUNDO. As necessidades do poeta são postas no poema, como se assim, a carência delas fosse suprida. Mas não se pode esperar que o canto do poeta transformasse as pessoas: "A poesia é incomunicável". E no entanto, o poeta crê na necessidade de mudar o mundo e credita muito valor ao poema. Mas o coração do poeta é mais vasto que o mundo. Em "Poema da necessidade", o discurso tem uma enunciação fundamentalmente determinista e apocalíptica. Utilizando-se do recurso da anáfora (repetições), o poeta anuncia o “fim do mundo”, num cotidiano frenético. 

4. CANÇÃO DA MOÇA-FANTASMA DE BELO HORIZONTE

Eu sou a Moça-Fantasma que espera na Rua do Chumbo o carro da madrugada. Eu sou branca e longa e fria, a minha carne é um suspiro na madrugada da serra. Eu sou a Moça-Fantasma. O meu nome era Maria, Maria-Que-Morreu-Antes. Sou a vossa namorada que morreu de apendicite, no desastre de automóvel ou suicidou-se na praia e seus cabelos ficaram longos na vossa lembrança. Eu nunca fui deste mundo: Se beijava, minha boca dizia de outros planetas em que os amantes se queimam num fogo casto e se tornam estrelas, sem ironia. Morri sem ter tido tempo de ser vossa, como as outras. Não me conformo com isso, e quando as polícias dormem em mim e foi-a de mim, meu espectro itinerante desce a Serra do Curral, vai olhando as casas novas, ronda as hortas amorosas (Rua Cláudio Manuel da Costa), para no Abrigo Ceará, não há abrigo. Um perfume que não conheço me invade: é o cheiro do vosso sono quente, doce, enrodilhado nos braços das espanholas.

109


– Oh! deixai-me dormir convosco. E vai, como não encontro nenhum dos meus namorados, que as francesas conquistaram, e cine beberam todo o uísque existente no Brasil (agora dormem embriagados), espreito os Carros que passam com choferes que não suspeitam de minha brancura e fogem. Os tímidos guardas-civis, coitados! um quis me prender. Abri-lhe os braços... Incrédulo, me apalpou. Não tinha carne e por cima do vestido e por baixo do vestido era a mesma ausência branca, um só desespero branco... Podeis ver: o que era corpo foi comido pelo gato. As moças que’ ainda estão vivas (hão de morrer, ficai certos) têm medo que eu apareça e lhes puxe a perna... Engano. Eu fui moça, Serei moça deserta, per omnia saecula. Não quero saber de moças. Mas os moços me perturbam. Não sei como libertar-me. Se o fantasma não sofresse, se eles ainda me gostassem e o espiritismo consentisse, mas eu sei que é proibido vós sois carne, eu sou vapor. Um vapor que se dissolve quando o sol rompe na Serra. Agora estou consolada, disse tu do que queria, subirei àquela nuvem, serei lâmina gelada, cintilarei sobre os homens. Meu reflexo na piscina da Avenida Paraúna (estrelas não se compreendem), ninguém o compreenderá. Neste poema Drummond parte do que seria uma lenda urbana para abordar, na imagem metafórica do espectro noturno assombrado pela solidão pós-morte, o seu isolamento e o de toda humanidade. Assumindo a voz dramática dessa alma que vaga pelas ruas da cidade mineira em busca da comunhão

110


amorosa desconhecida em vida, o gauche assume uma sutil máscara heterônima, marcada pelo halo do fantástico, como se sua solidão também fosse um espectro fantasmagórico a transitar pela desconcertada modernidade do mundo caduco. A reflexão poética sobre a solidão, tecida por Drummond nesse poema, mescla-se com o questionamento sobre o próprio sentido do existir e já guarda, de certa forma, um embrião do pessimismo metafísico que dominará sua escrita a partir de Claro Enigma. O poeta-moça-fantasma se defronta diante de uma transcendência vazia, pois a morte e a possível vida espiritual não surgem como solução para o enigma da existência, com o reencontro com o Criador, porém como um intolerável castigo, a expiação de uma solidão eterna, “Oh! Deixai-me dormir convosco”, distante das benesses gloriosas das promessas do paraíso que imperam no imaginário judaico-cristão. Ultrapassar a fronteira da morte e encontrar a eternidade não propicia à Moça-Fantasma a onisciência sobre o sentido do existir, a comunhão adiada com a humanidade, o contato amoroso desconhecido, mas a consciência da incomunicabilidade plena de um ser ainda repleto de paixões irrealizadas. Essa alma passa a desvelar o abandono eterno do gênero humano, excluído agora de sua substância corpórea, a transpassar corpos viventes plenos de vida e jamais conseguir com eles comungar. Esse ser etéreo, que se apresenta sensivelmente aos homens, não causa pavor ao poeta, mas apenas uma inquietante identificação. Resgatando a dimensão simbólica da escuridão como elemento soturno, opressor, de erupção do medonho, o ambiente da noite ressurge na trajetória dessa aparição das ruas desertas da província mineira. Metáfora da comunhão adiada de Drummond com a humanidade, a Moça-Fantasma é aquele ente que, apartado do mundo dos vivos, sofre por perder a dimensão humana de ser vivente que, nem em vida, nem na morte, consegue o encontro com o outro. “Morri sem ter tido tempo / de ser vossa, como as outras”. “Canção da Moça-Fantasma de Belo Horizonte” é uma alegoria de uma mundana-fantasma representando as vicissitudes da vida ingrata das mulheres de rua. A originalidade está na forma de representação e na forma poética feliz com que Drummond realizou o projeto alegórico. Com esse projeto, Drummond consegue mexer com o imaginário popular e mundano sempre atento aos percursos do amores marginais ou clandestinos. O espectro da moça-fantasma assume a narrativa em primeira pessoa numa intenção de apresentar uma mensagem necessária como se fosse uma purgação: “Agora estou consolada, disse tudo que queria, subirei àquela nuvem, serei lâmina gelada”. 

5. TRISTEZA DO IMPÉRIO

Os CONSELHEIROS angustiados ante o colo ebúrneo das donzelas opulentas que ao piano abemolavam “bus-co a cam-pi-na se-re-na pa-ra li-vre sus-pi-rar”, esqueciam a guerra do Paraguai, o enfado bolorento de São Cristóvão, a dor cada vez mais forte dos negros e sorvendo mecânicos uma pitada de rapé, sonhavam a futura libertação dos instintos e ninhos de amor a serem instalados nos arranha-céus de Copacabana, com rádio e telefone automático.

111


A relação irônica do modernismo com a História, prato preferido de Oswald de Andrade, aparece na poesia de Drummond. É um poema social de crítica aos ideais burgueses. 6. OPERÁRIO DO MAR (prosa) Na rua passa um operário. Como vai firme! Não tem blusa. No conto, no drama, no discurso político, a dor do operário está na blusa azul, de pano grosso, nas mãos grossas, nos pés enormes, nos desconfortos enormes. Esse é um homem comum, apenas mais escuro que os outros, e com uma significação estranha no corpo, que carrega desígnios e segredos. Para onde vai ele, pisando assim tão firme? Não sei. A fábrica ficou lá atrás. Adiante é só o campo, com algumas árvores, o grande anúncio de gasolina americana e os fios, os fios, os fios. O operário não lhe sobra tempo de perceber que eles levam e trazem mensagens, que contam da Rússia, do Araguaia, dos Estados Unidos. Não ouve, na Câmara dos Deputados, o líder oposicionista vociferando. Caminha no campo e apenas repara que ali corre água, que mais adiante faz calor. Para onde vai o operário? Teria vergonha de chamá-lo meu irmão. Ele sabe que não é, nunca foi meu irmão, que não nos entenderemos nunca. E me despreza... Ou talvez seja eu próprio que me despreze a seus olhos. Tenho vergonha e vontade de encará-lo: uma fascinação quase me obriga a pular a janela, a cair em frente dele, sustar-lhe a marcha, pelo menos implorar lhe que suste a marcha. Agora está caminhando no mar. Eu pensava que isso fosse privilégio de alguns santos e de navios. Mas não há nenhuma santidade no operário, e não vejo rodas nem hélices no seu corpo, aparentemente banal. Sinto que o mar se acovardou e deixou-o passar. Onde estão nossos exércitos que não impediram o milagre? Mas agora vejo que o operário está cansado e que se molhou, não muito, mas se molhou, e peixes escorrem de suas mãos. Vejo-o que se volta e me dirige um sorriso úmido. A palidez e confusão do seu rosto são a própria tarde que se decompõe. Daqui a um minuto será noite e estaremos irremediavelmente separados pelas circunstâncias atmosféricas, eu em terra firme, ele no meio do mar. Único e precário agente de ligação entre nós, seu sorriso cada vez mais frio atravessa as grandes massas líquidas, choca-se contra as formações salinas, as fortalezas da costa, as medusas, atravessa tudo e vem beijar-me o rosto, trazer-me uma esperança de compreensão. Sim, quem sabe se um dia o compreenderei? O poema número 6 da obra Sentimento do mundo faz o autor escapar da linguagem poética material (versos) e se apropriar dessa linguagem poética sem versos, mas bastante poesia imaterial, em belo painel-definição explicita a grande diferença social entre operários e não-operários. Esta belíssima crônica poética, de base surrealista, tão em voga nos anos 30 e 40, serve bem para duas constatações: 1ª) o sentimento socialista de Drummond que iria espraiar-se cinco anos após Sentimento do mundo, na publicação de Rosa do povo, em 1945; 2ª) a visão-de-mundo onírica e bem poética de um operário universalizado em São Pedro; ele anda sobre águas por graça de Deus, enquanto burgueses se espantam por não poderem realizar a mágica; isto é, aos humildes: a magia divina, aos prepotentes: a inveja. Esta crônica poética também pode permitir que se compare a "apreensão do mistério da palavra" nos poemas explícitos de Drummond diante desta prosa poética; por exemplo: "minhas lembranças escorrem" ("Sentimento do mundo", estrofe 1, verso 4) e "feixes escorrem" (das mãos do operário, em "O operário no mar", linha 26). O mistério poético de lembranças escorrem é bem mais profundo do que peixes escorrerem imaginariamente das mãos do operário. "Operário no mar" é um texto discursivo em prosa, sem aparato versificatório e de um grande sentido poético. No fundo aparece como uma grande parábola poética que mede a distância entre o operário e o burguês, e declara uma nítida separação de classes, como se percebe na passagem: “Ele sabe que não é meu irmão”. Um poema em prosa carregado de símbolos: “Esse é um homem comum, apenas mais escuro que os outros, e com uma significação estranha no corpo, que carrega desígnios e segredos no mar”. Pela leitura fica clara a distância entre o eu poético burguês e o operário. Mas há uma mudança, uma ligeira

112


metamorfose: em seu caminhar frontal e “firme”, a figura do operário se impõe. Caminha, é insistente em suas lutas e transforma muita coisa, quase faz milagres. É uma alusão à luta trabalhista, a qual, com o tempo, conseguirá suas vitórias, entre elas, o derretimento de gelos, a derrubada de preconceitos, e o milagre da aproximação, a humanização. 

7. MENINO CHORANDO NA NOITE

Na noite lenta e morna, morta noite sem ruído, um menino chora. O choro atrás da parede, a luz atrás da vidraça perdem-se na sombra dos passos abafados, das vozes extenuadas, e, no entanto, se ouve até o rumor da gota de remédio caindo na colher. Um menino chora na noite, atrás da parede, atrás da rua, longe um menino chora, em outra cidade talvez, talvez em outro mundo. E vejo a mão que levanta a colher, enquanto a outra sustenta a cabeça e vejo o fio oleoso que escorre pelo queixo do menino, escorre pela rua, escorre pela cidade, um fio apenas. E não há mais ninguém no mundo A não esse menino chorando. Drummond tem um enorme sentido social e uma vontade de que a utopia da fraternidade e solidariedade seja possível no mundo. Nesta sensibilidade enquadra-se o poema "Menino chorando na noite" que classifica-se como um poema de ternura, enquanto nele se sublinha a força da criança, como símbolo de vida, tendo em vista sua dor e os cuidados que a ele são prestados. Um poema bastante emotivo onde o poeta sofre com o sofrimento do outro. As lágrimas caindo simbolizam a dor intensa e universal. Ser triste dói. 8. MORRO DA BABILÔNIA À noite, do morro descem vozes que criam terror (terror urbano, cinqüenta por cento de cinema, e o resto que veio de Luanda ou se perdeu na língua geral, Quando houve revolução, os soldados se espalharam no morro, o quartel pegou fogo, eles não voltaram. Alguns chumbados, morreram. O morro ficou mais encantado.

113


Mas as vozes no morro não são propriamente lúgubres. Há mesmo um cavaquinho bem afinado que domina os ruídos da pedra e da folhagem, e desce até nós, modesto e criativo, como uma gentileza do morro. Espaço carioca, onde o poeta aborda a violência e a gentileza (música) envolvendo os moradores. Em “Morro da Babilônia” temos fundamentalmente um poema social. Se por um lado, por vezes, na noite, as vozes que vêm do morro provocam terror, por outro lado, também, as vozes do morro não são necessariamente lúgubres pois dele vem, de vez em quando, o som de um cavaquinho bem afinado, “que é uma gentileza do morro”... 9. CONGRESSO INTERNACIONAL DO MEDO Provisoriamente não cantaremos o amor, que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos. Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços, não cantaremos o ódio porque esse não existe, existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro, o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos, o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas, cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas, cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte, depois morreremos de medo e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas. Neste poema, Drummond evidencia claramente o sentimento comungado por todos, simples mortais. É nele que Drummond fala do "amor que se refugiou no mais baixos dos subterrâneos, do medo que esteriliza o braço, no medo da morte e do depois da morte, e principalmente, no medo dos ditadores e no medo dos democratas". O poema escrito há pelo menos 60 anos contrasta com a página amarela e triste da nossa história que insiste em não virar, e se tornar passado de nossas vidas. Em “Congresso internacional do medo” Drummond com verdade e ironia coloca o medo como o grande dominador de nossa sociedade: “Provisoriamente não cantaremos o amor, que se refugiou mais abaixo do subterrâneos. Cantaremos o medo que esteriliza os abraços...” 10. OS MORTOS DE SOBRECASACA Havia a um canto da sala um álbum de fotografias intoleráveis, alto de muitos metros e velho de infinitos minutos, em que todos se debruçavam na alegria de zombar dos mortos de sobrecasaca. Um verme principiou a roer as sobrecasacas indiferentes e roeu as páginas, as dedicatórias e mesmo a poeira dos retratos. Só não roeu o imortal soluço de vida que rebentava que rebentava daquelas páginas. Neste poema Drummond enaltece o “soluço de vida” que destila um simples retrato. O passado configurado no álbum de fotografias dos antepassados. Embora, inicialmente, as pessoas do presente zombem dos mortos, nos últimos versos a ironia dá lugar ao intenso sentimento. Esse poema é uma antecipação da poesia que vai falar da família e da memória. Não há como se desfazer do passado, da

114


memória, mesmo que as fotos se acabem um dia. As lembranças boas e belas que nos acontecem ficam. O poema "Os mortos de sobrecasaca" estabelece uma tensão entre o estado de fixidez inerente à natureza do objeto fotografado e o movimento sugestivo e peculiar fornecido pela figura do verme que desliza sua concretude formal sobre a imagem química desbotada pelo tempo. O tom de sépia descrito pelo espectador no poema, metáfora recorrente para representar os estragos do tempo no papel "perecível" que registra a "eternidade" do estado de fixidez, sublinha a ideia de que a fotografia, neste caso consequência do rito familiar, fornece a possibilidade de realização de experiências óticas. Ou seja, o envelhecimento progressivo do papel de registro (primeira sugestão de movimento através do tempo) se rebela contra o estado já envelhecido e estático dos personagens da fotografia (natural e já registrado / congelado no momento do ato).  11. BRINDE DO JUÍZO FINAL Neste poema Drummond mostra a sobrevivência da poesia, e dos “poetas honrados”, além da morte e de todas as catástrofes. Em "Brinde no juízo final", o texto é modernista e homenageia os poetas populares contra os acadêmicos. Mostra a impotência da poesia burguesa no mundo capitalista. Fala que a poesia não é feita só de temas nobres, consagrados, mas de termos e temas banais. Drummond faz um brinde a essa poesia considerada, anteriormente, ridícula. 12. PRIVILÉGIO DO MAR Neste terraço mediocremente confortável, bebemos cerveja e olhamos o mar. Sabemos que nada nos acontecerá. O edifício é sólido e o mundo também. Sabemos que cada edifício abriga mil corpos labutando em mil compartimentos iguais. Às vezes, alguns se inserem fatigados no elevador e vem cá em cima respirar a brisa do oceano, o que é privilégio dos edifícios. O mundo é mesmo de cimento armado. Certamente, se houvesse um cruzador louco, fundeado na baía em frente da cidade, a vida seria incerta... improvável... Mas nas águas tranquilas só há marinheiros fiéis. Como a esquadra é cordial! Podemos beber honradamente nossa cerveja. No poema número 12, o autor continua detendo-se alegoricamente no problema social das diferenças humanas. Drummond aqui destila uma ironiazinha sobre a segurança no mundo: o poeta cria uma situação em que um grupo bebe cerveja no terraço de um edifício enquanto todos olham o mar. “O edifício é sólido, o mundo também (...) O mudo é mesmo “de cimento armado”(...) Podemos beber honradamente nossa cerveja”. Portanto, "Privilégio do mar" é uma crítica à alienação burguesa. O poeta inclui-se entre os alienados que, se não atingidos, não se mobilizam e desfrutam de certa tranqüilidade, privilegiados em suas moradias.

115


13. INOCENTES DO LEBLON Os inocentes do Leblon não viram o navio entrar. Trouxe bailarinas? trouxe emigrantes? trouxe um grama de rádio? Os inocentes, definitivamente inocentes, tudo ignoram, mas a areia é quente, e há um óleo suave que eles passam nas costas, e esquecem. Ainda no enfoque da visão social, o poeta fala da riqueza: "inocentes" significa os que querem ignorar; por isto fingem e se aproveitam. Crítica à alienação dos burgueses que “tudo ignoram, ou seja, enquanto a guerra acontece, “os inocentes passam um óleo suave nas costas, e esquecem.” 14. CANÇÃO DO BERÇO O amor não tem importância. No tempo de você, criança, uma simples gota de óleo povoará o mundo por inoculação, e o espasmo (longo demais para ser feliz) não mais dissolverá as nossas carnes. Mas também a carne não tem importância. E doer, gozar, o próprio cântico afinal é indiferente. Quinhentos mil chineses mortos, trezentos corpos [de namorados sobre a via férrea e o trem que passa, como um discurso, irreparável: tudo acontece, menina, e não é importante, menina, e nada fica nos teus olhos. Também a vida é sem importância. Os homens não me repetem nem me prolongo até eles. A vida é tênue, tênue. O grito mais alto ainda é suspiro, os oceanos calaram-se há muito. Em tua boca, menina, ficou o gosto do leite? ficará o gosto de álcool? Os beijos não são importantes. No teu tempo nem haverá beijos. Os lábios serão metálicos, civil, e mais nada, será o amor dos indivíduos perdidos na massa

116


e só uma estrela guardará o reflexo do mundo esvaído (aliás sem importância). Um dos poemas mais interessantes e fortes do livro. De intensa carga negativa que reforça as idéias contidas nos anteriores, como o reforço do mundo ser um “mundo caduco” (em "Elegia 1938" e "Mãos dadas"), “tempo em que não se diz mais: meu amor” (em "Os ombros suportam o mundo"), tudo está decomposto e nada mais tem importância, pois a vida é tênue, pequena, frágil e ligeira, não adiantando gritar, pois nenhum grito será ouvido; as pessoas não se solidarizam mais: “Os homens não me repetem / nem me prolongo até eles”; há uma frieza nas relações pessoais: “Os lábios serão metálicos”, e o mundo está acabado e sem importância. Através deste poema Drummond transmite a mensagem de que desde o berço o destino está marcado: o amor, a carne, a vida e os beijos não têm a importância imediata que a sociedade de consumo lhe dá. No poema é elaborado um tipo de conhecimento baseado no determinismo e nas experiências negativas centradas num tipo de discurso dogmático: "o amor não tem importância(...) nem a carne não tem importância(...)". Tudo isto, à primeira vista parece uma antífrase profetizante que nos mostra um poeta descrente da autenticidade do amor a partir dos comportamentos mecanizados e formalizados adotados pelos homens de seu tempo, que priorizavam a mecanização sobre os sentimentos puros e naturais.  15. INDECISÃO DE MÉIER Teus dois cinemas, um ao pé do outro, por que não se afastam para não criar, todas as noites, o problema da opção e evitar a humilde perplexidade dos moradores? Ambos com a melhor artista e a bilheteira mais bela, que tortura lançam no Méier! 16. BOLERO DE RAVEL A alma ativa e obcecada enrola-se infinitamente numa espiral de desejo e melancolia Infinita, infinitamente... As mãos não tocam jamais o aéreo objeto esquiva ondulação evanescente Os olhos, magnetizados, escutam e no círculo ardente nossa vida para sempre está presa está presa... Os tambores abafam a morte do Imperador.. A música “Bolero de Ravel”, foi criada instintivamente pelo maestro Maurice Ravel (1875-1937), que queria fornecer um exercício prático que envolvesse todos os nypes musicais e uma orquestra (cordas, percussão, metais e sopro). Trata-se de uma canção repetitiva, que apenas retorna ao seu tema a todo instante, e a cada repetição, intensifica um pouco mais a sua força. Drummond trabalha as características da canção no seu poema, principalmente ao citar: “infinita, infinitamente”, “ espiral de desejo” e “círculo ardente”. Seu valor intrínseco está na capacidade contrastiva que o poeta estabelece entre a alma ativamente aplicada ao desejo e à vida e o obstáculo, a distração ou o barulho que prendem ou abafam a entrega profunda à vivência a ser protagonizada pelo homem vivo. A dinâmica da vida é destacada com leveza e verdade. 17. LA POSSESSION DU MONDE

117


Neste poema 17, Drummond indica o membro da Academia Francesa de Letras, em 1884, Georges Duhamel, pedindo uma risível fruta estragada; como se isso fosse, como diz o título do poema, ter o mundo nas mãos. É nada mais nada menos que uma ironia forte a um cientista estrangeiro que larga sua teoria científica para aderir ao apelo tropical de um mamão. 18. ODE AO CINQÜENTENÁRIO DO POETA BRASILEIRO O belo elogio do poema 18 é a palavra drummondiana a Manuel Bandeira, nascido em 1886 e que, em 1936, completava 50 anos de vida. Drummond pede que "seu canto confidencial (a poesia de Bandeira) ressoe acima dos vãos disfarces do homem"! Trata-se de um poema terno e profundo: Este incessante morrer que nos teus versos encontro é tua vida. (...) a violenta ternura, a gravidade simples, a acidez e o carinho simples, a fidelidade a si mesmo, a fraternidade, o poeta acima da guerra e do ódio, a acidez e carinho que (...) a sua pungente, inefável poesia, ferindo as almas, sob a aparência balsâmica, queimando as almas, fogo celeste, ao visitá-las (...) Por isto sofremos pelas mensagens que nos confias. 19. MÃOS DADAS Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. Entre eles, considero a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. Não serei o cantor de uma mulher, de uma história, não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela, não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins. O tempo é a minha matéria, do tempo presente, os homens presentes, a vida presente. Neste poema o poeta reafirma a sua consciência da existência de outros homens, seus companheiros. Com eles é que se sente de mãos dadas, e renunciou aos seus temas pessoais: uma mulher, uma história, a paisagem vista da janela. Não mais se refugiará na solidão porque o que lhe interessa é o tempo presente em que se acha inserido, e os homens que o cercam. O poema "Mãos dadas" anuncia a utópica e festiva solidariedade humana. Como um ativista dos direitos humanos Drummond muitas vezes nega a influência do mundo moderno em sua obra, é o fugir do individual e o olhar para o coletivo e a solidariedade. Como vimos, em "Mãos Dadas", Drummond diz: "Não serei o poeta de um mundo caduco / também não contarei o mundo futuro.". Isto é, o poeta não é arcaísta nem invencionista. E prossegue: "Não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem da janela / Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicidas." O poeta afirma que não há espaço para o lirismo contemplativo, o escapismo romântico ou o pessimismo decadentista em sua poesia.  20. OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO

118


Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus. Tempo de absoluta depuração. Tempo em que não se diz mais: meu amor. Porque o amor resultou inútil. E os olhos não choram. E as mãos tecem apenas o rude trabalho. E o coração está seco. Em vão mulheres batem à porta, não abrirás. Ficaste sozinho, a luz apagou-se, mas na sombra teus olhos resplandecem enormes. És todo certeza, já não sabes sofrer. E nada esperas de teus amigos. Pouco importa venha a velhice, que é a velhice? Teus ombros suportam o mundo e ele não pesa mais que a mão de uma criança. As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios provam apenas que a vida prossegue e nem todos se libertaram ainda. Alguns, achando bárbaro o espetáculo, prefeririam (os delicados) morrer. Chegou um tempo em que não adianta morrer. Chegou um tempo em que a vida é uma ordem. A vida apenas, sem mistificação. O sentimento do mundo que dá título ao livro começa a fazer presente neste poema. O poeta fala na renúncia dos seus desejos e inquietações pessoais, que só o deixarão na mais absoluta solidão: não importa a sua própria vida, o tempo que passa e a velhice que avança, em face dos problemas do mundo, dos quais ele tem uma dolorosa consciência. Sente-se solidário com os que ainda não se libertaram do sofrimento. Sua vida se impõe como uma ordem: ela deve continuar, para enfrentar a realidade de um mundo que ele imagina carregar nos ombros e que não deve pesar mais do que a mão de uma criança. Um poema profundo de grande significação ontológica e existencial. Seu núcleo é o que o poeta chama de “absoluta depuração” e nele está presente mais uma vez o clima estóico e depurado da vida. Com a sombra de Ricardo Reis e tudo, das doutrinas da Stoá e até e Epicuro 

21. DENTADURAS DUPLAS

Dentaduras duplas! Inda não sou bem velho para merecer-vos... Há que contentar-me com uma ponte móvel e esparsas coroas. (Coroas sem reino, os reinos protéticos de onde proviestes quando produzirão a tripla dentadura, dentadura múltipla,

119


a serra mecânica, sempre desejada, jamais possuída, que acabará com o tédio da boca, a boca que beija, a boca romântica?...) Resovin! Hecolite! Nomes de países? Fantasmas femininos? Nunca: dentaduras, engenhos modernos, práticos, higiênicos, a vida habitável: a boca mordendo, os delirantes lábios apenas entreabertos num sorriso técnico e a língua especiosa através dos dentes buscando outra língua, afinal sossegada... A serra mecânica não tritura amor. E todos os dentes extraídos sem dor. E a boca liberta das funções poéticosofístico-dramáticas de que rezam filmes e velhos autores. Dentaduras duplas: dai-me enfim a calma que Bilac não teve para envelhecer. Desfibrarei convosco doces alimentos, serei casto, sóbrio, não vos aplicando na deleitação convulsa de uma carne triste em que tantas vezes me eu perdi. Largas dentaduras, vosso riso largo me consolará não sei quantas fomes ferozes, secretas no fundo de mim. Não sei quantas fomes jamais compensadas.

120


Dentaduras alvas, antes amarelas e por que não cromadas e por que não de âmbar? de âmbar! de âmbar! feéricas dentaduras, admiráveis presas, mastigando lestas e indiferentes a carne da vida! Sátira bem construída e bem humorada, o poema nos mostra que através das dentaduras chega a focalizar a evanescência da vida que se vai aos poucos: "admiráveis presas, mastigando lestas e indiferentes a carne da vida". Há associações surpreendentes, influência surrealista e o deboche do próprio envelhecimento do eu-lírico. Portanto, o tema deste poema dedicado a Onestaldo de Pennafort, é a velhice. 22. REVELAÇÃO DO SUBÚRBIO Quando vou para Minas, gosto de ficar de pé, contra a vidraça do carro, vendo o subúrbio passar. O subúrbio todo se condensa para ser visto depressa, com medo de não repararmos suficientemente em suas luzes que mal têm tempo de brilhar. A noite come o subúrbio e logo o devolve, ele reage, luta, se esforça, até que vem o campo onde pela manhã repontam laranjais e à noite só existe a tristeza do Brasil.” Este poema nos remete à ideia de que o mundo tem sentimento. As luzes são precárias e a aurora traz a visão das frutas, fatia saborosa da vida. O título do poema reflete o inusitado efeito estético das luzes do subúrbio aos olhos daqueles que o observam durante uma viagem noturna. O ambiente noturno interiorano é triste e contrasta com o ambiente suburbano, cheio de luzes. O “eu” lírico vê tristeza e simplicidade no cenário do subúrbio. Ao lermos o poema percebemos que a viagem do “eu” lírico rumo a Minas Gerais dura aproximadamente um dia. 23. A NOITE DISSOLVE OS HOMENS A noite desceu. Que noite! Já não enxergo meus irmãos. E nem tão pouco os rumores que outrora me perturbavam. A noite desceu. Nas casas, nas ruas onde se combate, nos campos desfalecidos, a noite espalhou o medo e a total incompreensão. A noite caiu. Tremenda, sem esperança... Os suspiros acusam a presença negra que paralisa os guerreiros.

121


E o amor não abre caminho na noite. A noite é mortal, completa, sem reticências, a noite dissolve os homens, diz que é inútil sofrer, a noite dissolve as pátrias, apagou os almirantes cintilantes! nas suas fardas. A noite anoiteceu tudo... O mundo não tem remédio... Os suicidas tinham razão. Aurora, entretanto eu te diviso, ainda tímida, inexperiente das luzes que vais ascender e dos bens que repartirás com todos os homens. Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações, adivinho-te que sobes, vapor róseo, expulsando a treva noturna. O triste mundo fascista se decompõe ao contato de teus dedos, teus dedos frios, que ainda se não modelaram mas que avançam na escuridão como um sinal verde e peremptório. Minha fadiga encontrará em ti o seu termo, minha carne estremece na certeza de tua vinda. O suor é um óleo suave, as mãos dos sobreviventes se enlaçam, os corpos hirtos adquirem uma fluidez, uma inocência, um perdão simples e macio... Havemos de amanhecer. O mundo se tinge com as tintas da antemanhã e o sangue que escorre é doce, de tão necessário para colorir tuas pálidas faces, aurora. Apesar da consciência da plena incomunicabilidade dos homens, destinados a uma transcendência vazia, Drummond tenciona o ensaio de um movimento rumo à enigmática humanidade, um deslocamento que se tornará mais vigoroso na imagem Essa imagem luminosa, a cromática da claridade do amanhecer e da mão redentora em poemas que desvelam um esforço de superar seus temores através de uma escrita poético-filosófica, propicia ao gauche vislumbrar um utópico futuro fraterno e superar seus temores no plano estético da criação lírico-meditativa, e surge no segundo movimento do poema “A Noite dissolve os homens”. Todo primeiro movimento textual desse poema parece ser marcado pela imagística sombria da escuridão noturna, (A noite desceu. Que noite!), metáfora, no macrocosmo, dos horrores do avanço nazifascista, da alienação das massas, do totalitarismo do Estado Novo, e, no microcosmo, do sentimento de culpa, medo e solidão do gauche. Entretanto, a claridade esperançosa de uma futura aurora surge como saída para o legado de impasses até agora experienciados. A diluição do que havia de mais humano e grandioso nos homens dissolvidos nesse período trevoso, reificados e petrificados com o medo espalhado pela noite, encontra uma possibilidade de renascimento tal como a fênix que emerge das cinzas.

122


É um importante poema de sentido sociológico e político. Ele se destaca pelo contraste que estabelece entre a noite "mortal, completa, em reticências que dissolve os homens" e a esperança da aurora que será o termo da espera: "Minha fadiga encontrará em ti seu termo... minha carne estremece na certeza da tua vida..." Este poema foi dedicado ao pintor Cândido Portinari.  24. MADRIGAL LÚGUBRE Madrigal lúgubre" é um tocante e trágico poema em tempo de guerra. Poema lírico, pastoril, que valoriza um cenário alegre, bucólico, matinal e amoroso. O adjetivo lhe traz feições funéreas e macabras. Nesse poema, o eu-lírico fala da frustração afetiva e insatisfação sexual. É um texto de intensa sátira, em que acusa a necessidade subjetiva do amor. Com um olhar desencantado sobre seu século repleto de crises e falências morais, o mineiro itabirano constrói o lirismo reflexivo amargo e irônico deste poema. Em "Madrigal lúgubre" o desencanto amargo com os horrores provocados pela omissão da elite burguesa dominante, representada metonimicamente na imagem da princesa encastelada num mundo artificial, já assume o tom do grotesco no próprio título que unifica no mesmo plano a forma poética do Madrigal, composição engenhosa e elegante, um galanteio dirigido às damas e o vocábulo lúgubre, que se refere ao fúnebre, lutuoso, triste, desencantado. ó princesa! ó donzela em vossa casa, de onde o sangue escorre quisera eu morar Ao desconstruir as expectativas do que seria a função galanteadora do Madrigal, Drummond prepara o ambiente da crítica moral dirigida à apodrecida elite burguesa dominante, seja essa cooptada pelo jogo de interesses econômicos internacionais, ou seja, diretora da máquina do mundo capitalista. Os detentores do poder e seu falido projeto civilizador são simbolizados na imagem da princesa omissa, de beleza longínqua que habita um mundo ilusório, à margem da espessura da vida real, e que tece com "mãos níveas e mecânicas (...) algo parecido com um véu", alienador, mas que não consegue ocultar a crueldade de sua civilização. "O mundo, sob a neblina que criais, torna-se de tal modo espantoso / que o vosso sono de mil anos se interrompe para admirá-lo". As imagens grotescas da lama e dos detritos humanos, gerados por essa elite omissa, surgem no verso de abertura do poema, que desvela o inumano soerguimento desse mundo artificial e alienado das minorias hegemônicas detentoras do poder. A metafórica "casa feita de cadáveres" de onde o sangue escorre, a sociedade capitalista, se erigiu através da destruição da dignidade humana, da exploração física da mão-deobra dos estratos mais inferiores da pirâmide social e se sustenta através da morte de anônimos combatentes de guerra a expandir os mercados consumidores das elites nas conquistas dos campos de batalha. Essa semântica do dejeto humano (os cadáveres) transita pelos demais versos com algumas variações vocabulares (meninos mortos, mutilados, dois mil e oitocentos atropelados). Não vos direi dos meninos mortos (nem todos mortos, é verdade, alguns apenas mutilados). Tampouco vos contarei a história Algo monótona talvez

123


Dos mil e oitocentos atropelados No casamento do rei da Ásia (...) Mas volta, com pungência crítica, na incômoda consciência culposa da princesa-burguesia na quarta estrofe, onde surge a imagem grotesca e surrealista do sangue criminoso de séculos de exploração social a fluir pelas escadarias desse castelo-mundo capitalista. Sutil flui o sangue nas escadarias Ah, esses cadáveres não deixam Conciliar o sono princesa? Mas o corpo dorme; dorme assim mesmo. É interessante notar como Drummond assume a função de porta-voz dessas sobras humanas que regressam dos campos de batalha ou que são exterminadas nas invasões das cidades europeias, com certo ar de compaixão por serem tão estigmatizadas quanto ele. A "sujeira" desse mundo é representada, escatologicamente, na imagem do "palácio em ruínas", que se corrói despertando a necessidade de despertar a velha princesa (a burguesia alienada) para a construção de um novo momento histórico-social mediante os gritos e o despertar dos mortos (os cidadãos alienados) pelo soar das trombetas. Este despertar retumbante surge como uma clara releitura social da passagem bíblica do livro “Apocalipse” (o juízo final) do Novo Testamento, como metáfora da esperança utópica de reação popular contra o atual estado caótico da sociedade. Princesa, os mortos! Gritam os mortos! Querem sair! Querem romper! Tocai tambores, tocai trombetas, Outras manifestações grotescas da imundice moral desse mundo em decomposição surgem no sexto verso da segunda estrofe na imagem do "jornal sujo, embrulhando fatos, homens e comida guardada". Há uma possível alusão aos tabloides da imprensa oficial, que compactuavam com a sujeira moral de seu tempo por distorcer os fatos, embrulhar a divulgação verídica das profundas iniquidades sociais. Além disso, há uma clara referência aos jornais usados, sujos, que aquecem o frio dos sem tetos (embrulhando os homens) e guardam os restos de refeições lançadas ao lixo (embrulhando comida). Num gesto de desespero, nesse madrigal fúnebre e desencantado, o poeta almeja uma reconciliação com a distante princesa-burguesia ("arrastar-me-ei pelo morro e chegarei até vós"), mas somente vislumbra esse acerto de contas num futuro utópico. “Adeus, princesa, até outra vida”. 

25. LEMBRANÇA DO MUNDO ANTIGO

Clara passeava no jardim com as crianças. O céu era verde sobre o gramado, a água era dourada sob as pontes, outros elementos eram azuis, róseos, alaranjados, o guarda civil sorria, passavam bicicletas, a menina pisou a relva para pegar um pássaro, o mundo inteiro, a Alemanha, a China, tudo era tranquilo em redor de Clara. As crianças olhavam para o céu: não era proibido. A boca, o nariz, os olhos estavam abertos. Não havia perigo. Os perigos que Clara temia eram a gripe, o calor, os insetos. Clara tinha medo de perder o bonde das onze horas,

124


esperava cartas que custavam a chegar, nem sempre podia usar vestido novo. Mas passeava no jardim, pela manhã!!! havia jardins, havia manhãs naquele tempo!!! Novamente a persona-lírica fala da miséria humana e dos horrores da guerra (como em "Madrigal lúgubre"), contrasta passado e presente usando a figura feminina como contraponto: uma mulher chamada Clara. As exclamações triplas substituem as reticências, tão comuns neste livro. Pedem que com urgência e espanto se observe que a vida foi modificada, e que o nosso mundo não é mais o mesmo. E que a mudança é recheada de horror. 26. ELEGIA 1938 Trabalhas sem alegria para um mundo caduco, onde as formas e as ações no encerram nenhum exemplo. Praticas laboriosamente os gestos universais, sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual. Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas, e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção. À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas. Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra e sabes que, dormindo, os problemas de dispensam de morrer. Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras. Caminhas entre mortos e com eles conversas sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito. A literatura estragou tuas melhores horas de amor. Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear. Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota e adiar para outro século a felicidade coletiva. Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan. Neste poema o poeta volta a falar de um "mundo caduco", da existência de uma "grande máquina", sobre caminhar "entre os mortos", e usa a segunda pessoa do singular como se estivesse falanddo consigo mesmo: "A literatura estragou tuas melhores horas de amor", e sentencia de modo inusitado: "Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição / porque não podes sozinho dinamitar a ilha de Manhattan.". Esta ilha, referência à cidade de Nova Iorque, símbolo de um capitalismo tão injusto. Ao contemplar a realidade e mergulhar profundamente na sua existência buscando integrar-se à humanidade, vemos muitas vezes no livro Sentimento do mundo, o eu-lírico desdobrando-se na terceira pessoa, ou mesmo num "tu" problemático, como se fosse uma poética de auto referência, cheia de seriedade e paradoxal humor diante da realidade que parece tão errada, mas que exige uma percepção prática. Drummond conversa com seu leitor, irmana-se. Mostra-nos talvez que a eternidade é uma palavra expressa, porém de obscura compreensão. "Elegia" era o nome dado pelos gregos a um tipo cujo tema estava ligado à morte. Seu tom era, portanto, sempre triste, de lamentação. O ano de 1938 identifica-se com um período de grande desenvolvimento industrial e uma grave crise social e política, que teria como uma das suas decorrências a Segunda Guerra

125


Mundial. A esse quadro o poeta refere-se como um “mundo caduco” 

27. NOTURNO À JANELA DO APARTAMENTO

Contemplação da noite e o farol da Ilha Rosa. Traz a ideia do fluxo da vida circulando. Sentimento de sátira: poemas em que predominam a sátira e a ironia. 28. MUNDO GRANDE Nao, meu coração não é maior que o mundo. Ê muito menor. Nele não cabem nem as minhas dores. Por isso gosto tanto de me contar. Por isso me dispo. Por isso me grito, por isso freqüento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias: preciso de todos. Sim, meu coração é muito pequeno. Só agora vejo que nele não cabem os homens. Os homens estão cá fora, estão na rua. A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava. Mas também a rua não cabe todos os homens. A rua é menor que o mundo. O mundo é grande. Tu sabes como é grande o mundo. Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão. Viste as diferentes cores dos homens. as diferentes dores dos homens. sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso num só peito de homem... sem que elo estale. Fecha os olhos e esquece. Escuta a água nos vidros, tão calma. Não anuncia nada. Entretanto escorre nas mãos, tão calma! vai’ inundando tudo... Renascerão as cidades submersas? Os homens submersos —— voltarão? Meu coração não sabe. Estúpido, ridículo e frágil é meu coração. Só agora descubro como é triste ignorar certas coisas. (Na solidão de invidíduo desaprendi a linguagem com que homens se comunicam.) Outrora escutei os anjos, as sonatas, os poemas, as confissões patéticas. Nunca escutei voz de gente. Em verdade sou muito pobre.

126


Outrora viajei países imaginários, fáceis de habitar. ilhas sem problemas, não obstante exaustivas e convocando ao suicídio Meus amigos foram às ilhas. Ilhas perdem o homem. Entretanto alguns se salvaram e trouxeram a notícia de que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias, entre o fogo e o amor. Então, meu coração também pode crescer. Entre o amor e o fogo, entre a vida e o fogo, meu coração cresce dez metros e explode. — Ó vida futura! nós te criaremos São os últimos versos do livro. Novamente as reticências, a menção do suicídio, talvez uma morte coletiva que brotava a partir da incompreensão, da falta de solidariedade que o poeta constatava tão presente entre os homens. O poeta agora percebe que o mundo cresce entre o “amor e o fogo”, entre “a vida e o fogo”, cresce todos os dias entre os homens, e que há esperança por trás de tanta maldade e sofrimento. Mas ele agora sabe que todos nós precisamos uns dos outros para criar uma vida futura mais melodiosa e agradável e fazer renascer as cidades submersas, onde nós poderemos fechar os olhos e esquecer, para somente escutarmos a água calma batendo nos vidros, escorrendo nas mãos e inundando tudo de verdades e vidas futuras. Neste poema o poeta observa a noite. Percebemos a ânsia do eu-poético em enlaçar destinos (o poeta / os outros), reunir os homens, nem que seja em forma de arquipélagos. Drummond se reconhece no mundo que precisa ser salvo, mas reconhece também o fatal distanciamento entre os homens. Transfigura-se então de poeta solitário em poeta solidário, recria o mundo depurando-o, buscando sua essência. Ao silêncio contrapõe a imagem poética.

127


128


129


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.