Marco Zero 16

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MARCO ZERO Curitiba, novembro de 2011

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MARCO ZERO

Jornal-laboratório do Curso de Jornalismo da Facinter • Ano III • Número 16 • Curitiba, novembro de 2011

Mais que uma tatuagem

Raphael Fioravanti

A arte de tatuar o corpo vai muito além de um simples desenho. Cada tatuagem tem sua própria história para contar. (p. 9)

Qual o futuro do jornal impresso?

Será que o jornalismo impresso está com seus dias contados ou ainda há espaço para este tipo de veículo de comunicação em meio aos avanços tecnológicos? (p. 6 e 7)

Os olhos de vidro de João Urban Conheça um pouco mais sobre este ícone da fotografia paranaense. (p. 3)

Arquivo pessoal


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EDITORIAL

Ao leitor Esta edição do Jornal Marco Zero aborda o contraste entre quantidade e qualidade nas instituições de ensino superior no país, cujo número que teve um significativo aumento na última década. Veja ainda um pouco da história do experiente fotógrafo João Urbam, que já registrou momentos históricos, como na época da ditadura, e fez também fotos publicitárias. Atualmente, é fotografo documental. Ele fala também sobre o período de romantismo que marcou época com a Cinelândia Curitiba. Você vai conhecer as constantes reclamações quanto à TV a cabo, desde queixas sobre serviços a cobranças indevidas. E que um novo projeto aprovado pela presidente Dilma Roussef define cotas de produção nacional para as emissoras de TV pagas. Há também uma reportagem especial sobre o futuro do jornal impresso e um pouco do cotidiano de 11 angolanos cegos que vivem, cantam e estudam juntos em Curitiba há dez anos. E para quem gosta de tatuagens, uma matéria sobre a arte milenar de marcar o corpo, reinventada ao longo do tempo. Tão antiga quanto misteriosa, a tatuagem continua a fascinar gerações pelo mundo e tornou-se uma forma de expressão artística e cultural do homem moderno. Boa leitura!

Expediente O jornal Marco Zero é uma publicação feita pelos alunos do Curso de Jornalismo da Faculdade Internacional de Curitiba (Facinter) * Melhor jornal-laboratório do Paraná em 2010: primeiro lugar no Prêmio Sangue Novo no Jornalismo Paranaense, promovido pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná Coordenador do curso de Jornalismo: Tomás Barreiros Professores responsáveis: Roberto Nicolato Tomás Barreiros Diagramação: André Halmata (7º período) Facinter: Rua do Rosário, 147 CEP 80010-110 • Curitiba-PR E-mail: assessoriajr@grupouninter.com.br Telefones: 2102-7953 e 2102-7954.

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ARTIGO

Quantidade sem qualidade está a prova da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), o Exame de Ordem, que garante o exercício da Censo da Educação Supe- profissão de advogado para formarior de 2010 revelou que, dos em Direito. Em 2011, o exame no Brasil, existem 6.379.299 alcançou o menor índice de aprovapessoas matriculadas no Ensino Su- ção da história: somente 10% dos perior, tanto na rede pública quanto inscritos de todo o Brasil foram na rede privada. Esse número corres- aprovados. Deve-se comemorar o auponde a um crescimento de 110% do total de universitários se comparado mento do número de instituições públicas de ensino superior criadas aos dados de 2001. Os números coletados tam- nos últimos dez anos, ou seria melhor pôr em xebém revelam que Alunos matriculados em que a qualidade alunos matriculauniversidades particulares do que está sendo dos em universiconstruído com o dades particulares correspondem a 74,2% do correspondem a número total de estudantes, dinheiro público? 74,2% do númeenquanto 25,7% conseguiram Se entrar em pauta a alegação de ro total de estuuma chance de graduação em que os impostos e dantes, enquanto universidades públicas taxas estão sendo 25,7% conseguiusados em prol ram uma chance de graduação em universidades pú- da educação, por que rejeitar a quablicas, sejam elas federais, estaduais lidade do que se está sendo feito? Por que se contentar com menos? ou municipais. Resta instigar a população a É interessante ressaltar a su- perlotação do mercado de trabalho ficar atenta para a qualidade do que atual e questionar a qualidade do en- se está sendo produzido no país. sino oferecido pelas universidades Faculdades que não formam bons criadas nesse intervalo de dez anos. profissionais devem ser descartadas Outro ponto relevante é que, apesar do panorama educacional brasileide o número de universitários ter ro, pois os alunos estão terminando aumentado, o número de graduados sua graduação sem preparação nesem emprego também cresceu con- nhuma para enfrentar um possível sideravelmente. Segundo o Instituto mercado de trabalho ou para serem Nacional de Estatística, existem atu- capazes de exercer sua profissão de maneira compealmente, no Brasil, 56,4 mil desem- Resta instigar a população tente e eficaz. Quem assupregados que posa ficar atenta para a quali- mirá o controle suem diploma do dade do que se está sendo do país nos próxiEnsino Superior. Além disso, não é produzido no país. Faculda- mos anos serão os difícil achar alguém des que não formam bons jovens formados agora. E, desde já, que se formou em profissionais devem ser uma faculdade e descartadas do panorama muitos deles não vêm mostrando que, no desespero educacional brasileiro bom desempenho. para encontrar um Isso revela uma trabalho, candidasituação alarmante para a educata-se a uma vaga de emprego que ção brasileira. Enquanto o número não exige tal qualificação. A avaliação aplicada pelo de alunos matriculados no Ensino Conselho Regional de Medicina do Superior não vier acompanhado de estado de São Paulo em outubro de qualidade em mesma proporção, de 2011 reprovou 46% dos formandos nada adiantará comemorar 110% em Medicina. No mesmo caminho, de crescimento. Larissa Corumbá

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Boca no trombone!

O que o centro de Curitiba tem de melhor e de pior? Cláudia Hein De pior, os trombadinhas e os pedintes; e de melhor,o comércio, que tem muitas lojas que agora no final ano ficam abertas até mais tarde, o que é muito bom. Marli Fagundes, 36 anos, operadora de caixa Acho que o que tem de pior é a polícia e a falta de segurança, e melhor é a limpeza do centro da cidade. Luiz Carlos de Souza, 60 anos, serralheiro De melhor, é o monitoramento. Depois que foram colocadas as câmeras de vídeo, a bandidagem acalmou um pouco. E de pior são os moradores de rua. Maria Reis, 49 anos, pipoqueira De melhor, a abrangência cultural, com museus, espaços de dança e escolas como as da Fundação Cultural, além das praças arborizadas. De ruim, as calçadas. Juliana Moraes, 25 anos, estudante ERRATA - Na edição anterior do Marco Zero, de número 15, o autor da resenha A fabulosa expressidade de “Planeta dos Macacos”, publicada na página 11, é, na verdade, o estudante André Vinícius Bezerra e não Gabriel Eloi de Marchi, como divulgado.


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PERFIL

Os olhos de vidro de João Urban “As grandes histórias serão contadas por quem tem o exercício da fotografia” Arquivo pessoal

Arquivo pessoal

Para o fotógrafo João Urban, ser um fotógrafo documental é ser um contador de histórias do cotidiano, registrando em imagens a vida das pessoas simples ou famosas

cadar fundos para os esquerdistas. “Como eu tinha uma noção boa sobre fotografia, eles me convidam sua primeira experiência ram para fazer a cobertura de ações com câmeras fotográficas, o contra o militarismo”. Foi a partir equipamento quebrou. Seu de então que Urban passou a penúnico intuito para com a fotogra- sar: “Isso dá dinheiro. Quem sabe fia era o de, simplesmente, registrar posso viver disso”. A razão para associar esse suas viagens. Daí em diante, os 40 anos de experiência fotográfica de ramo da comunicação à vida proJoão Urban estão nas poucas linhas fissional veio depois de ser demitique seguem, mostrando sua trajetó- do do já extinto banco Bamerindus, ria. Tudo na companhia de sua fiel por ter participado de uma greve. Começou, então, a dedicação ao laamiga, a cachorrinha Pépe. boratório de fo A fotografia documen“É fato que para se tornar tografias. Apesar de tal se tornou paiprofissional é necessária atuar no ramo xão após anos de muita dedicação e estudo. documental, dedicação e emseus primeiros penho em sanar É o mesmo que dizer que trabalhos foram as curiosidades ninguém vira escritor fotos publicitásobre o mundo graças ao Word” rias. A grande das imagens. No surpresa foi que tempo em que a fotografia era feita em películas, era seu primeiro cliente era o mesmo necessário muito conhecimento para banco que há algum tempo antes o havia demitido. Embora hoje não saber manusear um equipamento. Porém, foi na década de 70 atue na publicidade, Urban pode que o renomado fotógrafo passou afirmar que essa habilitação da a se dedicar pouco a pouco às co- comunicação foi a principal ferraberturas durante a ditadura militar. menta para que hoje se tornasse um Seu trabalho era simples: registrar ícone da fotografia documental. Ao falar sobre o seu ingresos momentos de resistência e arre- Hamilton Zambiancki

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so nas lutas de resistência ao regime militar e o que inúmeros fotógrafos fazem atualmente, Urban diz com convicção: “Hoje não tem nem comparação com o tempo da década de 70, da ditadura”. Com os anos de experiência, o fotógrafo, que comemorou em 2011 68 anos de idade, afirma que a chegada da fotografia digital democratizou o setor. “Acabou aquela preparação forte sobre a fotografia para se tornar um fotógrafo. Mas é fato que para se tornar profissional é necessário muita dedicação e estudo. É o mesmo que dizer que ninguém vira escritor graças ao Word”, exemplifica. Para João Urban, ser um fotógrafo documental é ser um contador de histórias do cotidiano, registrando em imagens a vida de pessoas simples ou famosas. Mas, para isso, é necessário ter o bom olhar que faz toda a diferença. É necessário olhar com outros olhos: as lentes, no caso. “As grandes histórias serão contadas por quem tem um exercício da fotografia”, defende. Para conhecer os trabalhos do artista, basta acessar www.joao urban.com.br.

Livros publicados • Bóias-Frias, “Tageluhner in Suden Brazilien”, Edition Diá, St. Gallen e Wupertal, 1984. • Bóias-Frias, Vista Parcial, Edition Dia e Fundação Cultural de Curitiba, 1988. • Tropeiros, Editoração Publicações e Comunicações, São Paulo, 1992. • Aparecidas (João Urban e Suzana Barretto), Tempo d´Imagem, Rio de Janeiro, 2002. • Tui i Tam - Memórias da Imigração Polonesa, Edições Mirabilia, Curitiba, 2004. • João Urban, Coleção Senac de Fotografia, N° 8, São Paulo, 2005. • Rios por Onde Passo – Mater Natura, Instituto de Estudos Ambientais, Curitiba, 2007. • Mar e Mata – A serra, a floresta e a baía, seus homens e suas mulheres, Edições Água Forte, Curitiba 2009.


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TRILHAS DO TEMPO

Nostalgia cinematográfica A Cinelândia curitibana marcou uma época em que o centro da cidade tinha outra característica, o romantismo. Divulgação

O Cine Ópera levou multidões ao cinema e era um dos principais pontos de encontro de Curitiba

cinema. Mas um dia uma amiga me convidou e aceitei o convite. Quando me deparei com aquele lugar, m 27 de agosto de 1897, foi com as pessoas, em um primeiro inaugurada a primeira sala momento me encantei, e assim code cinema em Curitiba. Para mecei a frequentá-lo. Ali conheci muitos, o cinema se tornou naquela meu esposo, já falecido. Apaixoneiépoca um sinônimo de diversão e um me por ele à primeira vista, foi algo motivo para estar com os amigos ou tão forte! De início, namorávamos para flertar. O aposentado Luiz Can- pelo olhar. Como se sabe, naquela to, de 74 anos, cheio de nostalgia, época, os namoros eram muito dilembra-se da primeira vez em que foi ferentes de hoje. Até que um dia ele ao cinema, vindo de São Paulo para resolveu falar comigo. Assim, comeCuritiba, em 1950. çamos a namorar com a permissão Ele conta que assistia a todos do meu pai, e tivemos três filhos. E os filmes e que suas salas preferidas digo que fui muito feliz. Agradeço eram o Cine Luz e o Cine Ritz. “Tar- minha querida amiga, pois graças a zan Contra o Mundo”, para ele, foi ela fui feliz por muitos anos.” o filme que mais marcou na época, Havia várias salas. A tamisso no ano de 1940, quando a guerra bém aposentada Elizabete Fetzer, de ainda era muito presente. 79 anos, diz que o cinema que mais A Cinelândia era ponto de a marcou foi o Cine Ópera, e seus encontro dos curitibanos nas tardes olhos brilham ao falar dele. Lá, ela de domingo. Meninos ficavam para- conheceu uma amiga, Alda Baptisdos na frente dos cinemas esperan- ta, com a qual manteve contato até do vender ou trocar os seus gibis por pouco tempo atrás, quando a amiga ingressos para verem seus filmes fa- faleceu. “Eu conheci Alda na entrada voritos, realidade bem diferente dos do cinema. Estávamos esperando um dias de hoje. filme começar, não lembro bem qual, Os cinemas de rua também e ela se aproximou de mim e pergunformaram muitos casais, pois na- tou se eu sabia”. quela época esse era um dos meios A partir desse dia, as duas de se encontrarem. A aposentada Ju- continuaram conversando todas as dite da Cruz, de 70 anos, conta sua semanas. Alda tinha chegado a Curihistória de amor. “Era primavera, tiba havia pouco tempo. Elizabete me lembro até hoje. A Cinelândia já fez questão de lhe mostrar a cidaestava à toda, e eu na verdade não de. “Adoro fazer novas amizades até era muito de frequentar as salas de hoje!”, exclama.

Divulgação

Cartazes dos filmes de Tarzan com o célebre ator Johnny Weissmuller Divulgação

Juliani Flyssak Suzelly Ribaski

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O Cine Avenida em 1929

Boca Maldita concentrava salas O cinema se tornou símbolo de modernidade, glamour e também teve o poder de influenciar a sociedade em seus costumes. Em Curitiba, as salas de cinema foram criadas também para isso. Ao todo, eram sete, e, uma a uma, todas foram fechando até restar o Cine Plaza que, por decreto da Câmara, foi vendido em 2007. O local hoje conhecido por “Boca Maldita” perdeu boa parte de seu encanto e romantismo. Ele foi o palco de várias salas de cinemas e de muito glamour. O gosto pelo cinema era tanto que os jovens “enforcavam” aula para irem ao Cine Curitiba. O Cine Luz, na época, era mais especializado

em apresentar filmes mexicanos, com destaque pela beleza dos cenários, dos trajes usados pelos artistas e pelas músicas. Conta-se que, sempre que chovia forte em Curitiba, a Praça Zacarias alagava, e para sair do local era preciso esperar a enchente baixar ou enfrentar a água. O aposentado Loreno Stuehler, de 80 anos, afirma que “os cinemas de hoje não são nada se comparados com aos daquele tempo”. Diz que se lembra de ir ao Cine Palácio e ver aquela confusão de pessoas e carros. “Eu amava aquilo! Os de hoje não impressionam. Parece que falta beleza”.


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CONSUMIDOR

Tv a cabo lidera reclamações As queixas dos usuários quanto aos serviços de televisão por assinatura em Curitiba são crescentes e vão de problemas com o sinal até cobranças indevidas Allyson Dolenga Ian perussolo

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ção caiu. Assim, eu desisti”, comenta. A autônoma também já teve problemas com promoções confusas e mal explicadas. Ela conta que, certa vez, foi contatada para mudar para um plano cujo número de canais era maior, com preço atrativo. Porém, quando recebeu a fatura, se assustou com o valor. Maria alega que o valor cobrado não era o informado na promoção. Ela também já teve problemas com faturas confusas e letras miúdas. “Não entendia o que eu havia gastado”, queixa-se. Há quase dois anos, a Net, maior operadora de TV a cabo do país, alterou o gráfico de suas faturas como forma de tentar amenizar a má visualização do que os seus consumidores gastaram ou não. Outro problema é a queda constante de sinal, principalmente em dias chuvosos, como relata o assinante Roberto Filho, que mora em Curitiba e tem 18 anos: “É só começar a chover um pouco mais forte que a TV sai do ar e às vezes demora mais de uma hora para voltar ao normal”. Conforme orienta a Procon, antes de o consumidor interessando em ter tais serviços assinar um contrato, é prudente consultar órgãos de reclamação para orientar-se sobre como anda a satisfação daqueles quem têm o serviço. Além disso, a Procon informa que empresas de TV a cabo são obrigadas a disponibilizarem telefone gratuito para reclamações, disponível 24 horas, todos os dias da semana. E devem informar previamente qualquer valor novo instituído pela empresa.

ior que não ter os serviços como desejados é reclamá-los e não receber uma resposta satisfatória. O Serviço de Atendimento ao Consumir (SAC) de várias empresas de telecomunicações desagrada cada vez mais os consumidores. O site Reclame aqui – órgão que faz intermediação entre as reclamações dos consumidores e as empresas – vem registrando um número alarmante no que diz respeito às queixas contra as empresas de TV por assinatura. Um exemplo típico é a Telefônica (Speedy TV), que teve 12.552 reclamações nos últimos 12 meses, e está no sexto lugar no ranking das empresas cujo serviço é mal prestado, considerandose o número de reclamações dos usuários. A Net está em sétimo lugar com 11.556 queias, a Oi telefonia – Velox em nono, com 11.261, e a Sky na décima posição, com 8.173 queixas. O grande conflito é o mau atendimento. Os serviços de ajuda ao consumidor de algumas dessas empresas vêm fugindo de uma norma há pouco tempo incluída no Código de Defesa do Consumidor, segundo a qual o cliente não pode esperar mis de um minuto para ser atendido. Mas não é o que acontece. A autônoma Maria José Alves, de 49 anos, disse já ter esperado por mais de meia hora para comunicar-se com uma empresa de TV a cabo da qual é cliente. Maria afirma também que em algumas ocasiões a ligação caiu: “Várias vezes, eu esperei SERVIÇO por muito tempo e, quando consegui http://www.procon.pr.gov.br/ contato, logo fui transferida, e a liga- http://www.anatel.gov.br

Allyson Dolenga

A universitária Suhellen diz ser contra a lei: “Já existem canais próprios”.

Projeto prevê cotas de produção nacional nas redes privadas

Allyson Dolenga A presidente da República, Dilma Roussef, aprovou no começo de setembro um projeto que define cotas de produção nacional para as emissoras de TV por assinatura. A lei, que define horários específicos para exibição desses programas nas emissoras, divide opiniões. A lei (PLC 116) define cotas para a exibição de produções nacionais. Em tese, as emissoras deveriam exibir durante três horas por semana, em horário nobre, produtos de entretenimento inteiramente produzidos no país. Além disso, uma hora e 45 minutos desse tempo seriam ocupados por programas feitos por produtoras independentes. O projeto, porém, vem causando discussões calorosas. Para os donos de emissoras independentes, a lei é um bom começo, uma vez que os investimentos para tais produções cresceriam e, consequentemente, a visibilidade e a concorrência seriam maiores. Existe também o saldo positivo de que, com

o investimento maior e a competição do mercado, os serviços de telecomunicação em geral (TV a cabo, banda larga e telefonia) seriam barateados, e tais preços reduzidos seriam repassados para o consumidor final. Também, seria o fim do monopólio de empresas do segmento. A discussão que predomina, porém, sobre o assunto é quanto à escolha daquilo que o telespectador quer assistir. Para a corrente contrária ao projeto, sua aplicação efetiva emperraria e limitaria a escolha, além de os usuários se sentirem “obrigados” a assistirem tais produções. A universitária Suhellen dos Santos, que usa serviços de TV por assinatura, discorda do projeto. “Já existem canais inteiramente específicos para a produção brasileira, acho a lei desnecessária”, destaca. Para ela, a lei alteraria ainda a grade das emissoras, que geralmente as montam conforme os horários de quem assiste. “Mudaria a programação inteira, deixando os programas aos quais já somos habituados em horários inacessíveis”, afirma Suhellen.


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O futuro do jornal impresso

ESPECIAL

Pesquisadores discutem: daqui a 20 anos, ainda sobreviverá esse veículo de comunicação? Cláudia Bilobran

Marcio Nonato Rodrigues

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ntre os diversos problemas que envolvem os meios de comunicação impressos, muitos analistas e pesquisadores têm sustentado que os jornais logo deixarão de circular de mão em mão, passando a ser publicados apenas on-line. Será mesmo possível que o jornal impresso deixará de existir? Será que o primeiro veículo de notícias de massa do mundo vai desparecer? No turbilhão dessa discussão, observa-se o crescimento de um setor diferente da mídia impressa, que não tem custo para o leitor. São os jornais de bairro, que vem ganhando espaço junto aos leitores, principalmente os que se interessam diretamente por assuntos relacionados à sua comunidade. Será que eles também serão engolido pela crise que afeta alguns grandes jornais? O radialista e jornalista Ednei Linhares, de 39 anos, da Rádio Massa FM, de Londrina, diz acreditar na possibilidade de os jornais impresso chegarem ao fim, mas que isso ainda vai demorar uns dez anos ou mais. Para ele, se não houver alguma inovação, o tempo pode até se encurtar. Ele afirma que é preciso haver uma reformulação na mídia impressa. Linhares conta que, em sua cidade, um jornal inovou em suas publicações. Os textos, antes longos e detalhados, passaram a ser mais objetivos, além de abrirem um espaço enorme para a interação com o leitor. Isso, de acordo com o radialista, fez o jornal assumir a liderança entre o público leitor da região. Ele reconhece os jornais comunitários como ótimas opções, que podem fazer grande trabalho de comunicação em prol da sociedade. Acrescenta que devem ser olhados de maneira peculiar e com muita atenção, pois facilitam a divulgação do comércio local. “Recentemente, alguns grandes migraram para versões on-line. Entendo como uma tendência, fica bem mais fácil a consulta nesse suporte”. Já o jornalista Rafael Ramos, de 25 anos, da revista Show da Fé, do Rio de Janeiro, diz não acreditar no

Muitos especialistas acreditam na sobrevivência do jornal impresso, mas afirmam que o veículo terá de se adaptar aos novos tempos

fim do jornalismo impresso. “É a mes- presso, o jornalista diz acreditar que ma coisa que falaram do rádio quando “os jornais de bairro possam ser de a TV surgiu. Creio que todas as mídias grande ajuda nesse meio. Afinal, é a vão partir para a convergência. Além chance de mobilizar a comunidade e do mais, o impresso ainda tem um pú- fazê-la conhecedora de si mesma.” blico fiel. Alguns da geração chamada Ele não acredita, entretanto, que os baby boomers ainda não se adaptaram a jornais de bairro sozinhos possam dar essa modernidade, e muitos da nova conta do grande nincho informativo e publicitário que geração, como eu, o meio impresso por exemplo, ain“o que vai mudar é a oferece. Afirma da gostam de ter forma de distribuição dos que há uma grano prazer de folhejornais comerciais, que de diferença de ar um bom e empoeirado jornal.” poderão ser distribuídos estrutura entre os jornais tradicionais Para ele, apesar da gratuitamente.” de grande porte evolução tecnolóWanderley Vieira, diretor do em relaçao aos de gica pela qual as jornal Amigos do Bairro bairro. mídias passam em uma velocidade O jornalista assustadora, não é necessário pensar Wanderley Vieira, de 47 anos, fundaem uma vertente apocalíptica de que dor e diretor do jornal Amigos do Bairos mass-media sucumbirão. A internet ro, veículo que atende a região sul de é o grande veículo onde texto, áudio, Curitiba, é enfático ao discordar das declarações de que todos os jornais vídeo e imagem se encontram. Sobre a influência dos jornais deixarão de ser impressos e passarão de bairro no meio informativo im- a ser on-line. Ele usa o exemplo do jor-

nal Metro, que agora é distribuído em Curitiba. Em sua opinião, “o que vai mudar é a forma de distribuição dos jornais comerciais, que poderão ser distribuídos gratuitamente”. Vieira diz haver diferenças entre os jornais de bairro e os grandes jornais. Para ele, a população tem o acesso mais facilitado aos “jornais bairristas” por serem gratuitos e estarem disponíveis em vários pontos comerciais e públicos. E o anunciante, consequentemente, tem mais visibilidade, pagando muito menos para ter sua mercadoria exposta. “Isso tudo facilita muito a sobrevivência dos jornais de bairro, pois quem paga para ele circular são os anunciantes. Dessa forma, dispensamos gastos do leitor, que recebe a informação de seu bairro, e os anúncios que possam interessá-lo também estão ali. Tudo isso traz mais facilidade para a sobrevivência do jornal, pois o jornal valoriza o bairro, e o bairro valoriza o jornal”, destaca. Vieira enfatiza que “nem todos os jor-


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ESPECIAL nais de bairro trabalham com notícias de gaveta”. Afirma que várias solicitações e matérias publicadas pelo jornal Amigos do Bairro trouxeram melhorias para a comunidade do Sítio Cercado. Como exemplo, cita as promessas da prefeitura de construção de rotatórias no cruzamento das ruas Tijucas do Sul, Lupionópolis e Nova Esperança. A reivindicação foi feita diretamente pelo jornal, em apoio à comunidade, depois de muitos acidentes e atropelamentos no local. Veira diz também que ha um diferencial dos jornais de bairro para os “comerciais”, pois os de bairro vivem diretamente ligados à sociedade e conhecem as necessidades da comunidade, podendo prestar um serviço de assistência de qualidade aos moradores, coisa que muitas vezes não interessa à grande mídia. No entanto, ressalta que, se não houver uma atualização dos jornais de bairro em busca de melhorias na informação, investimentos e atualizações, e se não se adequarem às novas tecnologias, muitos poderão fechar as portas. Em 2006, para dar mais credibilidade e transparência à mídia comunitária, o jornalista fundou a Associação dos Jornais de Bairro de Curitiba. Diz que tal associação existe para fiscalizar os jornais de bairro e fortalecer a categoria, para assim poderem ter mais competitividade no mercado. “Hoje contamos com 22 jornais associados em toda Curitiba e alguns também da Região Metropolitana,” conta. Vieira explica os procedimentos para fazer parte da associação. O jornal precisa existir há mais de um ano, apresentar notas fiscais dos últimos três meses e ter um jornalista responsável. Não são cobradas mensalidades. Atualmente, a Associação funciona como uma agência de publi-

cidade: a cada anúncio fechado pela o povo tem o direito de ter voz”. O corretor de imóveis Pedro associação 20% são retidos para as Deodato, de 59 anos, diz que o jornal despesas. impresso de bairro é de grande utili“São esses jornais que dade, pois é nessa mídia que ele expõe o seu produto de trabalho. Diz não dão voz à comunidade” acreditar que essa mídia deixará de ser A jornalista Nívea Bona, que impressa um dia, mas concorda que, também é professora da Faculadade com o crescimento da internet, muitos Internacional de Curitiba (Facinter), jornais migrarão para a grande rede. afirma não poder assegurar com clareza se o meio impresso vai ou não encontrar seu fim, pois, segundo ela, esse é um assunto delicado. Mas acrescenta que, se não houver um reposicionamento, é provável que dentro de André Vinícius Bezerra alguns anos não vejamos mais o jornal O que, quem, quando, onde, impresso como hoje. como e por que. Seis perguntas que, ne O comunicador Hildon de cessariamente, ditam as regras do bom Souza, de 41 anos, repórter da Rádio jornalismo. É dessa forma que as matérias Princesa AM, de Francisco Beltrão, e devem ser iniciadas, a fim de que o leitor colunista do jornal Aqui Sudeste, crê sinta-se instigado a ler tudo desde o início. que o impresso vai acabar, mas que Como foi feito, literalmente, neste texto, iniainda há muitas pessoas que gostam ciado com todas as perguntas do batidísside segurar o jornal nas mãos para ler. mo lead. Com relação a ser o jeito “certo” Porém, argumenta que num futuro de começar um texto, bem, essa regra é próximo haverá mais publicações on- a primeira aprendida pelos alunos de jornalismo. Tudo o que eles já sabem sobre line do que impressas. começar a escrever um texto cai por terra Já o leitor Cristiano Rodri- ao ingressarem na faculdade. É tudo muito gues, de 29 anos, técnico de informá- direto, muito dinâmico. Não se pode permitica, morador da região do Sítio Cer- tir que o leitor desista, afinal de contas. Isso cado, afirma que sempre vão existir é ensinado como bom jornalismo: é necesos jornais impressos, principalmente sário prender a atenção do público desde a os de bairro, pois para ele, que possui primeira palavra escrita ou dita, a primeira um pequeno comércio no ramo de in- vírgula, o primeiro parágrafo, a primeira páformática, são viáveis as propostas de gina. Sem que tal missão seja cumprida, de nada adiantou perseguir a notícia. E, para veiculação comercial nesses veículos. Ademais, além de trazerem isso, o lead é a principal ferramenta. Uma vez mais, não custa lembrar: pelo menos, notícias de interesse dos moradores assim é dito nos cursos de jornalismo. da região, tais veículos facilitam o co- Por que as coisas precisam ser nhecimento da população sobre as ca- assim, tão rápidas, diretas, fáceis, tão simrências do bairro. Ele conta que, por ples? Qual a justificativa apresentada para intermédio desses jornais, é possível o jornalista apenas transmitir a informação conscientizar e mobilizar a população como se utilizasse um manual de instrupara reivindicar direitos diante das ções? É interessante conjeturar a resautoridades municipais, tais como as peito dessa metáfora. Muitos jornais têm exigências de saneamento básico edu- os famosos manuais de redação e estilo. cação e saúde. “Na mídia comunitária, É o jeito encontrado pelos veículos para

Porém, acha que os jornais não deixaram de circular no papel. Conta que a mídia de bairro é importante para os pequenos empreendedores, pois os preços para publicação de anúncios são acessíveis. Deodato acredita que o jornal impresso sempre terá o seu público leitor fiel. Para ele, são esses veículos que traduzem melhor as necessidades da comunidade.

Abertura de mentes

padronizarem o trabalho dos jornalistas e situarem suas atividades na empresa. De certa forma, é também uma maneira de desumanizar o jornalismo. Não há um nariz-de-cera sequer, nenhuma abertura diferenciada, nenhuma pitada de romance, nada lírico. Somente a matéria pura e seca. O lead e o “gancho”. A pirâmide invertida. Uma tecla desgastada desde os bancos universitários. A fórmula antiga que deixa o jornalismo com cara de ciência exata. Nossa área é a das humanas, alguém se lembra? A isso se propõe a mágica e imprevisível vertente introduzida por Truman Capote e seu livro “A Sangue Frio”. Um romance sobre um assassinato em série. Em sua obra, o jornalista Capote usa e abusa de técnicas literárias para fazer as reportagens. Não há lead. Não há gancho.

Não existe a receitinha de bolo escrita no papel de pão. Mas há jornalismo. E há literatura. Quem foi que disse que ambos não podem ser combinados? Bravo, Capote! Seus belos versos mudaram o conceito jornalístico que seria passado pelos bancos universitários como o único e legítimo. São linhas que, ainda que carregadas pelo lirismo característico dos romances, não deixam de ser jornalísticas. Não nos esqueçamos de que o conteúdo de “A Sangue Frio” não é fictício. Tudo foi pesquisado e apurado. O compromisso com a verdade foi mantido. Há, supostamente, honestidade no relato. Isso é jornalismo. Não interessa se Capote não começou sua obra com o repetitivo lead. Ele não é obrigatório. Da mesma forma que a regra da pirâmide invertida seria incabível em seu livro. Como assim, começar “A Sangue Frio” com o clímax da história? Provavelmente, leitor nenhum seguiria o livro até o final das vidas e mortes dos personagens. Capote foi o exemplo utilizado, mas há outros, como Tom Wolfe e Gay Talese, que publicavam na revista Esquire matérias que mais se assemelhavam a contos. Apesar de criticados, não desistiram de dar continuidade à caminhada do promissor New Journalism. Tanto que Talese sintetizou o que era o movimento no prefácio de seu livro Aos olhos da multidão: “O New Journalism, embora possa ser lido como ficção, não é ficção. É, ou deveria ser, tão verídico como a mais exata das reportagens, embora buscando uma verdade mais ampla que a possível, através da mera compilação de fatos comprováveis”. A onda iniciada na metade do século XX não pode parar. Que as universidades adotem o New Journalism como disciplina. Não somente por uma questão histórica, tão importante para o jornalismo atual, mas também por bom senso. Já existe fartura do ensino da área como emoldurada, enclausurada e enquadrada dentro da regra de lead, gancho e pirâmide invertida. É preciso ampliar os horizontes. Jornalismo é uma profissão abrangente demais para ficar restrita a dogmas. Afinal, a objetividade absoluta é um mito já derrubado por vários teóricos que se propuseram a pensar a Comunicação. Que a liberdade do jornalismo literário ganhe corpo e a verdade se faça!


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COTIDIANO

Onze almas, duas nações e um mesmo idioma

O filho fora do exército

Rafael Giuvanusi

Conheça um pouco do cotidiano de 11 estudantes universitários angolanos cegos que vivem, cantam e estudam juntos em Curitiba há dez anos Rafael Giuvanusi

Rafael Giuvanusi

H

á cerca de dez anos, vindos de Angola, chegavam a Curitiba Wilson Madeira, hoje com 25 anos de idade, Emília Cussama, 19, Prudêncio Tumbika, 21, e mais oito colegas, todos cegos. A cegueira tem diferentes causas: para alguns, o sarampo, no caso de Madeira, uma granada jogada em sua casa durante a guerra civil de Angola. Com a esperança de recuperar a visão e conquistar espaço na sociedade angolana graças à educação, os 11 africanos conheceram a dificuldade de enfrentar o frio curitibano e entender o que o povo daqui falava. “Eu pensei que era inglês, depois percebi que não era isso. Então achei que fosse algum dialeto indígena, não dava para entender nada”, conta Madeira. Passados os anos, hoje, todos adultos, estudam em faculdades de Curitiba, em cursos como Psicologia, Direito e Jornalismo, custeados pelos governos de Angola e do Paraná. O caminho percorrido até a sala de aula é feito em ônibus e passa pelas escadas de casa e da instituição de ensino. No caso de Emília, que sai do bairro Vista Alegre até o centro de Curitiba para cumprir suas obrigações no primeiro período de Jornalismo, segundo ela, não há dificuldades. Madeira, que estuda Psicologia, relata, entretanto, já ter se perdido em meio à rua XV de Novembro quando ia para a faculdade, porém, não sofreu para encontrar ajuda. Segundo as tradições angolanas, a mulher é submissa ao homem e, portanto, exerce todas as funções do lar, como cozinhar e lavar. Porém, isso não acontece na casa desses estrangeiros, já que homens vão para a cozinha, e as mulheres ajudam a consertar mesas. As tarefas são todas divididas. “O Wilson cozinha muito bem”, relata Kellen Ribeiro, amiga dos angolanos. Tarefas de casa feitas e estudos semanais cumpridos, só lhes resta fazer duas coisas: cantar

Tumbika acessa as redes sociais

Kellen Ribeiro

Quatro dos angolanos radicados em Curitiba, em fotomontagem com o Parque Barigui ao fundo

e dormir. O grupo formado pelos 11 estudantes, nomeado Cantores de Angola, nas horas vagas, quando não está em uma apresentação, está dormindo. “Meu hobby é dormir”, relata Prudêncio Tumbika. Descobertos logo que chegaram ao Paraná, e incentivados pelos amigos, começaram a se apresentar pela cidade em festas de conhecidos até chegarem aos eventos do governo. Apoiados pelo então governador do estado, Roberto Requião, pelo qual têm profunda amizade, os angolanos tornaram seus nomes conhecidos na cidade e, por isso, no próximo ano pretendem profissionalizar o grupo. Já que suas visões não podem ser recuperadas, outro sonho e desafio em suas vidas é criar uma instituição de apoio aos cegos angolanos, motivo que explica os cursos universitários nas mais diversas áreas do saber. Não acreditam poder voltar a enxergar e se acostumaram com essa realidade, apesar de contarem para seus familiares que ainda fazem o tratamento, pois consideram a visão como sinônimo de independência. Suas famílias estão do outro lado do oceano Atlântico e, de alguns, nem se sabe onde estão. A companhia de uns aos outros faz com que o sobrado na rua João Tschanerl se torne um lar onde vivem 11 irmãos na completa escuridão, mas que fazem questão de ter uma cortina alaranjada na janela de frente para o quintal.

Os cantores de angola Divulgação

O estudante de jornalismo Prudêncio Tumbika, de 21 anos, perdeu a visão ainda jovem, aos sete anos. Ao acordar em um hospital angolano depois de quatro meses em coma, devido a um acidente de carro, percebeu que não enxergava mais. A cegueira de Tumbika foi um fator importante para que seus pais chegassem à separação, já que isso desagradava seu pai, que gostaria de ver seu filho no exército, como ele. Hoje, o estudante não tem mais contato com o pai e também não guarda lembranças. Cuida de sua webrádio e deixa as coisas da vida acontecerem. “Tudo que é bom passa, tudo que é ruim se esquece”, conclui.

Integrantes do grupo Cantores de Angola.

A volta para casa

Giselle Teixeira

Ligia Mara

O grupo angolano que emocionou o ex-presidente Lula com suas canções surgiu de uma brincadeira em 2002. Proposta que deu certo, pois os garotos já se apresentaram em diversos lugares, fazem sucesso e encantam pela música e, sobretudo, pela superação das dificuldades enfrentadas todos os dias. É composto por Maurício (bateria), Ari (violino), Marcela (violão), Emília (violão), Wilson (teclado), Jacob (violão) e Prudêncio (contrabaixo). Os Cantores de Angola, mesmo com todos os problemas, ainda ajudam o próximo, fazendo shows beneficentes em clínicas de reabilitação e para a Secretaria de Educação. No ano que vem, o grupo pretende lançar seu segundo CD profissional.

Apesar de um dos principais motivos por terem vindo para o Brasil ter sido o fato de contar com mais recursos para os estudos, alguns dos angolanos pretendem voltar para Angola antes mesmo de concluirem o curso. Wilson Madeira, de 25 anos, estuda Psicologia, tem planos de montar um projeto de assistência aos cegos e acha que esta é a melhor hora para isso, pois Angola está em uma boa fase e em um momento de paz, que possibilita a inclusão e a liberdade. “Quero ajudar quem não teve a oportunidade que eu tive”, diz Madeira. Ele declara que pretende investir na carreira política futuramente. Mas, enquanto nada está confirmado, os estudantes angolanos ficam no Brasil e seguem seus estudos à espera da volta para casa.


Curitiba, novembro de 2011

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MARCO ZERO

COMPORTAMENTO

A arte milenar de marcar o corpo

Reinventada ao longo do tempo, tão antiga quanto misteriosa, a tatuagem continua a fascinar gerações pelo mundo e tornou-se uma forma de expressão artística e cultural do homem moderno Maxwell Alves

Divulgação

Regiane Silva Patricia Strogenski

A

tatuagem não é uma arte recente, mas foi reinventada várias vezes em diferentes momentos e lugares, com variação de propósitos, técnicas e resultados. Muitos acreditam que a arte e o gosto por tatuar-se tenha sido passada através do tempo. Para entender o conceito de multinascimento, alguns críticos supõem que ela estava na bagagem das grandes migrações de grupos humanos, por isso, passou de um povo para outro. Cristiane Takaya fez sua primeira tatuagem aos 18 anos. Ela tem um triskle nas costas. Ela escolheu o símbolo celta por acreditar que, como é para o resto da vida, tem que ser algo significativo: “Um triskle significa proteção e eternidade, que a vida não para nem depois da morte”, explica. Cristiane comenta que dois fatores a levaram à escolha do desenho: “Escolhi pela beleza da imagem e pelo significado. Acho que uma tatuagem deve ser bonita e também ter algo para contar, ainda mais porque a tatuagem serve como um adorno, só que eterno”. Cristiane decidiu tatuar porque acha bonito e por acreditar que a tatuagem dá personalidade à pessoa que a tem. O chefe de cozinha Erik Fillies tem várias tatuagens. Ele conta

O “chefe caveira” nas costas do chefe de cozinha Erik Fillies

que cada uma tem uma história. Fo- no braço esquerdo. “Amo o desenho ram decididas ao longo dos anos, a pelo significado”, diz Erik. O desenho partir de momentos de sua vida. “As é uma representação da carta numero asas nas costas foram a primeira, aos 13 do tarô, a carta da morte. Além de 25 anos, e simbolizam a minha liber- ser, segundo ele, uma representação dade numa época em que eu estava do inevitável: um dia vamos morrer. Ele afirma que não pretende me libertando de um monte de coi- sas e conceitos que eu tinha da vida. retocar nenhuma, para que elas mostrem a idade que O chefe caveira no realmente têm: “Tapeito é por causa da “Uma tatuagem deve ser tuagem é parte da minha profissão de bonita e também ter algo sua história”. chefe de cozinha, e para contar, ainda mais Em cada a outra caveira canporque ela serve como um época, essa arte é tora, que ainda está adorno, só que eterno” inacabada, no ouutilizada com uma finalidade. Atutro lado do peito, é pelo fato de eu cantar desde sempre almente, é empregada de diversas em bandas... São duas facetas da mi- formas. Muitos desenham suas prónha personalidade que têm muita re- prias tatuagens e criam seus prólevância”, justifica. prios significados, outros escolhem De todas, sua preferida, pela o desenho pelo simples fato de estética, é a Santa Muerte que tem achá-lo bonito, e alguns optam pelo Maxwell Alves

Maxwell Alves

Cristiane Takaya com seu triskle, símbolo celta

significado que a imagem traz. Seja por uma razão ou por outra, a tatuagem caiu no gosto popular. Atores, cantores, modelos, executivos, advogados, médicos, seja qual for a profissão, sempre se pode encontrar alguém com uma tatoo. Para a psicóloga Viviane Silva, existem diversos fatores que levam uma pessoa a tatuar-se: “Em muitos casos, o que leva uma pessoa a se tatuar é a estética, o modismo. É comum a pessoa ver um artista tatuado e querer fazer igual”. Mas ela afirma que há muitos casos em que a pessoa usa a tatuagem como mecanismo de defesa, negação: “Algumas pessoas podem usar a tatuagem como a representação inconsciente, a representação de um desejo realizado ou não realizado”, completa. Segundo a psicóloga, a tatuagem pode ser usada também como processo de luto: “A pessoa perde um ente querido e, como processo de elaboração, coloca uma imagem ou o nome dele no corpo”. A tatuagem continua a fascinar gerações pelo mundo. Ligada ao desejo de poder na Antiguidade, ela transpôs séculos e hoje é vista como arte. Quebrando mitos e preconceitos, a tatuagem segue atraindo jovens, adultos e idosos, com a promessa de deixar uma marca única no corpo, algo que traduza um pouco da personalidade de cada um por meio de um desenho ou uma frase.


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MARCO ZERO

Curitiba, novembro de 2011

COTIDIANO

Na rota do sertanejo

Vários taxistas do centro de Curitiba preferem ouvir músicas que tratam do universo rural Vinícius Camilo

Vinícius Camilo

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assava das 10 horas quando um grupo de seis taxistas estava a postos em seus carros no ponto da Praça Tiradentes, região central de Curitiba. Naquele dia nublado, parecia que até o Sol gostaria de ficar em casa em frente ao fogão à lenha, esperando aquele cafezinho ao som das violas de Tião Carrero e Pardinho. Na verdade, os motoristas esperavam a próxima corrida em mais uma terça-feira de trabalho no marco zero da capital paranaense. Em meio a um trânsito intenso de pessoas apressadas, talvez com o pensamento de não chegarem atrasadas ao trabalho, estava o táxi do gaúcho Nelson Boldin, de 71 anos, 28 deles dedicados ao transporte de pessoas. Com uma flanela um tanto surrada, Boldin se apresenta com muita simpatia. No seu rosto, estão os traços marcantes de alguém que passou a vida trabalhando e que conhece as ruas da “cidade cinza” com as linhas de sua mão. Ele está sempre com barba bem aparada e um bigode traçado milimetricamente, assim como fazem os barbeiros da Rua Saldanha Marinho, não muito distante dali. Muito atencioso, estampa no rosto um sorriso que demonstra que suas sete décadas foram bem vividas. “Gosto de ouvir canções gaúchas”, avisa. E entre os músicos de sua preferência está a gaiteira porto-alegrense Berenisse Azambuja, ícone da música popular do Rio Grande do Sul. Nelson Boldin explica que as canções sertanejas o acompanham em seu dia a dia, que, segundo ele, mudou muito. Dos seis filhos do taxista, somente o de 12 anos não aprecia as modas de viola popularmente chamada de caipira.

Nelson Boldin, 28 anos como taxista da Praça Tiradentes: “Gosto de ouvir músicas do Rio Grande do Sul”

Luiz Câmara Cascudo, publicado “Já tive um conjunto chamado Fogo inicialmente em 1954, o termo de Chão”, informa o motorista com caipira refere-se a um homem de um ar nostálgico. modos rústicos, habitante do in- Apesar das mudanças estétiterior. No Paraná, tido por alguns cas e sonoras por que a atual música como um estado rural, a música sertaneja passou, ela ainda agrada o sertaneja agrada grande parte dos velho taxista, que, enquanto espera o habitantes. próximo passagei Uma pes- No Paraná, tido por alguns ro, sacia sua fome quisa realizada comendo um salcomo estado rural, a músipelo Instituto Pagado com refriraná Pesquisa, que ca sertaneja agrada grande gerante sentado parte dos habitantes. entrevistou 1.830 no banco frio do pessoas com mais ponto de táxi. Na de 16 anos em 65 ignição do carro, municípios paranaenses, constatou há um chaveiro com o distintivo do que a música da “galera do chapéu” Sport Club Internacional, seu clube é a do interior. Para surpresa de al- do coração e também o único motiguns, o rock ficou em quarto lugar. vo que o faz deixar a música sertaneA explicação pode estar no êxodo ja um pouco de lado. rural dos estudantes que vem à ca- Ao lado esquerdo da capital para estudar. Boa parte desses tedral metropolitana, em frente a alunos tem família no norte parana- uma loja de sapatos, fica estacioense, em cidades como Londrina e nado o táxi de Francisco OliveiMaringá. ra, de 62 anos. Ele é um cearense Dos seis taxistas presentes meio ressabiado que declara ser fã Galera do chapéu na praça, quatro deles têm o mesmo das “canções da roça”: “Olha, eu Segundo o Dicionário do apreço de Boldin pela melodia ouvi- gosto de Roberta Miranda, Fafá de Folclore Brasileiro, do jornalista da por boa parte do povo do campo. Belém e... ah, também tem aquela

‘Verdes campos’, do Agnaldo Timóteo”, revela o motorista. Questionado sobre por que ouve música sertaneja, ele responde que a melodia é muito boa para momentos de solidão. Em sua memória, estão lembranças dos longos anos em que trabalhou como caminhoneiro cortando as muitas rodovias desta “terra brazilis”. Enquanto fala, o taxista procura uma faixa de sua preferência. A escolhida é a canção “Longa estrada da vida”, da dupla Milionário e José Rico, uma pérola do cancioneiro do sertão. Nas rápidas corridas que realiza, ele relata que frequentemente os passageiros pedem para ligar o rádio durante o trajeto. “Eles até me recomendam músicas e algumas duplas”, informa Oliveira. Na estrada, a fé o acompanha. Um terço de cor marrom, pendurado no volante do carro, demonstra sua crença. Em seu caminho, o taxista Francisco Oliveira segue como quem pede proteção divina para mais um dia de trabalho, se possível,


Curitiba, novembro de 2011

MARCO ZERO

RESENHA

TÁ NA WEB

A arte de fazer um jornal diário

Claudia Bilobran

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“Ainda bem”, Marisa Monte

Evelin Silva O livro “A arte de fazer um jornal diário”, do jornalista Ricardo Noblat, é uma obra bastante didática, cujo objetivo é compartilhar, por meio de experiências vividas na profissão, as principais técnicas de apuração, entrevistas, pautas, notícias, matérias, relação com as fontes e demais conhecimentos necessários para entender e conseguir diferenciar o que é ou não notícia. Lançado em 2004 pela Editora Contexto, o livro consegue ilustrar, de forma detalhada, como é o processo de elaborar e publicar um jornal diariamente. Tendo o veículo de mídia impressa Correio Braziliense como cenário, é possível entender e compreender, de forma concreta, as várias atividades que cercam a profissão do jornalista. Noblat também aborda a crise que a televisão e a internet geraram para o jornal impresso e aproveita para sugerir algumas modificações a fim de garantir a sobrevivência desse meio. Embora o livro tenha sido lançado em 2004, quando a internet e as suas vertentes ainda não estavam tão fortalecidas como nos tempos atuais, já era possível perceber na época que os jovens estavam cada vez mais desinteressados pela leitura. Um ponto bastante polêmico discutido pelo autor é a ética nos meios jornalísticos, bem como durante a produção dos seus conteúdos. Casos relacionados à invasão de privacidade e outras formas não éticas de fazer jornalismo são amplamente debatidos pelo autor. Com muitos detalhes e dicas

Livro mostra o dia a dia da produção de um jornal

para os iniciantes, Noblat ensina quais são as características de um bom texto jornalístico. Cita vários escritores e traz exemplos de reportagens publicadas, mostrando que, assim como se fala, as matérias precisam ser escritas de forma direta, utilizando frases curtas, precisas e claras. Além disso, é necessário prestar atenção para não usar chavões e adjetivos em excesso. Ainda auxiliando na melhora da escrita, o jornalista faz um apanhado de vários títulos de matérias e de reportagens, explicando qual a importância desse item e de que forma ele pode ser útil e necessário para despertar a atenção e o interesse do leitor. Considerações sobre as mudanças do jornal Correio Braziliense, bem como ilustrações de suas primeiras capas, são divulgadas por Noblat, que, além de citar os principais eixos dessa reinvenção, expõe opiniões de jornalistas de outros veículos de comunicação. Para finalizar, o livro traz uma linha do tempo que analisa toda a trajetória da mídia impressa, desde o seu surgimento até a atualidade. “A arte de fazer um jornal diário” é capaz de levar ao leitor um pouco da rotina de trabalho do jornalista. Consegue mostrar, também, os perigos e fascínios dessa profissão que, embora apresente suas limitações e falhas, trabalha em prol do interesse público, sob os preceitos da ética e da seriedade. NOBLAT, Ricardo. A arte de fazer um jornal diário. Editora Contexto, 2004.

Marisa Monte sempre consegue se superar. Dessa vez, não foi diferente com o clipe em preto e branco da música “Ainda bem”, que conta com a participação especial de Anderson Silva, lutador de MMA. Os dois dançam em perfeita harmonia, sob uma iluminação incrível. O lutador mostra que tem muita suavidade e jeito para a dança. http://www.youtube.com/watch?v=t7M89YJAPhM&feature=related

Bala de Troco

Quem nunca teve vontade de jogar as balinhas de troco na cabeça daquele caixa da panificadora perto da sua casa, ou do caixa daquela “lujinha” de 1,99? Este vídeo é a vingança de todos que têm vontade de fazer isso. Vale boas risadas. http://www.youtube.com/watch?v=hbTU7sumJXg&feature=related

Jogador Sincero

Marcelo Adnet encarna o típico jogador de futebol em ascensão, falando dos “pranos” para o futuro. Um personagem debochado, engraçado e infelizmente verdadeiro... http://www.youtube.com/watch?v=7-FQTewoVhM&feature=related


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MARCO ZERO

ENSAIO FOTOGRÁFICO

Curitiba, novembro de 2011

Um hobby para excêntricos?

Textos e fotos de Claudia Bilobran

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m novembro aconteceu o Festival da Cultura NipoBrasileira, evento que contou com a presença de várias tribos de adolescentes de Curitiba. A que mais chamou atenção foi a tribo cosplay. O cosplay é um hobby que consiste em fantasiar-se de personagens de quadrinhos, videogames e desenhos animados japoneses. Engloba ainda personagens pertencentes ao vasto universo do entretenimento, como filmes, séries de televisão, livros e animações de outros países. O hobby costuma ser praticado em eventos que reúnem fãs desse universo, como convenções de anime e games. Em Curitiba, o hobby ganhou como adeptos muitos adolescentes, que costumam se encontrar nos finais de semana atrás do Museu Oscar Niemeyer e nos locais escolhidos para o Festival da Cultura Nipo-Brasileira. Nesta página, estão imagens de alguns cosplayers curitibanos.


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