PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: REFLEXÕES E CONTRIBUIÇÕES

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PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: REFLEXÕES E CONTRIBUIÇÕES

Eliana de Oliveira Teixeira

Elionaldo Fernandes Julião

Sandra Regina Cardoso de Brito Organizadores

PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: REFLEXÕES E CONTRIBUIÇÕES

1ª Edição Eletrônica

Uberlândia / Minas Gerais Navegando Publicações 2025

www.editoranavegando.com editoranavegando@gmail.com

Uberlândia - MG Brasil

Direção Editorial: Navegando Publicações Projeto gráfico e diagramação: Lurdes Lucena Revisão do original: Lurdes Lucena

Copyright © by autor, 2025.

P96495 – TEIXEIRA, E. de O.; JULIÃO, E. F.; BRITO, S. R. C. de. (Orgs.) Projeto político pedagógico na educação de jovens e adultos: reflexões e contribuições. Uberlândia: Navegando Publicações, 2025.

ISBN: 978-65-6070-084-0

DOI -10.29388/978-65-6070-084-0-0

1.Educação 2. Jovens e Adultos. 3. Projeto Político Pedagógico. I. Eliana de Oliveira Teixeira, Elionaldo Fernandes Julião, Sandra Regina Cardoso de Brito. II. Navegando Publicações. Título.

CDD - 370

Índice para catálogo sistemático Educação 370

O livro contou com o apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), através do Auxílio Programa Jovem Cientista do Nosso Estado Edital Faperj n° 10/2019.

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 6

Eliana de Oliveira Teixeira - Elionaldo Fernandes Julião - Sandra Regina

Cardoso de Brito

I - A importância de uma gestão participativa na elaboração de um projeto políticopedagógico: algumas reflexões sobre os desafios na Educação de Jovens e Adultos 14

Elisângela da Silva Bernado - Cecilia Neves Lima

II - Desafios e possibilidades da construção de projetos político pedagógicos para Educação de Jovens e Adultos à luz das Diretrizes Curriculares e Operacionais no Brasil contemporâneo.............................................................................................................29

Eliana Nóbrega de Oliveira - Eliana de Oliveira Teixeira - Mona Lisa Fouyer

III - Projeto político pedagógico e o cotidiano da Educação de Jovens e Adultos 50

Eliana Nóbrega de Oliveira - Gabriela Ferreira Machado dos Santos - Sandra Regina Cardoso de Brito

IV - Projeto político pedagógico e diversidade dos sujeitos da Educação de Jovens e Adultos: implicações curriculares.......................................................................................75

Eliana de Oliveira Teixeira - Leila Mattos Haddad de Monteiro MarinhoSandra Regina Cardoso de Brito

V - Um modelo de construção curricular interdisciplinar via eixos/redes temáticas: ações e práticas no contexto do Projeto “Inter” da Escola Municipal Cleusa Fortes de Pinho Jordão - Angra dos Reis 97

Luís Claudio da Silva

VI - Breve diagnóstico da Educação de Pessoas Jovens, Adultas e Idosas em municípios ao sul do estado do Rio de Janeiro 110

Eliana de Oliveira Teixeira - Eliana Nóbrega de Oliveira - Sandra Regina Cardoso de Brito

VII - Processo de elaboração das Diretrizes Curriculares e Operacionais de Educação de Jovens, Adultos e Idosos em Angra dos Reis ...........................................135

Eliana de Oliveira Teixeira - Felipe de Oliveira Melo - Luís Claudio da SilvaSandra Regina Cardoso de Brito

ANEXO..................................................................................................................................161

APRESENTAÇÃO

Este livro é fruto das discussões realizadas no curso de extensão

“Educação de Jovens, Adultos e Idosos: questões políticas, curriculares e pedagógicas” organizado pelo Fórum de Educação de Jovens e Adultos da Região Sul Fluminense1 em parceria com o Núcleo de Estudos e Documentação em Educação de Jovens e Adultos (Nedeja) do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense, visando atender gestores e professores de escolas públicas que ofertam a modalidade educação de jovens e adultos (EJA).

O projeto foi pensado como desdobramento das discussões realizadas, em 2022, por integrantes do Conselho Municipal de Educação de Angra dos Reis (CME/AR), que também integram o Fórum de Educação de Jovens e Adultos da Região Sul Fluminense, em conjunto com o Instituto de Educação de Angra dos Reis da Universidade Federal Fluminense (Iear/UFF), vislumbrando iniciar o processo de elaboração das suas Diretrizes Curriculares e Operacionais para a Educação de Jovens, Adultos e Idosos.

O Conselho apontava para a necessidade de ter o suporte acadêmico da universidade para formação de seus membros em vários temas. Naquele primeiro momento priorizou-se a formação em Educação de Jovens Adultos e Idosos ao longo do ano.

Levando em consideração a experiência da Universidade Federal Fluminense com o tema Políticas de Educação de Jovens e Adultos, principalmente através do seu Nedeja, que há anos vem investindo na capacitação de profissionais, pesquisadores e educadores para atuar no âmbito

1 Vinculado ao Fórum Estadual de Educação de Jovens e Adultos, o Fórum de Educação de Jovens e Adultos da Região Sul Fluminense foi criado em 2011 com o objetivo de dar visibilidade às ações de EJA na região; de promover a discussão sobre a efetivação e ampliação dos direitos à educação pública, gratuita e de qualidade para jovens e adultos da região; de promover a integração dos municípios do sul fluminense ao Fórum Estadual de EJA; de promover a consolidação das ações da Agenda Territorial de Desenvolvimento Integrado de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos e do processo de formação continuada dos sujeitos envolvidos com a EJA na região.

da modalidade, foi sugerida a reedição do curso de extensão “Educação de Jovens, Adultos e Idosos: questões políticas, curriculares e pedagógicas”, realizado em 2020 para os Conselheiros Municipais de Educação da Região

Sudoeste em parceria com a União Nacional dos Conselhos Municipais do Estado do Rio de Janeiro (Uncme)2

A reedição do curso ocorreu em 20223, no formato de extensão acadêmica, em parceria com Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Tutela Coletiva de Proteção à Educação do Ministério Público do Rio de Janeiro (CAO Educação MPRJ) e do Instituto de Educação Roberto Bernardes Barroso (Ierbb/MPRJ), com a Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FFP/UERJ), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), a União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação do estado do Rio de Janeiro (Uncme) –Regional Sul Fluminense, e o Fórum de Educação de Jovens e Adultos da Região Sul Fluminense, capacitando conselheiros municipais de educação, promotores públicos e profissionais das secretarias municipais de educação que atuavam na área de EJA da rede municipal de ensino dos municípios de Angra dos Reis, Barra Mansa, Itaguaí, Itatiaia, Mangaratiba, Paraty, Resende, Rio Claro e Seropédica.

Participaram como docentes deste projeto: Analise da Silva (UFMG), Eliana Teixeira (Rede Municipal de Educação de Angra dos Reis), Elionaldo Fernandes Julião (UFF), Hellen Beiral (FFP/Uerj), Inês Barbosa de Oliveira (Uesa), Jane Paiva (Uerj), Leila Haddad (Rede Municipal de Educação de Angra dos Reis), Maria Margarida Machado (UFG), Miguel Arroyo (UFMG) e Timothy Ireland (UFPB).

2 Em plena pandemia de Covid 19, em parceria com o Núcleo de Apoio Experimental em Bioquímica para o Ensino de Ciências e Biologia (Naeb) da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, foi realizado o curso on line com o objetivo capacitar conselheiros municipais de educação e profissionais que atuam na área de educação de jovens e adultos da rede municipal de ensino dos municípios de Comendador Levy Gasparian, Japeri, Mendes, Miguel Pereira, Paraíba do Sul, Paty do Alferes, Rio das Flores e Vassouras.

3 Em 2024 foi publicado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro o livro “Educação de Jovens, Adultos e Idosos: questões políticas, curriculares e pedagógicas” com artigos dos docentes que participaram do projeto.

Ao longo das discussões para organização desta segunda edição do curso de extensão, foi avaliada também a necessidade de uma discussão junto aos gestores das escolas e professores que atuam na área de EJA para se pensar propriamente na formulação/reformulação dos seus Projetos Políticos Pedagógicos (PPP).

Decidiu-se, então, que o Fórum de Educação de Jovens e Adultos da Região Sul Fluminense, em parceria com o Nedeja, organizariam um segundo curso de extensão, que ocorreria em paralelo ao primeiro, voltado especificamente para atender este público-alvo dos municípios de Angra dos Reis, Paraty, Mangaratiba, Rio Claro, Itaguaí, Seropédica, Barra Mansa, Resende e Itatiaia.

Além de ampliar a discussão sobre as políticas públicas de educação de jovens e adultos no Brasil contemporâneo, principalmente destacando questões políticas, curriculares e pedagógicas, ambos os cursos realizados em parceria com a Uncme (2020 e 2022) tiveram como objetivo auxiliar os conselheiros municipais de educação e os gestores da área de EJA das secretarias municipais de educação na revisão das suas normativas e concepções políticas, curriculares e pedagógicas para a modalidade de ensino.

Com carga horária total de 60 horas/aula, distribuídas entre encontros síncronos em plataforma virtual do Ministério Público, atividades assíncronas –como leituras de artigos, livros, vídeos e documentários, produção periódica de resumos individuais –, foi realizado um seminário presencial, ao final do curso, na sede do Ministério Público do Rio de Janeiro.

Neste curso, os municípios puderam contar também com a assessoria dos membros no Nedeja para a elaboração de dois importantes documentos que nortearam as políticas educacionais no campo da EJA em seus territórios. Aos conselheiros municipais de educação, que participaram do curso, caberia a articulação entre seus pares para apresentar um documento normativo que representasse as diretrizes curriculares e operacionais para a modalidade de ensino. Aos representantes das Secretarias Municipais de Educação caberia a apresentação de um plano de trabalho da sua secretaria também para a modalidade.

O segundo Curso, voltado para os gestores das escolas e professores que atuam na área de EJA e realizado no ano de 2022, do qual se originou este livro, teve duração de 32 horas/aula e desenvolveu-se por meio de encontros síncronos através de plataforma virtual para discussão dos temas: políticas de educação de jovens e adultos; currículo; diretrizes curriculares e operacionais da EJA; os sujeitos da EJA; e projeto político pedagógico. Os integrantes deste curso foram convidados a também participarem do seminário presencial, ocorrido na sede do Ministério Público do Rio de Janeiro. Integraram este projeto, os professores e professoras Eliana de Oliveira

Teixeira, Eliana Nóbrega de Oliveira, Elionaldo Fernandes Julião, Gabriela Ferreira Machado dos Santos, Leila Mattos Haddad de Monteiro Marinho, Luis Claudio Silva, Mona Lisa Fouyer, Norielem Martins, Rafael de Abreu Ferraz, Sandra Regina Cardoso de Brito e Selma Candida de Lina Almeida.

Fruto desta última experiência, este livro reúne reflexões dos palestrantes sobre os temas debatidos no curso. Em síntese, os textos aqui publicados nos ajudam a melhor compreender o cenário contemporâneo das políticas de educação de adolescentes, jovens, adultos e idosos no Brasil e visam efetivamente contribuir com o debate nacional sobre políticas públicas e direito à educação, principalmente sobre as diversas questões que envolvem a formulação/reformulação de Projetos Políticos Pedagógicos para escolas que ofertam a modalidade.

A obra está organizada em sete capítulos. No primeiro, “A importância de uma gestão participativa na elaboração de um projeto político-pedagógico: algumas reflexões sobre os desafios na Educação de Jovens e Adultos”, Elisângela da Silva Bernado e Cecilia Neves Lima refletem sobre a necessidade da participação de toda a comunidade escolar na elaboração de um projeto político pedagógico.

Segundo as autoras, a democratização do espaço escolar se expressa, consequentemente, no aprendizado de práticas democráticas e de formação de sujeitos participativos no cotidiano escolar. E que, em busca de uma educação de qualidade para todos, para além das ideias e das leis, mesmo que existam

tensões e desafios na escola, precisamos investir na prática da democracia e da participação.

No segundo capítulo, “A construção de projetos político pedagógicos para Educação de Jovens e Adultos à luz das Diretrizes Curriculares e Operacionais vigentes no país: desafios e possibilidades”, Eliana Nóbrega de Oliveira, Eliana de Oliveira Teixeira e Mona Lisa Fouyer refletem sobre os limites e possibilidades expressos nas Diretrizes Curriculares e Operacionais da EJA em vigência no país para construção e efetivação do projeto político pedagógico das escolas como um instrumento de luta pelo direito de todos à educação.

Tomando por base os limites e as possibilidades expressas nas diretrizes curriculares e operacionais nacionais, para as autoras, a construção coletiva do projeto político pedagógico constitui-se como uma possibilidade de democratização da escola e de garantia da oferta de educação para todos, ao passo que se toma por base o respeito à trajetória de vida dos sujeitos jovens, adultos e idosos, o diálogo com as suas experiências vividas, os seus saberes anteriores e os diferentes processos de aprendizagem dos conteúdos escolares, os diversos modos fazer a EJA, com práticas pedagógicas intencionais e inclusivas.

Já no terceiro capítulo “Projeto político pedagógico e o cotidiano da Educação de Jovens e Adultos”, Eliana Nóbrega de Oliveira, Gabriela Ferreira e Sandra Regina Cardoso de Brito apresentam-nos importantes reflexões sobre o projeto político pedagógico (PPP) no contexto da Educação de Jovens e Adultos. Concebendo o processo de elaboração do PPP como uma produção coletiva, resultado de um planejamento participativo, ressaltam a importância da intencionalidade da ação, da escuta e diálogo entre os sujeitos envolvidos. Neste sentido, é fruto de muita reflexão e da convergência e consistência de propósitos e intencionalidades.

No quarto capítulo “Projeto político pedagógico e diversidade dos sujeitos da Educação de Jovens e Adultos: implicações curriculares”, Eliana de Oliveira Teixeira, Leila Mattos Haddad de Monteiro Marinho e Sandra Regina Cardoso de Brito refletem sobre a diversidade dos sujeitos e do currículo da

Educação de Jovens e Adultos como princípio para a produção dos projetos políticos pedagógicos. Para as autoras, é fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e mais humana se refletir sobre propostas curriculares e de processos de organização escolar que considerem os princípios da gestão democrática, o reconhecimento e a valorização da diversidade dos sujeitos da EJA e os processos de desconstrução das desigualdades sociais e da exclusão escolar.

Neste sentido, segundo elas, a construção do PPP da escola de EJA pressupõe, além da adoção de processos de gestão democrática, processos que concebam o currículo como criação cotidiana, como práxis pedagógica que se tece de forma coletiva por meio da produção de sentidos para aqueles e aquelas que deles participam.

Luís Claudio da Silva, no quinto capítulo, “Um modelo de construção curricular interdisciplinar via eixos/redes temáticas: ações e práticas no contexto do Projeto “Inter” da Escola Municipal Cleusa Fortes de Pinho Jordão - Angra dos Reis”, apresenta-nos um relato da experiência de projeto de construção curricular via eixo temático em uma perspectiva interdisciplinar, desenvolvida na rede municipal de ensino de Angra dos Reis para estudantes jovens, adultos e idosos, no período de 1996 a 2000.

Refletindo sobre o projeto desenvolvido, o autor afirma que os modelos de construção curricular e as possibilidades de projetos pedagógicos a serem desenvolvidos nas escolas/turmas de Educação de Jovens e Adultos devem considerar, sobretudo, todos os sujeitos que são atendidos por essa modalidade de ensino. Assim, é fundamental para se pensar no projeto político pedagógico para uma escola de EJA que indaguemos: quem são os sujeitos da EJA? Qual sentido da escola e da educação em suas vidas? Qual a realidade desses sujeitos? Como se inserem na sociedade e como a sociedade os define? Como a escola pode contribuir para a transformação da realidade?

No sexto capítulo, “Breve diagnóstico da Educação de Jovens e Adultos em municípios ao Sul do Estado do Rio de Janeiro”, Eliana de Oliveira Teixeira, Eliana Nóbrega de Oliveira e Sandra Regina Cardoso de Brito analisam dados

referentes à oferta da Educação de Jovens e Adultos em municípios localizados ao sul do estado do Rio de Janeiro.

A partir dos dados do Censo Escolar da Educação Básica disponibilizados nos últimos anos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e do Relatório Final do Projeto de Pesquisa “Diagnóstico da Educação de Jovens e Adultos na Região Costa Verde do Estado do Rio de Janeiro” (Julião, 2017), as autoras refletem sobre a proposta de diagnóstico da EJA no contexto dos Planos Decenais de Educação e também sobre o papel e a atuação dos Fóruns de Educação de Jovens e Adultos no Brasil, especificamente do Fórum de Educação de Jovens e Adultos da Região Sul Fluminense, na mobilização e controle das políticas públicas e educacionais nos diferentes territórios e redes de ensino.

No sétimo e último capítulo, “Processo de elaboração das Diretrizes

Curriculares e Operacionais de Educação de Jovens, Adultos e Idosos em Angra dos Reis”, Eliana de Oliveira Teixeira, Felipe de Oliveira Melo, Luís Claudio da Silva e Sandra Regina Cardoso de Brito relatam a experiência do processo de construção coletiva das Diretrizes Curriculares e Operacionais para a Educação de Jovens, Adultos e Idosos do município de Angra dos Reis nos anos de 2022 e 2023.

A publicação desta obra faz parte da missão do Núcleo de Estudos e Documentação em Educação de Jovens e Adultos que, desde a sua criação, em 2000, tem visado, dentre os seus principais objetivos, organizar referências e dados sobre Educação Popular e Educação de Jovens e Adultos no Brasil, propiciando condições de ampliação da formação de profissionais para atuar na área, bem como no desenvolvimento de estudos e pesquisa aos estudiosos do tema, especialmente alunos dos cursos de graduação, especialização, mestrado e doutorado, bem como profissionais interessados oriundos de outras entidades.

Levando em consideração as diversas questões e discussões que emergem nessa obra como possibilidade de diálogo para os estudos sobre educação dos sujeitos adolescentes, jovens, adultos e idosos, esperamos que venha ser um importante instrumento para reflexão sobre a política de educação no Brasil, principalmente sobre a real necessidade de construção de Projetos

Políticos Pedagógicos para as escolas que implementam experiências na modalidade.

Agradecemos a todos e todas que contribuíram para a realização desta publicação, principalmente os autores e autoras que gentilmente aceitaram o convite para participar do curso como palestrante e disponibilizaram os seus artigos para esta obra.

Agradecemos, ainda, à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) que vem financiando os trabalhos dos integrantes do Nedeja ao longo da sua história, inclusive com o financiamento desta publicação.

Boa leitura a todos e todas!

Eliana de Oliveira Teixeira Elionaldo Fernandes Julião

Sandra Regina Cardoso de Brito

IA importância de uma gestão participativa na elaboração de um projeto político-pedagógico: algumas reflexões sobre os desafios na Educação de Jovens e Adultos

Elisângela da Silva Bernado

Cecilia Neves Lima

Nas últimas décadas o direito à educação tem sido considerado uma temática fundamental na sociedade brasileira, sobretudo a partir da redemocratização do país que nos convida a refletir e construir um novo ordenamento jurídico em uma sociedade democrática. Segundo Sampaio e Hizim (2022, p. 100):

Nesse contexto, a Constituição de 1988 foi ummarco quanto às garantias de direitos sociais, considerando a educação como um desses direitos (art. 6º e art. 205). O texto constitucional garante a educação como direito acessível a todos os brasileiros, sendo dever do Estado promovê-la, por meio do financiamento estabelecido com a definição de percentuais de recursos oriundos de impostos, conforme determina o art. 212.

Ao longo da década de 1990 e na seguinte, uma série de políticas de acesso e melhoria da escolarização foram implementadas como forma de democratização da educação no país. É perceptível o destaque que a política educacional de universalização da escolarização do ensino fundamental ganha, mas que ainda assim, apesar de uma série de medidas de correção de fluxo, garantia de financiamento, aumento da obrigatoriedade escolar, redução do analfabetismo da população jovem etc., não refletiram em uma regularidade da trajetória educacional dos alunos. A partir de dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Sampaio e Hizim (2022, p. 280) nos trazem uma importante reflexão:

Vale frisar que no Brasil existem cerca de 11 milhões de analfabetos com 15 anos ou mais de idade. Aos 15 anos de idade, início da faixa etária em que o indicador é calculado, a taxa de analfabetismo é inferior a 1%, [...]. Em que pese o aspecto positivo de uma taxa de analfabetismo nesse patamar, há ainda quase 16 mil pessoas analfabetas nessa idade no ano de 2019. Isso se notabiliza como um fato preocupante, o que tem sido observado nos levantamentos estatísticos nacionais, em que cerca de 27% delas continuam analfabetas, apesar de terem frequentado escola. É importante diferenciar o analfabeto que não teve acesso à educação formal daquele que continua analfabeto apesar de frequentar a escola.

Dessa forma, pensar a educação de jovens e adultos como espaço promotor de oportunidades educacionais e sociais a essa população se torna fundamental. No mundo globalizado que vivemos e ocupando lugar periférico na cadeia produtiva mundial, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) tem papel importante de emancipação dos jovens e adultos que ali estudam, principalmente porque maior escolaridade oportuniza uma melhor compreensão de seu lugar como sujeito social.

Para além do aumento da matrícula na EJA, as condições objetivas contemporâneas nos convidam a refletir sobre estratégias de incremento das práticas e da gestão desses espaços escolares. Dada a sua especificidade, esta modalidade de ensino exige da equipe de gestão um olhar sensível a realidade dos alunos e a sua participação nas decisões administrativas e pedagógicas da escola.

A seguir, com o objetivo de proporcionar uma reflexão sobre a importância da participação de toda a comunidade escolar na elaboração de um

Projeto Político Pedagógico (PPP), o presente capítulo se desdobra em duas seções: a primeira trazendo um breve panorama da EJA no ordenamento jurídico; e a segunda seção traz a importância da gestão participativa na elaboração de um PPP em uma perspectiva democrática.

A EJA no ordenamento jurídico: uma construção social coletiva

A EJA como modalidade da educação básica é recente no Brasil e desde então vem sendo transformada e renovada de acordo com políticas públicas que visam garantir igualdade, democratização e equidade para aqueles que não puderam concluir a educação básica em um suposto “tempo normal”. No Brasil, de acordo com o ordenamento jurídico, a EJA é uma modalidade específica no sistema educacional brasileiro que compreende pessoas maiores de quinze anos que não completaram seus estudos em uma suposta “idade ideal”, ou seja, muitos foram evadidos das escolas ou nunca estudaram, considerando o número de pessoas analfabetas que ainda se matriculam na EJA.

Segundo Costa e Cariri (2021, p. 1239), “entendendo uma lei como ‘um campo de referência, de significação e de obrigação’”, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei 9394/1996, representa um marco legal e um campo enunciativo fundamental como legislação específica para a Educação

Básica. Nesta lógica, esta etapa de escolarização – Educação de Jovens e Adultos – se tornou modalidade educativa por meio desta Lei através do seu capítulo II

Seção V e da Lei 13.632 de 6 de março de 2018 que, em seu art. 37 afirma: “a educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos nos ensinos fundamental e médio na idade própria e constituirá instrumento para a educação e a aprendizagem ao longo da vida”.

Na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 208 (alterada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009): “I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria” (Brasil, 1988), reconhece a educação como direito de todos, direito público subjetivo e dever do Estado, obrigatória e gratuita, a despeito da idade.

Segundo Carvalho et al (2023), é importante destacar também que a LDB integrou ao seu texto uma mudança conceitual sobre a EJA ao retirar a expressão

“ensino supletivo” e adotar “educação de jovens e adultos”1. Dessa forma, houve um alargamento do conceito ao mudar a expressão de ensino para educação, principalmente porque compreende que as ações pedagógicas da EJA pressupõem a releitura da sociedade, e a construção de novas possibilidades de participação, trazendo novas formas de educação para reinventar o mundo.

Para Costa e Cariri (2021, p. 1239/1240):

Há, portanto, uma nova concepção do direito à educação para os sujeitos da EJA, em que o tema da igualdade de direitos aponta para uma linha muito tênue entre a obrigação e a atribuição do Estado e as históricas tentativas das políticas educacionais para a universalização do acesso e da permanência nos espaços das escolas públicas”.

No entanto,

Numa sociedade – como a nossa – com desigualdades de bens materiais, culturais e sociais, os Programas Escolares e, dentre eles, os da EJA têm inúmeras possibilidades na efetivação dos direitos negados aos seus usuários. Todavia, essas possibilidades esbarram em poderosos limites decorrentes daquelas desigualdades, cuja superação, muitas vezes, está “para além” da vontade política e da competência dos professores e, até mesmo, do esforço e da vontade dos alunos (Campelo, 2009, p.212).

Como conquista da luta coletiva dos movimentos sociais, no ano 2000 o Parecer CNE/CEB nº 11 de 10 de maio de 2000 estabeleceu as Diretrizes

Curriculares da Educação de Jovens e Adultos que a qualifica e define como suas funções primordiais: reparadora, equalizadora e qualificadora2

1 Embora para alguns desavisados, em uma leitura superficial, não se identifique mudanças concretas na perspectiva político pedagógica das experiências educativas implementadas para os sujeitos jovens e adultos no Brasil, teoricamente corresponde uma mudança real de paradigma, abandonando-se uma perspectiva educativa que privilegiava a “suplência”, assumindo-se a EJA como modalidade de educação básica, buscando se superar as experiências de caráter compensatório atribuídas historicamente à EJA.

2 Função reparadora - “significa não só a entrada no circuito dos direitos civis pela restauração de um direito negado: o direito a uma escola de qualidade, mas também o reconhecimento daquela igualdade ontológica de todo e qualquer ser humano”; função equalizadora - “a reentrada no sistema educacional dos que tiveram uma interrupção forçada seja pela repetência ou pela evasão, seja pelas desiguais oportunidades de permanência ou outras condições adversas, deve ser saudada como uma reparação corretiva, ainda que tardia, de estruturas arcaicas, possibilitando aos indivíduos novas inserções no mundo do trabalho, na vida social, nos espaços da estética e na abertura dos canais de participação”; função qualificadora - “mais do que uma função, ela é o próprio sentido da EJA. Ela tem como base o caráter incompleto do ser humano cujo potencial de desenvolvimento e de adequação pode se atualizar em quadros escolares ou não escolares.

Segundo Silva, Souza, Barbosa (2021, p. 83):

O Parecer promove um fecundo diálogo com a LDB, considerando-a um ponto de inflexão importante na responsabilização do Estado na oferta da educação escolar de amplos segmentos sociais. Além disso, o reconhecimento da EJA como modalidade de ensino da Educação Básica invocou tratar-se de um novo modo do fazer pedagógico, com especificidades efunções políticas e sociaispróprias que demandam diretrizes curriculares, materiais pedagógicos e formação docente atentas as suas particularidades.

Podemos dizer que o reconhecimento da EJA como modalidade de ensino e das suas funções é resultado da luta histórica da classe trabalhadora por escolarização, como um meio de aspiração de oportunidades de desenvolvimento pessoal, humano e profissional.

De acordo com o Parecer 11/2000, a EJA representa uma “dívida social não reparada para com os que não tiveram acesso e nem domínio da escrita e leitura como bens sociais, na escola ou fora dela, e tenham sido a força de trabalho empregada na constituição de riquezas e na elevação de obras públicas” (Brasil, 2000, p. 5).

Nesse sentido,

[...] ao elencar as funções reparadora, equalizadora e qualificadora, demarca-se uma posição política clara, distinguindo a EJA dos projetos e iniciativas de correção de fluxo escolar, tais como projetos de aceleração e adoção de ciclos de formação, bem como as propostas educacionais para jovens, adultos e idosos atados ao caráter de suplência, marcado pelo aligeiramento, precarização e voltado exclusivamente para a certificação mínima (Silva, Souza, Barbosa, 2021, p.84).

A partir da construção coletiva que é a EJA, principalmente nas múltiplas possibilidades de reparação histórica e de equalização de oportunidades educacionais, merece destaque a função qualificadora no que tange a construção

Mais do que nunca, ela é um apelo para a educação permanente e criação de uma sociedade educada para o universalismo, a solidariedade, a igualdade e a diversidade” (Brasil, 2000, pp. 7,9 e 11).

coletiva do projeto pedagógico em cada escola. Dessa forma, o Projeto Político Pedagógico (PPP) se apresenta como instrumento estratégico para a concretização do currículo em ação, com projetos pedagógicos próprios e conteúdos específicos que emanam do próprio grupo. Assim,

[...] O projeto pedagógico resume em si (no duplo sentido de resumir: conter o todo em ponto menor e tornar a tomar, sintetizar o conjunto) o conjunto dos princípios, objetivos das leis da educação, as diretrizes curriculares nacionais e a pertinência à etapa e ao tipo de programa ofertado dentro de um curso, considerados a qualificação do corpo docente instalado e os meios disponíveis para pôr em execução o projeto (Brasil, 2000, p. 64).

Dessa forma, pensar um Projeto Político Pedagógico na EJA é ter como fio condutor desta proposta a escuta sensível das demandas dos educandos, baseada nas múltiplas possibilidades de formação do sujeito, socialmente construído e portador de saberes, na compreensão da prática pedagógica como uma atitude política e dialógica que visa a construção do conhecimento e cria possibilidades de interferência do sujeito na sociedade. Assim, propõe através da participação da comunidade escolar, o desenvolvimento intelectual e cognitivo do educando e práticas escolares que oportunizem as experiências de vida e as qualifiquem como componentes significativos no currículo, na organização dos projetos pedagógicos e reconhecimento da valorização da experiência extraescolar.

Uma gestão escolar comprometida com a formação dos educandos e compreendendo a EJA enquanto lócus aglutinador de uma classe social que se sustenta a partir de suas experiências coletivas é fundamental para a construção do PPP.

Sem sombra de dúvidas, refletir sobre a participação da comunidade escolar nas práticas pedagógicas é fio condutor de uma construção coletiva que envolve processos formativos variados e propicia aos jovens e adultos da EJA o desenvolvimento de senso crítico, formação escolar formal e formação política para a emancipação destes sujeitos na sociedade.

A importância da Gestão Participativa na elaboração do PPP na EJA

No Brasil, a década de 1990 foi um período fértil para a consolidação de um novo paradigma produtivo no país e a educação se tornou objeto de inúmeros congressos, conferências e debates nacionais e internacionais. Como exemplo, temos a “Conferência Mundial de Educação para Todos” realizada em Jomtien, na Tailândia, em 1990, que foi um marco para as políticas públicas para a Educação no Brasil. Nesta ocasião, 155 governos comprometeram-se a assegurar uma educação básica de qualidade a crianças, jovens e adultos (Shiroma; Moraes; Evangelista, 2002).

No novo paradigma calcado nas ideias neoliberais, era preciso que os países investissem em uma escola que viesse a atender as necessidades do mercado, que desenvolvessem no homem a habilidade de pensar com rapidez e a capacidade de operar as novas tecnologias. Habilidades que se aprendem não somente no local de trabalho, mas também na escola.

O Brasil, desde então, começou a implementar medidas no intuito de caminhar junto aos organismos internacionais e um esforço mais intenso em busca do atendimento das necessidades educacionais básicas da população. O compromisso assumido pelo Brasil nessa conferência inspirou a elaboração do Plano Decenal de Educação para Todos, o qual definiu objetivos e metas que garantiriam o direito de todos à Educação (Bernado, 2015a).

No Brasil, foi na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96, que se ratificou a questão da gestão democrática, constando no Art. 14:

Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes (Brasil, 1996).

Entre os pressupostos que orientam estes princípios de participação de diferentes atores na gestão da escola estão os das vantagens da proximidade, um maior conhecimento e envolvimento de todos e a responsabilização pelas ações desenvolvidas. Nesse sentido, a gestão escolar passa por um processo de democratização no qual o diretor deixa de ser o único a decidir pela escola, onde todos participam da tomada de decisão. Não há dúvida que a “gestão das escolas tem sido alvo de críticas e até de diretrizes, que muitas vezes tentam traçar um perfil uniforme de atuação dos dirigentes, como se esse profissional fosse o único responsável pela dinâmica das escolas” (Paschoalino, 2016, p. 353). Mas este perfil pode conviver com a descentralização, desde que regulado pelos mesmos princípios de cultura organizacional e grande passividade dos atores escolares. Neste sentido, importa que neste processo de descentralização e autonomia da escola se considere que a instituição não tem um só responsável e que devemos proporcionar a comunidade formas de se fazer ouvir e de participar.

Essa descentralização de poder tem sido vivenciada na democracia participativa por meio de colegiados. Mas ela pode acolher interesses para além dos corporativos, ela pode abrir-se a pessoas e coletivos pouco ou nada considerados nas organizações tradicionais. A democracia participativa pode acrescentar valor, ao dar voz aos silenciados, a grupos de pessoas “com um propósito em comum, buscando a decisão acertada que abarque o ideal da maioria dos envolvidos em uma ação” (Bernado, Borde, 2016, p. 255). No entanto, não são só as ideias que farão prevalecer uma organização mais democrática. Importa considerar que interessa mais que o ideal de democracia é procurar investir na democracia como fato, como força presente na sociedade moderna e em atual exercício (Teixeira, 2007).

Para além das ideias e das leis, precisamos investir na prática da democracia e da participação, mesmo que existam tensões e desafios na escola. Não adianta o diretor seguir as regras formais da democracia e se dizer democrático, se faz necessário ele admitir ações que exprimam diversidade de perspectivas para além do discurso, mediante articulação entre direitos e deveres, o faz parte da decisão democrática.

Em busca de uma educação de qualidade para todos, nos deparamos com um fator intraescolar fundamental para a concretização desse objetivo, a gestão escolar, mais ainda, a busca de uma gestão escolar (e educacional) democrática em que todos os atores sociais efetivamente participem dessa gestão. Deste modo, para além da universalização e democratização do acesso e da permanência no ensino público, precisamos pensar na permanência de qualidade, ou melhor, na qualidade da permanência dos nossos estudantes na escola que deve ser atrelada ao processo participativo e de tomada de decisões junto com a gestão da/na escola (Bernado, 2015a).

Entendendo a importância do tema da gestão no âmbito da Educação que se faz em um conjunto de aspectos de natureza técnica e política em que são necessários conhecimentos tanto de Administração como de Pedagogia em torno do planejamento e da organização da escola, as pessoas que atuam neste espaço identificam desafios e avaliam o conjunto das ações voltadas ao desenvolvimento da própria escola na busca coletiva da solução de possíveis problemas.

Nesse sentido, a Gestão Educacional

[...] corresponde ao processo de gerir a dinâmica do sistema de ensino como um todo e de coordenação das escolas em específico, afinado com as diretrizes e políticas educacionais públicas, para a implementação das políticas educacionais e projetos pedagógicos das escolas, compromissado com os princípios de democracia e com métodos que organizem e criem condições para um ambiente educativo autônomo (soluções próprias, no âmbito de suas competências) de participação e compartilhamento (tomada conjunta de decisões e efetivação de resultados), autocontrole (acompanhamento e avaliação com retorno de informações) e transparência (demonstração pública de seus processos e resultados) (Lück, 2006, p. 35-36).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional inseriu em seus artigos o princípio constitucional, como o inciso VIII do art. 3º, “gestão democrática do ensino público na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino”. O art. 14, em especial, estabelece que os sistemas de ensino definirão as normas da

gestão democrática do ensino público na educação básica de acordo com as suas peculiaridades e, em especial, o princípio da participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.

No contexto legal, o princípio da gestão democrática da educação pública está amparado pela Constituição de 1988 (CF/88), pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB - 9394/96) e pelos dois Planos Nacionais de Educação (PNE) - Lei nº 10.172/2001 e Lei nº 13.005/2014.

Para Lück (2009, p. 70), esse princípio se assenta no pressuposto de que a educação "é um processo social colaborativo que demanda a participação de todos da comunidade interna da escola". Dessa organização participativa "é que resulta a qualidade de ensino para todos, princípio da democratização da educação".

De acordo com a autora (2000), o trabalho do gestor em uma perspectiva democrática deve ser focado em três eixos: o eixo pedagógico (orientado pela proposta político pedagógica da escola); o eixo administrativo (orientada pela gestão democrática em uma visão não verticalizada); e o eixo relacional (orientada pelo processo participativo e com o estabelecimento de parcerias da comunidade e outras instituições). Destacamos, ainda, que essa articulação corrobora para a autonomia das instituições de ensino que "é característica de um processo de gestão participativa que se expressa, quando se assume com competência a responsabilidade social [...] mediante aprendizagens significativas" (Lück, 2000, p. 21).

Para Gandin (2001, p. 87), o planejamento participativo é mais do que uma ferramenta da administração, mas sim uma ferramenta para a construção de uma sociedade e de valores. É interessante destacar que, segundo o autor (2001), o planejamento participativo não foi desenvolvido visando a obtenção de lucros por grupos ou instituições, mas para “contribuir para a construção da realidade social”. E são as instituições escolares as que mais utilizam dessa ferramenta.

Na América do Sul têm sido as escolas as instituições que mais utilizaram esta ferramenta para organizar seus processos de construção da prática escolar com um sentido

de contribuir para a construção das pessoas e das estruturas sociais. Também redes de ensino oficial, sobretudo as ligadas aos municípios foram beneficiadas com a aplicação de conceitos, modelos, técnicas e instrumentos gestados dentro do Planejamento Participativo (Gandin, 2001, p. 82).

O Projeto Político Pedagógico de uma escola é fundamental para nortear uma educação de qualidade, o documento orienta um processo de mudança. A busca por uma educação de qualidade requer transformações consolidadas através de um projeto. Neste sentido, Dalberio (2009, p. 82) aponta:

Assim, o Projeto Político-pedagógico orienta o processo de mudanças, direcionando o futuro pela explicitação de princípios, diretrizes e propostas de ação para melhor organizar, sistematizar e dar significado às atividades desenvolvidas pela escola como um todo. Além do mais, a sua dimensão político-pedagógica pressupõe uma construção coletiva e participativa que envolve ativamente os diversos segmentos escolares. Com isso, a gestão escolar dará maior consistência e qualidade ao Projeto Político-pedagógico se for, de fato, uma gestão democrática e autônoma.

Entendemos tanto o processo de construção quanto a existência de um PPP como elemento importante na busca pela qualidade educacional. Nesse sentido, as instâncias colegiadas se constituem como espaços institucionais democráticos onde comunidade escolar e local, alunos, pais, professores, funcionários e gestores podem construir o projeto político-pedagógico da escola de forma coletiva.

A democratização do espaço escolar se expressa, consequentemente, no aprendizado de práticas democráticas e de formação de sujeitos participativos no cotidiano escolar. Dentre as instâncias da escola que podem se tornar canais institucionais de garantia de efetiva participação dos atores sociais, além da elaboração coletiva do PPP, temos os seguintes: o Conselho Escolar; a Associação de Pais, Mestres e Funcionários; o Grêmio Estudantil; e o Conselho de Classe (Bernado, 2015b).

Segundo Paro (2008), a realização de um trabalho participativo, autônomo e democrático, envolvendo todos os segmentos sociais que compõem

a escola, pode contribuir para o rompimento do autoritarismo que ainda permanece no interior do lócus escolar e proporcionar uma reflexão quanto ao papel do gestor na busca de uma escola pública de qualidade (Santo; Bernado, 2014).

Desse modo, o projeto pedagógico ou projeto político-pedagógico deve expressar a identidade, a cultura da escola, os valores, os modos de pensar e agir de todos os atores sociais que o elaboraram. Ele é um instrumento da gestão escolar, um guia da ação política e pedagógica da escola. O projeto políticopedagógico constitui-se, em um processo democrático de tomada de decisões, não apenas de um mero documento escolar, mas da execução coletiva de ação e reflexão de todos os atores da escola, diminuindo, assim, a fragmentação do trabalho escolar e alcançando uma gestão de fato participativa (Schultz, 2000).

Considerações Finais

Um importante instrumento de apropriação do conhecimento sobre a organização de um sistema educacional de um país é a sua legislação, pois os ordenamentos jurídicos apresentam um contexto político que “determina comportamento, que garante direitos do povo e traça os limites da administração pública” (Monteiro; González; Garcia, 2011, p. 84).

De acordo com Mainardes (2006, p. 52), os textos políticos são representantes da política e “essas representações podem tomar várias formas: textos legais oficiais e textos políticos, comentários formais ou informais sobre os textos oficiais, pronunciamentos oficiais, vídeos etc.”.

A EJA é uma modalidade de ensino que busca primordialmente reparar a negligência educativa com gerações escolares que por inúmeros motivos tiveram sua escolarização interrompida ou simplesmente esta não ocorreu em nenhum momento. Além disso, oportunizar novas possibilidades de acesso à escola e ao desenvolvimento humano com experiências educativas qualificadas e construídas coletivamente são funções fundamentais para a garantia ao direito à educação e cumprimento das prerrogativas legais.

Dessa forma,

[...] E a partir das contribuições desses documentos oficiais, a EJA vai se constituindo como um campo de luta permanente das classes populares frente às tensões, às ambiguidades, às diferentes formas de assujeitamento, em especial as advindas da pouca sustentação de ações por parte do Estado, a partir da sua “retirada” gradativa da sua obrigação e responsabilidade com as questões sociais, em tempos atuais, produzindo, com efeito, um cenário de mais exclusão social. (Costa, Cariri, 2021, p. 1250).

Nesse sentido, a escola não deve renunciar a um Projeto PolíticoPedagógico (PPP) para que a gestão não ocorra por meio de improvisações. O PPP é a identidade da escola e deve contemplar toda a cultura, os valores e os modos de agir dos atores sociais que o elaboram de modo participativo (Bernado, 2015b).

Para que ocorra, de fato, a gestão democrática e participativa nas escolas, o gestor deverá buscar inovações em suas ações prático-pedagógicas. A gestão escolar democrática e participativa, nessa perspectiva, se torna o melhor caminho para se alcançar as metas planejadas coletivamente, levando-se em consideração que toda mudança gera rupturas de concepções e valores até então concebidos, possibilitando, assim, a abertura de novos caminhos em busca de uma gestão efetivamente democrática e participativa e de uma escola para todos os estudantes, sejam eles crianças, jovens ou adultos.

Referências:

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BERNADO, Elisangela da Silva; BORDE, Amanda Moreira. PNE 2014-2024: Uma reflexão sobre a meta 19 e os desafios da gestão democrática. Revista Educação e Cultura Contemporânea, v. 13, n. 33, 2016.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988.

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SHIROMA, Eneida Oto; MORAES, Maria Celia M.; EVANGELISTA, Olinda. Política Educacional. 4 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

TEIXEIRA, Anísio. Em Marcha para a Democracia: à margem dos Estados Unidos Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007.

IIDesafios e possibilidades da construção de projetos

político pedagógicos para Educação de Jovens e Adultos à luz das Diretrizes Curriculares e Operacionais no Brasil contemporâneo

Eliana Nóbrega de Oliveira

Eliana de Oliveira Teixeira

Mona Lisa Fouyer

Ressaltando os limites e possibilidades das Diretrizes Curriculares e Operacionais da Educação de Jovens e Adultos (EJA) em vigência no país, o presente capítulo tem como objetivo contribuir com a construção de projetos políticos pedagógicos (PPP) para a EJA, considerando-os instrumentos imprescindíveis na efetivação da gestão democrática do ensino público no nosso país.

Tomando como princípios legais o direito de todos e todas à educação e a gestão democrática do ensino público, o texto traz como suporte os principais marcos legais e normativos da Educação de Jovens e Adultos, principalmente, no que se refere ao processo de construção coletiva dos Projetos Político Pedagógicos no chão das escolas.

O capítulo está organizado em três seções temáticas: efetivação da gestão democrática na política de EJA através da construção do PPP das escolas, marcos legais da Educação de Jovens e Adultos no Brasil e Diretrizes Curriculares e Operacionais para a EJA e o PPP das escolas.

Efetivação da gestão democrática na política de EJA através da construção do PPP das escolas

A recente história da Educação de Jovens e Adultos no país é marcada, pelo menos do ponto de vista das normas, pela sua consolidação como modalidade de ensino da educação básica. Porém, no campo das políticas

públicas, a garantia do direito à educação de qualidade socialmente referenciada para jovens, adultos e idosos é um desafio cotidiano.

A Educação de Jovens e Adultos traz em sua trajetória processos de evasão, repetências, exclusões, segregações. A tão sonhada oportunidade de frequentar as salas de aula não se materializa por completo devido à maneira reducionista, de caráter compensatório, com que o Estado vem tratando as políticas públicas brasileiras destinadas a este público, homens e mulheres das classes trabalhadoras.

Debelando o fator pedagógico, coloca-se como elemento central em nossa sociedade contemporânea a lógica mercantilista. Neste sentido, importa que a inserção deste modelo gerencialista se materialize com mais amplitude na escola pública, defendendo que é preciso formar o prestador de serviços para atender de forma eficiente e eficaz o “cliente”.

Esse processo precisa ser analisado de forma crítica nos aspectos sociais, históricos, culturais com vistas à garantia de um olhar diferenciado quanto às especificidades das identidades dos jovens, adultos e idosos das classes populares na atualidade. É preciso que o direito à Educação de Jovens e Adultos seja vislumbrado em princípios democráticos, pois “não importa em que sociedade estejamos e a que sociedade pertençamos, urge lutar com esperança e denodo” (Freire, 2000, p. 61).

Pensar uma proposta político pedagógica para a Educação de Jovens e Adultos sob a perspectiva da gestão democrática nos remete para um campo de caráter politizado que exige a prática da dialogicidade e autonomia.

A dialogicidade deve configurar-se como o direito de ter voz e reconhecer nos outros a sua palavra na vida política e social. Pelo diálogo é possível adquirir uma “educação intercultural crítica” (Neri; Oliveira, 2018, p. 656) capaz de anunciar práticas de liberdade, respeito ao saber, intersubjetividades, comunicação. Mediatizados pelo mundo, os sujeitos pronunciam a fala e a escuta como uma ação democrática, além da relação eu–tu.

O diálogo tem significação precisamente porque os sujeitos dialógicos não apenas conservam sua identidade, mas a defendem e assim crescem, ato de conhecer humano um

com o outro. O diálogo, por isso mesmo, não nivela, não reduz um ao outro. Nem é favor que um faz ao outro (Freire, 1993, p.118).

O conceito de autonomia tem adquirido contornos diferentes dependendo dos contextos políticos caracterizados pelos aspectos culturais, filosóficos, sociais, econômicos ao longo da história. De acordo com a semântica, essa palavra é oriunda do grego sendo formada pelo adjetivo autos –próprio, si mesmo – e pela palavra nomos – regra, lei, norma. Na área educacional, autonomia tem sido compreendida no sentido da formação humana, do protagonismo, do pensamento, da ação de ser e estar no mundo em uma visão crítica. “É a posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas sujeito também da História” (Freire, 2007, p.54). Isto é, protagoniza a tomada de decisões de forma consciente, estabelece criativas formas de pesquisa, descobre novas capacidades de aprender, problematiza a realidade exposta, pratica a liberdade.

A autonomia da escola é construída a partir do seu projeto pedagógico, o qual contribui para o exercício de democratização dos espaços públicos. Essa democratização ocorre em vários níveis, como, por exemplo, na forma como cada um dos atores escolares passa a perceber a contribuição do seu trabalho para o processo educativo do aluno. Essa constatação sugere que o corpo discente não pode ser encarado apenas como beneficiário da ação de construção do projeto pedagógico, mas também como participante de sua elaboração (Sousa; Corrêa, 2002, p. 60).

A dialogicidade e a construção da autonomia pedagógica da escola são partes indispensáveis à gestão democrática do ensino na Educação de Jovens e Adultos e à garantia do direito de todos à educação.

O Projeto Político Pedagógico é uma forma de organização do trabalho pedagógico da escola em que todos os envolvidos, praticantes/pensantes1 , ressignificam a prática pedagógica da instituição a partir de suas experiências, saberes, fazeres, visão de mundo e compreensões.

Os sujeitos da EJA têm uma trajetória de vida marcada por saberes e experiências que precisam ser considerados pela prática pedagógica a fim de evitar exclusão e a invisibilidade. Assim, o movimento de construção do PPP deve constituir-se em exercício democrático de escuta e de diálogo à medida que, de forma não alienada, prioriza qualidade para a aprendizagem, debate, participação coletiva reconhecendo que a “diversidade é uma marca profunda na EJA, e algumas questões não podem ser desconsideradas na luta para a superação das desigualdades sociais” (Fouyer, 2023, p.52).

Visto assim, de forma cíclica, a construção do Projeto Político

Pedagógico sob a perspectiva democrática aproxima o reconhecimento das intencionalidades, influências, identidades, pois

[...] não é um documento acabado, mas um movimento participativo em contínua transformação; um movimento processual de luta contra a fragmentação do trabalho pedagógico e sua rotinização, contra a dependência e os efeitos negativos do poder autoritário e centralizador dos órgãos da administração central (Veiga, 2004, p.78).

Destaca-se a correlação existente entre a gestão democrática através da participação de toda comunidade escolar na construção do Projeto Político Pedagógico para a EJA e a efetivação do direito de todos à educação.

Acreditamos que é por meio do exercício da democracia e da participação plena de todos os sujeitos (profissionais da educação e estudantes) que se é possível vivenciar de forma digna políticas públicas educacionais voltadas para a boniteza e a alegria do processo de busca inerentes aos seres humanos (Freire, 1996).

1 Ao usar o termo praticantes/pensantes, remetemos a Oliveira (2012) que assinala a opção por apresentar pares de termos juntos como modo de dar clareza a algumas ideias centrais sobre a indissociabilidade entre os termos que, outrora, eram pares de opostos ou apenas usados separadamente. Os neologismos são assumidos como uma necessidade epistemológica e política do conteúdo do texto.

Marcos legais da Educação de Jovens e Adultos no Brasil

A Educação de Jovens e Adultos no Brasil ganhou um status diferenciado

desde a Constituição Federal de 1988, quando em seu artigo 205 não deixou dúvidas em relação à democratização da educação pública no país, afirmando o direito de todos e todas à educação.

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (Brasil, 1988).

No que se refere à Educação de Jovens e Adultos, ressaltamos que, em seu artigo 208, evidencia que:

O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, asseguradainclusive suaoferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; [ ] (Brasil, 1988, grifo nosso)2

Vale ressaltar que a Carta Magna prevê, ainda, acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um. A oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando e o seu atendimento através de programas suplementares de material escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. Ou seja, garante o direito à Educação aos Jovens, Adultos e Idosos que tiveram seus direitos interditados por vários motivos.

Com a promulgação da Lei nº 9.394/1996 (Brasil, 1996) que institui as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), reafirmando o compromisso constitucional do direito de jovens, adultos e idosos à educação, a EJA é consolidada como modalidade de ensino da educação básica.

2 Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009.

Também como importante marco legal da constituição da EJA como modalidade da educação básica, ressaltamos o previsto nos Planos Nacionais de Educação, principalmente, na Lei nº 13.005/2014 (Brasil, 2014) que institui o atual Plano Nacional de Educação (2014 - 2024) e trata, nas metas 3, 8, 9 e 10, respectivamente, da universalização do ensino para população de 15 a 17 anos de idade, da elevação da escolaridade média da população de 18 a 29 anos de idade, da alfabetização de jovens adultos e idosos e da EJA integrada à educação profissional.

Tendo como foco a construção e efetivação do projeto político pedagógico das escolas como um instrumento de luta pelo direito de todos os jovens, adultos e idosos à educação, ressaltamos a necessidade da oferta educacional de qualidade socialmente referenciada, que só é alcançada por meio do exercício da gestão democrática. Questão também consolidada legalmente no país.

Em nossa Carta Magna, o artigo 206, inciso VI, considera como um dos princípios da educação a “gestão democrática do ensino público, na forma da lei” (Brasil, 1988) determinando a importância da participação social para a garantia da qualidade educacional. Corroborando, a LDB ratifica, no seu artigo 3º, inciso VIII, como princípio a “gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino” (Brasil, 1996).

Merece também destaque, nesse processo, a Lei nº 13.005/2014, que expressa, no seu artigo 2º, inciso VI, “a promoção do princípio da gestão democrática da educação pública” (Brasil, 2014) e estabelece, na meta 19, estratégias para a sua efetivação. Soma-se a essa questão, a atual LDB, especificamente, no artigo 14:

[...] os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na Educação Básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:

I- participação dos profissionais da Educação na elaboração do projeto pedagógico da escola.

II- participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes (Brasil, 1996).

A perspectiva da gestão democrática exige controle social, cooperação e diálogo, práticas coletivas, poder de decisão compartilhado, exercício da cidadania no planejamento e avaliação das ampliadas formas de promover a educação de qualidade socialmente referenciada no interior dos sistemas de ensino e no chão das escolas para todos os níveis, etapas e modalidades de ensino.

Nesse sentido, tendo como foco a escola que oferece a modalidade da EJA, ressaltamos que, o exercício da gestão democrática é como

[...] um processo político no qual as pessoas que atuam na/sobre a escola identificam problemas, discutem, deliberam e planejam, encaminham, acompanham, controlam e avaliam o conjunto das ações voltadas ao desenvolvimento da própria escola na busca da solução daqueles problemas. Esse processo, sustentado no diálogo, na alteridade e no reconhecimento às especificidades técnicas das diversas funções presentes na escola, tem como base a participação efetiva de todos os segmentos da comunidade escolar, o respeito às normas coletivamente construídas para os processos de tomada de decisões e a garantia de amplo acesso às informações aos sujeitos da escola (Souza, 2009, p. 125).

Compreendendo o papel do projeto político pedagógico como mecanismo imprescindível na efetivação da gestão democrática e na consolidação do direito à educação para todos e todas, destacamos que é preciso garantir, para além das letras da lei, o trato de políticas e práticas educacionais capazes de potencializar a qualidade socialmente referenciada da educação. Precisamos imprimir foco também nos principais atos normativos previstos à EJA.

Diretrizes Curriculares e Operacionais para a EJA e o PPP

Paiva (2021) afirma que “com a promulgação da Constituição Federal em 5 outubro de 1988, havia toda uma exigência de rever, alterar, mudar o conjunto legal que regia o país, sob o jugo da ditadura civil-militar” (Paiva, 2021, p. 17) e é nesse contexto histórico que nascem as Diretrizes Curriculares

Nacionais para a EJA, em 2001, poucos anos depois da homologação da LDB, em 1996.

Na produção de normativas educacionais com o objetivo de orientar os diferentes sistemas de ensino do país, há que se dar relevância ao papel do Conselho Nacional de Educação (CNE) como órgão que compõe a estrutura organizacional da Educação Nacional com “funções normativas e de supervisão” (Brasil, 1996) de todos os níveis, etapas e modalidades de ensino do país.

É visível na LDB o papel fundamental que o CNE desempenha na formulação da política educacional, tanto que, no seu artigo 90, afirma que as questões suscitadas na transição entre o regime anterior e o que se institui na nova Lei serão resolvidas pelo Conselho Nacional de Educação (Brasil, 1996).

Com o intuito de subsidiar o processo de construção dos projetos políticos pedagógicos para Educação de Jovens e Adultos no interior das escolas, consideramos essencial refletirmos sobre alguns elementos3 expressos em atos normativos expedidos pelo CNE para a modalidade, especialmente nos anos de 2000, 2010 e 2021, respectivamente4 .

Mesmo após decorridos mais de 20 anos da produção do histórico Parecer CNE/CEB nº 11/2000 (Brasil, 2000a) e da aprovação da Resolução

CNE/CEB nº 1/2000 (Brasil, 2000b) que instituem as Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos, estes documentos continuam sendo importantes referenciais para subsidiar o planejamento e a construção de políticas e práticas pedagógicas à EJA.

O Parecer CNE/CEB nº 11/2000 foi produzido pelo conselheiro, professor Jamil Cury. O texto levou em consideração a escuta atenta à comunidade educacional, através de audiências públicas, de teleconferências

3 Ao selecionar alguns elementos abordados nas diretrizes curriculares e operacionais da EJA, em hipótese alguma, há intenção de hierarquizar uma questão em detrimento de outra ou dar conta de todas passíveis de serem refletidas no contexto de cada escola de EJA na construção de seus PPPs

4 Outros atos normativos foram produzidos pelo Conselho Nacional de Educação, mas em função dos objetivos deste artigo, limitaremos-nos a tratar dos produzidos nos anos de 2000, 2010 e 2021. Todos os atos normativos expedidos pelo CNE estão disponíveis em:

http://portal.mec.gov.br/conselho-nacional-de-educacao/atos-normativos sumulas-pareceres-eresolucoes

com contribuições dos Fóruns de EJA5 do país, da sociedade civil organizada, dos grupos de trabalho e de especialistas.

Tanto o Parecer quanto a Resolução trazem elementos fundamentais que merecem ser refletidos e aprofundados por todos os profissionais comprometidos com EJA, pois permitem conceber possibilidades de trabalho com base em princípios, concepções e perspectivas relevantes para esta modalidade de ensino mesmo que ampliadas por novas pesquisas e debates ocorridos com o passar dos anos.

Levando em consideração a amplitude do documento, destacamos como ponto de partida para os debates, a definição da EJA como modalidade de ensino da educação básica; a concepção de EJA atrelada à perspectiva do direito à educação; a referência às diretrizes curriculares do Ensino Fundamental e Médio; o perfil dos estudantes e o reconhecimento dos seus conhecimentos; as dimensões do trabalho e da cidadania; e, por último, a formação dos professores. Para início de conversa é necessário trazer à tona a consolidação da EJA como modalidade de ensino. É preciso compreender que “a EJA necessita ser pensada como um modelo pedagógico próprio a fim de criar situações pedagógicas e satisfazer necessidades de aprendizagem de jovens e adultos” (Brasil, 2000a, p. 9).

Caminhando neste sentido, as Diretrizes Curriculares ratificam o instituído na LDB para a EJA como modalidade de ensino da educação básica nacional respaldando, pelo menos do ponto de vista normativo, o seu lugar no rol das políticas públicas de Estado no interior dos Sistemas de Ensino. De acordo com o Parecer nº 11/2000,

O termo modalidade é diminutivo latino de modus (modo, maneira) e expressa uma medida dentro de uma forma própria de ser. Ela tem, assim, um perfil próprio, uma feição especial diante de um processo considerado como medida de referência. Trata-se, pois, de um modo de existir com característica própria (Brasil, 2000a, p. 18-19).

5 Para conhecer a história e a atuação dos Fóruns de EJA do país acessar o endereço eletrônico: http://forumeja.org.br/node/1191.

Cabe ressaltar a relevância dada no texto do Parecer para uma nova concepção de EJA atrelada à perspectiva do Direito de todos à Educação. Paiva (2021, p. 33) também salienta a questão, afirmando que “muitos são os aspectos reiteradores da nova concepção que o Conselheiro assumiu e que inflexionaram a educação de jovens e adultos, para assegurá-la como direito, em pé de igualdade com os demais níveis de ensino”.

A relevância da perspectiva de ampliação da noção de direito à educação superando as experiências de caráter compensatório atribuídas historicamente à EJA, perpassa todo o texto do Parecer, afirmando que a “tradição” das experiências de caráter compensatório “foi alterada em nossos códigos legais”, na medida em que a EJA, tornando-se direito, “desloca a ideia de compensação substituindo-a pelas de reparação e equidade”, “a serviço do pleno desenvolvimento do educando” (Brasil, 2000a, p. 66).

Hoje, duas décadas depois da aprovação das diretrizes curriculares para a EJA no país, as experiências de caráter compensatório ainda permanecem presentes no cotidiano das redes de ensino. Tratar a educação como direito e colocar a educação a serviço do pleno desenvolvimento das pessoas jovens, adultas e idosas ainda é um desafio a ser superado. Nesse sentido, “o perfil do aluno da EJA e suas situações reais devem se constituir em princípio na organização do projeto pedagógico dos estabelecimentos” (Brasil, 2000a, p. 36).

Conforme Julião (2017), durante muitos anos, quando se falava em educação para jovens e adultos, imaginava-se estar falando de um grupo social homogêneo, não levando em consideração as suas especificidades, tão pouco a sua diversidade: faixa etária, sexo, raça, credo religioso, ocupação profissional, orientação sexual, situação social (privados ou não de liberdade) e demais. Com os avanços instituídos na área nos últimos anos, principalmente, no âmbito do reconhecimento dos direitos humanos em que se constitui a Educação em seu papel na sociedade contemporânea, amplia-se a necessidade de compreensão dessas particularidades na construção de propostas político-pedagógicas.

O reconhecimento e a valorização do conhecimento dos estudantes da EJA, dos seus modos de ser e estar no mundo, suas relações humanas, sociais, culturais, étnico-raciais, de gênero, geracional e das dimensões das relações de

trabalho que dignificam homens e mulheres contribuirão sobremaneira para se instaurar propostas, estratégias, espaços e tempos destinados aos estudantes jovens, adultos e idosos pautados na intencionalidade do atendimento às demandas e à diversidade dos sujeitos.

É preciso não homogeneizar os estudantes da EJA, mas compreendêlos, valorizá-los e respeitá-los em sua diversidade construindo propostas pedagógicas com eles e elas e para eles e elas.

Sem desconsiderar as especificidades da modalidade de ensino, outro elemento que consideramos relevante salientar é que seguir as orientações curriculares destinadas aos ensinos fundamental e médio também é uma Diretriz para a EJA expressa nos atos normativos de 2000.

Art. 1º Esta Resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos a serem obrigatoriamente observadas na oferta e na estrutura dos componentes curriculares de ensino fundamental e médio dos cursos que se desenvolvem, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias e integrantes da organização da educação nacional nos diversos sistemas de ensino, à luz do caráter próprio desta modalidade de educação (Brasil, 2000b).

As redes e instituições de ensino precisam formular suas propostas político pedagógicas a partir de modos de fazer que atendam as especificidades deste público. Como modalidade de ensino, a EJA precisa ser pensada sob modos de fazer diferenciados. E isso é uma questão de extrema relevância ao analisar o instituído nas Diretrizes Operacionais para EJA de 2021 (Brasil, 2021b).

Em 2010, através do Parecer CNE/CEB nº 6/2010 (Brasil, 2010a), o CNE aprova a Resolução CNE/CEB nº 3/2010 (Brasil, 2010b) que institui Diretrizes Operacionais para a Educação de Jovens e Adultos nos aspectos relativos à duração dos cursos e idade mínima para ingresso nos cursos de EJA; idade mínima e certificação nos exames de EJA; e Educação de Jovens e Adultos desenvolvida por meio da Educação à Distância.

No contexto destas Diretrizes Operacionais, salientamos a definição da idade mínima de 15 anos completos para ingresso na EJA e para a realização de

exames de conclusão de EJA do Ensino Fundamental e de 18 anos completos para o Ensino Médio da EJA. O estabelecimento das idades mínimas para acesso à modalidade não é um consenso nacional, tanto que as diretrizes só foram aprovadas e homologadas pelo Ministério da Educação como referenciais após um longo período de debate.

Importante destacar que a discussão em torno da definição da idade mínima para acesso a EJA trazia em seu bojo o fenômeno da juvenilização da EJA, reconhecido como a migração perversa dos estudantes do ensino regular para esta modalidade de ensino (Brasil, 2010a). Tal fenômeno é uma questão de grande relevância quando refletimos sobre o perfil dos sujeitos na modalidade de ensino no interior das escolas, sendo foco de diversas pesquisas acadêmicas na área.

Para Carrano (2007), é notável o crescente interesse do tema no campo da EJA em grande medida em função da evidência empírica como fenômeno estatístico significativo nas diversas classes de EJA. Em muitas circunstâncias, representam a maioria ou a totalidade dos estudantes em sala de aula.

Em pesquisa mais recente, Teixeira (2019) também confirma a juvenilização como fenômeno estatístico nas classes de anos finais do ensino fundamental da EJA6

Pelo menos desde 2004 o CNE vinha produzindo Pareceres que tinham como foco a questão da idade mínima para acesso à EJA. A partir de 2007, especificamente, houve vários momentos de diálogos, inclusive com realização de audiências públicas, para tratar da questão. Sobre o tema, foram produzidos os Pareceres CNE/CEB nº 36 de 2004 (Brasil, 2004), CNE/CEB nº 29/2006 (Brasil, 2006) e o CNE/CEB nº 23/2008 (Brasil, 2008)

Na tensão criada na disputa por idade de acesso à EJA, pareceres foram sendo produzidos e receberam ponderações de técnicos das áreas no MEC, por meio de Notas Técnicas, […]. Audiências públicas e reuniões foram realizadas sem haver acordo entre os participantes, o que exigia atenção na

6 Para saber mais sobre o fenômeno de juvenilização da EJA, ver: Paiva (2006, 2011), Carrano (2007), Dayrell, Nogueira e Miranda (2011), Teixeira (2019), Marinho (2015), Duarte (2015).

tomada de decisão, pelos muitos argumentos postos na mesa de negociação. Para dirimir parte das questões, um consultor externo, selecionado por Edital Público, recaiu na pessoa do Prof. Jamil Cury, decisivo para resgatar os sentidos originais tão bem explicitados e fundamentados no Parecer 11/2000, considerando todos os argumentos recolhidos em variados espaços de discussão (Paiva, 2021, p. 17).

Como Paiva (2021), consideramos importante trazer para o debate alguns considerandos expostos no Parecer CNE/CEB nº 6/2010 que podem nos possibilitar suporte para pensar políticas públicas e estratégias pedagógicas no interior da escola para a garantia do direito à educação de jovens/adolescentes de 15 a 17 anos.

Define-se que a idade mínima para os cursos de EJA deve ser a de 15 (quinze) anos completos para o Ensino Fundamental e de 18 (dezoito) anos completos para o Ensino Médio, tornando-se indispensável:

1. Fazer a chamada deEJA no Ensino Fundamental tal como se faz a chamada das pessoas com idade estabelecida para o Ensino Regular.

2. Considerar as especificidades e as diversidades, tais como a população do campo, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pessoas privadas de liberdade ou hospitalizadas, dentre outros, dando-lhes atendimento apropriado.

3. Incentivar e apoiar os sistemas de ensino no sentido do estabelecimento de política própria para o atendimento dos estudantes adolescentes de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos nas escolas de ensino sequencial regular, na educação de jovens e adultos, assim como em cursos de formação profissional, garantindo a utilização de mecanismos específicos para esse tipo de alunado que proporcione oferta de oportunidades educacionais apropriadas, tal como prevê o artigo 37 da LDB, inclusive com programas de aceleração da aprendizagem, quando necessário.

4. Incentivar a oferta de EJA em todos os turnos escolares: matutino, vespertino e noturno, com avaliação em processo (Brasil, 2010a, p. 28).

Por fim, em 2021, o CNE aprovou através do Parecer CEB/CNE nº 01/2021 (Brasil, 2021a), a Resolução CNE/CEB nº 1/2021 (Brasil, 2021b) que instituem Diretrizes Operacionais para a Educação de Jovens e Adultos nos aspectos relativos ao seu alinhamento à Política Nacional de Alfabetização

(PNA) e à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e Educação de Jovens e Adultos à Distância.

Apesar de também tratarem de Diretrizes Operacionais para a EJA, não revogaram as Diretrizes Curriculares Nacionais dispostas na Resolução nº 1/2000 nem as Diretrizes Operacionais aprovadas na Resolução nº 3/2010. Infelizmente, ao contrário do que ocorreu no processo de produção de tais atos normativos, os de 2021 são produzidos sem o desejado amplo movimento de participação da sociedade civil, dos profissionais da EJA, dos pesquisadores do campo e dos Fóruns EJA do Brasil.

A ausência de diálogo no processo de produção das diretrizes, em 2021, e questões que perpassam o campo de disputa político educacional, contradições conceituais dispostas nos documentos, bem como o alinhamento de proposta ao recente contexto de implantação de reformas e medidas educacionais de base neoliberal, atrelados a interesses financeiros e mercadológicos de grupos empresariais, têm sido alvo de críticas e até de repúdio por parte da comunidade educacional.

Paiva (2021, p. 17) salienta que a formulação de diretrizes para alinhar a EJA a BNCC, por exemplo, “é equivocada e de elaboração desrespeitosa em relação à metodologia anteriormente adotada quando da formulação do Parecer 11/2000”.

Em carta, o GT 18 - EJA da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), repudiou o tratamento dado à modalidade na ocasião em que o CNE lançou o edital de consulta. O grupo justificou tal ato “em virtude do processo aligeirado e pouco transparente de elaboração dessas diretrizes, da desconsideração de direitos já expressos na legislação e dos aspectos conceituais que alicerçam as diretrizes” (ANPED, 2020).

Por meio de Ofício, em dezembro de 2020, os Fóruns de EJA do Brasil e o Fórum Nacional Popular de Educação (2020), também se manifestaram contrários ao Parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) e à sua proposta de Resolução.

Como denunciado por pesquisadores do campo e pela sociedade civil organizada, consideramos que o processo de construção das diretrizes

operacionais aprovadas em 2021 ferem o princípio de gestão democrática da educação quando não instituem formas de participação da comunidade educacional e, visto os desafios práticos que tais diretrizes impõem aos sistemas de ensino, julgamos que tais diretrizes merecem ser reexaminadas pelo CNE à luz das contribuições e críticas da comunidade educacional do campo da EJA. Enquanto o reexame se impõe apenas no campo do ideal e desejável, na prática, os sistemas de ensino têm um grande desafio a exercer, pois cabe a eles normatizar as propostas em âmbito local, o que não deve incorrer no mesmo erro de deixar de promover a participação ampla da comunidade educacional.

Para as instituições de ensino, salientamos alguns pontos destas Diretrizes Operacionais que consideramos importantes de serem avaliados no momento de construção dos projetos pedagógicos da EJA.

Quanto à orientação de alinhamento da EJA à Política Nacional de Alfabetização (PNA) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), compreendemos as dificuldades quando no texto da PNA instituída pelo Decreto nº 9765, de 11 de abril de 2019 (Brasil, 2019), é possível observar que a EJA é citada somente como público-alvo, sem o cuidado de estabelecer princípios e propostas adequadas às demandas dos estudantes jovens, adultos e idosos iletrados e, por outro lado, considerando que na BNCC para o Ensino Fundamental, a alfabetização do 1º ao 3º ano de escolaridade tem, fundamentalmente, como público-alvo crianças de 6 a 8 anos de idade.

No momento de construção de políticas públicas e práticas pedagógicas direcionadas ao público jovem, adulto e idoso nas redes, sistemas e unidades de ensino, é fundamental que esta questão seja avaliada de forma consciente para que se evitem práticas infantilizadas e que desconsiderem a diversidade humana e as especificidades das relações com o mundo e com o trabalho dos sujeitos demandantes da modalidade.

Salientamos que esta reflexão não deve ocorrer apenas em relação às propostas de alfabetização, pois em todo o processo de construção da BNCC não houve também qualquer participação dos profissionais da EJA ou direcionamento destinado a se pensar a proposta na perspectiva da modalidade.

Ratificando tal questão, relembramos as reflexões feitas por Serra, Souza e

Rodrigues (2019, p. 60) em ocasião das discussões sobre o alinhamento do Documento Curricular do Estado do Rio de Janeiro à BNCC.

A EJA não está na Proposta Preliminar do Documento Curricular do Estado do Rio de Janeiro (SEEDUC, 2018). Essa constatação não nos surpreende, visto o lugar marginal ocupado por essa modalidade da EB nas políticas públicas educacionais nos últimos três anos. Embora revele esse descaso rotineiro do poder público, tal situação traz ao menos dois alertas para os profissionais que atuam, pesquisam e militam na EJA: 1) sua presença oculta e não assumida no documento; 2) a ausência de propostas específicas para a modalidade(Serra, Souza, Rodrigues, 2019, p. 60).

No momento de debate sobre alfabetização e o currículo da EJA é fundamental não deixar de considerar a trajetória histórica das inúmeras discussões que envolvem a modalidade e a alfabetização de jovens, adultos e idosos no país, principalmente baseadas nas experiências da Educação Popular. Cabe ressaltar, nesse sentido, a obrigatoriedade do cumprimento das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos na oferta e na estrutura dos componentes curriculares de ensino fundamental e médio à luz do caráter próprio desta modalidade de educação (Brasil, 2000b).

As novas Diretrizes Operacionais instituídas em 2021 são marcadas por propostas de flexibilidade na oferta da EJA. Instituem formas de organização de propostas para a modalidade, o registro e controle de frequência que flexibilizam a oferta de acordo com o público atendido. Tais propostas, em linhas gerais, podem, sem sombras de dúvidas, atender a pluralidade de realidades que demandam atendimentos escolares específicos.

É fato que propostas pedagógicas bem planejadas no interior dos sistemas de ensino e, respectivamente, nas unidades de ensino, principalmente segundo princípios conceituais da educação popular, podem de fato reafirmar o compromisso com o reconhecimento e a valorização dos modos de ser e viver dos jovens e adultos e idosos como sujeitos de direito e de conhecimento.

É fundamental que, ao dialogar com o texto dos atos normativos, os profissionais e sistemas de ensino se mantenham cuidadosos no trato com a

gama de estratégias que podem ser adotadas para que as possibilidades de flexibilização não precarizem a oferta da escolarização.

Por fim, é extremamente importante retomar o previsto nas Diretrizes Curriculares para a EJA, principalmente com relação à relevância dada para a formação inicial e continuada dos profissionais que atuam na modalidade. Se estamos falando da intencionalidade de um modo de fazer diferenciado, é fundamental que os profissionais que atuam na modalidade estejam continuamente em processo de formação, sendo também extremamente relevante para o processo de construção do PPP de qualquer instituição educacional.

Considerações finais

Os textos legais demonstram que há um certo consenso em nossa sociedade em relação ao entendimento que a educação é um direito, um bem social de todos. No entanto, a realização deste direito revela contradições, conflitos e exclusão históricas e, atualmente, ainda é um grande desafio.

Pensar na efetivação de direitos envolve pensar em democracia. Democracia, assim como o direito, não se conquista de uma vez por todas. É processo de participação coletiva, conquista diária através do exercício da tomada de decisões, dos enfrentamentos, do diálogo, da escuta do outro.

A gestão democrática da educação e a efetivação do direito instituído em lei, constitui-se como caminho, como tessitura de experiências possíveis na EJA, como possibilidade de reafirmação de ampliação da cidadania e de construção de um mundo mais justo e democrático.

A construção coletiva do projeto político pedagógico, tomando por base os limites e as possibilidades expressas nas diretrizes curriculares e operacionais nacionais, constituem-se como uma possibilidade de democratização da escola de garantia da oferta de educação para todos ao passo que se toma por base o respeito à trajetória de vida dos sujeitos jovens, adultos e idosos, o diálogo com as suas experiências vividas, os seus saberes anteriores e os diferentes processos

de aprendizagem dos conteúdos escolares, os diversos modos fazer a EJA, com práticas pedagógicas intencionais e inclusivas.

Em função dos objetivos e dos limites do texto, não foi a intenção deste artigo tratar com aprofundamento cada elemento das diretrizes nacionais para EJA, mas sim de provocar os seus interlocutores a pensarem sobre o seu aprofundamento no momento de construção dos PPPs.

Por fim, ressaltamos que, apesar do constante esperançar existente em nós, sabemos que o campo da educação é um campo em disputa e que, apesar de garantido em lei, a busca pela democratização da escola de EJA é um processo de luta cotidiana.

É nesse sentido freireano que também nos baseamos:

[...] estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser feito, sem fazer cultura, sem “tratar” sua presença no mundo, sem sonhar, sem cantar, sem musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as mãos, sem esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista sobre o mundo, sem fazer ciência, ou teologia, sem assombro em face ao mistério, sem aprender, sem ensinar, sem ideias de formação, sem politizar não é possível (Freire, 1996, p. 62).

Referências:

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III

Projeto político pedagógico e o cotidiano da Educação de Jovens e Adultos

Eliana Nóbrega de Oliveira

Gabriela Ferreira Machado dos Santos

Sandra Regina Cardoso de Brito

Um projeto político pedagógico da escola deve constituir-se num verdadeiro processo de conscientização e de formação cívica. Deve ser um processo de recuperação da importância e da necessidade do planejamento na Educação. (Gadotti, 1998, p.4)

Para começo de conversa

O presente capítulo, com base no princípio educacional democrático, apresenta uma reflexão sobre projeto político pedagógico (PPP) em que se articulam pressupostos teóricos e aspectos práticos, apontando caminhos possíveis para a sua construção. Consideramos aqui as dúvidas e incompreensões com as quais nos deparamos cotidianamente, pensando o contexto da Educação de Jovens e Adultos (EJA), acerca de “para quê”, “por quê” e “como” fazer o PPP da escola.

Nessa direção, partimos da concepção de PPP que define sua finalidade e seus objetivos; situamos a EJA como modalidade de ensino, cujas peculiaridades precisam ser observadas para a elaboração de um documento coerente com a sua intenção e a realidade escolar; apresentamos os fundamentos do PPP na perspectiva democrática, destacando a participação coletiva e o diálogo como aspectos essenciais; por fim, descrevemos as etapas de elaboração do PPP, tendo o planejamento participativo como metodologia.

O projeto político pedagógico representa um retrato da escola, sua identidade. Ele aponta o rumo da ação em seu interior, visto que contribui para a organização do trabalho pedagógico, possibilitando o desvelamento de

conflitos e contradições, bem como a superação de relações competitivas, corporativas e autoritárias.

O princípio básico a partir do qual pensamos o PPP é a gestão democrática e, consequentemente, a participação ativa de todos os sujeitos que fazem parte da escola. Outrossim, entendemos que o PPP revela, de forma clara e objetiva, a concepção de educação que orienta o coletivo que o elaborou, informando sobre o modo como aqueles sujeitos percebem sua relação com a sociedade, sua concepção de ser humano a ser formado; a percepção de questões vinculadas à cidadania, ao trabalho e à consciência crítica, seja pela sua assunção ou pela sua omissão.

Ter como princípio a gestão democrática implica, a nosso ver, assumir o compromisso com o “enfrentamento das questões de exclusão, de reprovação e da não permanência dos alunos na sala de aula” (Veiga, 2009, p.166); implica, por conseguinte, uma ruptura na prática administrativa baseada na homogeneização de processos e nas decisões tomadas de forma unilateral.

Acima de tudo, implica a compreensão profunda dos problemas postos pela prática pedagógica e a postura de confrontá-los com base na participação, no diálogo, na escuta sensível, no estabelecimento de relações horizontais de poder, no reconhecimento e valorização dos saberes e experiências de vida do outro.

A partir desses pressupostos, podemos dizer que o processo de construção, execução e avaliação do PPP, na forma como defendemos, constitui-se como prática social coletiva, fruto de muita reflexão e da convergência e consistência de propósitos e intencionalidades.

Um PPP comprometido com o princípio democrático não é feito sem diálogo, que na perspectiva apontada por Freire (1987, p. 79), representa o “encontro dos homens para a tarefa comum de saber agir”. Por isso, é fundamental que todos compreendam que todos têm algo a dizer sobre o trabalho que é construído/tecido de forma coletiva, o que significa entender a

escola como um espaçotempo1 de relações dialógicas, de pesquisa, de questionamento, de partilha.

A educação de pessoas jovens, adultas e idosas como direito

Nossa atuação e militância no campo da educação de pessoas jovens, adultas e idosas, principalmente a partir do Fórum de Educação de Jovens e Adultos da Região Sul Fluminense2 fundamenta-se na concepção de educação como direito e não como concessão ou benesse. Isso significa dizer que estes sujeitos são tão prioritários quanto qualquer outro, quando falamos sobre acesso à educação, com o agravante de que tais sujeitos a quem esta modalidade de ensino é destinada carregam consigo um histórico de exclusões e interdições bastante diverso e que precisa ser investigado e considerado para que possamos oferecer uma educação que de fato atenda às suas necessidades.

A garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida estão previstos no art. 206, inciso IX da Constituição Federal de 1988. Por sua vez, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96) estabelece as diretrizes fundamentais para o funcionamento da Educação de Jovens e Adultos (EJA) como modalidade de ensino e garante o direito subjetivo constitucional de todos e todas, não deixando dúvidas sobre o público a ser alcançado, como podemos ler em seu artigo 37, quando afirma que “a educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria” (Brasil, 1996).

1 Autores e autoras do campo das pesquisas nos/dos/com os cotidianos, vêm utilizando esta forma de grafar (palavras juntas e em itálico) para evidenciar a necessidade de superação dos limites do modo dicotomizado do pensamento moderno. Nas palavras de Alves (2014, p. 1470) “temos destacado que as dicotomias herdadas da Modernidade têm significado limites aos processos de pensamento que precisamos desenvolver para compreender os múltiplos cotidianos das inúmeras redes educativas que formamos e nas quais nos formamos”.

2 Os Fóruns de Educação de Jovens e Adultos existem desde 1996, quando diversas instituições e organizações de diferentes setores da sociedade civil reuniram-se no Rio de Janeiro em torno da mobilização para a participação na V Conferência Internacional de Educação de Adultos (V CONFINTEA) realizada em Hamburgo/Alemanha. Eles estão presentes em todos os estados brasileiros e constituem-se em uma instância de mobilização e discussão da política pública de EJA, na qual estão presentes esferas de governo e da sociedade civil, em torno do diálogo para a proposição de políticas públicas para a modalidade.

Embora o artigo 37 mencione como modalidade a Educação de Jovens e

Adultos, ou simplesmente EJA, como a ela costuma-se referir, incluímos as pessoas idosas na forma de nos referenciarmos ao público desta modalidade, pois, além de reconhecermos o que prevê o artigo 21, do Estatuto da Pessoa Idosa, estabelecido pela Lei nº 10.741, de 1º de Outubro de 2003, ao definir que “o poder público criará oportunidades de acesso da pessoa idosa à educação, adequando currículos, metodologias e material didático aos programas educacionais a ele destinados” (Brasil, 2003), também reconhecemos a necessidade de pesquisas e estudos específicos a respeito das pessoas nessa faixa etária dentro do próprio campo.

É preciso considerar que a população idosa vem crescendo no país.

Dados da PNAD de 20183 mostram que em cinco anos houve um acréscimo de 18% na população pertencente a esse grupo etário.

A obrigatoriedade da garantia do direito à educação aumenta a responsabilidade do Poder Público pela oferta de educação básica para pessoas jovens, adultas e idosas, embora tenhamos observado a contramão das políticas públicas nos últimos anos, principalmente com a implantação do Novo Ensino Médio4 e da Resolução CNE/CEB nº 01/2021, que estabelece as Diretrizes

Operacionais para a Educação de Jovens e Adultos nos aspectos relativos ao seu alinhamento à Política Nacional de Alfabetização (PNA) e à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e Educação de Jovens e Adultos a Distância, a extinção da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (SECADI)5 durante o governo Bolsonaro (2019 - 2022) e o crescente aumento do fechamento de escolas e turmas de EJA em todas as redes de ensino.

3 Essas informações podem ser acessadas no site do IBGE, por meio de publicação de sua Agência de Notícias, no link: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-denoticias/noticias/20980-numero-de-idosos-cresce-18-em-5-anos-e-ultrapassa-30-milhoes-em-2017

4 Por meio da Lei Nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, que altera a LDB, a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, e, entre outros atos, institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, estabelecendo mudanças na estrutura do Ensino Médio.

5 A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (SECADI) foi recriada pelo Decreto Nº 11.342, de 1º de janeiro de 2023, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

No texto do Parecer 11/2000, que deu origem à Resolução CNE/CEB nº 01/2000, que estabelece as Diretrizes Curriculares para a Educação de Jovens e Adultos, Jamil Cury apresenta a definição de direito público subjetivo e deixa claro que o direito à educação não prescreve com a idade:

Direito público subjetivo é aquele pelo qual o titular de um direito pode exigir imediatamente o cumprimento de um dever e de uma obrigação. Trata-se de um direito positivado, constitucionalizado e dotado de efetividade. O titular deste direito é qualquer pessoa de qualquer faixa etária que não tenha tido acesso à escolaridade obrigatória. Por isso é um direito subjetivo, ou seja, ser titular de alguma prerrogativa é algo que é próprio deste indivíduo (Brasil, 2000a, p. 22/23, grifo nosso).

Aprofundando esse conceito, reconhecemos a contribuição de Paiva (2021, p.25) no sentido de avançar nas formas de proteger, de garantir o direito:

Esse direito público é o poder de ação de uma pessoa para proteger ou defender um bem inalienável e ao mesmo tempo legalmente constituído. Dispositivos jurídicos desse poder traduzem-se pela ação popular, ação civil pública, mandado de segurança coletivo e mandado de injunção – todos previstos e regulamentados pela Constituição Federal de 1988.

Se considerarmos que no Brasil, o percentual de pessoas de 25 anos ou mais de idade que finalizaram a educação básica obrigatória, ou seja, que concluíram pelo menos o ensino médio, era de 48,8%, em 2019, e que a taxa de analfabetismo foi estimada em 6,6% da população acima de 15 anos (cerca de 11 milhões de pessoas), é possível imaginarmos o número de pessoas que sofrem com a estigmatização decorrente da baixa escolaridade.

Isso torna evidente o quanto o direito à educação de todos e todas ainda não vem se consolidando para muitos. Cotidianamente, em nossas escolas observamos muitos pais e avós defendendo o direito à educação de seus filhos e netos, mas ao mesmo tempo não se sentindo credores desse mesmo direito por inúmeros fatores.

Não faltam leis que assegurem o direito à educação, no entanto, a sua realização no chão da escola ainda não é realidade. De acordo com Bobbio (1992 apud Paiva, 2021. p.25), “o problema mais grave na atualidade em relação à conquista de direitos não é o de sua fundamentação, mas de como protegê-los” Nosso desafio reside no fato de que o sujeito, titular de exigibilidade, precisa assumir-se como sujeito de direito e exigi-lo. Portanto, nossa luta não termina com a conquista da lei. Precisamos buscar a efetivação de meios que garantam a conquista desta realidade.

Nesse contexto, que talvez possa parecer de difícil realização, é preciso lembrarmos do que Paulo Freire nos ensinou sobre “esperança”, da qual devemos buscar revestir nosso fazer para constituir nossa luta:

Enquanto necessidade ontológica, a esperança precisa da prática para tornar-se concretude histórica. É por isso que não há esperança na pura espera, nem tampouco se alcança o que se espera na espera pura, que vira, assim, espera vã. Sem um mínimo de esperança não podemos sequer começar o embate, mas, sem embate, a esperança, como necessidade ontológica, se desarvora, se despedaça e se torna desesperança que, às vezes, se alonga em trágico desespero (Freire, 2020. p.15).

A luta cotidiana é cansativa, mas é uma boa educadora. Aprendemos, criamos alternativas, desenvolvemos táticas6 (Certeau, 1994), partilhamos sonhos, refletimos de forma crítica sobre a prática, tecemos conhecimentos e assim nos fortalecemos, seguimos em frente na construção de um mundo mais justo, inclusivo e solidário.

A gestão democrática como princípio

Na década de 1980, período da transição democrática, a sociedade brasileira se mobilizou em torno de uma nova forma de organização social

6 As táticas, segundo Certeau, caracterizam-se como movimento “dentro do campo de visão do inimigo”, como se fossem pequenos golpes que o praticante realiza à estrutura de dominação, como “em voo”, dentro do espaço controlado pelo dominante. Neste caso não existe um planejamento prévio desta ação, ela se faz mediante o aproveitamento das ocasiões, ao mesmo tempo que delas depende. (Certeau, 1994, pp.94 e 95).

vislumbrando mudanças nas relações de poder em todas as áreas. A educação, que apresenta importância estrutural significativa em nossa sociedade, também foi alvo dessa mobilização e o tema foi inserido na Constituição Federal de 1988, que estabelece, em seu artigo 205, a educação como “direito de todos e dever do Estado e da família" (Brasil, 1988). A gestão democrática do ensino tornou-se clamor por parte dos educadores e passou a se configurar como um de seus princípios, previstos no artigo 206 da Carta Magna. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, coloca a gestão democrática na agenda do ensino básico e traz como princípio a participação, tanto dos profissionais da educação como da comunidade escolar.

Nos planos nacionais de educação também encontramos a referência à gestão democrática. O primeiro, aprovado pela Lei nº 10.172, de 09 de janeiro de 2001, deixa bem clara a obrigação dos sistemas de ensino em se estruturarem por meio da gestão democrática.

Aprofundando o direcionamento na Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, a gestão democrática foi estabelecida como uma de suas metas, com estratégias específicas para alcançá-la:

Meta 19: assegurar condições, no prazo de 2 (dois) anos, para a efetivação da gestão democrática da educação, associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à consulta pública à comunidade escolar, no âmbito das escolas públicas, prevendo recursos e apoio técnico da União para tanto (Brasil, 2014).

Na esteira da proposta de ampliação da participação coletiva na organização administrativa e pedagógica das instituições escolares, observamos nas normativas um dispositivo muito caro aos educadores, segundo a perspectiva democrática: a defesa da autonomia das unidades escolares, e por consequência, de seus profissionais. Assim, no artigo 15 da LDB, está previsto que “os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público” (Brasil, 1996).

A previsão legal trazida por esses dispositivos aponta significativo avanço em direção à construção de uma escola que espelhe as percepções e as aspirações do grupo que a constitui (profissionais e comunidade escolar como um todo).

Entretanto, isso implica que o coletivo defina claramente a concepção de educação que o representa para a concretização dos ideais democráticos e, portanto, de efetiva participação de todos os membros, a fim de estabelecer correspondência entre o discurso e a prática.

Para elucidar a compreensão sobre gestão democrática, recorremos à definição apresentada por Cury (2002, p.164-165), remontando-se à etimologia do termo gestão. O autor apresenta a origem do termo no verbo latino gero, gessi, gestum, gerere, que significa: levar sobre si, carregar, chamar a si, executar, exercer, gerar. Logo, segundo ele, “trata-se de algo que implica o sujeito” (Cury, 2002).

Isso também se verifica no substantivo gestação – do latim, gestatio – que denota “o ato pelo qual se traz em si e dentro de si algo novo, diferente: um novo ente” (Cury, 2002). A raiz etimológica do termo gestão – ger, que significa fazer brotar, germinar, fazer nascer – é a mesma dos termos genitora, genitor, germen.

A gestão, neste sentido, é, por analogia, uma geração similar àquela pela qual a mulher se faz mãe ao dar a luz a uma pessoa humana. Pode-se vislumbrar aqui a postura da maiêutica socrática. A gestão implica um ou mais interlocutores com os quais se dialoga pela arte de interrogar e pela paciência em buscar respostas que possam auxiliar no governo da educação, segundo a justiça. Nesta perspectiva, a gestão implica o diálogo como forma superior de encontro e solução de conflitos. [...]

A gestão, dentro de tais parâmetros, é a geração de um novo modo de administrar uma realidade e é, em si mesma, democrática, já que se traduz pela comunicação, pelo envolvimento coletivo e pelo diálogo (Cury, 2002, p. 165, grifos nossos).

Compreendendo-se a centralidade do diálogo; de relações dialógicas para a construção de um ambiente escolar democrático, tendo como horizonte uma

educação problematizadora e libertadora7, remetemo-nos à Freire (2011) para enfatizarmos a importância da dialogicidade no campo da educação, em seu sentido amplo. Segundo ele, a própria condição humana está atrelada à palavra, ao seu uso como forma de expressão do pensamento, na interação com o outro e com o mundo. O diálogo é esse encontro dos homens mediatizados pelo mundo para pronunciá-lo, através do qual afirma-se a própria humanidade; assenta-se numa interação sadia, em que não há a intenção de predomínio de um/uns sobre o/s outro/s, de modo que a verdadeira conquista é a do mundo pelos sujeitos dialógicos para a libertação dos homens (Freire, 2011).

Nessa direção, Freire (2011) defende que o diálogo se fundamenta: a) no amor – entendendo o compromisso com a causa da libertação dos homens como um ato de amor ao mundo, à vida e aos homens; na humildade – indicando que a pronúncia do mundo, pela qual os homens o recriam, é incompatível com a arrogância e com a ideia de autossuficiência; b) na fé nos homens, no seu poder de transformar a realidade e na sua vocação de ser mais; c) na esperança – como condição essencial da própria imperfeição humana, que impele os sujeitos a uma eterna busca do ser mais; e d) no pensar crítico – que percebe a realidade como processo, dinâmica e passível de transformação, conforme a intencionalidade dos homens.

Assim, depreendemos que o diálogo na educação é inerente a qualquer proposta de organização que se pretenda democrática, não podendo dele prescindir. Sua potência reside no justo equilíbrio entre a fala e a escuta; na possibilidade de revelar mais dúvidas que certezas; no encontro dos sujeitos, a despeito das subjetividades, convergindo ideias para o propósito comum.

7 De acordo com Freire (2011), a concepção de educação problematizadora caracteriza-se pela proposta de autêntica reflexão, que incide no constante desvelamento da realidade. Esta pressupõe uma postura humanista por parte do educador, superando-se a contradição educador-educando e admitindo-se a interrelação entre as partes na construção do conhecimento, que se dá de forma mútua. Essa concepção é apresentada pelo autor em oposição àquela que denominou “educação bancária”, cujas práticas caracterizam-se por uma espécie de anestesia dos educandos, inibindo o seu poder criador e limitando-os ao papel de meros receptores dos conhecimentos depositados pelo/a professor/a, sobre os quais não podem/conseguem reflexionar criticamente. Ao propor uma educação problematizadora, o autor defende a educação como prática de liberdade, através da qual os sujeitos (oprimidos) problematizam a realidade e nela se inserem criticamente, reconhecendo-se capazes de transformá-la.

Na perspectiva freireana que adotamos, vislumbramos a emancipação dos sujeitos como objetivo principal da formação (humana/ cidadã) escolar e em caráter urgente, quando esses sujeitos já desempenham outros papéis sociais, que não apenas o de estudantes, como se dá no contexto da EJA.

A democracia caracteriza-se como princípio constitucional em nosso país e é fundamental que possamos exercitá-la no espaço escolar como princípio de formação cidadã. Porém, em seu sentido radical, não é possível falar de cidadania fora do contexto da democracia. Democracia é um pilar fundamental que deve orientar todo o processo de construção do PPP. O consenso sobre esse princípio é necessário tanto quanto a diversidade de opiniões, os diferentes olhares, uma vez que o PPP é referência de todas as ações da escola. Ele confere unidade de ação. Nele estão descritos os acordos, os sonhos e o caminho a ser trilhado para chegar a esse sonho coletivo.

Cotidiano revelando potências

A perspectiva dos estudos nos/dos/com os cotidianos está presente na maneira como tecemos o trabalho na escola e vamos construindo nosso projeto político pedagógico. Por meio desta perspectiva, buscamos resgatar o cotidiano como “espaço e tempo privilegiado de produção da existência e dos conhecimentos, crenças e valores que a ela dão sentido e direção, considerandoo como modo complexo e composto de elementos sempre e necessariamente articulados” (Oliveira, 2002, p.41).

Desta forma, compreendemos a ideia de cotidiano para além da mera repetição rotineira, a qual em geral sua ideia está associada. Valorizamos a pluralidade nos modos de fazer que o caracterizam, bem como a dimensão criadora que nele existe. Compreendemos que nossas identidades, em toda sua pluralidade, são forjadas no espaçotempo dos cotidianos nos quais tecemos nossas redes de subjetividades a partir do entrelaçamento de múltiplos conhecimentos, valores e experiências com os quais convivemos. Nesse contexto, defendemos

que todos somos produtores de conhecimentos, inclusive daqueles aos quais chamamos de conhecimentos científicos. (Oliveira, 2005, p. 54).

Compreender que o conhecimento se tece a partir de redes implica nos abrirmos a novas possibilidades de conhecimentos, aos quais a cultura dominante insiste em subvalorizar em detrimento daqueles a que atribui o status de conhecimento científico. Voltando nosso olhar para a escola, esta perspectiva implica em reconhecer que nossos estudantes também são produtores de saberes e perfeitamente capazes de contribuir para a definição das ações a serem implementadas na escola, inclusive e principalmente no processo de construção do PPP. Esta visão incide na possibilidade de refletir sobre os processos de decisão a respeito do currículo, da gestão e das relações estabelecidas com a comunidade.

Sendo assim, é importante ressaltarmos que, para nós, um dos importantes papéis da escola reside em democratizar a relação entre os diferentes saberes, promovendo o respeito às diferenças. É vislumbrando esta intencionalidade que concebemos o processo de construção do PPP.

O desenvolvimento deste processo precisa buscar minimizar a distância entre os saberes forjados no cotidiano dos sujeitos participantes e os conteúdos curriculares escolares a serem selecionados, priorizados no processo ensinoaprendizagem, na definição de documentos curriculares. Uma postura não dialógica revela-se como entrave ao desenvolvimento de um trabalho pedagógico que seja apropriado aos sujeitos dessa modalidade de ensino. Concordamos com Oliveira (2007, p. 86) quando afirma que:

Cada um tem uma forma própria e singular de tecer conhecimentos através dos modos como atribui sentido às informações recebidas, estabelecendo conexões entre os fios e tessituras anteriores e os novos. Esse entendimento coloca novas exigências àqueles que pretendem formular propostas curriculares que possam dialogar com os saberes, valores, crenças e experiências dos educandos.

Valorizar a perspectiva dos estudos nos/dos/com os cotidianos implica também acreditar que as práticas sociais são práticas de conhecimento (Santos,

2002b, p.247) e que se faz necessário discutir a importância social da escola pública, principalmente quando tratamos da educação para pessoas jovens, adultas e idosas, que estão inseridas numa sociedade que as exclui do acesso aos bens sociais e que evidencia relações de podersaber nas quais estes sujeitos são desqualificados enquanto produtores de conhecimentos.

Nesse movimento, temos em mente a noção de incompletude, tão defendida por Freire (1987, 2002). Ao reconhecermos nossa incompletude, como sujeitos na busca do ser mais, podemos nos tornar mais abertos à possibilidade de escuta e de diálogo.

Como professores na busca de “sermos mais”, precisamos valorizar os saberes cotidianos dos educandos, merendeiras e todos os demais sujeitos que constituem a escola, estabelecendo relações mais horizontais de poder. Os gestores da política pública precisam constitui-la a partir do reconhecimento do valor e da autonomia dos sujeitos que fazem a escola cotidianamente.

Planejamento participativo – diálogo e construção coletiva como base metodológica

Planejar é uma ação corriqueira em nossa vida. Planejamos as férias, a reforma da casa, uma viagem, a comemoração do aniversário... No planejamento definimos o que queremos, o sonho, realizamos um levantamento do que é necessário e verificamos o que é possível.

Quanto maior for a nossa pesquisa, o nosso levantamento e o nosso conhecimento da realidade, melhor será o resultado e a realização da ação planejada. Para planejar o aniversário de uma criança, normalmente começamos pela definição do tema da festa, a decoração. Em outras palavras: definimos um referencial que caracteriza a identidade da festa.

A definição do tema não se faz sozinha, normalmente conversamos com todos os envolvidos. Em seguida, vamos levantar o preço da decoração, do que será servido na festa, a lista dos convidados, o local da festa e a nossa situação financeira para bancar as despesas, ou seja, realizamos um diagnóstico.

Do confronto entre o sonho da festa desejada e o diagnóstico realizado, vamos definindo o que é realmente necessário, quais são as nossas prioridades e o que é possível fazermos naquele momento. Com base nestas informações, vamos tomar as decisões que serão implementadas. Se todas as fases desse processo forem definidas coletivamente, as responsabilidades são divididas e a chance do resultado ser positivo é otimizada.

A luz desse exemplo, retomamos nosso olhar para o PPP. Em todas as etapas de sua elaboração é imprescindível a participação dos envolvidos, visto que é este envolvimento e participação que garantem sua legitimidade, revelando as concepções e sonhos de seus partícipes; define o papel socioeducativo, cultural, político da escola que pouco a pouco vai sendo assumido e definido por todos, construindo seu sentido de pertencimento a este território.

Isso só se consegue com respeito às diferenças e com a vivência do direito à educação como um princípio educativo. Como já afirmamos neste texto, todos os sujeitos são detentores de saberes e produtores de conhecimento, assim, todos devem ser sujeitos ativos na construção da escola do sonho, afinal, a educação está definida na nossa Constituição como direito de todos.

O PPP como tratado, acordo coletivo, deve se tornar a referência da ação de todos os sujeitos da escola, da organização das turmas à organização dos espaços e horários, da definição das atividades (feiras de ciência, do livro, os eventos culturais) à definição dos projetos desenvolvidos nas turmas (exemplo: meio ambiente, de reciclagem, etc.), da organização das aulas, das reuniões do Conselho de Escola às pautas das reuniões pedagógicas, desde a construção do plano de ação da equipe diretiva até o plano de ação da coordenação pedagógica.

Enfim, tudo deve estar referenciado pelo PPP. Todos precisam estar conectados.

Na ação do planejamento identificamos desafios, problemas, o que queremos alcançar; definimos as prioridades, a distância entre o real e o ideal e chegamos na proposta de práticas, nas ações, regras e atitudes. Entendemos o projeto político pedagógico como uma forma de organização do trabalho pedagógico da escola, que envolve todos os sujeitos que estão inseridos nela e, portanto, deve ser uma ação coletiva de planejamento, execução e avaliação.

Como afirmamos anteriormente, entendemos que o PPP revela, de forma clara e objetiva, concepções de educação, de ser humano a ser formado, da percepção de sua relação com a sociedade, entre outros aspectos.

Defendemos como um processo de mudanças e de antecipação do futuro, onde se estabelece, a partir do envolvimento dos diversos segmentos escolares, os princípios, as diretrizes e as propostas de ação objetivando a melhor organização, sistematização, (re)significação de toda atividade desenvolvida no espaço escolar.

Por conseguinte, entendemos com Veiga (2009, p.164) que o PPP exige uma reflexão intencional, sincera e de forma coletiva acerca dessas questões. É por este motivo que metodologicamente defendemos o planejamento participativo para seu processo de construção.

O planejamento participativo, conforme proposto por Gandin (2001, 2012), constitui uma abordagem em que os sujeitos a serem afetados pelo plano/projeto são envolvidos em todo o processo de decisão. Isto significa que todos estão incluídos desde a definição do sonho, na identificação dos problemas até a busca de soluções/alternativas e sua implementação.

O envolvimento de todos os sujeitos objetiva que as decisões sejam mais democráticas, representativas e relevantes, além de favorecer o desenvolvimento do senso de compromisso, de pertencimento. A nosso ver, por meio dessa abordagem, as práticas democráticas são fortalecidas, os saberes e experiências dos envolvidos são valorizados e o diálogo é exercitado em todos os momentos.

Portanto, pensar o PPP sob a perspectiva que propomos significa não admitir que os professores devem definir de forma isolada “como” e “com que” “vão passar” um conteúdo estabelecido previamente. Significa, outrossim, que é fundamental que os professores se organizem para definirem, coletivamente, quais resultados pretendem buscar, não apenas em relação a seus alunos, mas também no que diz respeito às realidades sociais em que vivem, para a partir avaliarem sua prática e proporem alternativas que contribuam para as transformações desejadas (Gandin, 2001, p. 88). É fundamental, pois, ressignificar a ideia de conteúdo escolar.

Ao tratarmos do conceito de participação é importante destacarmos que ela pode se dar em diferentes níveis. Para Gandin (2001) existem três níveis

bastante distintos de participação: colaboração, decisão e construção em conjunto. Por entendermos que a participação é fundamental, decidimos ampliar nosso diálogo com Gandin a fim de desenvolver melhor este fundamento.

No nível da colaboração a “participação” fica restrita a sugestões e colaborações que garantam a execução do que já foi decidido previamente, normalmente por instâncias superiores. Desta forma, “as pessoas devem participar com seu trabalho, com seu apoio ou, pelo menos, com o seu silêncio, para que as decisões da “autoridade” tenham bons resultados e, ao final, para que o “status quo” não seja rompido” (Gandin 2001, p. 89). Observa-se aí que os “participantes” não apresentam poder decisório.

No nível da decisão, apesar do nome trazer uma evocação à democracia, as decisões se resumem a escolhas de pouca importância, bastante pontuais, e a sugestões que são aceitas quando “se encaixam” na vontade da administração. Nesse nível de participação, normalmente se observa que as decisões não modificam a trajetória já definida, constituindo-se, quando muito, em uma “forma diferente de fazer a mesma coisa”.

Em geral, são decididos aspectos menores, desconectados da proposta mais ampla, e a decisão se realiza como escolha entre alternativas já traçadas, sem afetar o que realmente importa. É claro que não se deve condenar estas precárias manifestações de democracia direta. Mas satisfazer-se com elas diminui a força transformadora e transfere para outros tempos a verdadeira participação (Gandin 2001, p.89).

Já o nível da construção em conjunto é aquele que defendemos. Nesse nível de participação, a administração/gestão atua como coordenador direcionando a instituição, decidindo conjuntamente os rumos do trabalho, analisando as práticas, fazendo proposições, decidindo ações, regras que respondam de modo satisfatório às necessidades apontadas por todos.

Aí se pode construir um processo de planejamento em que todos, com o seu saber próprio, com sua consciência, com sua adesão específica, organizam seus problemas, suas ideias, seus ideais, seu conhecimento da realidade, suas propostas e suas ações. Todos crescem juntos, transformam a realidade,

criam o novo, em proveito de todos e com o trabalho coordenado. (Gandin 2001, p.89/90).

Tratar a construção do PPP a partir do princípio metodológico do planejamento participativo, assumindo o compromisso com o nível da construção em conjunto, implica refletir coletivamente sobre o conceito de participação, buscando descortinar práticas excludentes que infelizmente ainda são muito comuns em nossas ações.

O sentido da palavra democracia, presente em muitos discursos, torna-se confuso, contraditório, diante de uma análise mais cuidadosa. A desnaturalização desses discursos, dessas práticas, pode constituir-se em um caminho para a superação de contradições, permitindo a ruptura de práticas excludentes na organização do trabalho pedagógico. Esse processo tem potencial para efetivar o empoderamento, não só dos estudantes, mas de todos os sujeitos envolvidos em um processo de construção em conjunto, favorecendo transformações educacionais e sociais.

Na tarefa de promover uma construção em conjunto do PPP, o primeiro passo é a sensibilização. Nesse momento é importante mobilizar toda a comunidade escolar para garantir o envolvimento de todos, promovendo o debate sobre os diferentes entendimentos que os sujeitos possam ter a respeito do que é e de quem pertence à comunidade escolar, como forma de superar ruídos decorrentes de compreensões divergentes.

O processo de mobilização da comunidade escolar pode ser realizado de várias formas. A título de exemplo: podem ser elaborados cartazes, roda de conversa, debates com a participação de pessoas convidadas, divulgação e/ou produção de vídeos sobre o assunto, realização de pesquisas, leitura e debate de reportagens e, ainda, assistir e conversar sobre lives que tratam sobre o tema. São bem-vindas quaisquer ações que ajudem a colocar na pauta a discussão sobre a importância e necessidade de construir o PPP.

Com a comunidade escolar mobilizada, é hora de construir o marco referencial. Este marco refere-se ao ponto de chegada, ao nosso sonho, àquilo que desejamos construir para nossa comunidade escolar, a partir de nossas ações.

É importante definirmos, coletivamente, qual o papel da escola e como se relaciona com a sociedade, qual a formação que queremos implementar.

Segundo Gandin (2001), o marco referencial inclui uma dimensão política, ideológica e de opção coletiva. É a partir dele que traçamos a direção para onde e como desejamos ir. É por este motivo que ele cria tensão em relação à realidade atual, pois ajuda a direcionar nosso olhar para o que não está funcionando e precisa ser superado, uma vez que não corresponde ao nosso sonho. É aqui em que mobilizamos o desejo que impulsiona toda a ação da escola e criamos os critérios/parâmetros que guiarão as ações seguintes.

Algumas reflexões são importantes neste momento:

a) Se nosso sonho consiste em construir uma sociedade includente, as práticas da escola precisam ser includentes – então, como seriam essas práticas includentes no interior? Atualmente nossas práticas são includentes? Que práticas temos no momento que não estão em sintonia com este ideal? Em que momentos elas se fazem presentes?

b) No âmbito da EJA dizemos que queremos uma escola acolhedora – o que seria uma escola acolhedora? Que práticas podem refletir no acolhimento? Atualmente temos práticas acolhedoras na escola? Todos que necessitam estão conseguindo acessar a escola? De que forma essas diferenças entre os sujeitos se manifestam em nossa escola e como lidamos com elas?

c) Queremos que nossos estudantes concluam seus estudos sem interromper seu percurso – como isso tem acontecido em nossa escola? Por que nossos estudantes estão interrompendo seus estudos? Pelos questionamentos acima é possível observarmos que cada desejo presente em nosso marco referencial traz alguns tensionamentos possíveis e possibilitam o confronto com nossa realidade atual, revelando nossas contradições e conflitos. É a partir deste desvelamento que as ações devem ser organizadas, sempre buscando a reflexão objetiva sobre nossos limites e possibilidades, construindo ações passíveis de serem realizadas a partir do compromisso e divisão de responsabilidades entre todos.

Se faz importante dizer que definir com clareza o que apontamos no sonho para nosso PPP é fundamental, mesmo que pareça algo simples, do entendimento de todos. É que muitas vezes, o que entendemos não é compreendido da mesma forma por todos os envolvidos. Então, faz-se necessário refletirmos em conjunto. Um exemplo é o famoso termo “escola democrática” ou “aluno crítico”. Se formos perguntar como isso se efetiva na prática, pedirmos para citarmos exemplos de como isso ocorre no dia a dia da escola, perceberemos que serão reveladas diferentes percepções para esses termos.

Outra questão que merece especial atenção se refere ao entendimento sobre que ser humano a escola deseja formar. Se falamos em formar um ser humano solidário, ações que favorecem a competição seguem na contramão deste desejo e, portanto, não devem ser estimuladas no contexto escolar, por exemplo.

Inúmeras reflexões devem ser realizadas pelo coletivo neste momento: qual o contexto social em que estamos inseridos? Quais princípios, critérios e valores defendemos para a ação da escola? O conhecimento dos significados e sentidos do que a escola defende propicia o surgimento de um clima de coletividade, em que professores, gestores, alunos, pais e demais profissionais fortalecem o grupo na direção dos objetivos a atingir, de metas a cumprir e sonhos a realizar, dá forma e vida ao PPP e faz com que todos sintam-se elementos responsáveis por todas as ações realizadas.

Em resumo, no marco referencial é importante que a escola construa, em conjunto, a visão de si mesma a respeito da sua função no contexto social em que se localiza, das relações de poder que se estabelecem em seu espaço, onde o poder se concentra na escola e como ele é distribuído. Que reflexos essa distribuição apresenta no espaço escolar, que papel as instâncias colegiadas desempenham para o coletivo, como seria o mundo que desejamos e como se apresenta o mundo em que estamos inseridos.

Metodologicamente, as perguntas devem ser respondidas por todos os envolvidos e as respostas devem ser sistematizadas para serem discutidas e aprovadas em uma assembleia. O importante é dar visibilidade às respostas, é

respeitar/construir o respeito pela fala do outro. As perguntas podem virar conversas em sala de aula, produção de textos coletivos.

A partir da reflexão sobre o marco referencial vamos delineando o caminho para a sistematização de um diagnóstico que norteará a construção de uma programação para o desenvolvimento do nosso PPP.

Quando iniciamos a sistematização do diagnóstico do PPP realizamos a reflexão sobre a distância que nossas ações estão daquilo que é o nosso sonho, traçado no momento de definição do marco referencial, bem como o que “falta” para alcançarmos este sonho. Este movimento constitui-se como uma espécie de julgamento da realidade a partir do que foi definido como ideal a ser atingido.

Este é um momento para, conjuntamente, localizar as necessidades, apontar o que precisa ser mudado; de conhecer a realidade, de identificar as ações, as práticas que contribuem e quais atrapalham a conquista do ideal. Para realizarmos um bom diagnóstico precisamos ter claro o que queremos alcançar, sabendo, por conseguinte, o que queremos ser nesse contexto. Estes seriam os parâmetros para julgar a realidade. Não se deve apenas ter a intenção de coletar dados, fazer descrição. O levantamento de dados precisa estar ancorado nos marcos anteriores, pois os dados sozinhos não transformam a realidade, não mobilizam desejos.

As necessidades identificadas e sistematizadas no diagnóstico precisam ser coletivas pois dizem respeito a todos; precisam ser problematizadas de modo que não fiquem na superfície dos problemas enfrentados pelo coletivo, mas que permitam seu aprofundamento. As necessidades apontadas neste momento precisam ser reais e as perguntas precisam ser respondidas: a que distância estamos do que definimos no marco referencial? Como vamos diminuir essa distância? Quais são as causas dos problemas que enfrentamos?

A partir de elementos que já levantamos neste texto, algumas questões podem orientar o diagnóstico:

a) Se nosso sonho consiste em construir uma sociedade includente e nossas práticas escolares não o são, que problemas enfrentamos por não termos práticas includentes? Quais práticas têm contribuído para a exclusão em nosso espaço escolar? Que práticas precisam/podem

ser incorporadas em nossa escola? Quais precisam ser transformadas e de que forma?

b) Se no âmbito da EJA nossa escola deve ser acolhedora, por que ela não tem sido? Será que conhecemos os sujeitos demandantes da EJA que ofertamos? Que estratégias podemos organizar para conhecê-los melhor? Que problemas vimos enfrentando por não os conhecer e não acolhê-los adequadamente? Que ações de acolhimento podemos construir? Em quais momentos? Se as diferenças não têm sido respeitadas, o que vamos fazer para mudar isso? Quando? De que forma? Qual a responsabilidade de cada sujeito neste movimento? Como tem sido a sua frequência à escola? Nossas práticas têm respeitado a diversidade dos sujeitos demandantes? A infantilização tem se mostrado presente em nossas práticas pedagógicas? Como a precarização do mundo do trabalho vem interferindo no estar na escola destes sujeitos demandantes? O pós-pandemia deixou marcas? Como temos lidado com elas? A questão ambiental, que tem sido uma preocupação ainda maior no pós-pandemia, está presente em nossas práticas?

c) Se queremos que nossos estudantes concluam seus estudos, mas eles vêm apresentando inúmeros movimentos de interrupção de seu percurso, por que isso tem acontecido? O que os leva a interromperem seus percursos? Que estratégias podemos construir para ajudá-los a continuar em seus percursos e superarmos este problema?

No momento do diagnóstico é fundamental identificar as práticas que vêm contribuindo para a realização de nosso sonho, e então fortalecê-las, e identificar aqueles que se configuram como entrave nesse processo, para transformá-las. Elencamos, a seguir, uma série de questionamentos a título de exemplo.

Se sonhamos com uma escola democrática, vamos olhar para a nossa escola e analisar as ações de modo a apontar onde estão os entraves para a democratização. Se sonhamos com uma escola inclusiva, vamos ver se nossa

escola é realmente inclusiva; se precisa melhorar e em quê; se há respeito às diferenças; se os sujeitos, em sua pluralidade, sentem-se acolhidos; e apontar quais são as dificuldades percebidas para a inclusão de todos, para tornar a nossa prática includente.

Vamos questionar: Os estudantes da nossa EJA concluem seus estudos sem interrupção? O que leva os alunos a interromperem seu percurso? Qual o público-alvo da nossa escola de EJA? Pela denominação, está clara a presença de jovens, adultos e pessoas idosas, mas quando pensamos nas atividades pedagógicas propostas, incluindo aqui as aulas, podemos afirmar que o entendimento que a escola tem desses sujeitos corresponde ao perfil desses estudantes ou percebe-se a infantilização desses sujeitos? Seus saberes, suas experiências, sua trajetória de vida são invisibilizados, negados, desqualificados ou são valorizados e dialogam com os saberes escolares?

A invisibilidade dos saberes e das experiências que os sujeitos da EJA trazem de sua vivência no mundo, a desconsideração de suas necessidades tem implicação na evasão escolar, na organização das turmas com a quantidade de estudantes, com o fechamento das turmas, por exemplo.

Os modos de vida, as culturas, a heterogeneidade dos sujeitos da EJA precisam refletir nas práticas cotidianas da escola e nas oportunidades de aprender. Vale, no entanto, reafirmar sempre que a EJA constitui uma modalidade de ensino, ou seja, “tem um perfil próprio, uma feição especial diante de um processo considerado como medida de referência. Trata-se, pois, de um modo de existir com característica própria” (Brasil, 2000a, p. 26).

Após a definição do ideal (as aspirações, a utopia) que orienta o PPP, enunciados os posicionamentos que guiarão a ação (MARCO REFERENCIAL), conhecida a realidade e a distância que estamos do ideal (DIAGNÓSTICO), tendo-se mobilizado os desejos coletivos, vamos juntos definir as ações concretas que constarão na programação do PPP (PROGRAMAÇÃO) e que poderão contribuir para diminuir a distância entre o que idealizamos e a nossa realidade.

Essa é a hora de sonhar o sonho possível, de definir ações concretas, regras, combinados, comportamentos e atitudes, normas e rotinas para modificar a

realidade existente. É a hora de apontar as atividades periódicas, as atividades permanentes, a parte que caberá a cada um dos envolvidos no grande acordo em torno do PPP. Tudo isso considerando nossas necessidades e possibilidades de realização.

Para não concluir

Entendemos que a discussão sobre o tema não se encerra aqui. O desafio de construir o PPP é constante, por isso nos referimos a ele como um movimento. Diante de todas as questões que foram apontadas aqui cabem muitas outras interrogações, outras possibilidades, novos “mergulhos”. O cotidiano escolar é dinâmico, criativo, desafiador, complexo.

Como diz Alves (2001, p.19) “para apreender a ‘realidade’ da vida cotidiana, em qualquer dos espaços/tempos em que ela se dá, é preciso estar atenta a tudo o que nela se passa, se acredita, se repete, se cria e se inova, ou não” .

Gadotti (1998, p.19) nos ajudar a pensar sobre o compromisso com a ideia de um futuro melhor, de transformação que depende de nós para se realizar.

Todo projeto supõe rupturas com o presente e promessas para o futuro. Projetar significa tentar quebrar um estado confortável para arriscar-se, atravessar um período de instabilidade e buscar uma nova estabilidade em função da promessa que cada projeto contém de um estado melhor do que o do presente. Um projeto educativo pode ser tomado como promessa ante determinadas rupturas. As promessas tornam visíveis os campos de ação possíveis, comprometendo seus atores e autores.

Assim, a tarefa é contínua, a necessidade de atualização é constante.

Porém, algumas interrogações mostram-se potentes para o ato de pensarfazer a educação no atual contexto histórico: como conciliar a dignidade humana (art. 1º da Constituição Federal de 1988) sem o acesso à educação, com a baixa escolaridade da população? Como erradicar a pobreza, a marginalização e reduzir

as desigualdades sociais e regionais (Art. 3º da Constituição Federal de 1988) com o fechamento de turmas de EJA?

Mais que um ato de organização do trabalho pedagógico da escola, o

PPP é um ato político de exercício de cidadania que aponta diretamente para o sonho de uma sociedade democrática, justa, solidária e inclusiva.

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IV

Projeto político pedagógico e diversidade dos sujeitos da Educação de Jovens e Adultos: implicações curriculares

Eliana de Oliveira Teixeira

Leila Mattos Haddad de Monteiro Marinho

Sandra Regina Cardoso de Brito

Neste capítulo buscamos refletir sobre as relações existentes entre as concepções que embasam a construção do projeto político pedagógico (PPP) da escola e o currículo na educação de pessoas jovens, adultas e idosas, tendo como elemento norteador da práxis a diversidade de lugares sociais e identitários existentes entre os estudantes.

Em diálogo com diferentes autores como Oliveira (2002, 2004, 2005, 2007), Paiva (2004), Dayrell (2001), Arroyo (2013), Santos (2002), Ribeiro (2009); Ivenicki (2020), Ribeiro, Ivenick e Honorato (2020), tais reflexões têm como ponto de partida as pesquisas acadêmicas de mestrado e doutorado realizadas pelas autoras: (Marinho, 2015), (Brito, 2006) e (Teixeira, 2019). O texto considera também a experiência das autoras como profissionais da educação pública no município de Angra dos Reis e integrantes do Fórum de Educação de Jovens e Adultos da Região Sul Fluminense.

O debate aqui proposto baseia-se em compromissos expressos em vários documentos discutidos e referendados coletivamente em diferentes espaços de luta pela efetivação do direito à educação. Em tais espaços fomos consolidando o conceito de diversidade como “a construção histórica, cultural e social (inclusive econômica) das diferenças” que é “construída no processo históricocultural, na adaptação do homem e da mulher ao meio social e no contexto das relações de poder” (Brasil, 2008, p. 63).

Ao apresentarmos um cenário a partir do qual refletimos sobre caminhos que podem auxiliar no enfrentamento aos inúmeros desafios para a efetivação da EJA como política pública de Estado, enfatizamos a perspectiva do direito à

educação de pessoas jovens, adultas e idosas que por motivos diversos tiveram o seu direito negado em alguma parte da sua trajetória humana. Nesta tarefa, dialogamos com dados quantitativos do IBGE (2020), do Censo Escolar de 2022 (Inep, 2023) e da Pesquisa Perfil da EJA, realizada em 2017 pela Secretaria de Educação de Angra dos Reis (SECTonline, 2017).

Na primeira parte do artigo, tratamos da diversidade dos sujeitos da EJA como princípio para a produção dos projetos políticos pedagógicos na modalidade de ensino, na segunda, tecendo reflexões sobre dados compilados da Pesquisa Perfil da EJA do Município de Angra dos Reis, nos debruçamos sobre a perspectiva da gestão democrática com a construção de projetos políticos pedagógicos que tenham por base o perfil dos estudantes matriculados. Nesta seção também tratamos das implicações curriculares, destacando a compreensão de currículo como criação cotidiana dos sujeitos que fazem a escola, uma construção que vai muito além da relação de conteúdos prescritos a serem trabalhados na escola.

A diversidade dos sujeitos da EJA e sua relação com as desigualdades sociais

A garantia legal do direito das pessoas jovens, adultas e idosas à educação está consolidada na nossa Constituição Federal (Brasil, 1988), na Lei 9.394/1996 (Brasil, 1996) que instituiu as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), na Lei nº 13.005/2014 (Brasil, 2014) que ao instituir o Plano Nacional de Educação (PNE) destina três metas para a EJA, e em outras normativas educacionais produzidas nacionalmente. Infelizmente, ao observarmos ainda o cenário educacional do país, com uma demanda potencial de pessoas sem instrução ou com grau de escolarização ainda incompleto, percebemos o quão distante estamos da efetivação das normas e preceitos legais. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD Contínua (IBGE, 2020, p. 2), a taxa de analfabetismo entre as pessoas de 15 anos ou mais, em 2019, era de 6,6%, o que, em números absolutos, equivalia a 11 milhões de brasileiros e brasileiras.

Em um país que há mais de 30 anos garantiu em sua Constituição o direito de todos e todas à educação e que estabeleceu, também, no seu PNE “elevar a taxa de alfabetização da população com 15 (quinze) anos ou mais para 93,5% até 2015 e, até 2024, erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional” (Brasil, 2014). Pode-se afirmar, no mínimo, que há um imenso abismo entre o estabelecido em lei e a realidade da população.

Ainda de acordo com os dados do IBGE (2020, p. 2), nota-se que quanto mais velho o grupo populacional, maior a proporção de analfabetos: em 2019, eram quase 6 milhões de analfabetos com 60 anos ou mais, o que equivale a uma taxa de analfabetismo de 18% para esse grupo etário.

Quando se desagregam os dados por cor ou raça, evidencia-se o abismo causado pelas desigualdades raciais presentes em nosso país. Enquanto entre a população branca a taxa de analfabetismo das pessoas com 15 anos ou mais girava em torno de 3,6%, entre as pessoas negras, nessa mesma faixa etária, a taxa chegava a 8,9%, mais que o dobro do percentual.

Se cruzarmos o marcador de cor ou raça com o da idade, percebemos que, na população acima de 60 anos, essa diferença é ainda mais assustadora: para brancos, a taxa era de 9,5% e para negros era de 27,1% (IBGE, 2020, p. 2).

Esse pequeno universo de informações nos aponta para a impossibilidade de tratarmos o público da EJA como um coletivo homogêneo. Pelo contrário, trata-se de uma pluralidade de sujeitos, coletivos marcados pela diversidade de cor ou raça, étnica, de gênero, orientação sexual, pertencimento territorial etc.

Quanto mais cruzamos os dados dos indicadores educacionais, utilizando diferentes marcadores sociais, mais é possível perceber que os grupos identitários historicamente excluídos dos bens socialmente construídos apresentam maiores desvantagens educacionais.

Na figura 1, que apresenta a distribuição das pessoas de 25 anos ou mais de idade que concluíram ao menos a etapa do ensino básico obrigatório, segundo o sexo, a cor ou raça e as grandes regiões, pode-se observar que as desigualdades educacionais não se restringem ao analfabetismo.

Figura 1: Pessoas de 25 anos ou mais de idade que concluíram ao menos a etapa do ensino básico obrigatório

Fonte: IBGE (2020, p.4)

Com os dados desagregados em função de sexo, cor ou raça e grandes regiões do Brasil, é possível referenciar as desvantagens educacionais em função do pertencimento dos sujeitos a coletivos sociais específicos. Por exemplo, na Figura 1 nota-se que, em 2019, 57,0% das pessoas de cor branca haviam completado, no mínimo, o ciclo básico educacional. Entre as pessoas negras, esse percentual foi de 41,8%, uma diferença de 15,2 % entre os dois grupos analisados. Ainda na Figura 1 é possível também observar a desvantagem da região nordeste do país, que possui as menores taxas em todos os anos apresentados1 .

Tomando-se por base o marcador idade, era esperado que aos 25 anos as pessoas já tivessem concluído o Ensino Superior, ou pelo menos, o seu

1 Ressaltamos que, os estudantes da EJA, mesmos nos grandes centros urbanos, costumam ter origem em diferentes territórios, que em geral costumam ser os mais marcados pelas desigualdades sociais e educacionais.

processo de escolarização na Educação Básica, como preconizado nos marcos legais já mencionados. Porém, não é o que os dados da Figura 1 nos mostram, uma vez que apenas 48,8% da população nessa faixa etária havia concluído o ensino obrigatório, em 2019.

Na Tabela 1, disposta a seguir, podemos observar o nível de instrução das pessoas de 25 anos ou mais de idade no Brasil. Chama-nos atenção também que, entre aqueles que não completaram a educação básica, 6,4% não possuíam qualquer grau de instrução, 32,2% tinham o ensino fundamental incompleto, apenas 8,0% conseguiram concluir o ensino fundamental e 4,5% não concluíram o ensino médio.

Tabela 1 - Distribuição das pessoas de 25 anos ou mais de idade, segundo o nível de instrução (%) - Brasil, 2019

Sem Instrução 6,4

Fundamental incompleto ou equivalente 32,2

Fundamental completo ou equivalente 8,0

Médio incompleto ou equivalente 4,5

Médio completo ou equivalente 27,4

Superior incompleto ou equivalente 4,0

Superior completo 17,4 Fonte: IBGE (2020, p.3).

Diante destes dados, é imprescindível atentarmos para os 51,2% da população brasileira, com 25 anos ou mais, que, em 2019, permaneciam sem ter concluído, no mínimo, o ensino médio. Ou seja, mais da metade desse recorte populacional.

Todos os dados até aqui apresentados configuram um cenário que coloca milhões de brasileiros e brasileiras à margem da conquista do direito à escolarização instituído pelas normas, o que demonstra a existência de uma demanda potencial bastante significativa para oferta da EJA.

A este contingente de pessoas junta-se um grupo que progressivamente vemos crescer nos bancos escolares da EJA: os jovens. Dados do Censo Escolar 2022 (INEP, 2023) apresentam um cenário preocupante que tem contribuído para um processo que vimos denominando de “juvenilização” da EJA (Monteiro, 2015 e Teixeira, 2019).

Embora seja previsto na legislação que aos 15 anos os jovens já tenham concluído o ensino fundamental e aos 18 anos o ensino médio, dados do Censo Escolar 2022 (INEP, 2023) evidenciam que a EJA tem recebido estudantes provenientes do ensino fundamental de 9 anos que não interromperam seus estudos. “De 2019 para 2020, aproximadamente 230 mil alunos dos anos finais do ensino fundamental e 160 mil do ensino médio migraram para a EJA. São alunos com histórico de retenção e que buscam meios para conclusão dos ensinos fundamental e médio” (INEP, 2023, slide 28).

Tal processo vem contribuindo para complexificar ainda mais o desafio ao trabalho pedagógico a ser realizado na modalidade e ao desenvolvimento de políticas públicas que realmente atendam às necessidades dos demandantes da oferta de EJA. A chamada distorção idade-série, como vem sendo conhecido este fenômeno no ensino fundamental de 9 anos, provocada por reprovações, abandonos e evasões escolares, tem gerado uma nova demanda para a modalidade EJA e precisa receber ainda mais atenção de autoridades e estudiosos no sentido de buscar alternativas para enfrentar processos de exclusão observados no interior da escola básica.

Em suma, os dados apresentados mostram que a demanda para a oferta da EJA no Brasil atual é composta não por um grupo homogêneo, mas por grupos de pessoas jovens, adultas e idosas marcados pela diversidade e por processos de escolarização desiguais em um contexto estrutural de relações sociais e econômicas também desiguais que acarretam desvantagens para grupos específicos, histórica e socialmente marginalizados. Aqui são exemplificadas as de cor ou raça, sexo, geração e pertencimento territorial, mas tantos outros marcadores sociais poderiam ainda ser utilizados como classe, etnia, orientação sexual etc.

Como sinalizado no texto preparatório para a VI Confintea, “pensar os sujeitos da EJA é trabalhar com e na diversidade (Brasil, 2008)”. Acreditamos que imprimir foco nessa afirmativa é um princípio para construção do projeto político pedagógico e para o currículo da EJA nas escolas.

Projeto político pedagógico e a diversidade dos sujeitos da EJA: implicações curriculares

Ao ganhar centralidade no debate sobre a EJA, a reflexão sobre a diversidade dos sujeitos que a compõem nos convida à reflexão sobre como as desigualdades sociais, raciais, étnicas e de gênero são construídas historicamente em nosso país e como é fundamental que superemos a perspectiva hierárquica e eurocentrada, problematizando as relações estabelecidas na escola.

No momento histórico atual, em que vivemos a exaltação do individualismo, o crescimento do pensamento fascista, de diferentes formas de violência que adentram os muros da escola, a prioridade na visão econômica aumentando a degradação ambiental e acentuando a visão de que pessoas, principalmente as que não são “produtivas”, ou “não atendem” ao padrão eurocentrado são dispensáveis, é preciso que a escola reflita mais do que nunca a respeito do seu papel e da contribuição que vem dando e pretende dar à sociedade.

Sob essa perspectiva, entendemos que é fundamental a realização desta tarefa no processo de desenvolvimento do projeto político pedagógico da escola, com vistas a consolidação da gestão democrática do ensino público, por meio da participação dos profissionais da educação e de todos os sujeitos envolvidos neste processo, incluídos aí os estudantes.

Referendamos, neste sentido, que a construção de um PPP para a escola de EJA, seja uma ação intencional, com o objetivo da assunção coletiva que tenha por base uma concepção de homem/mulher, de conhecimento e de mundo comprometida com a construção de uma sociedade mais justa e democrática e com a consciência de que neste processo, educadores e educandos se educam em comunhão (Freire, 1987).

Sob esse prisma, gerir democraticamente o fazer escolar é primordial e

[...] exige uma ruptura na prática administrativa da escola com o enfrentamento das questões da exclusão e reprovação e da não permanência do aluno na sala de aula, o que vem provocando a marginalização das classes populares. Esse compromisso implica a construção coletiva de um projeto

político-pedagógico ligado aos interesses e necessidades da população (Veiga, 2009. p. 166).

Acreditamos, com Veiga, que os processos de planejamento das práticas político-pedagógicas direcionadas à EJA exigem, de todos os envolvidos, atenção aos seus sujeitos e à diversidade de experiências humanas vivenciadas por eles, em função do seu pertencimento a coletivos específicos, às diferenças de classe social, gênero, etnia, raça, idade etc.

Como afirma Dayrell (2001, p. 137), a construção do PPP parte de uma realidade histórico-social, de sujeitos reais, que não são agentes passivos diante da estrutura escolar e social. São sujeitos que vivem e sobrevivem em um contexto social e cultural. A escola se constitui, portanto, como um espaço dinâmico sociocultural em “contínua construção, de conflitos e negociações em função de circunstâncias determinadas”.

Neste sentido, faz-se necessário o reconhecimento e a valorização da diversidade existente entre os sujeitos que constituem o espaço escolar no e com o qual trabalhamos. Ribeiro; Ivenicki; Honorato (2020, p. 670) alertam para o fato de que não devemos pensar apenas na questão de pertencimentos variados, “mas de formas de pensar, de ser e de se produzir conhecimentos sobre o mundo”. Ao fazerem esse alerta, os autores defendem a necessidade de construirmos caminhos multiculturais em uma perspectiva crítica, que levem à “problematização das relações desiguais e do silenciamento de identidades individuais e/ou coletivas que ali circulam”.

Um dos primeiros passos fundamentais no processo de problematização que deve basear a construção das práticas pedagógicas e a constituição do PPP de uma escola, fundamentalmente, na escola de EJA, diz respeito ao levantamento do perfil dos sujeitos jovens, adultos e idosos para os quais o trabalho será direcionado. Confiantes nessa premissa, a título de exercício reflexivo, com o objetivo de inspirar outras ações nessa linha, tanto em nível de poder público quanto de ação local nas unidades escolares, elencaremos a seguir alguns dados obtidos a partir da pesquisa Perfil EJA realizada pelo município

de Angra dos Reis em 20172 (SECTonline, 2017), seguidas de algumas reflexões que consideramos pertinentes no contexto do município em questão, mas que esperamos também poderem servir como pontos de partida para reflexão de outros territórios.

Um primeiro dado para o qual chamamos atenção por acreditarmos que precisar ser problematizado coletivamente na construção dos projetos educacionais refere-se ao perfil racial dos estudantes da EJA.

A Tabela 2, abaixo, traz dados sobre o perfil racial dos estudantes da EJA em Angra dos Reis e nos ajuda a refletir nesse sentido.

Tabela 2 - Declaração de cor ou raça dos estudantes - Pesquisa Perfil da EJAAngra dos Reis, 2017

Fonte: SECTOnline (2017).

Considerando a oferta da educação para a população indígena, por exemplo, é possível observar um total de 7 estudantes que se autodeclaram indígenas matriculados em um município que possui a maior aldeia indígena do estado do Rio de Janeiro.

Vale ressaltar que não nos é possível dizer se se trata de indígenas aldeados, informação importante quando estamos tratando da questão, mas

2 No período de 2010 a 2017 a Secretaria Municipal de Educação de Angra dos Reis realizou, bienalmente, um levantamento do perfil dos estudantes da EJA matriculados na rede municipal, com o objetivo de balizar as propostas de formação continuada aos profissionais que atuavam na modalidade, bem como fornecer instrumentos a cada unidade escolar para compreender um pouco mais o público atendido e realizar as problematizações necessárias ao desenvolvimento de seu trabalho pedagógico. Para esta pesquisa, os estudantes matriculados respondiam um questionário que era tabulado pelos coordenadores de EJA e depois publicizado e disponibilizado para formações e debates. Neste artigo, utilizamos os dados da Pesquisa realizada em 2017, disponível no Sistema da Secretaria de Educação (SECTonline).

observando os dados apresentados na Tabela 2, em comparação aos dados do sistema estadual e do sistema municipal de ensino como um todo, disponíveis no Censo Escolar (INEP, 2017), observamos um total de 3.640 estudantes matriculados na EJA e apenas 11 se autodeclararam indígenas.

Considerando tais informações, alguns questionamentos podem ser feitos: por que tão poucos estudantes de EJA se declararam indígenas? Seria algum deles indígena aldeado? Será que todos os indígenas desejariam ser escolarizados? Todos os que desejam, são? O poder público, através do Sistema Estadual de Ensino e do Sistema Municipal de ensino, tem ofertado EJA de forma adequada às necessidades desse público no município?

Considerando a oferta da educação para a população negra, outra observação muito relevante: confirmando uma tendência nacional (Teixeira, 2019), a maior parte dos estudantes da EJA da Rede Municipal declarou-se negra (pretos e pardos): 65% das mulheres e 67% dos homens. O que isso representa no contexto do município e das comunidades onde a EJA é ofertada? Em que medida a educação para as relações étnico-raciais vem sendo trabalhada nesta Rede e nas Escolas de EJA? Os aspectos da história e da cultura dos negros e indígenas que caracterizam a formação da população brasileira são parte do currículo escolar da EJA conforme instituído por lei?

Outras reflexões poderiam contribuir com a proposta político pedagógica da escola de EJA, ao cruzarmos dados de cor ou raça com outros marcadores como profissão e posição dos estudantes no mercado de trabalho: São homens e mulheres negras que contribuem diretamente com a economia da família? São estudantes/trabalhadores(as)? Desempregados? Em que profissão atuam? São trabalhadores do campo, do comércio? E os jovens/adolescentes negros da EJA, são eles estudantes/trabalhadores?

Outra questão que consideramos relevante é o tempo em que os estudantes da EJA permanecem fora da escola antes de retomar a escolarização nesta modalidade de ensino. São eles e elas oriundos do Ensino Fundamental de 9 anos ou pessoas que estão há muitos anos fora da escola e voltam para retomada do processo de escolarização?

Os dados de Angra dos Reis, incluídos na Tabela 3, podem nos dar um panorama da questão naquele município.

Tabela 3 - Estudantes que pararam de estudar antes de ingressar na EJAPesquisa Perfil da EJA - Angra dos Reis, 2017 RESPOSTAS

Fonte: SECTOnline (2017).

Das respostas obtidas sobre o intervalo sem estudar antes de ingressar na EJA, 18% das mulheres e 42% dos homens afirmaram não ter parado de estudar antes de ingressarem na EJA, o que nos leva a concluir que aproximadamente 30% dos estudantes respondentes migraram diretamente do ensino fundamental de 9 anos para a modalidade EJA.

Perguntas que podem ser feitas a partir da constatação desses dados: estes estudantes são oriundos da própria rede municipal? No caso da escola, estes alunos migraram direto do Ensino Fundamental de 9 anos para a EJA? Por que o quantitativo de homens que migraram diretamente para a EJA representa mais que o dobro de mulheres? Como está a distorção idade-ano de escolaridade produzido no Ensino Fundamental de 9 anos e como tem impactado a EJA? Que práticas pedagógicas realizadas podem estar contribuindo para a construção deste cenário? O que podemos fazer para transformar esta realidade?

Na Tabela 4, é possível observar a distribuição de matrículas na EJA por idade em Angra dos Reis.

Tabela 4 - Distribuição de matrículas por sexo e faixa etária - Pesquisa Perfil da EJA - Angra dos Reis, 2017

FAIXA ETÁRIA PERCENTUAL DE

Fonte: SECTOnline (2017).

Observa-se na Tabela 4 um número maior de homens matriculados na EJA, a maioria com idade entre 15 a 24 anos. Ressalta-se que entre os adolescentes de 15 a 17 anos, faixa etária onde concentra-se grande número de alunos que migram direto do Ensino Fundamental de 9 anos para esta modalidade de ensino, o número de homens também é maior. Quanto às mulheres, podemos observar que mais da metade das matrículas são de estudantes com 25 anos de idade ou mais.

O que tais reflexões podem nos indicar sobre as práticas cotidianas nas escolas? Como as relações de gênero são percebidas pelos sujeitos nos diferentes espaços/escolas e de que forma contribuem para os números observados? Que impactos traz essa realidade na EJA de cada escola? Como vêm se dando as relações entre os estudantes mais jovens e os mais idosos no contexto escolar?

Como nós, profissionais da educação, temos lidado com as relações intergeracionais nos diferentes espaços da escola e, principalmente, na sala de aula?

Tabela 5 - Situação final dos estudantes - Pesquisa Perfil da EJA - Angra dos Reis, 2017 SITUAÇÃO

Fonte: SECTOnline (2017).

A produção de indicadores de aprovação, reprovação, frequência e abandono escolar pode também se mostrar importante instrumento de análise do perfil dos estudantes para avaliação (re)planejamento das práticas no interior das escolas.

Na Tabela 5, por exemplo, os dados da situação final dos estudantes matriculados na EJA no ano letivo de 2017, demonstram que 12,84% dos estudantes foram considerados desistentes. O índice de retenção por faltas registrado é significativamente alto, 24,17%, o que nos leva a perguntar: quem

são os estudantes que se matriculam na EJA mas deixam de frequentá-la em determinados momentos do período letivo ou no decorrer do mesmo? Nos perguntamos e perguntamos aos estudantes, quais os motivos que os levam à infrequência ou a interrupção das trajetórias escolares na EJA? Como lidamos com esta realidade? Que transformações podem e/ou precisam ser feitas no currículo escolar para contribuir com a produção de trajetórias escolares de sucesso nesta modalidade de ensino?

Ainda olhando para os estudantes que não foram promovidos, quais motivos levaram à retenção de 12,55% dos estudantes em função de seu rendimento escolar? Como nossas práticas contribuem para a configuração desse cenário? O que podemos fazer para reduzir estes índices?

Sobre os motivos que levam os estudantes a interromperem seus estudos, a pesquisa Perfil EJA 2017 nos traz algumas pistas.

Tabela 6 - Motivos que levaram os estudantes a parar de estudar - Pesquisa Perfil da EJA - Angra dos Reis, 2017

você ou alguém da família não acreditar que era importante estudar

no bairro

Fonte: SECTOnline (2017).

Uma das questões suscitadas pelas respostas diz respeito aos diferentes papéis sociais desempenhados por homens e mulheres em nossa sociedade. Ciúmes do companheiro foi apontado como motivo por 2% das mulheres terem parado de estudar, enquanto nenhum homem apresentou essa resposta. Da mesma forma, maternidade foi apontada como motivo para 24% das mulheres, enquanto apenas 1% dos homens apresentou essa justificativa. O trabalho foi apontado por 36% dos homens e apenas por 14% das mulheres.

Ainda que de maneira superficial, podemos levantar hipóteses referentes ao papel de cuidadora da mulher, aquela que se responsabiliza pela casa, pelos filhos e pela família, enquanto o homem desempenha o papel de provedor? Que implicações os diferentes papéis desempenhados por homens e mulheres acarretam para esses estudantes hoje?

Outro dado curioso: 8% dos estudantes, considerando homens (2%) e mulheres (6%), afirmaram que interromperam os estudos por acharem (ou alguém da família achar) que a escola não era importante enquanto cursava o Ensino Fundamental de 9 anos. O que mudou? Por que a escola passou a ser importante neste momento da vida (juventude/fase adulta)?

Na tabela 7, é possível identificar o que os estudantes da Pesquisa Perfil da EJA diziam gostar de fazer na escola. Um dado extremamente importante que nos aponta pistas para estratégias que podem ser adotadas, pois expressam sentimentos, desejos, interesses e expectativas dos sujeitos jovens, adultos e idosos.

Tabela 7 - O que os estudantes mais gostam na escola - Pesquisa Perfil da EJA - Angra dos Reis, 2017 RESPOSTAS

Fonte: SECTOnline (2017).

Muitas são as perguntas que podem ser feitas no processo de elaboração do projeto político pedagógico da escola e, para cada resposta, muitas reflexões e propostas podem ser levantadas.

Para além dos números, a pesquisa Perfil EJA 2017 também possibilitou olhar para esses estudantes enquanto pessoas e saber um pouco mais sobre suas expectativas futuras, seus sonhos.

Em respostas livres, muitos estudantes apontaram o desejo de “continuarem seus estudos”, cursar uma faculdade, ler, escrever e compreender melhor as coisas e não depender de outras pessoas, figuram entre seus sonhos.

Questões referentes à constituição familiar e o enfrentamento de desafios relacionados ao preconceito e à discriminação por cor ou raça, sexo, religião também figuraram entre os temas abordados.

Essas e tantas outras questões, no âmbito da reflexão, em cada território, podem nos levar a trilhar uma infinidade de caminhos e instrumentalizar os profissionais que atuam na EJA na organização dos saberes, fazeres e práticas pedagógicas em cada escola, em cada rede de ensino. Podem ainda instrumentalizar nossos estudantes para transformarem suas realidades.

Pensar a relação entre diversidade, desigualdade, PPP e EJA implica pensar o currículo escolar sob uma perspectiva transformadora. Implica, sobretudo, compreendê-lo como criação cotidiana dos sujeitos que fazem a escola e “como prática que envolve todos os saberes e processos interativos do trabalho pedagógico” desenvolvido por estudantes e professores (Oliveira, 2004, p. 9). Trata-se de uma construção que vai muito além da relação de conteúdos que devem ser ensinados com fim em si mesmos.

Afirmar o currículo como criação cotidiana significa reconhecer o cotidiano como “espaço e tempo privilegiado de produção da existência e dos conhecimentos, crenças e valores que a ela dão sentido e direção, considerandoo como modo complexo e composto de elementos sempre e necessariamente articulados” (Oliveira, 2002, p. 41). Não falamos aqui da mera repetição, de fazer todo dia “tudo sempre igual”, como diz a música3, mas de reconhecê-lo como espaçotempo no e a partir do qual forjamos nossas identidades e tecemos nossas redes de subjetividades a partir do entrelaçamento de múltiplos conhecimentos, valores e experiências com os quais convivemos. (Oliveira, 2005).

Essa perspectiva nos leva a problematizar a forma como a modernidade concebeu o conhecimento, pressupondo a ideia da linearidade, da hierarquização

3 Música: Cotidiano, Chico Buarque. Álbum: Construção, 1971.

e de uma suposta neutralidade. Por esta razão, preferimos pensar a organização curricular a partir da noção de tessitura do conhecimento em redes. Nas palavras de Oliveira (2007, p. 86-87):

Segundo esta noção, o conhecimento se tece em redes que se tecem a partir de todas as experiências que vivemos, de todos os modos como nos inserimos no mundo à nossa volta, não tendo, portanto, nenhuma previsibilidade nem obrigatoriedade de caminho, bem como não podendo ser controlada pelos processos formais de ensino/aprendizagem. A ideia da tecitura do conhecimento em rede busca superar não só o paradigma da árvore do conhecimento, como também a própria forma como são entendidos os processos individuais e coletivos de aprendizagem –cumulativos e adquiridos [...].

Compreender que nos processos de tessitura de conhecimentos em rede não existe neutralidade, traz como consequência a necessidade de refletir sobre as relações de poder existentes na escola e nos diferentes grupos sociais que a compõem, entendendo o poder como "qualquer relação social regulada por uma troca desigual" (Santos, 2002, p. 266), que tem caráter intrinsecamente distributivo e é exercido em constelações de poder que se reforçam ou se neutralizam entre si.

Estarmos atentos às formas como as relações de poder se estabelecem em nosso espaçotempo cotidiano implica reconhecer que as relações de saber são marcadas por relações de poder que precisam ser constantemente problematizadas, o que nos ajuda a transformar práticas excludentes e discriminatórias, com vistas ao estabelecimento de relações mais emancipatórias, onde todos os sujeitos, inclusive os estudantes, são vistos como produtores de saberes e capazes de encontrar soluções para os problemas que enfrentam. Essa perspectiva de saber, de conhecimento que não é percebido de forma hierarquizada, nos leva a propor currículos que descortinam as desigualdades que marcam os sujeitos praticantes do espaço escolar. Neste sentido, ganha visibilidade a perspectiva antirracista do currículo, para a qual Ivenicki (2020) nos traz importantes reflexões que entendemos fundamentais ao refletirmos sobre o currículo na EJA.

Para ela, pensar o currículo

[...] implica em reconhecer seu impacto na formação das identidades docentes, enfatizando-se seu potencial para promover a valorização da diversidade cultural e desafiar o racismo, as desigualdades, os preconceitos e silenciamentos de vozesdegrupos subalternizados,em funçãode raça, etnia, gênero e outros marcadores identitários (Ivenicki, 2020, p. 32).

Continuando sua reflexão, Ivenicki (2020, p. 32) afirma ainda que é importante irmos além das práticas de reconhecimento da diversidade. Destaca que é fundamental buscarmos práticas que “envolvam uma problematização crítica das desigualdades que se legitimam e se reproduzem nos espaços educativos”.

Desta forma, no processo de elaboração do projeto político pedagógico, entendemos que currículo deve ser visto como caminho, como elemento provocador para produção de novos conhecimentos tanto para educadores como para educandos, conhecimentos estes que auxiliem na leitura da realidade em que estes sujeitos vivem e dos processos de exclusão que geram as desigualdades observadas, das quais derivam, inclusive, sua condição de estudante da EJA.

Essa perspectiva nos remete a pensar a educação como prática de liberdade (Freire, 1967), uma educação que não trabalha para reforçar a dominação. Ao discutirmos qualquer documento orientador curricular no processo de construção do Projeto Político Pedagógico da escola é fundamental colocá-lo em diálogo com o estudo da realidade na qual e com a qual estamos trabalhando, a partir das respostas obtidas no processo de reflexão sobre esta realidade, possibilitando que os homens e mulheres, educadores e educandos, ali presentes, reflitam sobre o meio em que vivem, ampliem seu conhecimento de si e a tessitura de suas redes de conhecimento e subjetividades, em processo no qual se educam em comunhão (Freire, 1987).

Nesse processo, ao selecionarmos os conteúdos a serem trabalhados na EJA, é fundamental buscarmos aqueles que em cada componente curricular nos

possibilitam refletir sobre o reconhecimento e a valorização da diversidade humana. A abordagem dos conteúdos precisa, ainda, relacioná-los, “tanto quanto possível, a situações da vida cotidiana das populações trabalhadoras pouco ou nada escolarizadas, ausentes das escolas – regulares ou não – por longo período”, de forma que essas populações tenham a oportunidade de valorizarem os saberes tecidos nas suas práticas sociais e articulá-los “com saberes formais que possam ser incorporados a esses fazeres/saberes cotidianos, potencializando-os técnica e politicamente”. (Oliveira, 2007, p. 97).

Por tudo que já abordamos neste artigo, não acreditamos em concepções que buscam uniformizar e homogeneizar a Educação de Jovens, Adultos e Idosos, o que, a nosso ver, constitui-se em contrassenso, pois desconsidera a diversidade dos sujeitos que a constituem bem como suas diferentes experiências socioculturais. Reiteramos que os estudantes desta modalidade de ensino não constituem um bloco homogêneo nem possuem corpos abstratos e que o currículo é uma criação cotidiana. Por este motivo, não acreditamos na existência de aprendizagens “iguais” a todos os alunos, como preconiza a política educacional vigente em nosso país, que tem como modelo a centralização de propostas curriculares, por meio da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)4, que de acordo com o Ministério da Educação, trata-se de “um documento normativo que define o conjunto de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica”.

Por fim, ressaltamos que nosso objetivo neste capítulo não é trazer respostas, mas instigar o leitor a olhar a sua realidade e questioná-la também, buscando possíveis hipóteses que auxiliem a construção de caminhos que efetivamente criem sentidos para a EJA. Que, principalmente, contribuam para a melhoria de vida dos estudantes, para tornar significativas as práticas e os conteúdos escolares a serem desenvolvidos.

Como já afirmamos anteriormente, a proposta político pedagógica da escola é um compromisso que deve ser assumido coletivamente e, por isso, é

4 Em 22 de dezembro de 2017 o CNE aprovou a Resolução CNE/CP Nº 2, de 22 de dezembro de 2017 que institui e orienta a implantação da Base Nacional Comum Curricular.

também um compromisso político. Como processo político e pedagógico, se constitui na reflexão permanente sobre os desafios da escola e os caminhos possíveis para as soluções planejadas. Nessa medida, constitui-se como espaço privilegiado para a vivência democrática de todos os sujeitos envolvidos no cotidiano da escola: estudantes, professores, funcionários, responsáveis e comunidade. Sem sombra de dúvidas, a autonomia é condição importante na construção do planejamento da escola de EJA que consolide em seu currículo o reconhecimento e a valorização da diversidade dos seus sujeitos e de suas próprias demandas educacionais.

Considerações finais

Procuramos, ao longo deste capítulo, apresentar reflexões que contribuam para o processo de elaboração do projeto político pedagógico das escolas de EJA, a partir do princípio de que pensar a modalidade é pensar as condições e situações concretas de vida de pessoas jovens, adultas e idosas que trazem consigo conhecimentos tecidos em suas múltiplas redes da vida cotidiana; do seu pertencimento identitário e territorial; da vida vivida no mundo do trabalho ou da luta pelo trabalho, pelo direito ao emprego; da realidade da informalidade do trabalho; dos sonhos que inspiram e impulsionam a luta pela sobrevivência. Os estudantes da EJA não constituem uma categoria abstrata, não formam um bloco homogêneo. São pessoas que possuem trajetórias identitárias marcadas pelas diferenças de cor ou raça, de gênero, de orientação sexual, de faixas etárias e por isso não devem receber o mesmo tipo de escolarização oferecido às crianças. São sujeitos de direitos que reconhecem como primeiro o direito ao trabalho, pois é dele que garantem sua sobrevivência e a partir do qual vão aprendendo a reconhecer os “direitos humanos, sociais mais básicos: vida, comida, saúde, moradia, até mesmo a planejar a família, a relação afetiva, o presente e o futuro” (Arroyo, 2013, p. 97).

Construir o projeto político pedagógico da escola de EJA pressupõe a adoção de processos de gestão democrática, em que as decisões sejam pautadas na escuta e participação de todos os sujeitos envolvidos; processos estes que

concebem o currículo como criação cotidiana, como práxis pedagógica que se tece de forma coletiva, por meio da produção de sentidos para aqueles e aquelas que deles participam.

Ter direito à educação é existir socialmente, como nos aponta Ribeiro (2009). Portanto, cabe a escola de EJA, a partir de seu Projeto Político Pedagógico, dar visibilidade aos sujeitos socialmente excluídos do direito à educação levando em consideração suas expectativas, saberes e desejos, demonstrando respeito por sua existência e pertencimento identitário e territorial, estabelecendo diálogo com o seu mundo, legitimando sua existência; reconhecendo seu valor enquanto sujeitos da própria história.

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VUm modelo de construção curricular interdisciplinar via eixos/redes temáticas: ações e práticas no contexto do Projeto “Inter” da Escola Municipal Cleusa Fortes de Pinho Jordão - Angra dos Reis

Luís Claudio da Silva

A complexidade do universo da educação de jovens, adultos e idosos é sempre desafiadora. Nós, educadores de EJA, nos deparamos com necessidades e dificuldades diversas. A busca por desenvolver caminhos possibilitadores para superar esses obstáculos é tarefa permanente e necessária, considerando que há múltiplos sentidos entre os que buscam a escola nessa modalidade.

O presente capítulo tem o objetivo de apresentar o modelo de projeto de construção curricular, via eixo temático, na perspectiva da interdisciplinaridade, que foi desenvolvido e aplicado, na década de 1990 e início dos anos 2000, em algumas escolas da Rede Municipal de Educação de Angra dos Reis. Esse modelo, denominado de Projeto Inter, foi implementado na gestão do Partido dos Trabalhadores e inserido no conjunto dos princípios de construção de uma educação popular inclusiva (Angra dos Reis, 2000).

A importância desse modelo se baseia na riqueza da sua elaboração e na participação de todos os envolvidos. Nesse sentido, cabe explicitar a forma como essa construção ocorreu e, para tal, o exemplo singular da experiência bem-sucedida desenvolvida pelo conjunto de docentes que atuavam, no início dos anos 2000, na educação de jovens, adultos e idosos da Escola Municipal Cleusa Fortes de Pinho Jordão.

Educadores e equipe técnico-pedagógica da “Cleusa Jordão”, na contracorrente da ausência de diretrizes pedagógicas para EJA, definidas pelo Poder Público Municipal de então, elaboraram as ações e as práticas pedagógicas, baseadas nesse modelo metodológico de construção coletiva do planejamento curricular, inseridos no projeto político pedagógico da escola.

Uma breve contextualização histórica

Os anos de 1990 foram tempos de disputas acirradas entre as continuidades herdadas da ditadura civil-militar, implementada por um golpe de Estado em 1964(Reis, 2000), ainda bastante enraizadas, e as novas perspectivas políticas garantidas pelo novo conjunto jurídico da Constituição de 1988 e, em seguida, pela aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) em 1996 (Freitas, 2009).

A compreensão do modelo de construção curricular do Projeto Inter passa, necessariamente, por relacioná-lo aos princípios norteadores que foram construídos na cidade de Angra dos Reis a partir de então. A política educacional apresentada e implementada pelo Partido dos Trabalhadores, desde o início de seu primeiro mandato no governo municipal, entre os anos de 1989 e 1992, baseou-se no tripé: nova qualidade de ensino, gestão democrática e democratização do acesso. Esse tripé não se sustentava em uma hierarquia entre os princípios, mas na relação entre eles.

É fundamental identificar o momento ímpar quando se deu o pontapé para o desenvolvimento do tema abordado por esse relato. Isso ocorreu no ano de 1994, já no segundo mandato do governo do Partido dos Trabalhadores em Angra dos Reis, quando a Secretaria Municipal de Educação apresentou a proposta para a realização do I Congresso Municipal de Educação, com a participação de usuários e servidores. Era uma tarefa audaciosa e corajosa, a ser consolidada e desenvolvida nos anos seguintes.

No ano de 1994, a partir dos encaminhamentos do I Congresso Municipal de Educação de Angra dos Reis, realizado em 1993, a Secretaria Municipal de Educação desenvolveu o Projeto Inter, que foi implementado, inicialmente, em um grupo de escolas que voluntariamente aderiram a proposta e que foi acompanhado por uma equipe de coordenadores(as) pedagógicos da

Secretaria de Educação e assessorado pelo Professor Antônio Fernando Gouvêa da Silva1

No ano de 1997, 12 escolas regulares que funcionam no período diurno e 20 escolas “multisseriadas2” da rede municipal de ensino desenvolviam o Projeto Inter como referencial pedagógico nas construções curriculares. Além das 32 escolas envolvidas no desenvolvimento do Projeto Inter, como referencial pedagógico da construção curricular, outras escolas da Rede Municipal de Ensino de Angra dos Reis também desenvolveram, coletivamente, projetos singulares. Esses projetos tinham como referência as diretrizes da Secretaria de Educação daquele momento, porém mantinham a autonomia de seus projetos políticos e de acordo com suas especificidades (realidades, localização, modalidades, etapas etc.).

A autonomia das escolas, pilar da LDB e dos princípios norteadores da então Secretaria Municipal de Educação, garantiu o terreno fértil para a construção de múltiplas propostas, ações e práticas pedagógicas. Essas construções foram socializadas de forma permanente e continuada com as demais unidades escolares nas coordenações institucionalizadas pela Secretaria de Educação.

As publicações dessas experiências foram importantes para a ampliação dos debates e da interlocução necessária para o desenvolvimento de novas práticas e ocorreu de diferentes formas. As experiências foram registradas em cadernos oficiais3 em forma de relatos, assim como socializadas nos eventos organizados para esse fim, como as Mostras Pedagógicas (Angra dos Reis, 1996a).

Esses momentos foram recorrentes com diferentes formatos e garantiram que as trocas desejadas fossem bem-sucedidas, incluindo os projetos

1 Professor da Universidade Federal de São Carlos. Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, atua na assessoria à Secretarias de Educação na implementação de movimentos de reorientação curricular fundamentados em pedagogias críticas.

2 À época, algumas unidades escolares situadas em localidades de difícil acesso, como ilhas e sertões, que atendiam estudantes de diversas séries escolares (2, 3, 4 e 5 séries) em uma turma, denominadas de classes multisseriadas. A enturmação era realizada desta forma por conta do número reduzido de matrículas por série.

3 A Secretaria Municipal de Educação de Angra dos Reis, nas gestões do Partido dos Trabalhadores, publicou diversos cadernos com os seus princípios político-pedagógicos e, principalmente, com o relato de diversas experiências ocorridas nas escolas. Infelizmente, a maioria desses cadernos foi “perdida”.

e programas desenvolvidos pela Secretaria de Educação, pelas áreas de conhecimento, pelas modalidades de ensino e pelas escolas.

Ao longo dos anos 1990, das Unidades de Ensino da Rede Pública Municipal de Ensino que possuíam Regular Noturno4, cinco aderiram ao Projeto Regular Noturno proposto pela Secretaria Municipal de Educação e que se consolidou em 1998 (Angra dos Reis, 1996b). Esse projeto se caracterizou por orientar às discussões político-pedagógicas para que incluíssem as peculiaridades e as pluralidades dos sujeitos atendidos nas turmas noturnas do ensino fundamental nos Projetos Políticos Pedagógicos dessas escolas.

Muitos objetivos foram transformados em ações efetivas e incorporadas ao “fazer das escolas”. Nesse mesmo ano, em formação realizada pela Comissão do Regular Noturno5, o Projeto Inter foi apresentado ao grupo de escolas que atendiam a alunos e alunas do ensino fundamental noturno. Algumas dessas unidades de ensino se colocaram abertas às possibilidades da metodologia do Projeto Inter e passaram a participar ativamente das formações, porém, nem todas essas unidades escolares aderiram integralmente ao Projeto.

A Escola Municipal Cleusa Jordão, situada às margens da Rodovia Governador Mário Covas, no bairro da Japuíba, foi um exemplo dessa adesão parcial ao Projeto Inter. A escola manteve a estrutura curricular, a carga horária, a grade diversificada e os horários de reuniões pedagógicas que caracterizavam o “Projeto do Regular Noturno”, porém utilizava o modelo de construção do planejamento das aulas, a partir dos eixos temáticos/tema gerador, com elaboração de redes temáticas no viés interdisciplinar, metodologias sugeridas pela proposta do Projeto Inter.

4 Unidades de Ensino da Rede Municipal de Educação de Angra dos Reis que atendiam estudantes Jovens, Adultos e idosos no Ensino Fundamental, no turno da noite, utilizando a grade curricular, carga horária, seriação e planejamento curricular aplicados nas turmas/escolas do Ensino Fundamental diurno.

5 A Comissão do Regular Noturno foi criada para garantir e ampliar o espaço das discussões envolvendo as questões relativas ao processo ensino-aprendizagem do ensino fundamental noturno. Dela participaram docentes, pedagogos e coordenadores da Secretaria Municipal de Educação.

Ruptura e resistência

A partir de 2001, teve início o processo de desmantelamento das políticas públicas de educação (Nova Qualidade de Ensino, Democratização do Acesso e Democratização da Gestão) que foram desenvolvidas na rede municipal de ensino ao longo da década de 1990. Com as mudanças de perspectivas pedagógicas e ideológicas, foi implementado um novo modelo de gestão da educação pública municipal, destoante daquele desenvolvido e consolidado durante 12 anos de mandatos do Partido dos Trabalhadores à frente do Poder Executivo.

As políticas públicas de educação passaram, então, a atender ao modelo de gestão educacional, descolado das perspectivas dialógicas e dialéticas, distantes dos referenciais da realidade social e de construção coletiva, fundadas nas abordagens e nas propostas de Paulo Freire (1979) que refletiam a perspectiva de uma educação inclusiva, crítica e democrática. Foi um momento de rupturas e de descontinuidades das ações, práticas e projetos anteriores. Além, evidentemente, da permanente busca de “silenciamento e enquadramento das memórias” (Pollack, 1989) da história da educação de Angra dos Reis, materializada e praticada pela Rede Pública Municipal na década anterior.

Neste processo conflitante, os projetos, os programas e ações desenvolvidas na rede municipal de ensino foram extintos e, arbitrariamente, proibidos de serem mantidos. Até mesmo, as concepções teóricas, os símbolos e as cores que lembrassem os períodos destas gestões não poderiam ser sequer citados ou utilizados. Não é incomum que nos momentos em que forças e projetos políticos divergentes disputam o poder, os símbolos, as imagens, as representações também sejam objeto de controle. O imaginário social também é objeto das disputas (Carvalho, 1990).

Houve um movimento de enfrentamento e resistência e muitos profissionais de educação resistiram. Algumas escolas, mesmo sem apoio, suporte ou aprovação dos gestores da Secretaria de Educação à época, mantiveram os projetos existentes e deram continuidade ao trabalho que vinham desenvolvendo. Dentre essas unidades escolares, merece destaque o papel desempenhado pela Escola Municipal Cleusa Fortes de Pinho Jordão. Havia,

naqueles primeiros momentos, um conjunto de servidores ligados à educação e, majoritariamente, identificados com as propostas anteriores, que, de uma forma ou de outra, tentaram garantir espaços de socialização e, diria de forma mais objetiva, de sobrevivência frente às demandas que, de forma rápida e cirúrgica, começavam a aterrissar no chão das escolas. Nesse sentido, explica-se, em parte, a busca por defender aspectos das ações e práticas pedagógicas herdadas do modelo anterior. Em algumas escolas, bolhas de resistência, foram criadas, mesmo que de forma involuntária. A Escola Municipal Cleusa Fortes de Pinho Jordão, alcunhada de “o Cleusa”, foi uma delas.

Apesar do Projeto Regular Noturno ter sido extinto pela Secretaria de Educação com o início da nova gestão municipal, “o Cleusa” manteve o alinhamento à metodologia do Projeto Inter por meio de eixos temáticos no planejamento curricular e na elaboração das aulas de suas turmas no turno da noite, garantindo assim a continuidade e a "sobrevivência do projeto". Isso só foi possível por conta do compromisso dos profissionais que atuavam no Regular Noturno da escola e que contaram com o apoio da equipe diretiva e pedagógica, mesmo sem o suporte ou acompanhamento dos gestores da Secretaria de Educação.

Temas geradores/Eixos temáticos

O princípio para a construção das redes temáticas que nortearam a elaboração das aulas no Projeto Inter, era a identificação do Tema Gerador com referência na realidade local. O conhecimento das características locais do meio social onde a escola estava inserida, onde os estudantes residiam e vivenciavam o seu cotidiano além dos muros da escola, se constituiu como ponto de partida para um planejamento curricular interdisciplinar, com relevantes significados para todos esses sujeitos. Esse processo de pesquisa, análise e definição do tema gerador é denominado por Paulo Freire (1987) como Investigação Temática.

Toda essa relevância do conhecimento da realidade dos alunos, a partir da investigação temática, não deve se limitar à observação e à apreciação da realidade apresentada. É necessário avançar no movimento de entender essa

realidade, interagir e dialogar com os envolvidos no processo, na busca de superar as precariedades diagnosticadas. O Projeto Inter, adotado pelo Regular Noturno da Escola Municipal Cleusa Fortes de Pinho Jordão baseou-se nesses princípios que caracterizam o processo de educação dialógica e problematizadora (Freire, 1983).

A caracterização do trabalho a partir dos Temas Geradores, definidos no pós investigação da realidade local, pressupunha a realização de etapas específicas, descritas por Delizoicov e Angotti (1990) em três momentos pedagógicos (3MP): problematização inicial, organização do conhecimento e aplicação do conhecimento.

No Projeto Inter, esses três momentos pedagógicos estão caracterizados, com alteração da nomenclatura do primeiro momento, que passou a ser nomeado de Estudo da Realidade (ER), mantidas as demais nomenclaturas:

a) Estudo da Realidade – ER: caracterizava-se pelo momento de pesquisa de campo e problematização, a partir das falas relevantes que foram extraídas dos questionários e entrevistas, que eram “eleitas” como as mais significativas;

b) Organização do Conhecimento – OC: caracterizava-se pelo momento de contribuição das áreas de conhecimento para superação do senso comum, conflitando o conhecimento historicamente construído, o conhecimento científico com o conhecimento cotidiano, sem desmerecimento, mas em um processo de ultrapassar os conhecimentos empíricos;

c) Aplicação do Conhecimento – AC: a partir de novos domínios de instrumental cognitivo de análise, é o momento de reconsideração de questões apresentadas no estudo da realidade, analisando os limites e desafios na tentativa de superar as dificuldades apresentadas nesta realidade.

O processo de construção de redes temáticas possui etapas definidas, porém não são momentos dissociados entre si, prevalecendo a relação entre esses momentos e as possibilidades de idas e vindas durante o percurso de sua aplicação.

Na elaboração do Projeto Temático, os momentos pedagógicos – ER, OC e AC estão inseridos na elaboração do planejamento, conforme descrito na Figura 1.

Destaca-se que o termo utilizado no primeiro momento (ER) se define como “problematização”, assim como a inserção e a contribuição das áreas de conhecimento com os conteúdos específicos.

1: Planejamento

Fonte: Silva, 2004, p. 426

A Escola Municipal Cleusa Fortes de Pinho Jordão implementou a metodologia do Projeto Inter na elaboração das atividades e das aulas com as turmas do Ensino Fundamental do Regular Noturno. O tema gerador e o eixo temático, na perspectiva interdisciplinar, tiveram como ponto de partida a pesquisa realizada pelos professores e professoras, através de questionários realizados com os estudantes e na comunidade local, que se debruçaram na análise do material coletado e nas características das comunidades.

Nesse primeiro momento, contando com a participação dos estudantes, ocorreu a seleção das falas mais significativas. Em seguida, passou-se à

Figura

elaboração dos planejamentos (redes temáticas) que balizaram o trabalho a ser realizado no ano letivo. As redes temáticas eram continuamente avaliadas e a cada bimestre, apontavam-se as possibilidades de reformulação e/ou a reconstrução, conforme o desenvolvimento do trabalho pedagógico.

O modelo de Rede temática das turmas 301 e 401, apresentado na Figura 2 e no Quadro 1, foi elaborado para o trabalho com as turmas do primeiro segmento6 do Regular Noturno, no período em que atuei como Docente na respectiva unidade escolar.

Fonte: Rede Temática das turmas 301 e 401 do Regular Noturno da E.M. Cleusa F. P Jordão, elaborada pelo Professor Luís Claudio da Silva (2002).

Conforme descrito na Figura 2, a construção da rede temática das turmas 301 e 401 foi estabelecida a partir da seleção realizada pelo professor e pelos estudantes das falas significativas identificadas nos questionários aplicados na comunidade. Foi definida a fala “Grande Japuíba: o Nordeste é aqui”, como tema macro e, a partir dela, foram estabelecidas as relações com os subtemas ou

6 Termo utilizado para os anos iniciais do Ensino fundamental, alterado a partir de fevereiro de 2006, com a promulgação da Lei nº 11.274/2006 que dispõe sobre a duração do Ensino Fundamental de 9 anos, que passa a ser obrigatório a partir dos 6 anos, denominando de 1º ao 9º ano de escolaridade.

Figura 2: Fluxograma da Rede Temática

eixos temáticos: Rio Japuíba, comércio local, segurança, posto de saúde, educação, lazer e cultura.

Quadro 1: Momentos Pedagógicos

REDE TEMÁTICA: “Grande Japuíba: O nordeste é aqui!”

Eixo Temático: RIO JAPUÍBA

Problematização (Sub Eixo): Enchentes/Preservação

ER OC AC

1 - Quais o(s) principal(is) Rio(s) da Japuíba?

2 - Onde é sua nascente?

3 – Onde ele se encontra com o mar?

4 - Qual estado de preservação ?

5 – Existem construções no entorno desse(s) rio(s)?

6 – Existe esgoto jogado no(s) rio(s)?

7- Quando chove ocorre enchente? O(s) rio(s) transborda(m)?

Português

Produção textual; Leitura e trabalho com jornais locais; Gramática e ortografia; Tipos de textos.

Matemática

Problemas envolvendo as operações fundamentais; Gráficos;

Porcentagem.

Ciências

Preservação ambiental (ambiente preservado e modificado);

Saneamento básico;

História

História local; Fatos históricos relacionados a ocupação da cidade e do bairro;

Geografia

Localização espacial Ocupação urbana

Produção de textos sobre o Rio Japuíba, sua história e a sua importância;

Campanha de preservação do rio, contra o esgoto clandestino, lixo e assoreamento (cartazes, placas no entorno do rio e nota no jornal)

Fonte: Rede Temática das turmas 301 e 401 do Regular Noturno da E.M. Cleusa F. P Jordão, elaborada pelo Professor Luís Cláudio da Silva (2002).

A etapa seguinte da seleção consistiu na escolha de um eixo temático, que, no exemplo descrito, no Quadro 1, foi “Rio Japuíba”. A problematização inicial sobre esse subtema trouxe à tona o sub-eixo “enchentes/preservação”. Essas etapas definiram os 3 momentos pedagógicos subsequentes: Estudo da Realidade (ER), momento de questionamentos e de análise realizada pelos estudantes sobre a realidade local, no caso, sobre o Rio Japuíba; Organização do Conhecimento (OC), foram elencados os conteúdos específicos das áreas de conhecimento relacionados à problematização do eixo temático, ampliando o entendimento da realidade e buscando a superação do

senso comum; Aplicação do Conhecimento (AC), caracterizou-se pelo momento da concretização das ações que possibilitassem intervir nessa realidade.

Considerações finais

Este relato buscou resgatar a experiência do Regular Noturno da Escola Municipal Cleusa Fortes de Pinho Jordão, no período de 2001 a 2006, com o Projeto Inter.

O trabalho foi desenvolvido por companheiros e companheiras comprometidos com os princípios de educação de qualidade, socialmente referenciada e construída no diálogo entre todos os atores envolvidos. Me coloco nesse lugar de fala, pois fiz parte dessa construção lecionando na unidade escolar durante o período.

A experiência relatada neste texto é apenas uma das faces do que foi por nós realizado ao longo daqueles anos. Muitas outras práticas e ações ocorreram ao mesmo tempo e envolveram usuários e servidores das comunidades escolares espalhadas pelo território municipal. Muitos obstáculos, muitas dificuldades, muitas limitações e, como não poderia faltar, muitas resistências, erros e equívocos. Erros e acertos só ocorrem quando há o fazer, o refazer e o fazer permanentes.

Os modelos de construção curricular e as possibilidades de projetos pedagógicos a serem desenvolvidos nas escolas/turmas de Educação de Jovens e Adultos devem considerar, sobretudo, todos os que são atendidos por essa modalidade de ensino.

Quem são os sujeitos da EJA? Qual sentido da escola e da educação em suas vidas? Qual a realidade desses sujeitos? Como se inserem na sociedade e como a sociedade os define? Como a escola pode contribuir para a transformação da realidade?

A qualidade de ensino pressupõe o diálogo entre o conhecimento socialmente referenciado e os saberes plurais dos educandos. Romper com o

imobilismo e, para além da problematização, buscar a transformação da realidade estabelecida e do senso comum.

Sabemos das limitações que nossas escolas têm para contribuir com a superação dos diversos problemas e das precariedades diagnosticadas. Deve ser tarefa de todos refletir e propor um novo conjunto de práticas e de abordagens que dialoguem com as expectativas que os educandos jovens, adultos e idosos têm em relação à escola.

Todos aqueles que, na década de 1990, atuaram diretamente com educação na cidade de Angra dos Reis, testemunharam um momento histórico singular. Foram dias de aprendizagem, de disputas de projetos políticospedagógicos, de interlocuções acaloradas, mas que, de uma forma ou de outra, pouco a pouco, transformaram os que dela participaram. Dos céticos aos sonhadores, a cidade, de fato, viveu dias muito interessantes. Quando digo isso, tenho a certeza de que, felizmente, estava no lugar certo e na hora certa.

Sem me alongar nas minhas próprias memórias, que, conscientemente, seleciono, cabe reproduzir a frase que compunha a epígrafe da Tese Completa da E.M Pedro Soares, situada na praia do Provetá, Ilha Grande, apresentada no I Congresso Municipal de Educação de 1994, e que reproduzia outra epígrafe, essa do provocativo livro Tutaméia, de João Guimarães Rosa (1979): “Se procuro estou achando? Se acho, ainda estou procurando?”. Nas interrogações continuamos procurando e achando, achando e procurando, em um movimento que faz de nós, educadores comprometidos, seres marcados pela dúvida.

Referências:

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ANGRA DOS REIS. Secretaria Municipal de Educação. Educação de Jovens e Adultos. Em busca de novos caminhos. Coletânea de Documentos. Angra dos Reis, 1996b.

ANGRA DOS REIS. Secretaria Municipal de Educação. Escola Participativa. Ano 1, nº 1, julho/2000.

BRASIL. Lei nº 11.274, de 06 de fevereiro de 2006. Altera a redação dos arts. 29, 30, 32 e 87 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade. Diário Oficial da União, de 07 de fevereiro de 2006, p.1.

CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas. O Imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

DELIZOICOV, Demétrio; ANGOTTI, José A. Contraposições e momentos pedagógicos. In: DELIZOICOV, Demétrio; ANGOTTI, José A. Metodologia de Ensino de Ciências. São Paulo, Cortez. 1990.

FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. 12 ed. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1979.

FREIRE, Paulo. Extensão ou Comunicação?. O mundo, Hoje, v.24. 8ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.

FREITAS, Marcos Cesar de; BICCAS, Maurilane de Souza. Considerações finais: da transição para a democracia a LDB de 1996. In: História Social da Educação (1926-1996). São Paulo: Cortez, 2009. p.311-345.

POLLACK, Michel. Memória, esquecimento e silêncio. In: Estudos Históricos. Memória Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, p. 3-15, 1989.

REIS, Daniel Aarão. Ditadura Militar, esquerdas e sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2000.

ROSA, João Guimarães. Tutaméia. Terceiras Estórias. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1979

SILVA, Luis Claudio da. Rede Temática das turmas 301 e 401 do Regular Noturno da E.M. Cleusa F. P Jordão. Angra dos Reis, RJ, 2002.

SILVA, Antônio Fernando Gouvêa da. A Construção do Currículo na Perspectiva Popular Crítica. Das falas significativas às práticas contextualizadas. São Paulo: PPGE/Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2004.

VI

Breve diagnóstico da Educação de Pessoas Jovens, Adultas e Idosas em municípios ao sul do estado do Rio de Janeiro

Eliana de Oliveira Teixeira

Eliana Nóbrega de Oliveira

Sandra Regina Cardoso de Brito

Neste trabalho, por meio de uma metodologia quantitativa, analisamos a situação da Educação de Jovens e Adultos (EJA) na Região Sul Fluminense do Estado do Rio de Janeiro, entre os anos de 2017 e 2022, a partir de dados do Censo Escolar da Educação Básica (INEP, 2018, 2019, 2020, 2021, 2022a, 2023a) e do Relatório Final do Projeto Diagnóstico da Educação de Jovens e Adultos na Região Costa Verde do Estado do Rio de Janeiro (Julião, 2017).

Considerando que a educação, como direito público subjetivo (BRASIL, 1988), está longe de ser realidade e, com base nos dados levantados, propomos discutir a oferta da EJA como política pública em alguns municípios localizados ao sul do estado do Rio de Janeiro, tendo por base a experiência das autoras como profissionais da educação do município de Angra dos Reis, um dos municípios em questão, e integrantes do Fórum de Educação de Jovens e Adultos da Região Sul Fluminense, em diálogo com estudos de pesquisadores do campo, como Paiva (2006); Julião (2017); e Serra, Ventura, Alvarenga e Regueira (2017).

O trabalho em questão teve origem durante o planejamento e a execução das ações do Fórum de Educação de Jovens e Adultos da Região Sul Fluminense no ano de 2023, quando se colocou a importância de aprofundar as reflexões sobre a situação da EJA no pós-pandemia nos municípios da região, tanto para entender os seus impactos como para contribuir na proposição de políticas e na definição de ações de luta que atendessem às falas de estudantes e de profissionais da EJA. A necessidade de compreender o contexto com o qual atuamos, na busca por proposição de ações mais efetivas, nos levou a pesquisar dados atuais

sobre a realidade dos municípios da região e compartilhá-los com representantes desses municípios por meio de uma roda de conversas realizada durante a XII Edição da Semana IEAR: Universidade Extensa para Além dos Muros do Instituto de Educação de Angra dos Reis da Universidade Federal Fluminense. É, portanto, no contexto da atuação do Fórum de Educação de Jovens e Adultos da Região Sul Fluminense e das ações traçadas para 2023 que este artigo é produzido. A escolha dos municípios que estiveram no foco da pesquisa deu-se por dois parâmetros: cidades que constavam da pesquisa realizada anteriormente por Julião (2017) - Angra dos Reis, Itaguaí, Mangaratiba e Paraty; e municípios que, a partir da chamada do Fórum de Educação de Jovens e Adultos da Região Sul Fluminense e da UFF aderiram ao debate sobre a EJA na região para participar da XII Semana IEAR: Rio Claro, Seropédica e Itatiaia. Os dados foram compilados em gráficos com o intuito de permitirem examinar a oferta da EJA nesses municípios sob diferentes aspectos. Esse texto está dividido em três partes. Na primeira, refletimos sobre a atuação dos Fóruns de Educação de Jovens e Adultos no Brasil e, especificamente, do Fórum de Educação de Jovens e Adultos da Região Sul Fluminense; na segunda, procuramos contextualizar a proposta de diagnóstico da EJA no contexto dos Planos Decenais de Educação; na terceira, analisamos propriamente os dados sobre a oferta da EJA em municípios localizados ao sul do estado do Rio de Janeiro.

Os Fóruns EJA do Brasil e o Fórum de Educação de Jovens e Adultos da Região Sul Fluminense

Os Fóruns de Educação de Jovens e Adultos (EJA) nasceram em 1996, após uma convocação da UNESCO para a organização de reuniões locais e nacionais preparatórias à V Conferência Internacional sobre Educação de Adultos (Hamburgo, julho de 1997). Na ocasião, diversos pesquisadores e militantes dos movimentos em defesa da Educação de Jovens e Adultos se reuniram no Fórum de Educação de Jovens e Adultos do Estado do Rio de

Janeiro para discutirem os desafios encontrados no campo, os princípios e as possibilidades para construção de políticas públicas de EJA.

Desde então, os Fóruns de Educação de Jovens e Adultos vêm se constituindo em instância de mobilização e discussão da política pública de EJA em diferentes estados do Brasil e no Distrito Federal, na qual estão assentadas esferas de governo e da sociedade civil, realizando o necessário e, muitas vezes, tenso diálogo em torno da proposição de políticas públicas para esta modalidade de ensino.

A forma de organização e funcionamento dos Fóruns de EJA é específica em cada estado, variando em função dos coletivos que os constituem e sua história local. Da mesma forma, a periodicidade e o formato dos encontros são variáveis. No Rio de Janeiro, por exemplo, o Fórum EJA consolidou a realização de plenárias mensais como instância deliberativa e de socialização de informações. Trata-se também de um espaço de formação permanente dos sujeitos que o constituem, em busca do fortalecimento da luta em defesa do direito e da qualidade de atendimento na área da educação de jovens e adultos trabalhadores.

A organização de Fóruns de EJA em vários estados do país impulsionou a realização anual de Encontros Nacionais de Educação de Jovens e Adultos (ENEJA), a partir de 1999, realizando-se o primeiro no Rio de Janeiro. A partir de 2009 essa periodicidade passou a ser bienal, excetuando-se no período da pandemia, em que houve uma pequena interrupção1. Em agosto de 2023 foi realizado o XVIII ENEJA, na cidade de Belém, no estado do Pará. Dos Encontros Nacionais, sentiu-se a necessidade de encontros regionais, dada a dimensão territorial e populacional do país e as diversidades que constituem cada região. O I EREJA Sudeste foi realizado em 2010 na cidade de Vitória, no Espírito Santo. Em 2024 foi realizado o VI EREJA Sudeste, pela segunda vez em Minas Gerais.

A partir do envolvimento nesta dinâmica, em nível nacional, militantes do Fórum EJA do Rio de Janeiro avaliaram que seria importante dar visibilidade

1 É possível consultar os locais de cada um dos dezessete encontros nacionais através do Portal dos Fóruns de EJA do Brasil: http://forumeja.org.br/node/966

às ações de EJA e aos desafios encontrados para a garantia do direito à educação de pessoas jovens adultas e idosas na região em que residiam e/ou atuavam profissionalmente. Iniciaram, então, as ações de mobilização para criação de um fórum regional capaz de reunir sujeitos de diferentes instâncias para discutir os desafios e possibilidades para a EJA nos diferentes municípios que compunham o território Sul Fluminense.

A primeira ação de mobilização ocorreu em 2011 com visitas aos municípios da região, principalmente reunindo os coordenadores de EJA das Secretarias Municipais de Educação para uma primeira reunião com o segmento “gestores”. Em relação ao segmento “movimentos sociais", foram mapeadas algumas experiências no município de Angra dos Reis, cidade em que os membros fundadores atuavam, convidando-os também para uma reunião local.

A partir dessas reuniões, decidiu-se pela realização, em 2012, do I Seminário Regional de Educação de Jovens e Adultos da Região Sul Fluminense, promovido pelo Fórum de Educação de Jovens e Adultos da Região Sul Fluminense em parceria com o Instituto de Educação de Angra dos Reis da Universidade Federal Fluminense (IEAR/UFF). Até o momento, foram realizados três Seminários Regionais de EJA (2012, 2017 e 2018). Por ocasião de sua criação, através de uma carta de intenções, o Fórum apresentou como seus principais objetivos: dar visibilidade às ações de EJA na região; efetivação e ampliação dos direitos à educação pública, gratuita e de qualidade para pessoas jovens, adultas e idosas da região; a integração dos municípios do Sul Fluminense ao Fórum Estadual de EJA; e o processo de formação continuada dos sujeitos envolvidos com a EJA na região. Também objetivava contribuir para consolidar as ações da Agenda Territorial de Desenvolvimento Integrado de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos2 .

2 Criada pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos e Diversidade do Ministério da Educação (SECAD/MEC), em 2007, a Agenda tinha a intenção de construir uma agenda de compromissos entre os diferentes segmentos da sociedade para a EJA nos territórios brasileiros. Tal política foi reconhecida como importante estratégia por diversos autores no campo de EJA, como Paiva (2011), Serra e Reguera (2016), Julião, Beiral e Ferrari (2017), porém, “lamentavelmente sem sucesso, a proposta foi adormecida nos anos subsequentes, tornando-se mais um projeto interrompido sem justificativa pelo poder público” (Julião; Beiral; Ferrari, 2017, p.48).

A defesa do direito à educação de todos, todas e todes trabalhadores, jovens, adultos ou idosos em seus territórios é o que move o Fórum de Educação de Jovens e Adultos da Região Sul Fluminense em sua atuação, conforme preconizam os artigos 30 e 205 da Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988), destacando a erradicação da pobreza, a redução de desigualdades sociais e a educação como direito de todos, todas e todes e dever do Estado.

Na prática, o acesso à educação, dimensão real da justiça social, não se realiza. Muitos sujeitos são, ainda, interditados desse direito Neste sentido, desvelar as violações a este direito fundamental também tem sido uma forma de luta pela defesa da dignidade humana, uma vez que a desigualdade educacional está na base da desigualdade social histórica do nosso país.

Ratificamos a atuação do Fórum como espaço de resistência e lutas, de denúncias e anúncios, pois tão importante quanto denunciar é propor políticas e práticas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) voltadas à salvaguarda e ao desenvolvimento da educação pública popular e continuada ao longo da vida, visando a formação de uma sociedade justa, democrática e plural. É nesse contexto, que lançamos luz aos dados levantados neste artigo relacionando-os ao necessário monitoramento e avaliação das metas do Plano Nacional de Educação e dos Planos Municipais que tratam de políticas de Estado diretamente ligadas à educação de pessoas jovens, adultas e idosas.

A EJA no contexto do monitoramento e avaliação dos Planos de Educação

Conforme previsto no artigo 37 da Lei nº 9394/96 (Brasil, 1996), que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, a educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos nos ensinos fundamental e médio na “idade própria” e constituirá instrumento para a educação e a aprendizagem ao longo da vida. A Lei ainda a regulamenta como modalidade de ensino da Educação Básica.

Ainda observando os marcos normativos, a Resolução CNE/CEB nº 04/2010 (Brasil, 2010a), em seu artigo 28, afirma que a EJA se destina “aos que

se situam na faixa etária superior à considerada própria, no nível de conclusão do Ensino Fundamental e do Ensino Médio”, cabendo aos sistemas de ensino garantir sua oferta gratuita aos jovens e aos adultos, de forma apropriada às características e interesses, condições de vida e de trabalho dos estudantes.

Partindo do princípio do direito de todos, todas e todes à educação e de que os diversos motivos que levaram os estudantes da EJA a não concluírem sua escolaridade básica estão relacionados a diferentes formas de interdição do direito à educação para esta parcela da população, compreendemos que a EJA se constitui como espaço de resistência e luta pela superação das desigualdades educacionais e sociais.

Com base nestes princípios e circundados pelo contexto de realização das etapas municipais e estaduais da Conferência Extraordinária Nacional de Educação (CONAE 2024), consideramos fundamental voltarmos nosso olhar ao Plano Nacional de Educação (PNE) em vigor, instituído pela Lei nº 13.005 de 25 de junho de 2014 (Brasil, 2014), principalmente, analisando as quatro metas que se relacionam de forma mais direta com esta modalidade de ensino (Metas 3, 8, 9 e 10).

Tendo como prerrogativa que para cumprimento do PNE ficou-se estabelecido que “os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deveriam elaborar seus correspondentes planos de educação ou adequar os planos já aprovados em Lei em consonância com as diretrizes, metas e estratégias previstas” (Brasil, 2014), os municípios, enquanto entes federados, precisam se responsabilizar por suas demandas educacionais tendo como foco o cumprimento das metas elencadas para a educação nacional, conforme o compromisso firmado nas Conferências Nacionais de Educação já realizadas.

O PNE define as diretrizes, as metas e as estratégias para a política educacional brasileira e seu processo de elaboração envolveu amplos debates no sentido de contemplar as demandas e perspectivas da sociedade brasileira. Já os Planos municipais, estaduais e distrital definem diretrizes, metas e estratégias, alinhadas às nacionais, para a política de cada território.

Em nível nacional, temos como prerrogativa o monitoramento constante do PNE através Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais Anísio Teixeira (Inep) que tem atribuição de publicar, a cada dois anos, estudos para aferir a evolução do cumprimento das metas estabelecidas no Plano. Em 2022, foi publicado o Relatório do 4º Ciclo de monitoramento (Inep, 2022b). Em linhas gerais, o que os dados nos apontam é a contínua negação do direito à educação, apesar de cada meta ter sido definida para ser cumprida no decênio 2014-2024.

A meta 3, por exemplo, estabelece a universalização, até 2016, do atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos, elevando, até o final do período de vigência do Plano, ou seja, até o ano de 2024, a taxa líquida de matrículas no Ensino Médio para 85%.

A meta de universalização do acesso à escola da população de 15 a 17 anos, conforme previsto no PNE, ainda não foi alcançada. De acordo com o documento, em 2021, 95,3% frequentavam a escola ou haviam concluído a Educação Básica.

Na contramão do objetivo traçado, de que os estudantes de 15 a 17 anos estejam matriculados no ensino médio, observamos um grande número nesta faixa etária ainda cursando o ensino fundamental ou fora da escola. É possível evidenciar, inclusive, o aumento do número de estudantes nessa faixa etária que migraram do Ensino Fundamental de 9 anos para a EJA, uma vez que vivenciam um histórico de reprovações.

De acordo com o Relatório (INEP, 2022b), percebemos que até 2019, três anos após o prazo previsto, apenas 73,1% da população de 15 a 17 anos frequentava o ensino médio ou havia concluído a educação básica no Brasil. Até 2021, apenas 74,5%, ou seja, 10,5% a menos do previsto no Plano, que era de 85%.

A meta 8 do PNE estabelece como objetivo a elevação da escolaridade média da população de 18 a 29 anos, de modo a alcançar no mínimo 12 anos de estudo no último ano de vigência do Plano, para as populações do campo, da região de menor escolaridade no País e dos 25% mais pobres. Propõe ainda igualar a escolaridade média entre negros e não negros declarados à Fundação

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Ibge).

A determinação de elevar a escolaridade média dos jovens, considerando suas diferenças raciais, territoriais e de renda, explicita uma preocupação em relação a redução das desigualdades educacionais que diferenciam esses grupos e anuncia a necessidade de que as políticas levem em consideração tanto a diversidade que distingue esse grupo etário como as condições que levam a exclusão de parte dessa população.

De acordo com o Relatório do Inep (2022b, p.15), “em 2021, a escolaridade média da população de 18 a 29 anos era de 11,7 anos de estudo”. Ainda de acordo com o documento, “o valor de 12 anos ou mais foi observado somente em cinco estados: Rio de janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Goiás, além do Distrito Federal”.

Apesar da meta ter passado por ampliações, mesmo que de maneira lenta, no decorrer dos anos ainda não foi suficiente para

[...] o alcance de uma média de 12 anos de estudo, especialmente para as populações das regiões Norte e Nordeste, os residentes no campo e os 25% mais pobres.

Ainda no que diz respeito às desigualdades, em 2021, a escolaridade dos negros (pretos e pardos) no referido grupo etário era de 11,3 anos de estudo e a dos não negros era de 12,4 anos, o que resulta em uma razão de 91,1% – 8,9 p.p. distante da meta de equiparação dos anos de estudo (Inep, 2022b, p. 15)

Em 2021, a população de 18 a 29 anos residente no campo teve uma média de escolaridade de 10,4 anos de estudo (Inep, 2022b, p. 201).

Desagregando os dados, o Relatório informa que, em nenhuma Unidade da Federação, a escolaridade média desta população era de 12 anos de estudo (Inep, 2022b, p. 201).

Em relação aos 25% mais pobres, os dados informam que, em 2019, “os 25% mais pobres, na referida faixa etária apresentavam escolaridade média de 9,9 anos de estudos” ao passo que “os 25% mais ricos, com idade similar, apresentavam escolaridade média de 13,6 anos, 3,7 anos a mais que a média dos mais pobres” (Inep, 2022b, p. 203).

A desigualdade educacional também permanece quando comparamos a média de escolarização de negros e não negros na mesma faixa etária: enquanto, em 2021, a média da população negra era de 11,3 anos de estudo, a dos não negros era 12,4 (Inep, 2022b, p. 206).

A meta 9 do PNE elege como objetivo elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais, alcançando 93,5% até 2015, e garantir a erradicação do analfabetismo absoluto até o final da vigência do Plano e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional.

Com relação a essa Meta, o Relatório mostra que o objetivo de elevar a taxa de alfabetização para 93,5% foi alcançado, em 2017, apesar de significativas desigualdades regionais e sociais ainda persistirem. Em relação à erradicação do analfabetismo adulto até 2024, os dados mostram que o intento se encontrava a 5% de ser atingido, enquanto o analfabetismo funcional, embora em queda, estava 2,5% da meta3 (Inep, 2022b, p. 15).

A taxa de alfabetização da população brasileira de 15 anos ou mais de idade foi de 95% em 2021 (Inep, 2022b, p. 216), no entanto, a taxa de alfabetização das pessoas que moram nas áreas rurais mantém-se menor que a taxa das que moram em áreas urbanas. A desigualdade entre essas populações foi de 9,3%, em 2021. O Relatório também mostra que embora a situação de desigualdade entre as taxas de alfabetização de negros e brancos tenha diminuído, não foi suficiente para garantir a igualdade. Em 2021, a taxa de alfabetização de brancos foi de 97%, enquanto de negros foi de 93,4% (Inep, 2022b, p. 2019). Em outras palavras, o analfabetismo também continua mais alto entre os negros e nas áreas rurais.

De acordo com o Relatório (Inep, 2022b, p. 221), a taxa de analfabetismo funcional apresentou queda no decorrer dos anos, mas para que alcancemos 8,9%, em 2024, “será necessário que ocorra, até lá, uma diminuição de 2,5% na taxa do país”.

3 O Relatório adota as definições do IBGE ao considerar alfabetizada a pessoa que declara saber ler e escrever e analfabeta funcional a pessoa com 15 anos ou mais de idade que possui menos de cinco anos de escolaridade ou que declara não saber ler e escrever.

A diferença verificada entre as taxas de analfabetismo funcional da área urbana e da área rural foi bastante significativa, embora possa ser verificada uma queda em ambas as áreas. Em 2012, a diferença do índice era de 23,4%. Em 2019 caiu para 19,8%. Os dados relativos a cor/raça revelam que recai sobre os negros, com 15 anos ou mais de idade, a maior incidência de analfabetismo funcional, embora as taxas entre a população negra e branca tenham apresentado queda. Em 2019, a taxa de analfabetismo funcional entre negros foi de 17,5% e dos brancos 9,8%. Na área rural, em 2019, o analfabetismo funcional foi de 31,2%, enquanto na área urbana foi de 11,4%.

Quando os dados sobre analfabetismo funcional são desagregados, como nos dados sobre a alfabetização, verifica-se as desigualdades entre negros e brancos, entre área rural e urbana, entre os mais pobres e os mais ricos, o que nos leva a questionar as políticas educacionais que consideram as demandas e especificidades desses coletivos em nove anos de vigência do atual PNE.

Por fim, e não menos importante, quanto aos dados referentes ao cumprimento da Meta 10 do PNE, que estabelece a oferta de, no mínimo, 25% das matrículas de educação de jovens e adultos nos ensinos fundamental e médio, na forma integrada à educação profissional, o Relatório informa que, em 2021, apenas 2,2% das matrículas de EJA foram ofertadas neste formato: 1% no ensino fundamental e 3,8% no ensino médio (Inep, 2022b, p. 15). Percentuais bem distante da meta desejada, representando uma ausência gritante de investimento educacional na área. Os baixos percentuais alcançados na meta 10 demonstram o abandono da EJA e o descompromisso com o disposto em Lei por parte dos governos.

Em âmbito nacional, outras instituições também vêm produzindo relatórios de monitoramento do Plano como o Balanço Nacional do Plano Nacional da Educação, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (2022).

Mas nossa experiência nos mostra que em âmbito municipal, estamos muito longe de realizar um monitoramento das metas tendo por base dados estatísticos que nos permitam avaliar os resultados das políticas educacionais em andamento. Uma das principais dificuldades, por exemplo, é que para produção dos indicadores educacionais municipais de cada meta do Plano, conforme

definido nos relatórios do INEP, é necessário dados do Censo Populacional do município, como o planejamento da gestão municipal para instituição de uma entidade em âmbito local que seja responsável pelo seu levantamento.

A dificuldade na produção desses indicadores está registrada, por exemplo, no Relatório de Monitoramento do Plano Municipal de Educação de Angra dos Reis, produzido pelo Fórum Permanente de Educação (2020, p. 56 e 57):

A construção dos indicadores em nível local tem sido um desafio compartilhado por muitos municípios, fóruns, conselhos e comissões técnicas responsáveis pelo monitoramento e avaliação dos planos educacionais nos territórios e em Angra dos Reis não tem sido diferente. Este é o segundo relatório de monitoramento e avaliação do PME de Angra dos Reis e as dificuldades de produzir indicadores por meta do Plano foi o principal desafio enfrentado nos dois momentos, especialmente, em relação à dificuldade de acesso a dados municipais atualizados como, por exemplo, população por faixa etária. […] Inicialmente, nos propusemos a trabalhar apenas com os indicadores educacionais organizados pelo INEP, tomando por base o Relatório do 3o ciclo de monitoramento das metas do Plano Nacional de Educação – 2020 (BRASIL, 2020). Utilizando como referência as fórmulas propostas pelo INEP conforme constam nas fichas técnicas disponibilizadas por esse instituto. Porém, em função de não conseguirmos encontrar dados populacionais municipais atualizados, a produção de parte desses indicadores ficou prejudicada.

Neste capítulo, não logramos dar conta desses indicadores pelas questões já relatadas e considerando também seus limites e objetivos. Porém, considerando não ser possível pensar em políticas públicas para EJA sem pensar no compromisso com o cumprimento das Metas do PNE e dos Planos de Educação de cada território, convidamos o leitor para um breve diagnóstico da oferta de EJA em alguns municípios localizados ao sul do estado do Rio de Janeiro.

Um olhar para a EJA dos municípios do sul do estado do Rio de Janeiro

O levantamento de indicadores educacionais de Angra dos Reis, Itaguaí, Mangaratiba, Paraty, Rio Claro, Seropédica e Itatiaia, no contexto de monitoramento dos planos decenais de educação e a socialização dessas informações através do Fórum de Educação de Jovens e Adultos da Região Sul Fluminense, foi considerada uma importante estratégia de provocação junto aos municípios para reflexão a respeito da oferta da EJA em cada território. Consideramos que os achados poderiam se traduzir em importante passo para visibilização das violações e interdições de um direito fundamental dos sujeitos jovens, adultos e idosos, bem como anunciar a existência ou denunciar a ausência de políticas públicas comprometidas com a garantia do direito constitucional.

No contexto de finalização dos dez anos de vigência dos Planos decenais de educação e da prerrogativa de construção de novos planos a partir da realização de Conferências Municipais, Conferências Estaduais e da Conferência

Nacional de Educação, desejamos que o fato de ter registrado neste artigo um breve diagnóstico da EJA, em nível local, possa ganhar dimensões outras possibilitando o fortalecimento da luta cotidiana pela consolidação da gestão democrática na educação em cada território.

Neste diagnóstico será possível vislumbrar dados de matrícula na oferta de EJA Ensino Fundamental e Médio, integrada ou não à educação profissional; na oferta de EJA por localização territorial (rural e urbano) e por cor ou raça. Informações intrinsecamente ligadas às metas 3, 8, 9 e 10 do atual Plano Nacional de Educação (Brasil, 2014).

Consideramos importante ressaltar que foge aos objetivos e limites desse texto estabelecer conclusões para além da análise descritiva dos dados e do levantamento de questões a partir dela, pois análises conclusivas necessitam de outras informações e elementos da realidade de cada sistema de ensino para confronto e aprofundamento.

Iniciamos nossas considerações pela verificação da oferta da EJA nos sistemas municipais de ensino em questão por meio do número de matrículas,

pois consideramos que a redução do número de matrículas pode significar restrição do direito à educação se, por exemplo, os dados do número de jovens, adultos e idosos sem escolarização continuam alarmantes.

De maneira geral, é possível afirmar que o número de matrículas na EJA no país tem sofrido, ao longo dos anos, um decréscimo significativo. Este fato já era percebido antes da pandemia de COVID-19, como é possível verificar nos trabalhos do Inep (2017), de Julião (2017), Ventura Alvarenga Reguera (2017). Julião (2017), por exemplo, tratando da questão em sua pesquisa sobre a EJA na Região da Costa Verde do estado do Rio de Janeiro, observou a redução de matrículas de forma mais contundente nos municípios de Angra dos Reis e de Itaguaí.

No país, dados pós-pandemia continuam confirmando o fenômeno. De acordo com notas estatísticas do Censo Escolar da Educação Básica (Inep, 2023b, p. 8) “o número de matrículas da Educação de Jovens e Adultos (EJA) diminuiu 21,8% entre 2018 e 2022, chegando a 2,8 milhões em 2022”.

Considerando esta questão, compilamos o número de matrículas na EJA (Ensino Fundamental e Médio) nos municípios localizados ao sul do estado do Rio de Janeiro, dispostos nos Gráficos 1 e 2, respectivamente.

Gráfico 1 - Número de Matrículas na Educação de Jovens e Adultos (EJA)Ensino Fundamental

Fonte: Inep (2018, 2019, 2020, 2021, 2022a, 2023a)

No gráfico 1, é possível perceber que Angra dos Reis e Seropédica foram os municípios que apresentaram queda mais acentuada de matrículas na EJA entre os anos de 2021 e 2022 após a Pandemia de COVID-19: de 1.833 para 1.511 e de 953 para 654, respectivamente. Houve queda menor no número de matrículas nos municípios de Mangaratiba e Itatiaia. Em Mangaratiba foi possível evidenciar maior regularidade nas matrículas registradas entre os anos pesquisados: 553, em 2017; 583, em 2018; 499, em 2019; 509, em 2020; 425, em 2021 e 433, em 2022. Observa-se também certa constância no número de matrículas de Paraty e Rio Claro. Paraty apresentou leve aumento nos anos de 2019 e 2020, seguido de leve queda, mas ainda mantendo o número levemente acima do registrado no início da série histórica: 121, em 2017 e 124, em 2022. Uma das ações recorrentes que contribuem para redução de matrículas é o fechamento de escolas com oferta de EJA. No município de Angra dos Reis, onde as autoras atuam, por exemplo, segundo informação da Secretaria Municipal de Educação, em 2016, antes da pandemia, eram 12 escolas que ofertavam EJA. Em 2023, eram apenas 5 escolas.

Consideramos que algumas questões são pertinentes neste sentido. A pandemia é suficiente para explicar essa diminuição ou o que vem ocorrendo tem a ver com questões que já ocorriam anteriormente? O que se tem feito para a garantia do sucesso escolar dos estudantes e para sua permanência na escola de EJA? Houve algum tipo de planejamento para fechamento de escolas em determinados bairros? A diminuição tem a ver com a redução da demanda por escolarização em cada bairro/município?

Gráfico 2 - Número de Matrículas na Educação de Jovens e Adultos (EJA)Ensino Médio

Fonte: Inep (2018, 2019, 2020, 2021, 2022a, 2023a)

Os dados do Gráfico 2, com matrículas do Ensino Médio da EJA, parecem-nos, à primeira vista, mais promissores que os do Ensino Fundamental. Observa-se, por exemplo, aumento no número de matrículas, de 2017 para 2022, em Angra dos Reis. Pequena queda em Itaguaí e certa constância no número de matrículas nos municípios de Seropédica, Mangaratiba, Rio Claro, Itatiaia e Paraty. Como chamamos atenção, anteriormente, precisamos de cautela na análise para além do aspecto descritivo.

Nos casos em que não houve redução de matrículas, tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio, consideramos pertinente um questionamento: é possível afirmar que tal fato tem relação com a intencionalidade de promoção de políticas que garantam o sucesso escolar dos estudantes refletidos nos dados de fluxo escolar com a diminuição da demanda por escolarização nos diversos bairros que compõem o município? Ou a constância nas matrículas têm a ver com a reprovação ou retorno dos estudantes evadidos no ano, ano/período anterior?

Durante o processo de pesquisa também coletamos dados de matrículas da EJA integrada à Educação Profissional e, de acordo com os dados do Inep

(2018, 2019, 2020, 2021, 2022a, 2023a), não houve nenhuma matrícula de EJA neste formato em nenhum dos municípios pesquisados. Tal fato demonstra total ausência de política direcionada ao cumprimento da Meta 10 do PNE e dos PMEs às vésperas do encerramento de seus prazos.

Considerando a gravidade apresentada pelos números, consideramos uma questão fundamental: que estratégias podem ser planejadas em nível local para superação da realidade compartilhada por todos os municípios?

Os desafios na oferta da EJA nos municípios em questão não param por aí. Coletamos também dados relacionados à oferta de EJA por localização: oferta de EJA direcionada aos moradores do campo (rural), a população urbana e ainda sobre o perfil racial e etário dos estudantes. Informações que consideramos valiosas para o monitoramento do cumprimento da Meta 8 dos planos de educação, que trata da ampliação da oferta da Educação do Campo e da superação das desigualdades raciais e etárias na educação.

Gráfico 3 - Número de Matrículas na Educação de Jovens e Adultos (EJA) por localização

Fonte: Inep (2018, 2019, 2020, 2021, 2022a, 2023a)

Observando os dados do Gráfico 3 é possível afirmar que, de 2017 a 2022, Angra dos Reis, Mangaratiba e Itatiaia não tiveram nenhuma matrícula de estudantes na EJA no campo, ou seja, em área rural.

Seropédica destaca-se na questão sendo o único município com mais matrículas em área rural do que urbana em 2017, 2018 e 2022 e, números aproximados de matrículas nas duas áreas em 2019, 2020 e 2021.

No município de Paraty, o número de matrículas entre escolas rurais e urbanas foi próximo em toda a série. Em Itaguaí o número de matrículas na Educação do Campo foi muito menor do que na área urbana em toda a série.

O reduzido ou inexistente número de matrículas na EJA articulada à modalidade Educação do Campo é tema extremamente pertinente quando tratamos do direito à educação nos territórios. Sabemos o quão importante é a oferta educacional, fundamentalmente para as comunidades tradicionais. Conforme definido pelas diretrizes nacionais para o desenvolvimento de políticas públicas de atendimento da Educação Básica do Campo (Brasil, 2008a), a Educação do Campo "destina-se ao atendimento às populações rurais em suas mais variadas formas de produção da vida – agricultores familiares, extrativistas, pescadores artesanais, ribeirinhos, assentados e acampados da Reforma Agrária, quilombolas, caiçaras, indígenas e outros".

Considerando este aspecto, fazemos outra pergunta pertinente: como aumentar a escolaridade média da população de 18 a 29 anos de idade residente na área rural, conforme preconizado na Meta 8 dos planos, se não há oferta de EJA nessas áreas? A questão é gravíssima considerando que em alguns municípios tal fato é recorrente como foi possível visualizar no Gráfico 3.

Outra questão que consideramos importante de ser avaliada na oferta de EJA dos municípios, relacionados às Metas do PNE e dos PMEs, diz respeito ao perfil racial e etário dos estudantes. Levantamos duas questões que consideramos pertinentes: a juvenilização da EJA reconhecida como a “migração perversa” dos estudantes do ensino regular para esta modalidade de ensino (Brasil, 2010a) e a maior quantidade de estudantes negros na EJA –fenômeno nomeado por Teixeira (2019) como enegrecimento da EJA.

Em relação às questões mencionadas, vale ressaltar que, do ponto de vista teórico-metodológico, o conceito de raça é compreendido por nós, conforme preceituado por Munanga (2010, p. 193), “no sentido de uma construção sociológica e político-ideológica, pois embora não exista, cientificamente, a raça persiste no imaginário coletivo e na cabeça dos racistas e, consequentemente, continua a fazer vítimas em nossas sociedades”.

Do mesmo modo, ressaltamos que estamos compreendendo os jovens como sujeitos sociais, portanto, diversos, baseando-nos em Dayrell (2003, p. 42), que utiliza “a noção de juventudes, no plural, para enfatizar a diversidade de modos de ser jovem existentes”. Ressaltamos, ainda, que na compilação dos dados do Gráfico 4 foram considerados jovens, com base no Estatuto da Juventude (Brasil, 2013), os sujeitos que têm entre 15 e 29 anos de idade.

A juvenilização da EJA já vem sendo discutida por diversos pesquisadores do campo como Paiva (2006), Carrano (2007), Dayrell, Nogueira e Miranda (2011), Teixeira (2019).

Conforme Carrano (2007, p. 1)

[...] é notável o crescente interesse que o tema da juventude vem despertando no campo da Educação de Jovens e Adultos. A preocupação com os jovens na EJA está, em grande medida, relacionada com a evidência empírica que eles e elas já constituem fenômeno estatístico significativo nas diversas classes de EJA e, em muitas circunstâncias, representam a maioria ou a totalidade dos alunos em sala de aula.

Dados nacionais sugerem a constante e majoritária presença de jovens entre 15 a 29 anos de idade na Educação de Jovens e Adultos, a maior parte deles matriculada nos anos finais desta modalidade de ensino. Os dados do Gráfico 4 confirmam essa realidade, principalmente entre os anos de 2017 a 2023 nos municípios de Angra dos Reis, Itaguaí, Mangaratiba, Paraty, Rio Claro, Seropédica e Itatiaia.

Gráfico 4 - Número estudantes jovens e de estudantes adultos matriculados na EJA

Fonte: Inep (2018, 2019, 2020, 2021, 2022a, 2023a)

A presença de jovens na EJA vem se configurando como resultado da migração de estudantes do ensino regular para esta modalidade. O que tem preocupado os profissionais e gestores e os pesquisadores do campo “porque além de refletirem o fracasso da escola regular, trazem, para o interior da EJA, alunos que possuem uma demanda particular e, por vezes, distinta das experiências dos adultos” (Dayrell; Nogueira e Miranda, 2011, p. 26).

Em função da majoritária presença dos jovens na EJA, podemos afirmar que esta modalidade de ensino tem papel fundamental no cumprimento da Meta 8 do PNE e dos PMEs. Neste sentido, a construção dos projetos políticos pedagógicos para a EJA e as Diretrizes Curriculares para a EJA de cada Rede precisam levar em conta “estratégias educativas mais adequadas às dimensões juvenis, as quais ainda marcam a sua socialização” (Dayrell; Nogueira e Miranda, 2011, p. 26).

A EJA precisa ser pensada sob um modelo pedagógico próprio, com perspectivas que garantam “outra esfera educativa mais adequada às dimensões juvenis a demandar outra escolarização que não a regular” (Dayrell; Nogueira e Miranda, 2011, p. 26).

Atrelado ao processo de juvenilização da EJA, chamamos atenção para o perfil racial dos estudantes nesta modalidade de ensino. Algumas pesquisas vêm chamando atenção para o fato de que os estudantes que integram os bancos

escolares da EJA são majoritariamente negros, como Silva (2010) e Teixeira (2019).

A majoritária presença de negros nesta modalidade de ensino também se comprova estatisticamente nos municípios localizados ao Sul do Estado do Rio de Janeiro conforme evidenciado no Gráfico 5.

Gráfico 5 - Número de Matrículas na Educação de Jovens e Adultos (EJA) por cor ou raça.

Fonte: Inep (2018, 2019, 2020, 2021, 2022a, 2023a)

Os dados desagregados por cor ou raça revelam que a presença de estudantes negros na EJA é maior que a de estudantes brancos, em todos os municípios, configurando a necessidade de luta permanente contra o racismo e as desigualdades educacionais e da ratificação do papel da EJA, também, como indutora da política pública de educação para as relações étnico-raciais e aumento da escolaridade média dos jovens conforme proposto na Meta 8 dos Planos.

A universalização do acesso ao Ensino Fundamental é uma realidade vivenciada pelo país desde meados da década de 1990. O fato é que hoje a escola não obstaculiza o acesso a ninguém na entrada, mas continua atuando com mecanismo de exclusão no seu interior. Negros e brancos acessam a escola, mas as condições de permanência e sucesso escolar permanecem desiguais.

O fato é que, tanto na escola como na sociedade, fazer parte do coletivo “jovens brancos” ou do coletivo “jovens negros” tem produzido experiências juvenis desiguais. Portanto, pensar sobre esses dados no sentido da produção de

currículos escolares e práticas pedagógicas que contribuam para o reconhecimento e valorização do pertencimento étnico-racial dos estudantes e com o sucesso escolar garantindo a circulação de conhecimentos afrocentrados e o enfrentamento dos pensamentos eurocêntricos que tendem a regularizá-los, é fundamental, conforme preconizados pela Lei 10.639/2003 (Brasil, 2003) seguida da Lei 11.645/2008 (Brasil, 2008b).

Em síntese, podemos afirmar que um olhar preliminar sobre os dados obtidos na pesquisa nos faz refletir sobre a necessidade de aprofundar o debate, o que, ao nosso ver, só é possível a partir do diálogo com a realidade local de cada município, interrogando o que os números podem nos revelar sobre as necessidades e realidades locais; contrapondo-os a outros dados, às experiências dos profissionais e dos estudantes no chão de cada escola. Esperamos que os resultados da pesquisa possam ser compartilhados em determinados espaços possíveis, com vistas a promover debates e suscitar, no interior de cada município, no chão de cada escola, a reflexão a respeito das políticas públicas e propostas pedagógicas de EJA em desenvolvimento.

Concordando com Arroyo (2007, p. 17), defendemos que a EJA só será reconfigurada se o direito à educação ultrapassar a oferta de uma segunda oportunidade de escolarização, ou na medida em que milhões de pessoas jovens e adultas e idosas forem vistas para além das carências da escolarização. Quando pessoas jovens e adultas e idosas forem reconhecidos “como membros de coletivos”, reconhecidos como pessoas homens, mulheres, trabalhadores do campo, caiçaras, marisqueiras, trabalhadoras da cidade, negros, negras, indígenas, quilombolas, jovens adolescentes, jovens, adultos, idosos, antes de alunos. Quando superarmos

[...] a ideia de que trabalhamos com percursos individuais, para tentar mapear que coletivos frequentam a EJA. O coletivo negro, o coletivo mais pobre, o coletivo de trabalhadores, o coletivo dos sem-trabalho, o coletivo das mulheres. Que coletivos são esses? É muito diferente pensar um currículo para indivíduos, para corrigir percursos tortuosos individuais. Pensar em conhecimentos para coletivos, em questões que tocam nas dimensões coletivas, pensar na história desses coletivos. (Arroyo, 2007, p. 17).

Considerações Finais

Compreendemos que a desigualdade educacional está intrinsecamente relacionada à desigualdade social histórica do nosso país e com base nesta premissa registramos a importância de nos pautarmos na garantia legal do direito de todos, todas e todes à educação regulamentada pelos principais marcos legais e normativos para a EJA no país nas últimas décadas pós Constituição.

O contexto atual tem sido marcado pela mobilização pós-CONAE 2024, no qual aguarda-se que o Executivo Nacional encaminhe ao Congresso o projeto de lei do novo marco legal que substituirá a Lei nº 13.005 (Brasil, 2014), que trata do Plano Nacional de Educação para o decênio 2014-2024. Espera-se que este projeto esteja alinhado às deliberações da referida Conferência, que expressam os acordos firmados pela sociedade civil organizada a partir do que desejam ver implementado nas políticas públicas de educação que deverão vigorar na próxima década.

Em meio a este processo em nível nacional, realizam-se também as mobilizações nos territórios para avaliação dos planos estaduais e municipais de educação, com vistas a elaboração de novos planos a partir das novas diretrizes nacionais. Nesse movimento, é fundamental voltarmos nosso olhar para as conquistas e lacunas referentes à política pública voltada para a modalidade na última década em cada território, contribuição desejada pelas autoras ao escreverem este artigo, no que se refere aos municípios pesquisados.

Buscamos mostrar neste texto que dados nacionais e municipais sobre matrículas ou a ausência delas informam deficiências nas políticas públicas de EJA e a permanência das desigualdades educacionais, evidenciando áreas sensíveis que precisam ser observadas no planejamento para a próxima década da educação de pessoas jovens, adultas e idosas nos municípios analisados.

Uma deficiência bastante sensível evidenciada pelos dados levantados diz respeito às políticas de EJA articuladas à educação profissional e à educação do campo. Cabe-nos, diante do observado, o questionamento: tais políticas têm

sido alvo de avaliação e planejamento das gestões públicas municipais no sul fluminense?

Os dados aqui apresentados suscitam inúmeros outros questionamentos aos formuladores das políticas públicas, dentre eles: os planejamentos das políticas educacionais têm levado em conta a diversidade étnico-racial, geracional, de gênero de seus sujeitos e as especificidades dos territórios? O que se tem feito para a garantia do acesso, da permanência e do sucesso escolar do jovem, do adulto e dos idoso na escola, conforme preconizados nas metas do Plano Nacional de Educação e nos Planos Municipais de Educação dos municípios localizados ao Sul do Estado do Rio de Janeiro?

Enfim, há ainda muitas questões a serem debatidas com base nos dados levantados e na experiência no campo das políticas públicas de EJA de cada território em foco e consideramos que o Fórum de Educação de Jovens e Adultos da Região Sul Fluminense pode ter um papel crucial nesse processo.

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VII

Processo de elaboração das Diretrizes Curriculares e Operacionais de Educação de Jovens, Adultos e Idosos em Angra dos Reis

Eliana de Oliveira Teixeira

Felipe de Oliveira Melo

Luís Claudio da Silva

Sandra Regina Cardoso de Brito

“A natureza dos Conselhos de Educação foi se transformando ao longo do tempo, sendo atualmente afirmada sua identidade como órgão de Estado e não de governo” (MP/RJ, 2014, p.25).

O capítulo apresenta um relato reflexivo do processo de construção

coletiva de Diretrizes Curriculares e Operacionais da Educação de Jovens, Adultos e Idosos (EJAI) pela Câmara de Legislação e Normas do Conselho Municipal de Educação de Angra dos Reis (CME/AR), durante os anos de 2022 e 2023, como resultado de um processo que envolveu o Fórum de Educação de Jovens e Adultos da Região Sul Fluminense, o Instituto de Educação de Angra dos Reis da Universidade Federal Fluminense (IEAR/UFF), o Ministério

Público do Estado do Rio de Janeiro, por meio do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Tutela Coletiva de Proteção à Educação (CAO Educação/MPRJ) e a União dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme/RJ), a partir da atuação do Conselho Municipal de Educação de Angra dos Reis.

O relato tem por base a experiência dos autores como conselheiros municipais de Educação e/ou como assessoria técnica do referido Colegiado nos anos de 2021, 2022 e 20231, bem como estudantes no Curso de Extensão

1 Eliana Teixeira foi vice-presidente e Assessora Técnica do CME/AR em 2021 e 2022. Atuou na assessoria técnica até agosto de 2023 e, durante a escrita deste artigo, atuava como Conselheira Municipal de Educação e na função de Coordenadora da Câmara de Legislação e Normas do CME. Felipe Melo foi Conselheiro

Educação de Jovens, Adultos e Idosos: questões políticas, curriculares e pedagógicas, promovido pelo MPRJ em parceria com a Universidade Federal Fluminense.

Refletindo acerca da importância de processos coletivos na construção de diretrizes para as políticas educacionais municipais, na primeira seção apresentamos um breve histórico a respeito do pretendido, dos passos e dos impasses na construção das diretrizes para a EJAI em Angra dos Reis. Na segunda seção, apresentamos reflexões a respeito do papel formativo deste processo, tanto para os Conselheiros Municipais de Educação, quanto para os demais sujeitos envolvidos. Na terceira, destacamos os principais temas abordados no texto das Diretrizes aprovadas no I Fórum Deliberativo de EJAI de Angra dos Reis, evento que teve por objetivo a apreciação da minuta de Deliberação das Diretrizes Curriculares e Operacionais para EJAI no município, organizado pela Câmara de Legislação e Normas do Conselho Municipal de Educação de Angra dos Reis com a participação de representantes das escolas públicas que ofertam EJA e da Secretaria Municipal de Educação. Na quarta seção, refletimos a respeito dos desafios futuros após a sua publicação.

Da necessidade de formação para conselheiros à ação: pretensões, realizações e impasses do percurso

O processo de elaboração das Diretrizes Curriculares e Operacionais para a EJAI em Angra dos Reis teve início a partir do diálogo estabelecido entre o Conselho Municipal de Educação de Angra dos Reis (CME/AR), representado pela presidência da gestão 2021/2022 e a Universidade Federal Fluminense (UFF), através do Professor Elionaldo Fernandes Julião2. Durante as conversas, iniciadas no final de 2021, o CME/AR apontou para a necessidade de ter o

Municipal de Educação em 2021, 2022 e até maio de 2023. Luis Claudio Silva foi presidente do CME/AR por dois mandatos nos anos de 2019/2020 e 2021/2022 e Conselheiro Municipal de Educação nos primeiros meses de 2023. Sandra Cardoso foi Conselheira Municipal de Educação e assessora técnica do Colegiado em 2021 e 2022, permanecendo como Assessora ao longo de 2023.

2 Professor Associado do Instituto de Educação de Angra dos Reis (IEAR/UFF) e do Programa de Pósgraduação em Educação da Universidade Federal Fluminense.

suporte acadêmico da universidade para formação de seus membros em vários temas. Em um primeiro momento, priorizou-se a formação em Educação de Jovens Adultos e Idosos ao longo do ano de 2022. Diante da necessidade apontada, o professor Elionaldo propôs a retomada do Curso de Extensão

“Educação de Jovens, Adultos e Idosos: Questões políticas, curriculares e pedagógicas” realizado em 2020 para os Conselheiros Municipais de Educação da Região Sudoeste 1 em parceria com a União Nacional dos Conselhos Municipais do Estado do Rio de Janeiro (Uncme).

O curso foi desenvolvido em 2022 no formato de extensão acadêmica, possibilitando o atendimento à necessidade de formação demandada pelo CME/AR. Pela proposta, a formação não se limitaria ao Conselho Municipal de Angra dos Reis e seria ampliada para outros municípios da Região Costa Verde e Sul Fluminense do Estado do Rio de Janeiro, atendendo também as cidades de Itaguaí, Mangaratiba, Seropédica, Rio Claro, Barra Mansa, Paraty e Resende. Foi nesse contexto que se iniciaram, no interior do Conselho Municipal de Educação de Angra dos Reis, os debates e ações que culminaram com a elaboração das novas Diretrizes Curriculares e Operacionais para a Educação de Jovens, Adultos e Idosos em Angra dos Reis.

Para elaboração do documento, o CME/AR definiu como foco a reformulação da Deliberação nº 002/CME/2007 (Conselho Municipal de Educação/AR, 2007), vigente até então e que, de acordo com a sua análise, encontrava-se desatualizada em muitos pontos no que diz respeito a orientações de diferentes normativas vigentes em âmbito nacional e até mesmo local e em relação aos debates teóricos e pesquisas mais recentes no campo da EJA.

A revisão desta Deliberação, assim como de outras normativas, já constava do Plano de Trabalho da Gestão 2021/2022 do CME/AR e a participação no curso foi avaliada como uma excelente oportunidade para realização desta ação, por meio da qual o Colegiado contaria com assessoria de pesquisadores ligados à universidade e um espaço de formação de excelência.

Estrategicamente, definiu-se que o trabalho seria desenvolvido no âmbito da Câmara de Legislação e Normas, responsável, dentre outras questões, por “emitir Pareceres, Portarias, Deliberações, Resoluções, Indicações,

Instruções e Recomendações sobre assuntos do Sistema Municipal de Educação” (Conselho Municipal de Educação/AR, 2022a). A construção da Minuta das Diretrizes Curriculares e Operacionais para Educação de Jovens e Adultos para o Sistema Municipal de Ensino de Angra dos Reis teve como relatores os conselheiros municipais que realizavam o Curso de Extensão, agora, autores deste artigo.

Após a construção da primeira versão da minuta, o documento foi apresentado e analisado pelos professores organizadores do curso de extensão, que apresentaram contribuições na ação de assessoria prevista no Curso de Extensão. Na sequência, o texto foi apresentado na reunião do Pleno do CME/AR.

Dentro da Câmara de Legislação e Normas foi apontada a importância de apresentar e discutir o documento, antes de sua publicação, com os profissionais da Rede Municipal de Ensino que atuavam nas escolas com oferta de EJA. Em diálogo com a Secretaria Municipal de Educação foi constatado que tal ação não poderia ser realizada em 2022 e decidiu-se então, que a Minuta seria apreciada pela nova gestão do CME/AR, que se reconfigurou para o ano letivo de 2023.

A Gestão 2023/2026 do CME/AR, por meio da Câmara de Legislação e Normas, acatou a indicação da gestão anterior e retomou os debates sobre a minuta das Diretrizes para EJAI. Foram incluídas alterações na sua formatação e no seu conteúdo, incorporando contribuições dos novos conselheiros.

Após nova aprovação pela Câmara de Legislação e Normas, o novo texto da Minuta de Deliberação foi encaminhado para as escolas que ofertam EJA, em setembro de 2023, com o objetivo de ser analisada. Cada uma das cinco escolas de EJA do município encaminhou suas considerações e propostas por meio de dois representantes que participaram, em 04 de outubro, do I Fórum Deliberativo de EJAI.

O I Fórum Deliberativo de EJAI contou com a participação de representantes de profissionais das escolas com oferta de EJAI em Angra dos Reis, da coordenação de EJA da Secretaria Municipal de Educação e de conselheiros municipais de educação. Na ocasião, a minuta que versava sobre

as Diretrizes Curriculares e Operacionais para a Educação de Jovens, Adultos e Idosos no Sistema Municipal de Ensino de Angra dos Reis foi apreciada e seu texto aprovado pelos presentes. A instância do Fórum Deliberativo de EJAI, como responsabilidade do CME/AR, foi instituída pelo coletivo presente como espaço periódico de revisão das referidas Diretrizes, a cada três anos, sob coordenação do Conselho Municipal de Educação. Tal decisão faz parte do texto aprovado.

Em 30 de novembro de 2023, quase dois meses após sua aprovação, foi publicada no Boletim Oficial do Município a Deliberação CME/AR nº 12 de 04 de outubro de 2023 (Conselho Municipal de Educação/AR, 2023a, p. 28-36), que dispõe sobre as Diretrizes Curriculares e Operacionais para a Educação de Jovens, Adultos e Idosos no Sistema Municipal de Ensino de Angra dos Reis, conforme texto em anexo.

Reflexões sobre o processo de produção das diretrizes e de formação continuada dos conselheiros municipais de Educação

Os conselhos municipais de educação detêm o papel de articuladores e moderadores das demandas educacionais junto aos gestores municipais, competindo-lhes o desempenho das funções normativa, consultiva, mobilizadora e fiscalizadora. Teoricamente, seus conselheiros disponibilizam-se voluntariamente para serem indicados ou eleitos. Ao serem nomeados, assumem publicamente sua responsabilidade junto a Política de Educação do município.

Destarte, considerando a dinâmica das políticas educacionais, requer-se a atuação crítico-reflexiva e propositiva dos conselheiros de educação, baseada em conhecimentos, práticas e legislações diversas que a possibilite. Por outro lado, constata-se a escassez de formação continuada direcionada, especificamente, para este fim, além da baixa adesão em realizá-los, devido à indisponibilidade de tempo dos conselheiros, que além da atuação no Conselho, acumulam trabalhos seculares, religiosos, profissionais, cursos e as obrigações familiares.

Como apontado na seção anterior, no ano de 2022, o CME/AR estava em processo incipiente de discussão sobre a revisão da Deliberação nº

002/CME/2007 (Conselho Municipal de Educação/AR, 2007), que fixava normas para o funcionamento do Curso de EJA na rede municipal de ensino, visando atualizar as normativas municipais para a modalidade, principalmente com a inclusão, dentre outras normativas nacionais, da controversa Resolução

CNE/CEB nº 1, de 28 de maio de 2021 (Brasil, 2021) que instituiu as Diretrizes Operacionais para a Educação de Jovens e Adultos nos aspectos relativos ao seu alinhamento à Política Nacional de Alfabetização (PNA) e à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e Educação de Jovens e Adultos a Distância.

A participação no Curso de Extensão promovido pela UFF em parceria com o MP/RJ constituiu-se em importante espaço de formação para os conselheiros de modo geral, especialmente para nós, pertencentes da Câmara de Legislação e Normas do CME/AR na ocasião.

Dentre as principais reflexões que emergiram no curso e de enorme relevância para os conselhos municipais de educação esteve presente a discussão sobre o fomento à política de EJA em seus territórios, sobretudo diante do contexto de contínuo descalabro no financiamento público destinado à modalidade que, em 2016, recebia 405,9 milhões e, em 2022, recebeu apenas 38,9 milhões (Movimento pela Base, 2022). Lamentavelmente, a redução dos recursos tem sido usada por gestores municipais como argumento para justificar práticas de redução de custos, tais como a abertura de turmas multisseriadas e a nucleação3 de escolas em polos de EJA que, notoriamente, reduzem o acesso aos estudantes desta modalidade, contribuindo para a evasão/abandono escolar. O curso foi realizado entre os meses de setembro a dezembro. A partir das exposições dos professores, podíamos interagir apresentando questionamentos e comentários. Ao longo das aulas, também surgiram perguntas direcionadas aos membros do Ministério Público (MPRJ), principalmente com relação à atuação dos CME's diante das políticas municipais voltadas para EJA. Em ge-

3 Disponível em: https://periodicorease.pro.br/rease/article/download/8717/3423/15433. Acesso em: 18 nov. 2023.

ral, as respostas foram pautadas na autonomia dos conselhos para o cumprimento do efetivo controle social. O MPRJ se colocou à disposição para somar forças na fiscalização do cumprimento da legislação.

Na prática, embora essa porta esteja aberta, ainda existem relações políticas e institucionais que operam dentro dos conselhos para mitigar a utilização de consultas a órgãos externos ou mesmo de denúncias que precisam ser vencidas para alcançarmos a desejada e necessária gestão democrática da Educação pública.

O trabalho final dos cursistas, que eram conselheiros municipais de educação, era produzir uma Minuta de Parecer, Resolução ou Deliberação, construída coletivamente, com proposta administrativa/normativa e/ou curricular para a EJA de seu município. Esse desafio harmonizou-se com a pauta que o CME/AR intencionava.

Aproveitando a oportunidade, como já relatado, o CME/AR deslancha o processo que já pretendíamos executar: atualização das normas para o funcionamento da EJA no município de Angra dos Reis.

O diálogo com autores que são referências no campo da Educação de Jovens e Adultos no Brasil, as reflexões sobre textos, vídeos, legislações disponibilizadas foi essencial para o nosso trabalho como relatores do texto da Minuta da Deliberação que ora produzimos no interior da Câmara de Legislação e Normas.

O trabalho iniciado em 2022 culminou com o amplo processo de apreciação da Deliberação para a EJAI do Sistema Municipal de Ensino de Angra dos Reis pelas escolas de EJA da Rede Municipal. No dia 04 de outubro de 2023, no I Fórum de Deliberação de EJAI4, com a participação presencial dos conselheiros do CME/AR, de representante da Secretaria de Educação, Juventude e Inovação (SEJIN), do professor Elionaldo Julião (IEAR/UFF), representantes de professores e de técnicos-administrativos de escolas de EJA, com transmissão pelo canal no YouTube5 do CME-AR, foi aprovada a

4 Educação de Jovens, Adultos e Idosos, nomenclatura proposta na Deliberação nº12 CME/AR, 2023.

5 Disponível em: https://www.youtube.com/@cmeangradosreis4258. Acesso em: 23 nov. 2023.

Deliberação CME/AR nº 12/2023 (Conselho Municipal de Educação/AR, 2023a), que dispõe sobre as Diretrizes Curriculares e Operacionais para a Educação de Jovens, Adultos e Idosos no Sistema Municipal de Ensino de Angra dos Reis.

A partir da sua publicação, todo o Sistema Municipal de Ensino de Angra dos Reis fica responsável pela sua observância e cumprimento, conforme estabelecido no art. 4º item XV da lei nº 3.995, de 15 de outubro de 2021, sobre as competências do CME-AR:

[...] emitir pareceres, portarias, deliberações, resoluções, indicações, instruções e recomendações sobre assuntos do Sistema Municipal de Educação, em especial, sobre autorização de funcionamento, credenciamento e supervisão de estabelecimentos de ensino públicos e privados de seu sistema. (Angra dos Reis, 2021).

Também, de acordo com a Lei Municipal nº 3.905, de 25 de novembro de 2019, Art. 14:

As instituições da Rede Pública Municipal de Ensino serão fiscalizadas pela Secretaria de Educação, bem como pelo Conselho Municipal de Educação, com parâmetros nas normas federais e municipais. (Angra dos Reis, 2019).

O curso de extensão foi o estopim que, tendo contribuído para a formação dos conselheiros, culminou na construção da Deliberação CME/AR nº 12/2023. Mesmo que a finalidade declarada no plano do curso fosse a de “ampliar a discussão sobre as políticas públicas de educação de jovens e adultos no Brasil”, o que se revelou foi a sua superação, pois por intermédio da participação das instituições – MPRJ, IEAR/UFF, CME-AR, SEJIN, Fórum de Educação de Jovens e Adultos da Região Sul Fluminense e os esforços de seus respectivos membros, proporcionou à política educacional de EJAI do município de Angra dos Reis.

O curso possibilitou a ampliação da discussão com maior qualificação do tema, a atualização da normativa até então vigente, o estabelecimento de diretrizes curriculares e operacionais alinhadas à política educacional nacional e,

por fim, a possibilidade técnica de ajustes finos nas normativas visando asseverar o direito de todos à educação fundamentada na concepção inclusiva, emancipadora e libertadora, bem como a responsabilidade do Estado no seu cumprimento.

Sem sombra de dúvida, esta experiência de formação, em nível de extensão universitária, mostrou-se necessária para os conselheiros de educação como etapa prévia de qualificação à elaboração de normatizações para a política educacional de EJAI desenvolvida na rede municipal, sobretudo com a participação de diferentes instituições envolvidas, que conferiram as bases teóricas, práticas e o caráter democrático das discussões desenvolvidas no curso.

Temas abordados, perspectivas e desafios na construção e consolidação das diretrizes para EJAI em Angra dos Reis

Ancorada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/1996) e nas Diretrizes Curriculares e Operacionais Nacionais para EJA, produzidas pelo Conselho Nacional de Educação (Brasil, 2000, 2010a, 2021), a Deliberação CME/AR nº 12/2023 institui as diretrizes curriculares e operacionais para a Educação de Jovens, Adultos e Idosos (EJAI) a serem, obrigatoriamente observadas no planejamento e na avaliação da oferta da modalidade de ensino no Sistema Municipal de Ensino de Angra dos Reis (Conselho Municipal de Educação/AR, 2023a).

Outras publicações do CNE também serviram como fundamento, principalmente ao serem tratados temas como a oferta de EJAI articulada às demais modalidades de ensino: Educação Especial, Educação Profissional, Educação Escolar Indígena, Educação do Campo e Educação Escolar Quilombola.

Os temas abordados na Deliberação dialogam com diferentes desafios cotidianos do chamado “chão da escola”, ligados diretamente à realidade do município de Angra dos Reis, e foram incorporados ao debate a partir da experiência de cada conselheiro municipal como professor/a, pesquisador/a, militante do campo da EJA, membro do Fórum de Educação de Jovens e

Adultos da Região Sul Fluminense, diretor de escola, profissional de apoio, pai ou mãe ou responsável por estudante e também como estudante da EJA.

As diferenças étnico-raciais, territoriais, culturais e históricas que marcam a realidade municipal também pautaram o debate, que teve o intuito de oportunizar o planejamento de políticas educacionais e ações pedagógicas que contemplem a diversidade dos sujeitos jovens, adultos e idosos do município de Angra dos Reis.

O município de Angra dos Reis está localizado ao sul do estado do Rio de Janeiro e possui uma área de 825,088 km2, contando, em toda sua extensão territorial, com comunidades de realidades diversas: comunidades de zona urbana, de favela, de ilha e sertão, comunidades tradicionais, quilombolas, caiçaras e indígenas. Toda essa diversidade é constituída por territórios e coletivos que têm direito a uma educação pública de caráter diferenciado em sua essência.

Nos momentos de debate sempre foram pontuadas a necessidade de que as diretrizes dessem suporte à reflexão e à consolidação de propostas educacionais que reconhecessem e valorizassem as diferenças e as demandas diferenciadas por educação de coletivos específicos. Ao mesmo tempo, os conselheiros explicitaram o cuidado para que o texto não deixasse engessadas as inúmeras ações possíveis diante das especificidades existentes, do perfil de cada coletivo a ser atendido e das normativas produzidas para cada público em questão.

Um primeiro destaque que fazemos entre os temas, para além daqueles que descrevem as modalidades de ensino existentes na legislação nacional, diz respeito à temática do idoso, incorporada à nomenclatura da modalidade: Educação de Jovens, Adultos e Idosos - EJAI. A inclusão da letra I (de idosos) na modalidade de ensino foi tema de debate nas reuniões da Câmara, em 2022 e 2023, da reunião dos relatores com as universidades, em 2022, e do I Fórum Deliberativo de EJAI, em 2023. Dar visibilidade à realidade dos idosos nos bancos escolares e na sociedade foi uma das defesas realizadas por participantes do I Fórum Deliberativo de EJAI.

A alteração também tem como suporte dados oficiais que apontam que o analfabetismo é maior entre a população de 60 anos ou mais (IBGE, 2023) e que a população idosa aumentou em 56% na última década, demandando o desenvolvimento de políticas públicas adequadas a esta realidade.

Outros argumentos emergiram da análise do próprio Estatuto do Idoso, estabelecido pela Lei Federal nº 10.741/2003 (Brasil, 2003):

Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar à pessoa idosa, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

Art. 20. A pessoa idosa tem direito à educação, cultura, esporte, lazer, diversões, espetáculos, produtos e serviços que respeitem sua peculiar condição de idade.

Art. 21. O poder público criará oportunidades de acesso da pessoa idosa à educação, adequando currículos, metodologias e material didático aos programas educacionais a ela destinados. (Redação dada pela Lei nº 14.423, de 2022)

Sabemos que a EJA foi consolidada como modalidade de ensino da Educação Básica pela LDB (Brasil, 1996). Desde então, o uso da sigla EJA tem sido recorrente, conforme disposto na legislação. Contudo, consideramos pertinente a alteração proposta pelos conselheiros e aprovada no I Fórum Deliberativo. A nosso ver, evidencia um avanço do ponto de vista da política pública, principalmente, no processo de inclusão de sujeitos historicamente em desvantagem quanto ao direito à educação.

Ao tratarmos desta Deliberação não podemos deixar de nos reportarmos às metas do Plano Nacional de Educação (Brasil, 2014), cuja vigência está terminando em 2024 e no Plano Municipal de Educação de Angra dos Reis: 2015/2025 (Angra dos Reis, 2015). Neste sentido, um dos temas abordados pelo documento nos remete à necessidade de implantação de políticas públicas ainda inexistentes na oferta do Ensino Fundamental para jovens, adultos e idosos no município de Angra dos Reis.

Dados do Censo Escolar da Educação Básica publicados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP, 2023) comprovam que no município a EJAI articulada à Educação Profissional, apesar de se constituir em uma das metas do Plano Nacional de Educação (Brasil, 2014) e do Plano Municipal de Educação (Angra dos Reis, 2015 e 2020), não possuiu nenhuma matrícula em 2022. Os referidos Planos estabelecem que pelo menos 25% das matrículas da EJA deveriam ser integradas a Educação Profissional até o final da sua vigência.

Ainda nos reportando às metas dos Planos, chama-nos atenção outro dado observado no Censo Escolar da Educação Básica (INEP, 2023). No ano de 2022 e em anos anteriores, não houve matrícula de EJA articulada à Educação Indígena, à Educação Escolar Quilombola e à Educação do Campo. Considerando a realidade de Angra dos Reis que tem presente em seu território a Aldeia Sapukai – a maior aldeia indígena do estado do Rio de Janeiro, a Comunidade Quilombola Santa Rita do Bracuí, diversas comunidades caiçaras na Ilha Grande e demais comunidades do campo no continente, garantir esses temas na Deliberação é uma forma de contribuir com a luta pelo direito à educação desses coletivos, conforme preconizado pelas Leis.

A matrícula na EJAI também se constituiu como importante tema tratado nas diretrizes. Orientações acerca dos procedimentos necessários para situações cotidianas de estudantes que migram do Ensino Fundamental de 9 anos para a EJA ou de estudantes que são egressos de projetos de correção de fluxo escolar, por exemplo, ou que perderam seus documentos. Entendemos que o fundamental nesta previsão é valorizar os conhecimentos dos estudantes, realizando-se uma adequação da vida escolar prevista na LDB, mas que em muitas situações não se constitui dispositivo utilizado. Não menos importante é o estímulo observado no texto para que se realize o resgate dos documentos que comprovem a escolarização, salientando que sua inexistência não pode impedir a efetivação da matrícula do estudante na EJAI.

Outra temática também nos foi cara: sabemos que ao tratarmos da modalidade há a possibilidade de construção de currículos e projetos políticos pedagógicos próprios para sujeitos jovens, adultos e idosos, conforme

preconizado nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA (Brasil, 2000). Nas Diretrizes de Angra dos Reis isto se constitui em um de seus princípios, levandose em consideração as especificidades da modalidade, com possibilidade de ampliação das experiências curriculares a partir da realidade de cada unidade de ensino e do perfil de seus estudantes, enfatizando-se a concepção inclusiva, emancipadora e libertadora que, inevitavelmente, remete-nos aos processos de educação popular inspirados em Paulo Freire.

Assim como as outras modalidades de ensino, a Educação Especial tem uma seção própria na Deliberação CME/AR nº 12/2023, considerando as especificidades do público atendido às necessidades educacionais dos estudantes. Consideramos bastante relevante apontar que entre as normativas que orientaram sua organização, está a Deliberação CME/AR nº 11/2022 (CME/AR, 2022b), que orienta as diretrizes para a educação especial no município e que também teve a metodologia participativa em seu processo de elaboração.

Destacamos a ênfase no ensino em língua portuguesa, porém sem deixar de considerar a especificidade do surdo, que tem a Língua Brasileira de Sinais como sua primeira língua. Da mesma forma que não ignora, quando trata da modalidade Educação Indígena, que a população indígena também tem direito a considerar sua língua como primeira língua.

Jovens, adultos e idosos com necessidades educacionais referentes aos transtornos como dislexia, transtorno de déficit de atenção hiperatividade ou outros transtornos de aprendizagem, também são referendados como jovens adultos e idosos, sujeitos de direitos, que necessitam de políticas educacionais e ações integradas e complementares entre si que favoreçam a sua trajetória escolar.

A criação de grupos de trabalho, no interior da Câmara de Legislação e normas, além de possibilitar o amadurecimento referente à oferta da EJA articulada à Educação Profissional e as demais modalidades de ensino, permitiu também o aprofundamento de importantes e sensíveis temas abordados pela Resolução CNE/CEB nº 01/2021 (Brasil, 2021): a oferta da EJA na modalidade

Educação a distância, da “EJA combinada” e da “EJA direcionada”, por exemplo.

A Deliberação CME/AR nº 12/2023 aponta a oferta da EJAI, preferencialmente, na forma presencial, mas não ignora a possibilidade de o município oferecer oportunidades para que estudantes possam certificar competências já existentes ou mesmo oferecer a modalidade de educação à distância, dentro de padrões de qualidade socialmente referenciadas, em que o Conselho Municipal de Educação, como instância de normatização e fiscalização, desempenha importante papel no processo de autorização da oferta.

Para nós, esta medida constitui-se na possibilidade de garantia de direito, à medida que na possibilidade desta oferta pelo poder público, esta precisa ocupar-se da responsabilidade com a garantia de qualidade e compromisso com a educação pública de qualidade socialmente referenciada.

O desafio maior quanto a regulamentação indicada pela Resolução CNE/CEB nº 01/2021 (Brasil, 2021) se pautou no fato de que ela, nomeia algumas possibilidades de formatação de turmas de EJA: “Eja combinada”, “EJA direcionada” etc., mas não houve oferta de suporte necessário para a reflexão sobre essas alternativas pelos Sistemas de Ensino, com base em experiências realizadas ou mesmo debates/orientações suficientes6 para sua implementação. Tendo como fato que a Resolução CNE/CEB nº 01/2021 foi publicada sem debate nacional, como aconteceu nos casos das Diretrizes Curriculares e Operacionais Nacionais para a EJA publicadas em 2000 e 2010 (Brasil, 2000 e 2010a), os conselheiros optaram por não utilizar as expressões estabelecidas, sob o receio de que as possibilidades de flexibilização, sem possibilidade de maior debate poderiam precarizar a oferta da escolarização.

Consideramos a alternativa encontrada bastante prudente e mesmo não utilizando as expressões, as Diretrizes para EJAI em Angra dos Reis respeitam

6 O Documento Referencial para implantação das Diretrizes Operacionais publicado pelo Ministério da Educação (Brasil, 2022) foi utilizado como suporte pela relatoria na escrita das Diretrizes Municipais, porém as orientações contidas foram consideradas insuficientes para tratar da questão.

as diversas possibilidades de oferta da EJA tendo em vista as especificidades da modalidade de ensino como é possível ver em seu artigo 8º:

A Educação de Jovens e Adultos eIdosos na Rede Municipal de Ensino de Angra dos Reis poderá ser organizada em períodos semestrais, módulos, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar. Parágrafo único. O calendário escolar deverá adequar-se às peculiaridades locais, inclusive climáticas e econômicas, fundamentalmente, nas modalidades de ensino Educação do Campo, Educação Indígena e Educação Escolar Quilombola, sem com isso reduzir o número de horas letivas previstas em Lei (CME/AR, 2023).

Outros dois temas fundamentais dos quais a Deliberação também se ocupa são a avaliação e a formação continuada dos profissionais. Em relação à avaliação, além de colocá-la como importante indicador do processo de planejamento da ação educativa, o documento pontua a necessidade de realização de processos de busca ativa para estudantes que não alcancem 25% de frequência ao longo do período letivo, além de normatizar a Ausência

Justificada com Critérios (AJUS), indicando os mecanismos com os quais a unidade de ensino, por meio de seu Projeto Político Pedagógico, deverá se organizar para que o estudante, após preencher seu requerimento, seja avaliado.

Durante a discussão que culminou com a publicação da Deliberação, a questão da infrequência e abandono/evasão escolar mostraram-se pontos sensíveis, principalmente para os profissionais que atuam nas escolas de EJAI do município. Sendo um tema relevante para o debate.

Diretrizes publicadas: ainda um começo…

Em função dos limites deste artigo, não temos a pretensão de darmos conta das perspectivas e desafios futuros no Sistema municipal de Ensino após a aprovação das Deliberação CME/AR nº 12/2023, mas consideramos

importante levantar alguns pontos que avaliamos serem relevantes no âmbito escolar e no âmbito da gestão municipal.

No que diz respeito às perspectivas, entendemos que o documento constituir-se-á como importante instrumento norteador para escolas de EJAI na construção de seus currículos e documentos próprios, como os Projetos Políticos Pedagógicos e Regimentos Escolares. Do ponto de vista do poder público, a normativa oferece um bom ponto de partida para a elaboração de políticas públicas que valorizem os sujeitos e os processos participativos em busca da qualidade da educação pública socialmente referenciada.

Quanto aos desafios, o processo de elaboração das Diretrizes Curriculares e Operacionais de EJAI em Angra dos Reis evidenciou dois pontos que merecem atenção. O primeiro diz respeito à questão da frequência escolar na EJA e o segundo ao Ministério da Educação - Conselho Nacional de Educação - Câmara de Educação Básica do CME como agentes normativos e fiscalizadores do Sistema Municipal de Ensino.

Tanto no interior da Câmara de Legislação e Normas quanto no I Fórum Deliberativo, o monitoramento da frequência escolar gerou impasses, muito por conta da argumentação de que a realidade do estudante trabalhador inviabilizaria a frequência de 75%, por muitos deles, e por isso os índices de reprovação por falta historicamente sempre foram tão altos no município, sendo necessário flexibilizá-lo para atender às necessidades dos educandos.

Nesta linha de raciocínio, embora a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu artigo 78, estabeleça o limite mínimo de 75% de frequência para aprovação em cursos presenciais, a Resolução SEJIN nº 036, de 22 de dezembro de 2022, em seu artigo 32, estabelece:

Da aprovação e reprovação da Educação de Jovens e Adultos:

I – Considerar-se-á aprovado, o estudante que: a) Com rendimento igual ou superior a 10 pontos - 50% (cinquenta por cento) das competências e habilidades desenvolvidas a partir dos objetivos de aprendizagem, efetivamente trabalhados nos componentes curriculares estabelecidos para o ano de escolaridade.

b) Com frequência igual ou superior a 50% (cinquenta por cento) dos dias letivos (Angra dos Reis, 2022a).

É fato que a Resolução CNE/CEB nº 4/2010 (Brasil, 2010c), no artigo 32, ao tratar da avaliação dos estudantes, “a ser realizada pelos professores e pela escola como parte integrante da proposta curricular e da implementação do currículo”, no inciso VI, estabelece que devem ser assegurados “tempos e espaços de reposição dos conteúdos curriculares, ao longo do ano letivo, aos alunos com frequência insuficiente, evitando, sempre que possível, a retenção por faltas”, porém, ao fazer isso, não ignora a referência dada pela Lei maior, ao definir a frequência mínima de 75%, uma vez que não apresenta outro percentual como opção.

Fundamental é considerar que qualquer mecanismo utilizado para se “repor conteúdos” e “evitar a reprovação por faltas sempre que possível” tem como pano de fundo o controle de frequência. A cargo da escola, conforme legislação em vigor, e a valorização da vivência, por parte do estudante, das diferentes oportunidades e experiências de aprendizagem oportunizadas pela ação educativa da escola, em seu planejamento pedagógico, sempre com o objetivo de evitar a banalização das faltas. Nesta situação, sempre se observa o mínimo de 75% estabelecido pela LDB, agindo-se para “repor” nos casos em que esse mínimo não for alcançado conforme já normatizado pela Resolução CNE/CEB nº 07/2010 (Brasil, 2010b).

A existência deste mecanismo pressupõe processos de busca ativa comprometidos com ações pedagógicas que visem evitar a ocorrência de novas faltas ou minimizar o impacto daquelas que não podem ser evitadas. Em jogo, a nosso ver, está o zelo pela qualidade da educação que todos almejamos e o desafio é justamente o enfrentamento do risco da banalização das faltas, com consequente perda da qualidade das vivências pedagógicas por parte dos estudantes.

Para vencer o impasse acordou-se que não menciona diretamente o percentual de 75% previsto na LDB, mas faz referência à legislação em vigor, e utiliza-se da Ausência Justificada com Critérios (AJUS), regulamentada pela Resolução CNE/CEB nº 01/2021:

Art. 29 Deverá ser observada a frequência mínima prevista nas leis e normativas legais.

§1º Nos casos em que o estudante ultrapassar o limite de 25% (vinte e cinco por cento) de faltas, a unidade de ensino poderá utilizar como estratégia o requerimento Ausência Justificada com Critérios (AJUS), conforme previsto na Resolução CNE/CEB nº 01/2021.

§2º A unidade escolar analisará o requerimento dos estudantes, conforme critérios estabelecidos em seu Projeto Político Pedagógico ou pela Rede Municipal de Ensino, e, caso seja deferida, a aprovação do estudante estará vinculada à apuração de rendimento conforme estabelecido no Sistema de Avaliação da Rede Municipal de Angra dos Reis, bem como à realização de atividadescompensatórias domiciliares.

(Brasil, 2021)

No que diz respeito ao papel do CME na fiscalização, normatização e de controle social, por compor o Sistema Municipal de Ensino (Angra dos Reis, 2019), o grande impasse esteve presente na sua atuação junto às escolas da rede pública municipal e vai além das Diretrizes Curriculares e Operacionais da EJAI.

Historicamente, desde a criação do Conselho Municipal de Educação de Angra dos Reis, seu papel incluiu a autorização de funcionamento para as escolas privadas de Educação Infantil e de todas as escolas pertencentes à Rede Municipal.

Em 27 de dezembro de 2022 foi publicada a Lei Municipal nº 4.162 que alterou a Lei Municipal nº 3.995/2021, que recria o Conselho Municipal de Educação de Angra dos Reis. A partir desta alteração, a alínea “a” do inciso V do artigo 4º da Lei de recriação do CME/AR passa a vigorar com o seguinte texto: “art. 4º […] V - […] a) criação, instalação e funcionamento de cursos e instituições educacionais privadas de educação infantil.” (NR)”, tendo-se retirado a expressão “públicas municipais” que precedia a palavra “privadas”.

Outra alteração realizada pela referida lei foi em relação ao inciso XI do mesmo artigo, com a revogação total do seguinte texto:

XI – fiscalizar a aplicação das normas estabelecidas e instaurar sindicância, em quaisquer dos estabelecimentos de ensino sujeitos à jurisdição deste Conselho, sempre que

julgar conveniente, acompanhando a aplicação das medidas correcionais adequadas. (Angra dos Reis, 2021)

Ocorre que, ao longo do ano de 2022, Pareceres já tinham sido emitidos pela Procuradoria do município, apontando que a atuação do CME/AR estaria circunscrita às escolas da rede privada. Desde a publicação da Lei Municipal nº 4.162/2022, o município apenas vem expedindo o decreto de criação das novas escolas, sem encaminhar os pedidos de autorização de funcionamento ao Conselho.

A retirada da atribuição do CME/AR de autorizar e normatizar a autorização de funcionamento das escolas públicas municipais foi ponto de pauta das reuniões do Conselho Pleno e o Colegiado aprovou Parecer produzido pela Assessoria Técnica que foi encaminhado para Secretaria Municipal de Educação e Câmara Municipal, solicitando a revogação da Lei Municipal nº 4.162/2022.

Em um dos trechos do referido Parecer, encontramos a seguinte argumentação, com a qual concordamos.

Ao revogar o inciso XI e alterar a alínea “a” do inciso V, afirmando que as atribuições do Conselho se referem a fixar normas para “a) criação, instalação e funcionamento de cursos e instituiçõeseducacionaisprivadasdeeducação infantil. (NR)” (grifos nossos), a Lei Municipal nº 4.162/2022, explicitamente, retira o papel do Conselho de fiscalizar e normatizar processos de criação, instalação e funcionamento das escolas da educação básica pública municipal. Em nossa avaliação, neste ato cria-se uma lacuna em relação a quem cumprirá o papel de controle social, dos processos de autorização de funcionamento e de normatização da questão, no Sistema Municipal de Ensino de Angra dos Reis, especificamente, no que diz respeito às escolas públicas municipais, o que entendemos ser responsabilidade do Conselho Municipal de Educação, pelo que explicaremos adiante (Conselho Municipal de Educação/AR, 2023b. Grifo nosso).

O texto do Parecer do CME está pautado em orientações e normativas nacionais expedidas pelo CNE e pelo Ministério Público que através de suas

publicações de forma clara deixam entendido que a autorização de funcionamento das escolas públicas são atribuições dos Conselhos Municipais de Educação como órgãos normativos e fiscalizadores dos Sistemas de Ensino.

Através do “Parecer CNE/CEB nº 30/2000, que teve como relator Jamil Cury, sinaliza que “as atribuições dos Municípios se encontram nos artigos 11 e 18 (da LDB), com prioridade para a educação infantil e o ensino fundamental.”

E nesse sentido, ainda salienta que entre as ações relativas a diretrizes e planos de educação, “de acordo com o art. 18, estão a de autorizar, credenciar e supervisionar os estabelecimentosdoseusistemadeensino, inclusiveas instituições de educação infantil criadas e mantidas pela iniciativa privada. (Conselho Municipal de Educação/AR, 2023b. Grifos nossos)

Especificamente, no que se refere à EJA, o referido Parecer do CME/AR (2023) se respalda no Parecer 11/2000 (Brasil, 2000).

Através do Parecer nº 11/2000 que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos que teve como relator Carlos Roberto Jamil Cury, O Conselho Nacional de Educação explicita a responsabilidade dos Conselhos de Educação como órgãos normativos dos Sistemas de Ensino:

É justo, pois, que os órgãos normativos dos sistemas saibam o que estão autorizando, reconhecendo e credenciando, dada sua responsabilidade no assunto. Daí não ser exacerbado que tais órgãos exijam, quando da primeira autorização dos cursos, documentos imprescindíveis para tal responsabilidade. Entre outros documentos de caráter geral, como, por exemplo, identificação institucional, objetivos, qualificação profissional, estrutura curricular, carga horária, processo de avaliação, avultam o regimento escolar, para efeito de análise e registro, e o projeto pedagógico para efeito de documentação e arquivo. Isto combinacomo novo papel esperado dos Conselhos de Educação com ênfase na função de acompanhamento, na radiografia e superação de eventuais deficiências, na identificação e reforço de virtudes. Ainda como resposta ao princípio da publicidade dos atos do governo, recomenda-se a sua utilização pelos meios oficiais e pelos meios de comunicação de modo que as Secretarias e os Conselhos de Educação

deem a máxima divulgação dos cursos autorizados. (…) grifos nossos

A autorização de funcionamento, o credenciamento e as verificações dos cursos da EJA pertencem aos sistemas, obedecidas as normas gerais da LDB e da Constituição Federal. Para esta autorização e credenciamento, dada sua inserção legal agora na organização da educação nacional como modalidade da educação básica nas etapas do ensino fundamental e médio, os cursos deverão estar “sub lege” (Grifos nossos).

O Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Tutela Coletiva de Proteção à Educação (CAO Educação) e o Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (CEAF) do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro ressaltam na Cartilha Controle Social na Educação, Gestão Democrática e Conselhos, (Ministério Público do Rio de Janeiro, 2014, p. 27), que:

As normas estabelecidas pelos Conselhos de Educação se dirigem às especificidades não previstas na legislação, tais como os requisitos exigidos para a autorização de funcionamento das escolas públicas e privadas do respectivo sistema de ensino. [...]

A função consultiva decorre do papel normativo e supervisor dos Conselhos. Porém, seu exercício em colegiadosque ainda nãoalcançaram em plenitude a natureza de órgão de Estado pode acabar por assumir um caráter simplesmente referendador de programas e projetos de governo.

Destaca-se que a função de Controle Social do Conselho Municipal de Educação ficou restrita ao recebimento de denúncias por irregularidades ou descumprimentos da legislação pelo poder público, “solicitando esclarecimento dos responsáveis ou denunciando aos órgãos fiscalizadores, como a Câmara dos vereadores, o Tribunal de Contas do Estado ou o Ministério Público”, conforme orientação do Programa Nacional de Capacitação de Conselheiros Municipais de Educação. (Brasil, 2004, p. 19 e 20).

Como não poderia deixar de ser, durante o processo de discussão das Diretrizes Curriculares e Operacionais de EJAI, este debate se fez presente. Diante da prerrogativa da Secretaria Municipal de Educação em manter o

definido na Lei Municipal nº 4.162/2022 e da falta por parte da Câmara Municipal de Educação de Angra dos Reis, a Deliberação nº 013/2023 não prevê a atuação do Conselho nos processos de autorização de funcionamento de escolas que ofertam a modalidade EJAI

Em acordo com o apontado pela Secretaria Municipal de Educação, com base nos Pareceres emitidos pela Procuradoria do Município, parte dos conselheiros têm defendido que esta não se constitui numa atribuição do Conselho Municipal de Educação. Porém nossa avaliação diverge dessa posição por entendermos que numa sociedade pautada em princípios democráticos e orientada por uma Constituição Federal pautada pela definição de diversos processos de participação popular em diferentes instâncias da definição de políticas públicas, o Conselho Municipal de Educação possui relevante importância no controle social das normas educacionais e de sua fiscalização diante de irregularidades denunciadas a este órgão.

Apesar de todos esses impasses no processo de elaboração, a versão final do documento prevê que diferentes modalidades de oferta da EJAI, como a articulada à Educação Profissional e a certificação devem obter a aprovação do CME/AR, o que contribui para a garantia de processos mais transparentes e com maiores chances de alcance da qualidade de educação socialmente referenciada.

Considerações finais

Na elaboração das Diretrizes Curriculares e Operacionais para a Educação de Jovens Adultos e Idosos fica evidente a importância de processos coletivos na construção de diretrizes para as políticas educacionais nas diferentes esferas, ao envolver diferentes sujeitos, de diferentes locais de fala, que contribuíram de forma significativa para o aprimoramento da oferta da modalidade.

É fundamental que as universidades, instâncias de pesquisa por excelência, e os órgãos de controle, como o Ministério Público e o próprio

Conselho Municipal de Educação, dialoguem com as instâncias de implementação, como as Secretarias de Educação e os cidadãos, sujeitos demandantes das políticas. É esse o processo democrático por excelência.

Para o Conselho Municipal de Educação, mais do que a elaboração de uma normativa, o processo constituiu-se em rico espaço de formação para os conselheiros municipais. Os grupos de trabalho criados para discutir as temáticas abordadas na normativa constituíram-se em importante espaço de produção de sentidos sobre a EJAI desejada pela sociedade e as possibilidades oferecidas pela legislação existente, em diálogo com as pesquisas recentes no campo. E esta ação transcendeu a participação dos sujeitos ali presentes, quando trouxe as contribuições do Documento Nacional Preparatório à VI Confintea, para subsidiar as ações e princípios pautados na legislação em construção.

Referências

ANGRA DOS REIS. Lei nº. 3357, de 02 de julho de 2015. Aprova o Plano Municipal de Angra dos Reis e dá outras providências. Boletim Oficial do Município de Angra dos Reis, 2015.

ANGRA DOS REIS. Lei nº 3.905, de 25 de novembro de 2019. Institui o Sistema Municipal de Ensino de Angra dos Reis/RJ e dá outras providências. Boletim Oficial do Município de Angra dos Reis, Ano XV, n° 1101, nov. 2019.

ANGRA DOS REIS. Lei nº 3.931, de 10 de setembro de 2020. Altera a Lei no. 3357, de 02 de julho de 2015 que aprova o Plano Municipal de Angra dos Reis e dá outras providências. Prefeitura Municipal de Angra dos Reis (PMAR). Boletim Oficial do Município de Angra dos Reis, Ano XVI, nº 1220, set. 2020.

ANGRA DOS REIS. Lei nº 3.995, de 15 de outubro de 2021. Revoga as leis nº 2.140/2009, 2.266/2009, 2.608/2010, 2.631/2010 e 3.882/2019, e recria o Conselho Municipal de Educação de Angra dos Reis instituindo a Câmara específica de Acompanhamento e Controle Social sobre a distribuição, transferência e a aplicação dos recursos do FUNDEB, na forma do art. 48 da lei federal nº 14.113, de 24 de dezembro de 2020 e dá outras providências. Boletim Oficial do Município de Angra dos Reis. Ano XVII, n° 1396, Out. 2021.

ANGRA DOS REIS. Secretaria de Educação, Juventude e Inovação. Resolução SEJIN nº 036, de 22 de dezembro de 2022. Estabelece as diretrizes para a avaliação do processo de ensino e aprendizagem nas unidades de ensino

da rede pública de Angra dos Reis e dá outras providências. Boletim Oficial do Município de Angra dos Reis. Ano XVIII, nº 1602, 22 de dezembro de 2022a.

ANGRA DOS REIS. Lei Municipal nº 4.162, de 27 de dezembro de 2022. Boletim Oficial do Município de Angra dos Reis. Ano XVIII, n° 1604, Dez. 2022b.

CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO (Angra dos Reis). Deliberação CME nº 002/2007. Fixa normas para o funcionamento do Curso de EJA na rede municipal de ensino. Conselho Municipal de Educação. Boletim Oficial do Município de Angra dos Reis, 2007.

CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO (Angra dos Reis). Resolução nº 01/2022/CME. Aprova o Regimento Interno do Conselho Municipal de Educação de Angra dos Reis. Conselho Municipal de Educação. Boletim Oficial do Município de Angra dos Reis. Ano XVIII, n° 1463, março 2022a.

CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO (Angra dos Reis). Conselho Municipal de Educação de Angra dos Reis. Deliberação CME nº 011, de 25 de novembro de 2022. Estabelece diretrizes para a Educação Especial na Educação Básica, em todas as suas etapas e modalidades, no Sistema Municipal de Ensino de Angra dos Reis. Boletim Oficial do Município de Angra dos Reis. Ano XVIII, n° 1605, Dez. 2022b.

CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO (Angra dos Reis). Deliberação CME/AR n° 12, de 04 de outubro de 2023. Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares e Operacionais para a Educação de Jovens, Adultos e Idosos no Sistema Municipal de Ensino de Angra dos Reis. Conselho Municipal de Educação (CME/AR). Boletim Oficial do Município de Angra dos Reis. Ano XIX, n° 1791, 30 nov. 2023a.

CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO (Angra dos Reis). Conselho Municipal de Educação de Angra dos Reis. Parecer CME/AR nº 001/2023 Atribuições do Conselho Municipal de Educação junto às escolas da Rede Municipal de Ensino Conselho Municipal de Educação de Angra dos Reis, 2023b.

BRASIL. Lei n. 9.394, 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Presidência da República. Diário Oficial da União Brasília. Brasília, DF, 1996.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica. Resolução CNE/CEB nº 1, de 5 de julho de 2000. Estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Diário Oficial da União: Seção 1, Brasília: Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação, 2000.

BRASIL. Lei nº 10.741, de 1 de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto da Pessoa Idosa e dá outras providências (Redação dada pela Lei nº 14.423, de 2022) Diário Oficial da União. Brasília: 2003.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Programa Nacional de Capacitação de Conselheiros Municipais de Educação. MEC, Brasília, 2004.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica. Resolução CNE/CEB nº 3, de 15 de junho de 2010. Institui Diretrizes Operacionais para a Educação de Jovens e Adultos nos aspectos relativos à duração dos cursos e idade mínima para ingresso nos cursos de EJA; idade mínima e certificação nos exames de EJA; e Educação de Jovens e Adultos desenvolvida por meio da Educação a Distância. Diário Oficial da União: Seção 1, Brasília: Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação, 2010a.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica. Resolução CNE/CEB nº 7, de 14 de dezembro de 2010. Fixa Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 2010b.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica. Resolução CNE/CEB nº 4, de 13 de junho de 2010. Define Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica. Diário Oficial da União, Brasília, 14 de julho de 2010c.

BRASIL. Lei nº 13.005, 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 2014.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica. Resolução CNE/CEB nº 1, de 28 de maio de 2021. Institui Diretrizes Operacionais para a Educação de Jovens e Adultos nos aspectos relativos ao seu alinhamento à Política Nacional de Alfabetização (PNA) e à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e Educação de Jovens e Adultos a Distância. Diário Oficial da União: Seção 1, Brasília: Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação, 2021.

BRASIL. Documento referencial para implantação das Diretrizes Operacionais de EJA nos Estados, Municípios e no Distrito Federal. Resolução 1 de 28/05/2021. Brasília: MEC/SEB, 2022.

IBGE. PNAD Contínua 2022. Agência IBGE notícias. 2023.

INEP. Sinopse Estatística da Educação Básica, 2022. Brasília, DF: INEP, 2023.

MOVIMENTO PELA BASE. Em busca de saídas para a crise das políticas públicas de EJA. Ação Educativa/Cenpec/Instituto Paulo Freire. 2022.

Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro). Cartilha Controle Social na Educação: Gestão Democrática e Conselhos, 2ª versão, RJ, 2014. Disponível em: https://www.mprj.mp.br/documents/20184/216116/cartilha_controle_social _na_educacao_gestao_democratica_e_conselhos.pdf.

ANEXO

NOTAS SOBRE OS AUTORES E ORGANIZADORES

Cecilia Neves Lima

Professora Adjunta da Universidade Federal Fluminense (UFF). Vice coordenadora do curso de licenciatura em pedagogia do Instituto do Noroeste Fluminense de Educação Superior (Infes/UFF) campus Santo Antônio de Pádua. Doutora em Ciências Humanas – Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

Eliana de Oliveira Teixeira

Professora e Pedagoga da Rede Municipal de Ensino de Angra dos Reis. Mestra e Doutora em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF). Especialista em Diversidade Cultural e Interculturalidade: Matrizes Indígenas e Africanas na Educação Brasileira pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Membro do Fórum de Educação de Jovens e Adultos da Região Sul Fluminense e Pesquisadora do grupo GPECult/UFF.

Eliana Nóbrega de Oliveira

Pedagoga da Rede Municipal de Ensino de Angra dos Reis. Especialista em construção do conhecimento e currículo pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestra e doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense (ProPED UERJ). Membro do Grupo de Pesquisa Aprendizados ao longo da vida e do Fórum de Educação de Jovens e Adultos da Região Sul Fluminense.

Elionaldo Fernandes Julião

Professor Associado do Instituto de Educação de Angra dos Reis (Iear/UFF) e do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF). Professor visitante do Mestrado em Educação de Jovens e Adultos da Universidad de Playa Ancha - Chile. Coordenador do Núcleo de Estudos e Documentação em Educação de Jovens. Membro do Fórum de Educação de Jovens e Adultos da Região Sul Fluminense. Jovem Cientista do Nosso Estado/FAPERJ (2016-2019) e (2019-2022).

Elisângela da Silva Bernado

Professora Associada no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (PPGEdu/Unirio). PósDoutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Doutora e mestra em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de

Janeiro (Puc-Rio). Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). Líder do Grupo de Pesquisa “Políticas, Gestão e Financiamento em Educação (Pogefe)”. Jovem Cientista do Nosso Estado/FAPERJ (2015-2017) e (2018-2022).

Felipe de Oliveira Melo

Professor do Ensino Fundamental na Rede Municipal de Ensino de Angra dos Reis. Especialista em Educação Especial e Inovação Tecnológica pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Licenciado em Pedagogia pela Faculdade Campos Elíseos (FCE). Coordenador do Curso de Extensão “Observatório das “reformas” educacionais” (Iear/UFF e Sepe Angra/Paraty). Coordenador e pesquisador no Grupo de Pesquisa: “Estudos, Trabalho e Formação Docente” (Iear/UFF).

Gabriela Ferreira Machado dos Santos

Pedagoga da Rede Municipal de Ensino de Angra dos Reis. Professora Orientadora Pedagógica da Rede Municipal de Ensino de Mesquita. Membro do Fórum de Educação de Jovens e Adultos da Região Sul Fluminense do estado do Rio de Janeiro. Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

Leila Mattos Haddad de Monteiro Marinho

Professora de História do Ensino Fundamental da Rede Municipal de Ensino de Angra dos Reis. Mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF) com foco em Educação de Jovens e Adultos. Atuou na Coordenação de Educação de Jovens e Adultos da Secretaria Municipal de Educação de Angra dos Reis. Foi membro do Conselho Municipal de Educação. Membro do Fórum de Educação de Jovens e Adultos da Região Sul Fluminense do estado do Rio de Janeiro.

Luís Claudio da Silva

Professor do Ensino Fundamental da Rede Municipal de Ensino de Angra dos Reis, com atuação na alfabetização de jovens, adultos e idosos, na coordenação e na direção escolar. Graduado em Educação Física com especialização em Educação Popular, Conselhos Escolares e Gestão Escolar. Coordenador Regional Costa Verde da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme/RJ) e membro do Fórum Estadual de Educação de Jovens e Adultos e do Fórum de Educação de Jovens e Adultos da Região Sul Fluminense.

Mona Lisa Fouyer

Mestra em Educação e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Ppgeduc/UFRRJ). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação de Jovens e Adultos (Gepeja/UFRRJ) e Coordenadora Regional da Costa Verde do Grupo Articulador de Fortalecimento dos Conselhos Escolares do Estado do Rio de Janeiro (Gafce/RJ).

Sandra Regina Cardoso de Brito

Pedagoga da Rede Municipal de Ensino de Angra dos Reis. Licenciada em Pedagogia e Mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Pesquisadora do grupo GPECult/UFF e Gepeja/UFRRJ. Membro do Fórum de Educação de Jovens e Adultos da Região Sul Fluminense e do Fórum

Permanente de Educação de Angra dos Reis.

Fruto do curso “Educação de Jovens, Adultos e Idosos: Questões políticas, curriculares e pedagógicas”, realizado, em 2022, para os gestores das escolas e professores que atuam na área de EJA, este livro reúne reflexões dos palestrantes sobre os temas debatidos no projeto. Em síntese, os textos aqui publicados nos ajudam a melhor compreender o cenário contemporâneo das políticas de educação de adolescentes, jovens, adultos e idosos no Brasil e visam efetivamente contribuir com o debate nacional sobre políticas públicas e direito à educação, principalmente sobre as diversas questões que envolvem a formulação/reformulação de Projetos Políticos Pedagógicos para escolas que ofertam a modalidade.

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