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41. O quintal da Tita, onde todos brincavam
41 O quintal da Tita, onde todos brincavam
Sábado sagrado: dia de limpeza, à noite a igreja
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Nossa querida Tita aos 14 anos e meio passou por uma prova de inusitado infortúnio, além do que se poderia esperar. Em verdade, um milagre! O princípio da história vai além da memória, mas vamos tentar retomar: Como sempre fazia, ajudava sua mãe em tudo o que podia. Lavava, passava, e a louça da pia enxugava e guardava. E tudinho em ordem deixava. Aos sábados, o quintal onde todos brincavam, depois da varrição esmerada, exigia que fosse lavado. Tita e
Antônia Neusa, sua cunhada (foto da página 59, juntamente com Bel e Miguel), se empenhavam dedicadas ao seu compromisso sagrado: na mão um balde na outra a vassoura e o rodo com pano enrolado. Com muita água fria jorrada aspergindo muita creolina e produtos Cruz Azul, esfrega de cá, esfrega de lá, mais água e sabão e volta a esfregar. Bem antes do meio-dia, D. Conceição vendo o esforço das duas na lavagem do chão ofereceu café com leite morninho que Neuza aceitou rapidinho enquanto penteava os longos cabelos. De repente, tendo os pés molhados na água fria do chão com sabão, em seu corpo se manifestou uma abrupta comoção. Alguém gritou: - A Tita caiu! Outrem registrou: - Seu rosto está pálido - Ela desmaiou! Como tudo na vida tem hora e dia marcado, aconteceu com a Tita o inesperado: seus olhos viraram, sua língua e boca entortaram. Ela foi levada ao sofá da sala e aguardara socorro, que em seguida chegou. Atendida pelo Dr. Zambon que seu pai urgente havia buscado em São Caetano do Sul, logo veio a constatação: a querida Tita havia tido uma convulsão cerebral. Aplicada injeção de Gardenal, depois ungida pelos irmãos Catapani e Olívio, aos poucos a mocinha já se reanimava. E muitas orações precisou a fim de reverter seu estado de saúde. Mas, com a graça de Deus ela sarou. E no mês seguinte, 11 de março de 1962, Tita juntamente com Antônia Neusa sua cunhada, foram imersas nas Santas Águas. E assim foram batizadas em nome do Senhor Jesus.
A união faz a força (e açúcar, também)
O chão da sala de estar de um piso liso assoalhado, a Tita encerava com cera Parquetina. Mas, na hora do brilho não era ela quem dava: era o Miguel (seu irmão maior), com a ajuda do Bel (o caçulo). Como a enceradeira de casa ainda não existia, a força dos músculos a substituía. O esfregão de ferro fundido já era pesado e com o Bel encimado, pelo Miguel arrastado, o piso logo se transformava em um lago de espelho encerado. Assim, pela força da união o resultado refletia no chão. No quintal ensolarado, Bel passava muito bem, obrigado! Isso acontecia quando as meninas ali brincavam de casinha. Em companhia da Nininha filha do seu Niquim, irmã do Suco (João) e do Quinho (Luiz); e a Irene irmã de Son, Milton, Giba e Sérgio. Tita ao servir o prato do dia, sempre convidava o Bel para provar a comidinha; e a sobremesa: banana nanica cortada em rodelinhas arrumadas e açúcar União em cima espalhado com pó de canela, que o pratinho de plástico ali decorava. Às vezes um leite condensado Moça pintava quando da lata sobrava, e quiçá D. Conceição deixava. A União faz o açúcar, mas era a Nestlé quem adoçava as brincadeiras.

Esfregão
O trapezista desvalido
Outrora se dizia que a “alegria de palhaço é ver o circo pegar fogo”. Talvez porque os circos muitas alegrias traziam, e o palhaço só ria quando alguma desgraça produzia. Mas, o que mais prendia atenção de Bel sob a lona do circo itinerante de então, era ver o ciclista-equilibrista na corda bamba em manobras radicais. Ou mesmo o corajoso trapezista: em salto acrobático em pêndulo arriscado, agarrando a mão da mocinha em cambalhota. E ele de cabeça para baixo. Com essa ideia do trapezista, Bel principia seu curto aprendizado ensaísta. Agarrando com sua raquítica força o poderoso arame do varal (de roupa), solta o corpo em pêndulo como vira no circo. Energizado pelo entusiasmo em impulsos magníficos de vertiginosa ascensão, bate com os pés descalços na parede de cima da casa até atingir cada vez mais o beiral. Era tanta a impulsão até tocar o beiral, que o arame, que não era de circo nem fora instalado para isso afinal, rompeu de repente e o trapezista em perigosa descensão foi estatelar lá no chão, do quintal. Estático em grande aflição, paralisado e sem qualquer reação, exceto a dor do impacto na coluna dorsal e o desagradável formigamento pelo inesperado tombo no chão. Bel tenta por socorro gritar, mas sua voz não pôde soar e ficou ali por um tempo. Como ninguém acorreu, mesmo com seus nervos recolhidos em comoção, ele arrastouse chegando até a porta do seu quarto, deixado no chão um rastro de indignação. Recuperado da dor, escondendo o incidente ocorrido, a vergonha do inábil trapezista ninguém jamais teria sabido. Exceto as roupas no chão do quintal e o arame rompido na viga do varal, indícios de um inexplicável vendaval.

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1Trapezistas - Cirque du Soleil https://www.google.com.br/search?q=trapezista+de+circo