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34. Ouviram do Ipiranga numa vil calçada
34 Ouviram do Ipiranga numa vil calçada...
No entorno do Monumento¹, as tecelagens abundavam no Ipiranga de fábricas vivas na São Paulo no seu Quadricentenário. Na celebração dessa data, saltavam dos aviões planando no céu saquinhos de café em pequenos paraquedas agitados, com miríades de triângulos metálicos com as cores da bandeira paulista cintilando pelo ar. As crianças felizes do bairro, afoitas com braços estirados disputavam frenéticas o presente celeste inusitado. Naquela época os abastados compravam no Mappin (19131999) e no Shopping Iguatemi (1966), frequentavam restaurantes tais como o Terraço Itália² (1965-); e voavam pelo Brasil nas asas da Pan Air (1930-1965) de Mário W. Simonsen* , e nas companhias aéreas Vasp (1933-2005) e Varig (1927–2006). No Grito da Independência, D. Pedro nem imaginava que um dia às margens do Ipiranga bem próximo do Museu Paulista³ - que no futuro distante naquele lugar seria instalado, uma donzela humilde e bela ali mesmo seria humilhada. Consequentemente, esta história, fidedigna por seus personagens testemunhada, é a da filha de imigrantes italianos que na tecelagem trabalhava, e voltando do seu almoço pelos fundos das fábricas passava; na mesma calçada que em sesta de dia ensolarado os operários se espraiavam. Entre eles um energúmeno que diariamente lhe dirigia palavras impróprias para uma donzela, acompanhadas de gestos obscenos. Humilhada e constrangida, a ingênua mocinha nada falava, cabisbaixa em contido soluço sua sina acatava. Cotidianamente Antônia Neusa (foto na página 59: nos jardins do Museu Ipiranga) por ali passava, e a vil cena se repetia visto que não havia desvio para a sua caminhada. Euclydes - seu namorado, desses fatos nada sabia até que notando uma lágrima no rosto daquela mocinha debutante (aos 15 anos) insistiu que ela contasse sua oculta ladainha. Agora, sabendo do fato não tardou em tomar uma rígida atitude ao ver revelada a infame sina que passara sua sensível amada. Na academia de boxe onde frequentemente treinava, Euclydes encontrou enérgica acolhida ao revelar o imbróglio aos seus pares – uma turma da pesada, do Brás, Bexiga e Barra Funda4 . No dia seguinte, a trupe agitada no Ipiranga foi reunida no bar da esquina próximo por onde a donzela passava na hora do almoço – aonde a cena diária que ali se repetiria. Sem saber de nada e inocente da tocaia armada, Antônia Neusa naquele momento por ali retornava. Ao ver passar a mocinha, o desbocado energúmeno ignorando a patota na esquina saltou confiado na direção da menina. Mas antes que sua verborreia soltasse, seus dentes pularam igual pipoca estourada pelo murro do pugilista que na emboscada aguardava. Semelhante a um cão no sio, vendo seus colegas de trabalho acuados pela turma do soco-inglês, correu com eles para dentro e o portão foi rapidamente fechado. Depois disso, quando a donzela passava naquela famigerada calçada, os cabras medonhos se recolhiam dentro da fábrica e as portas logo eram cerradas. Desse modo, às margens do Ipiranga, onde foi ouvido um grito de liberdade, justiça foi aplicada.
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¹O Monumento à Independência, para celebrar o Centenário da Independência do Brasil, foi construído às margens do riacho Ipiranga, local onde Dom Pedro I teria proclamado a Independência em 1822. ²Na primeira metade do século XX, São Paulo passou por intenso desenvolvimento industrial e urbano, e, ao tornar-se a maior cidade do país, presenciou um grande processo de urbanização e modernização, o que foi fundamental para a consolidação de grandes projetos arquitetônicos nas décadas seguintes, como o Edifício Itália(1965) e seu vizinho Copan (1951), o Parque do Ibirapuera (1954) e o MASP (1968). ³O Museu Paulista da Universidade de São Paulo, conhecido também como Museu do Ipiranga, foi inaugurado em 7 de setembro de 1895 como museu de História Natural e marco representativo da Independência, da História do Brasil e Paulista. Está localizado no Bairro do Ipiranga na cidade de São Paulo, sendo parte do conjunto arquitetônico do Parque da Independência. http://www.mp.usp.br/omuseu/historia-do-museu-paulista 4Brás, Bexiga e Barra Funda: livro de Antônio de Alcântara Machado cronista de costumes que retrata os imigrantes que vinham para os bairros que dão nome ao livro, seus dissabores, tristezas, esperanças... *Mário Wallace Simonsen (21.2.1909 a 24.3.1965) empresário brasileiro e um dos homens mais influentes e poderosos do Brasil em sua época. Criador da Panair do Brasil e grande defensor da indústria nacional.