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PAPO DE FOTOGRAFIA ÁLBUNS DE FAMÍLIA

Quando a lembrança é mediada por fotografias, esses momentos íntimos, capturados pela câmera, são muitas vezes reimaginados e cultivados em narrativas do presente ÁLBUNS DE FAMÍLIA

foto CAIO CEZAR

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TODAS AS FOTOS ANTIGAS EM NEGATIVOS DE VIDRO

texto CLÁUDIO BRANDÃO

Quando o tempo separa gerações, as imagens permanecem como artefatos de histórias pessoais, congelados em álbuns e arquivos de família até que vivam novamente nas mentes de quem os vê como memórias. Sob a denominação de álbuns de fotografias podemos incluir um conjunto de memórias, composta sobretudo de fotografias nem sempre organizadas ou catalogadas. As caixas de sapato ainda são bastante populares para esta forma de colecionismo que, alguém já disse, é uma forma de memória externa que só buscamos eventualmente, como fazemos com os mais modernos HDs ou discos rígidos.

As primeiras fotos de família foram produzidas em estúdio ainda nos primeiros anos do início da Fotografia (1839), quando os tempos de exposição permitiam apenas fixar a imagem de uma pessoa absolutamente imóvel. É possível notar nessas primeiras imagens que as crianças muitas vezes apareciam borradas, por não conseguir ficar muito tempo paradas.

Essas primeiras fotografias eram um privilégio das classes mais abastadas, e é a partir de 1899 que esse panorama é alterado, com o lançamento de uma câmera muito simples lançada pela Kodak. O mote da Kodak era: “Você aperta o botão e nós fazemos o resto”. A ideia era que até as crianças seriam capazes de fotografar. O filme era revelado pelo próprio fabricante e entregue em tamanho “postal”, eficiente tanto para ver e mostrar quanto para guardar.

Este fato amplia o público que passa a utilizar as imagens para constituir os álbuns de família e assim, com as fotografias, dor e luto eram atenuados, visto que os mortos “sobre viviam” naquelas caixas/álbuns de memórias. Tendo sido a prática mais difundida da fotografia desde o final do século XIX, a fotografia de família sempre chamou a atenção dos pesquisadores da área. Os estudiosos que trabalham com álbuns de família vêm principalmente da antropologia, mas os estudiosos das áreas de Estéticas, História da Arte, Fotografia e Estudos Culturais também abordam esse material.

As fotografias de crianças, por exemplo: o próprio conceito de infância anda de mãos dadas com o desenvolvimento da fotografia, e alguns chegam a afirmar que foi em grande parte criado por ele. A fotografia congelou a infância no tempo, servindo a duas funções distintas. Primeiro, mostrou-os como parte de uma grande família feliz. E, claro, nos dias em que a taxa de mortalidade infantil era tragicamente alta, preservou sua memória como um seguro contra o pior.

É extraordinário pensar que os álbuns de fotos existem há pouco mais de cem anos, e que agora podem desaparecer. Essas fotos oferecem vislumbres sobre a condição humana: é ela que mostra a juventude, as narrativas pessoais, um casal envelhecendo, o tédio, a viagem, o companheirismo, a inocência, o orgulho.

Os álbuns de fotos de família podem ser interpretados como formas de compreensão e aceitação da vida, ao mesmo tempo que documentam aspectos mais sociológicos do quotidiano, aos quais não temos acesso a partir de outras fontes históricas. Uma das ideias desta seção é compartilhar e incentivar a preservação das coleções de fotografias de família que muito podem contribuir com a história da capital catarinense, visto que mesmo quando não conhecemos os retratados, aprendemos sobre moda, decoração e hábitos de determinados períodos.

Projeto planeja exposição de acervo

Uma das primeiras coleções que estamos estudando é o acervo do Foto Brasil, que hoje está sob a guarda do fotógrafo Sérgio Vignes e parte dela já está digitalizada. A fotografia é antes de tudo um testemunho; quando se aponta a câmera para algum sujeito ou cena constrói-se um significado e conta-se uma história. Assim, ao publicar este acervo, pretendemos disponibilizar ao público, que por sua vez irá auxiliar na identificação dos retratados e contar um pouco da sua história.

Esta é a ideia do Programa de Extensão Laboratório de Representação Fotográfica, do Centro de Artes (CEART) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Através de uma exposição e com a ajuda das redes sociais e da internet, pretendemos identificar, recolher e orientar interessados em preservar seus acervos familiares. Além disso, desejamos contar, por meio das fotografias, um pouco da história da capital catarinense.

O projeto, mais do que recuperar e conservar este importante acervo, quer torná-lo público e estimular histórias que possam vir destas imagens. Os planos incluem uma exposição onde as pessoas possam identificar parentes e locais, contar histórias e lembrar de uma Florianópolis que já não existe. Além disso, o projeto vai viabilizar a consulta para interessados em fotografia e na memória cultural de Florianópolis. A proposta busca dar visibilidade ao projeto desde sua fase inicial, por meio de ações de comunicação como esta na Revista Mural.

SÉRGIO VIGNES

KODAK BROWNIE, NO BRASIL FICOU CONHECIDA COMO CAIXOTE OU CAIXÃO (1900). UMA DAS PRIMEIRAS CÂMERAS “POPULARES”

Como o mundo seria sombrio se não existissem Virgínias!

texto MONIQUE VANDRESEN

Qualquer que seja o tópico, qualquer que seja a área de assunto, uma imagem conta uma história e tem uma história própria. O “método histórico” estabelece que pesquisadores comecem pensando no problema da própria imagem: ela é uma representação direta e precisa da realidade? Além disso, as atividades iniciais de pesquisa com imagem determinam uma descrição da imagem: o que ela mostra, quem mostra. Parte dessa exploração inclui a realização de “inferências” ou suposições.

Imagino, por exemplo, que o nome desta menina seja Virgínia, em homenagem à menina de oito anos que escreveu uma carta ao jornal The New York Sun em 1897 perguntando se Papai Noel existia. Virgínia, aliás, era um nome comum para as meninas que nasciam entre 1940 e 1950: segundo dados do IBGE, o número de virgínias cresceu 93% no Brasil entre o início e o fim da década de 40. Suponho, embora a caixa de brinquedo embaixo da árvore me deixe em dúvida, que a foto é da primeira metade da década de 1950, que Virgínia festeje o Natal na casa dos avós. Creio que a foto que está em um porta-retrato sobre a cristaleira seja do casamento dos avós, na década de 1920.

Vejo que na casa da avó de Virgínia há eletricidade, que uma gambiarra leva o fio do pisca-pisca até a tomada que fica trás de um rádio, e que há um relógio de mesa que talvez, junto com a caixa de brinquedos, ajude historiadores a localizar a foto no tempo. Me chama também a atenção o par de botinhas abaixo do presente, uma lousa para brincar de escolinha. Será que Virgínia virou professora? É a única criança nesta festa de família ou as outras saíram para brincar?

Todas essas conjecturas podem vir abaixo se, em um exame mais atento, consigamos verificar, como desconfio, que a caixa sob a árvore traz o logo que a marca de brinquedos Estrela usava antes de 1945. Mas e se a caixa de papel fosse o esconderijo dos enfeites de Natal desde que a mãe de Virgínia era criança, e não um presente daquele ano? E se o quadro da Última Ceia em relevo fosse comum nas casas brasileiras só depois da década de 60?

Qualquer que seja o tópico, qualquer que seja a área de assunto, uma imagem conta uma história e tem uma história própria. O tipo de papel pode mostrar quando foi impressa, o carimbo do fotógrafo pode nos localizar no espaço, o melhor dos computadores pode nos mostrar com precisão o relógio, a lousa, o rádio e a caixa de papel. Mas só Virgínia sabe a história própria desta foto. Em um editorial de 21 de setembro de 1897, o The Sun, responde Virgínia, a menina que havia perguntado se Papai Noel existe: “Ah! Como o mundo seria sombrio se Papai Noel não existisse! Seria tão triste como se não existissem virgínias”. Também seria sombrio um mundo sem essas memórias, nem sempre nossas, e as histórias que com elas somos capazes de contar.

w Este projeto é coordenado pelo professor Cláudio Brandão, com a participação da professora Monique Vandresen e da acadêmica Amanda Vizenteiner.

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