DIA INTERNACIONAL DOS MUSEUS
&
NOITE EUROPEIA DOS MUSEUS
2017
ALGUMAS DAS NOSSAS HISTÓRIAS CONTROVERSAS – MUSEU MUNICIPAL CARLOS REIS TORRES NOVAS
AS ESTELAS DE OLAIA
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Em finais do século XIX, na sequência de obras de alargamento do cemitério de Olaia, junto à igreja matriz da freguesia, foi posto a descoberto um conjunto de estelas funerárias medievais de relevante interesse arqueológico. À época, estava em processo de instalação um museu distrital que seria realizado com recurso à contribuição de acervos e objectos museológicos disponibilizados pelos municípios. Não admira que o administrador do concelho de Torres Novas, em face do valioso achado, tenha decidido enviar as estelas de Olaia para Santarém para integrarem o acervo do Museu Distrital. Em 1876, as cabeceiras de sepultura foram enviadas para Santarém por comboio, e por ordem do administrador, que fazia parte, como delegado concelhio, da comissão instaladora do museu distrital.
O programa de museus distritais não teve sequência e, aproveitando o impasse, a Câmara Municipal de Santarém decidiu, de modo unilateral, “municipalizar” os acervos dos municípios que tinham sido entregues com vista à criação do museu distrital. Alguns anos volvidos, as estelas de Olaia estavam fixadas ao pavimento da igreja de São João de Alporão, onde a Câmara de Santarém decidira instalar um museu arqueológico, que passaria a ser conhecido na cidade por “museu dos cacos”. E assim estiveram mais de cem anos até que, no início dos anos 90, por iniciativa conjugada do Museu Municipal Carlos Reis (MMCR) e da Associação de Defesa do Património de Torres Novas (ADP), e depois de longas e aturadas conversações com a Associação do Património de Santarém, que sempre se mostrou disponível para dar o seu parecer positivo ao regresso das estelas a Torres Novas, foi possível trazer para o MMCR as cabeceiras medievais de Olaia. O acervo estava, nesse momento, encaixotado nas reservas do Museu de Santarém e o município scalabitano aceitou que o conjunto (à excepção do melhor exemplar, que ficou em Santarém) viesse para Torres Novas, mas apenas em regime de depósito museológico. Foi o acordo possível e, desde então, as estelas de Olaia permanecem no MMCR onde já foram objecto de uma exposição temática temporária.
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1 – Estela Discoide N.º de inventário: 420 Tipo de material: Calcário Dimensões (cm): Diâmetro: 40 cm; altura: 60 cm; espessura: 7 cm Peso: 28 kg Período artístico: Medieval, séc. XIII
3 – Estela Discoide N.º de inventário: 418 Tipo de material: Calcário Dimensões (cm): Diâmetro: 43 cm; altura: 76 cm; espessura: 9 cm Peso: 47 kg Período artístico: Medieval, séc. XIII
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2 – Estela Discoide N.º de inventário: 255 Tipo de material: Calcário Dimensões (cm): Diâmetro: 38 cm; altura: 37,5 cm; espessura: 7,5 cm Peso: 16,5 kg Período artístico: Medieval, séc. XIV/XV
4 – Estela Discoide N.º de inventário: 444 Tipo de material: Calcário Dimensões (cm): Diâmetro: 36 cm; altura: 56 cm; espessura: 8 cm Peso: 37 kg Período artístico: Medieval, séc. XIV-XV
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– Santíssima Trindade Século XVII Antiga ermida de Nossa Senhora de Monserrate (Meia Via) Madeira pintada e estofada 88 cm x 43 cm x 44 cm MMTN n.º 171
está inventariada no MMCR e encontrava-se, desde os anos 60 do século passado, na sua exposição permanente, passando a figurar no núcleo de Arte Sacra instalado no novo edifício em meados dos anos 90.
O “PAI ETERNO” DA MEIA VIA
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A imagem “Santíssima Trindade”, um exemplar do século XVII existente no núcleo de arte sacra do MMCR, integrava provavelmente desde finais de seiscentos ou início de setecentos a primitiva ermida de Nossa Senhora de Monserrate de Meia Via. Nos anos 50 do século XX, com a demolição da antiga ermida com vista à construção da nova igreja, e dado que a imagem estava arredada do culto, o pároco entregou-a ao Museu Municipal para integrar o acervo da instituição. Desde então, a imagem
Com a reactivação da festa do Divino Espírito Santo, nos anos 80 e sobretudo nos anos 90 (a festa conheceu vários e alguns longos períodos de interrupção), a imagem conhecida pelas gerações mais antigas por “Pai Eterno” é levada à igreja de Meia Via durante os 4 dias dos festejos, regressando depois ao museu. Até há uns anos, a devoção à imagem suscitava um acréscimo de donativos em dinheiro destinado à obra da igreja e à festa, já que ela se posicionava em lugar de destaque do altar com um recipiente destinado à recepção das contribuições. Presentemente, a adesão dos devotos a esta prática já não atinge a dimensão de outrora.
– Nossa Senhora do Ó ou Virgem da Expectação Século XIV, 2º quartel Oficina de Mestre Pêro, Coimbra (atribuição) 70x23x19 cm Museu Nacional de Arte Antiga Colecção Comandante Ernesto Vilhena
por um coleccionador, comandante Ernesto Vilhena, que depois a terá vendido ao Museu Nacional de Arte Antiga. Em meados dos anos oitenta constituiu-se um movimento entre activistas da paróquia de Olaia e outros habitantes da freguesia, com vista a resgatar a imagem, mas sempre essas tentativas esbarraram com a firme oposição dos directores do MNAA. Os dirigentes do MNAA argumentavam, genericamente, que não havia certezas quanto à imagem que seria a da Olaia, por mais visitas ao museu e certezas que tivessem alguns paroquianos a identificarem a mesma.
A SENHORA DO Ó DE OLAIA
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Possuía a igreja matriz de Olaia, desde tempos remotos, uma imagem de Nossa Senhora do Ó, provavelmente datada do século XIV, e que muita devoção suscitava entre os habitantes da freguesia. A venda da imagem, no início do século XX, pelo padre da freguesia, constituiu um golpe para os habitantes. Veio a saber-se que tinha sido comprada
Para além de exposições e abaixo-assinados e outras diligências, realizou-se inclusivamente uma ida de algumas dezenas de habitantes da freguesia a Lisboa, em excursão, para certificarem e testemunharem, perante os responsáveis do MNAA, qual seria a verdadeira imagem de Olaia, de entre uma colecção de cerca de uma dezena de espécimes, muito parecidos, que o museu possuía. A comissão contactou nessa altura o Museu Municipal Carlos Reis, no sentido de pedir ajuda em aspectos formais das diligências
junto do MNAA, até porque o MMCR colaborava com a paróquia no restauro e conservação preventiva de algumas peças do seu acervo, nessa altura dispersas por motivo de obras na capela. Uma coisa é certa: os responsáveis do MNAA nunca aceitaram que a imagem identificada como sendo a da Olaia fosse efectivamente a que fora vendida e, perante o impasse e a determinação dos habitantes, fizeram uma contra-proposta: deixavam vir uma imagem de Nossa Senhora do Ó, também do século XIV, a fim de, nomeadamente, ela estar presente na procissão anual, e desde que ficasse em depósito e à guarda do Museu Municipal Carlos Reis. Alegava o IPM que a igreja matriz de Olaia, à semelhança de outras, não tinha segurança para albergar imagens de tão grande antiguidade e valor artístico. Assim aconteceu. No ano 2000, era directora do IPM Raquel Henriques da Silva, foi assinado um acordo de cedência da imagem entre o MNAA e o Município de Torres Novas. E a imagem de Nossa Senhora do Ó de Olaia, que não é a de Olaia, segundo os testemunhos dos habitantes, faz parte do núcleo permanente de arte sacra do MMCR. Entretanto, desde então a procissão realizou-se um par de vezes, tendo caído em desuso. Após estes episódios, aconteceu o pior ao património da freguesia: num espectacular assalto à igreja da Lamarosa, foram roubadas algumas imagens e, da igreja paroquial
de Olaia, foi roubada a antiga e valiosa imagem da Santíssima Trindade, tida como uma das mais antigas da região e iconograficamente mais rica que a sua semelhante da Meia Via.
MUSEU DE ETNOGRAFIA E ARQUEOLOGIA INDUSTRIAL
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Em 1984, por impulso conjunto do Rancho Folclórico de Torres Novas e da Associação de Defesa do Património de Torres Novas, foi instalada uma pequena mostra de objectos etnográficos numa montra do centro da cidade. O objectivo consistiu em sensibilizar a população para a importância da recolha e da valorização do património etnográfico torrejano. A ideia rapidamente se transformou num grande movimento colectivo, com muitos torrejanos a apoiarem as primeiras recolhas etnográficas realizadas sob os auspícios do município, em colaboração com a ADP. Em pouco mais de um ano recolheram-se milhares de peças, muitas delas voluntariamente entregues pela população, outras oferecidas por quintas e casas agrícolas do concelho: alfaias e maquinaria agrícola, acervos de profissões tradicionais, máquinas industriais (fiação, curtumes, tipografia, metalurgia, electricidade), transportes, objectos domésticos, traje, fotografia, etc., foram sendo inventariados, registados e arrumados na antiga garagem Claras.
o “museu”, ao mesmo tempo que as condições da garagem se degradavam. O espólio, entretanto, passou a ser tutelado por uma organização criada para o efeito, a Associação de Amigos dos Museus Torrejanos (AAMT), basicamente formada pelos membros da Comissão Pró-Museu Etnográfico que esteve na base do trabalho de recolha realizado a partir de 1985.
– Titulo de ação nº 139 Emitido pelo “Museu Etnográfico da Região de Torres Novas”; amigos do museu; 5 julho 1986 papel 35 cm x 25 cm / MMTN n.º 3792
Em 1986 foi realizada uma grande exposição/mostra do espólio recolhido, iniciativa que fica a marcar até hoje as realizações culturais torrejanas: naquele dia, vários milhares de pessoas passaram pela exposição, numa manifestação nunca vista de adesão e apoio à iniciativa que visava a instalação de um “museu etnográfico” e, logo a seguir, acrescentava-se, “e de arqueologia industrial”. Durante anos, aquilo que fora a “exposição/mostra” permaneceu na garagem sob a forma de reserva visitável, ainda que os objectos e as colecções obedecessem a uma arrumação contextual básica, enquadradas por placards explicativos, texto e fotografias e suportadas por uma brochura/catálogo do roteiro essencial. Durante todos esses anos, mais de vinte, nunca foi possível encontrar e afectar instalações próprias para
Como não houvesse solução à vista para um problema na realidade complexo e complicado, e como a autarquia apostara entretanto (anos 90) em dar prioridade à instalação e consolidação do Museu Municipal Carlos Reis, o que se afigurou correcto, a AAMT decidiu entregar ao MMCR, para ser integrado no seu acervo, um vasto conjunto de peças das áreas do traje, objectos domésticos e outros, na perspectiva de que, havendo no futuro o “museu etnográfico”, o seu enfoque seria na maquinaria agrícola e industrial. Continuando a não se vislumbrar perspectivas de uma solução para a situação, a AAMT decidiu entregar o espólio ao município mediante um protocolo que, basicamente, obriga a que ele não seja alienado ou de alguma forma deslocalizado da cidade e que faça parte do MMCR como núcleo específico, acção que se concretizou no ano de 2012. Desde então, e devido às obras de requalificação da antiga garagem Claras, o espólio está depositado no antigo pavilhão Matias Pedro.
MMCR museu municipal carlos reis