Revista Mucury 9

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REVISTA MUCURY TEÓFILO OTONI - MG - NÚMERO 09 - ANO 06 HTTP://WWW.MUCURYCULTURAL.ORG


REVISTA MUCURY 2

Expediente diretor geral

Bruno Dias Bento editora e jornalista responsรกvel

Clarice Palles [013349/MG] projeto grรกfico


Textos

[fora de ordem] ◆ A TANUSSI CARDOSO ◆ LOS ZAPATOS DEL MUNDO EN LA PINTURA DE LEO LOBOS Antonio Arroyo Silva

Gáldar, Ilhas Canárias-Espanha. Professor de Língua e Literatura Espanholas. Colaborador de várias revistas, colunista do Neotraba de Puebla (México). Já publicou quatro livros de poemas : Las metamorfosis (1991), Esquina Paradise (2008), Caballo de la luz (2010) e Symphonia (2012). Tem poemas em obras como Poetas de una sola islã (antologia), El grupo de La Palma (1990-2011), editada em 2012. Já em prosa, La palabra “devagar” (2012). Ganhou o 2º prêmio no concurso de poesia de Granadilla (Tenerife) en 1981, participou duas vezes do Festival Internacional de Poesía Encuentro 3 Orillas de Tenerife (2009 y 2010) e na Homenaje de Poetas del Mundo a Miguel Hernández (2010). Atualmente faz parte da Asociación Canaria de Escritores, administra e edita os blogs Esquina Paradise e Arinaga por Ciudad Juárez.

◆ DESENHOS DE CECÍLIA ARAÚJO Cecília Araújo Psiquiatra em Teófilo Otoni

◆ CARNAVAL ◆ UMA VIAGEM João Quixico Domingos Natural de Cazenga-Luanda –Angola. Poeta e mestre em Ensino da Língua e Literatura Portuguesa.


◆ TRECHO DO RELATÓRIO DO ENGENHEIRO FISCAL DA ESTRADA DE FERRO BAHIA E MINAS PEDRO VERSIANI Fernando da Matta Machado

◆ FLUXUS Cristiane Grando

Nascida em Cerquilho-SP, reside atualmente em São Domingos, República Dominicana. É poeta. Autora de Fluxus, Caminantes, Titã e Gardens (poesia em português, francês, espanhol, catalão e inglês). Laureada UNESCO-Aschberg de Literatura 2002. Doutora em Literatura (USP, São Paulo), com pós-doutorado em Tradução (UNICAMP, Campinas), sobre as obras e manuscritos de Hilda Hilst. Professora convidada de Língua Portuguesa e Cultura Brasileira na Universidad Autónoma de Santo Domingo (UASD) desde 2007. Diretora-fundadora do espaço cultural Jardim das Artes (Cerquilho-SP, Brasil, 2004) e do Centro Cultural Brasil – República Dominicana (São Domingos, 2009).

◆ DIA DE ÁGUA LIMPA TEXTO: Bruno Dias Bento

Teófilo Otoni. Sociólogo, poeta e fotógrafo. Diretor Geral e gestor da Associação Mucury Cultural. Administra e edita o despoesias.blogspot.com.br.

FOTOGRAFIA: Bruno Dias Bento; Leonardo Cambuí

Teófilo Otoni. Fotógrafo. Editor do site leonardocambui.com.br/

Nasceu em 1943 na cidade do Rio de Janeiro (RJ). O pai natural de Diamantina (MG) e a mãe de Teófilo Otoni (MG). Bacharel em Ciências Econômicas pela UFRJ. Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais - IHGMG, do Instituto Histórico e Geográfico de Sabará IHGSa, do Instituto Histórico e Geográfico do Alto Rio das Velhas – IHGARV e da Academia de Letras Ciências e Artes do São Francisco – ACLECIA. Autor do livro “Navegação do Rio São Francisco”, do texto “Dados biográficos de Pedro Versiani” e da monografia “Contratação e liquidação de câmbio de exportação”. fernandodamattamachado.com.br/

◆ LADRÃO João Werner

Nasceu em Bela Vista do Paraíso, interior rural do Paraná, em 27 de outubro de 1962. Artista catalogado na Enciclopédia de Artes Visuais do Instituto Itaú Cultural. Em 2009, participou da exposição coletiva “DigitalArt.LA”, em Los Angeles (EUA), só com a participação de artistas que trabalham com arte digital e com a organização do Los Angeles Country Museum of Art. Em 2008 recebeu a 3ª premiação na modalidade “Gravura” na 1ª Bienal de Arte Contemporânea “Arte con raíz en la tierra”, da Universidade de Chapingo, México. Em 2007, participou com gravuras digitais da 6ª Biennale Internazionale dell’Arte Contemporanea, em Firenze, Itália. O livro “Pinturas de João Werner”, em uma edição independente, faz parte do acervo das bibliotecas do Museu de Arte de São Paulo (MASP), do Centro de Documentação e Pesquisa Guido Viaro do Museu da Gravura Cidade de Curitiba (Solar do Barão) e do Museu de Arte de Londrina. joaowerner.com.br


◆ UMA SECRETA FORMA ◆ HI-TECH ◆ UMA VISITA AO ZOOLÓGICO FANTASMA ◆ BUSCANDO LUZES NA CIDADE LUZ ◆ SILENCIOSO DENTRO DA NOITE ◆ TRÊS MULHERES, UM PIANO, UM GATO E UMA TORMENTA ◆ ARDENDO SOB AS ÁGUAS ◆ PARALISIA DO SONHO ◆ OS ARBUSTOS SERÃO Leo Lobos

Santiago , Chile. Poeta, ensaísta, tradutor e artista visual. Ganhador do prêmio UNESCO-Aschberg de Literatura 2002, realizou residência criativa no CAMAC-Centre d´Art Marnay Art Center en Marnay-sur-Seine, Francia. Realizou exposições de seus desenhos, pinturas e residência criativa entre os anos de 2003 e 2005 no Jardim das Artes, Ciências e Educação em Cerquilho-SP. Publicou, entre outros, Cartas de más abajo (1992), +Poesia (1995), Ángeles eléctricos (1997), Turbosílabas. Poesía reunida 1986-2003 (2003). Colabora ainda para vários jornais e revistas, tem seu trabalho já reconhecido no Chile, Argentina, Peru, Brasil, México, Cuba, Estados Unidos, Espanha, França, Alemanha e Canadá. É ainda tradutor de vários poetas brasileiros como Hilda Hilst, Tanussi Cardoso, Hlena Ortiz, Herbert Emanuel, Eliakin Rufino, Ésio Macedo, entre outros. Administra e edita os blogs Leo Lobos Electrónico LIBRO DE P@PEL, Cinco Poemas,Le chat qui pêche - el gato que pesca, PALABRAS, En las ciudades que habitamos por Leo Lobos, Jornal do CF4. Atualmente é gestor da Corporación Cultural de Peñalolén, Santiago, Chile.

◆ DESAFIOS DA “VELHA” NOVA ORDEM MUNDIAL EM MEIO A UM PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO ASSIMÉTRICA: UMA REVISÃO HISTÓRICA Renata Peixoto de Oliveira Doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais e Professora visitante da Universidade Federal da Integração Latino Americana - UNILA.

◆ SEXUALIDADE FORMAL? ◆ MAU-OLHADO ◆ TEMPO DE RECOMPOR ◆ A PESCA ◆ TERNA PROMESSA ◆ BURACO NA AGULHA Viviane Campos Moreira

Advogada e Blogueira, residente em Belo Horizonte. Autora dos blogs videbloguinho e Balaio da Vivi. Idealizadora e coordenadora do Amor em Pedaços & Versos.


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edito


São 5 anos. São 9 edições. Como sempre diversa, plagiando um amigo: mais sortida que a feirinha do Veneta – feira livre tradicional de Teófilo Otoni. Começo escrever este editorial enquanto espero outra reunião, das infinitas para nosso objetivo: Valorizar o Mucuri. E neste tal aniversário, ainda sem bolo, celebramos muitas parcerias e algumas picuinhas, mas todos ainda sobram vivos. Neste céu azul de doer as vistas, andamos

{Bruno Dias Bento}

orial venturosos com o sucesso de todos os nossos projetos, esta revista que atraso a sua leitura, no 8º número contou mais de 1500 leitores, o que comprova o acerto de nossa estratégia de edita-la em formato digital e online. Nesta 9, trazemos muita poesia, fotografia, artes visuais, ciência política, psicanálise, cultura popular, cultura afro-brasileira, mais poesia, mais artes visuais, saúde e mais poesia. Tudo isso faz parte da celebração deste nosso 5º aniversário, contemporâneo ao novo cenário cultural deste Mucuri e de Teófilo Otoni, junto com diversos grupos e agentes culturais, na música, cinema, teatro, artes visuais, fotografia, literatura e artes plásticas. São 5 anos de muito trabalho de nós todos! Agradecemos a todos que contribuíram, aos que reclamaram e aos que atrapalharam. Que Krenhou Jissá Kijuh nos ajude! Até a Mucury 10.


pág. 32

Cristiane Grando

pág. 50

pág. 26

FLUXUS

Antonio Arroyo Silva

CARNAVAL

pág. 52

pág. 18

LOS ZAPATOS DEL MUNDO EN LA PINTURA DE LEO LOBOS

Antonio Arroyo Silva

RELATÓRIO DO ENGENHEIRO FISCAL DA ESTRADA DE FERRO BAHIA E MINAS

FALA BAIXO

pág.54

pág. 16

A TANUSSI CARDOSO

Cecília Araújo

LADRÃO!

pág. 62

pág. 10

PAINT

DIA DE ÁGUA LIMPA

Pedro Versiani

João Quixico Domingos

João Quixico Domingos

João Werner

Bruno Dias Bento


pág. 92

DESAFIOS DA “VELHA” NOVA ORDEM MUNDIAL EM MEIO A UM PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO ASSIMÉTRICA: UMA REVISÃO HISTÓRICA

pág. 102

SEXUALIDADE FORMAL?

pág. 106

POEMAS

pág. 112

Renata Peixoto de Oliveira

LEO LOBOS

Viviane Campos Moreira

Viviane Campos Moreira

Leo Lobos Traduzido por Cristiane Grando, Adriana Zapparoli e Geruza Zelnys de Almeida


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PAINT - CECÍLIA ARAÚJO 11

Desenhar utilizando o programa Paint, pra mim, é uma diversão. Para começar, eu sou canhota, mas manejo o mouse com a mão direita. Por isso o traço imperfeito, que dá um aspecto “humanizado”, “rústico- virtual”. Apesar de ter desenhado algumas figuras humanas e bichos, preferi seguir pelo caminho do abstrato e das cores. Talvez por ser psiquiatra, o trabalho abstrato me encanta, o poder de comunicação das cores, que não se traduz em signos, símbolos ou palavras. Assim, saio do plano mental, lógico e racional e vou para o intuitivo e catártico. Arte pra mim é terapêutica. Mesmo sabendo que arte não é terapia... Por alguns anos frequentei alguns ateliês e cursos de desenho e pintura, conciliando-os com a lida diária. Mesmo na residência, às vezes saía de um plantão e ia pra aula de desenho. Também aproveitava o fim de semana, quando morava literalmente “no hospício”, para desenhar alguns pacientes crônicos, que já nem falavam sons inteligíveis. Esse meu lado sempre teve um caráter mais íntimo, quase secreto. A ideia de colocar os desenhos num álbum na internet abriu outra possibilidade. De compartilhar, ouvir comentários e interagir. É uma experiência legal pra mim.


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a tanussi cardoso Antonio Arroyo Silva De Casi luz


A TANUSSI CARDOSO 17

CUANDO TODO NOS TIEMBLE el tegumento gris que desgrana el decir en la amarga mazorca Cuando todo nos tiemble tú ese amor el odio y más veces el ansia de vivir justo allá por donde habita el vórtice Ser altos por beber en la fuente insaciable bajos para ser fuentes donde la luz nos beba o la sombra nos vierta nos invierta nos cruce grano quebrado altivo por dentro de la cáscara pero denso y procaz al girasol incólume Cuando todo nos tiemble cucaracha que sube la oquedad del almendro y triza las manzanas de la sabiduría Cuando todo el trigal sea un alba temblando entonces aturdidos de tanta enunciación marchitaremos solos bajo estrellas anónimas


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Los zapatos del mundo e 1

{Antonio Arroyo Silva}

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VERSIONES Y DIVERSIONES OCTAVIO PAZ GALAXIA GUTEMBERG

Los meses y los días son viajeros también de la eternidad. El año que se va y el que viene también son viajeros2. Con estas palabras comienza el poeta japonés Matsuo Basho su Sendas de Oku, un texto que va más allá del libro de narración de andanzas por tierras ignotas. Cuando la niebla cubra tierra y campos, cerraremos los ojos para ver la ruta verdadera hacia la vida y el señor que le acompañará será su vasallo y compañero de fatigas. Más que un recorrido por los intrincados caminos del país, parece trasiego hacia un lugar distinto donde el espíritu del uno está en equilibrio con todo lo que le rodea. Camino físico que agota, mortifica el cuerpo (corpus) y abre los ojos a todos los sentidos: ser la hoja que cae y el canto de la cigarra que se funde con el rumor del trigo al rozar la brisa. Misticismo zen: ser uno en el Uno. Todo viaje es eterno, cuando el objeto del mismo es quedarse fundido el transeúnte a sus zapatos. El caligrama y el haiku dejan de ser tradición folclórica y pasa a ilustrar un arte del equilibrio, una manera de estar en consonancia con la gran sinfonía del universo. La letra que no representa el sonido sino la imagen; el instante en que el


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en la pintura de Leo Lobos 1

ojo capta el gesto en movimiento, más allá del espacio físico, en un espacio emocional que llega tanto de la abstracción como de su concreción. Viajero de la eternidad, Basho Matsuo, creador del objeto en la palabra. Bien sabida es la influencia que estos hechos han producido en la cultura chilena, es decir, en la visión hispánica tan singular que Chile posee, quizás desde el mismo Huidobro o incluso antes, en el ansia última de los modernistas por simplificar para llegar más hondo. El caso es que las vanguardias tuvieron allí un total florecimiento y una plena adaptación a la expresión artística, tanto poética como pictórica hasta el punto de asumir ese principio renovador de unificar las artes. Por eso no es de extrañar que surgiera el músico-pintor-poeta. El uno, el singular, en el Uno. Los meses y los días son viajeros también de la eternidad. En 1998 los artistas chilenos Leo Lobos, Alex Chellew y Rafael Insunza emprenden una expedición artística por el desierto de Atacama. Recorren el desierto más árido y duro del Planeta Tierra en jeep, filmando, sacando fotografías y, en el caso de Leo Lobos, también escribiendo. Hacen intervenciones artísticas en el camino a la par que se diluyen con el vacío rojo del paisaje. Al final llevaron a cabo una exposición pictórica y un concierto en la ciudad indígena de Copiapo con todo el material creado en el entorno. Su senda de Atacama. De ahí que este proyecto singular se denominara con el santo y seña de dicha población y quedara plasmado en un libro-catálogo cuyo efecto entre los jóvenes universitarios y artistas santiaguinos fuera similar al de la denominación del grupo que emprendió dicha aventura: Pazific Zunami. La

LOS ZAPATOS DEL MUNDO FUE EL PRIMER POEMARIO PUBLICADO POR LA POETA CANARIA OLGA RIVERO JORDÁN.


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inmensa ola cargada de energía con todo aquello que identifica el espíritu no sólo chileno sino universal. La Paz de aquel Octavio imperator del destello y el estallido creador. Además, de la misma manera que el poeta y crítico norteamericano T.S. Eliot encontrara en su Tierra Baldía su epicentro, este grupo experimentó en ese inmenso vacío la pulsión creativa de la vida. Dice Leo Lobos que viajar por Atacama es una empresa que al principio parece terrible, pero una vez en camino cambian todos los conceptos inculcados sobre el ser humano y su lugar en la Creación. Uno se ve enfrentado a la inmensidad del universo. La pintura de Leo Lobos podría parecernos un poema. Podría ser el ómnibus pintado de cerezas, que viera el poeta canario Rafael Arozarena con silbato tzariano de tinta amarilla, por el desierto de Atacama o por el Oku no Osomichi que Basho pespuntara en los renga haikai allá en su choza intemporal. El artista no hace concesiones con la cultura en decadencia. No se deja llevar por las mareas de una cultura norteamericana creadora de arquetipos con el sello de contemporánea. Tampoco lo hizo, desde luego, el genial pintor Jackson Pollock, creador del action painting que, cuando perdía el contacto con la pintura, el resultado era una confusión, la misma que le producía el entorno que le tocó vivir, y de hecho lo aniquiló. Dar y tomar, pues, para llegar a la armonía que la tradición y la sociedad no le proporcionaban. Leo Lobos dialoga con esta idea y es consecuente con ella no sólo en su pintura sino en su poesía. Expresionismo abstracto, unido al grafema bashiano. El grito como un balbuceo del pincel buscando la habitación unitiva, donde todo es dispersión y aspersión


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nuclear hacia y desde el ectoplasma de la misma creación. Bajo el cielo de estrellas de Atacama: pinturas en acción y movimiento siempre acordes con la vida. ¿Cómo puede llenar de ventanas una mordida al letargo, un vórtice? La luz se llena de colores: amarillo de la cosecha de trigo y cebada en plena eclosión, justo en el instante que la retina y la mano, que el pincel o el bote de pintura, elevan su canto de hambre saciada. Goterones de esencia derramada sobre la tela. Rojez de la rabia y del labio buscando el hímen de las palabras mudas, la frontera del aullido en las noches de jazz. Miles Davis podría estar ahí, casi se le escucha apartando la cortina y mordiendo mansamente el lugar donde ni los escorpiones moran. Una música con sordina por la lluvia contenida. Para aquéllos que dejan flotar sus vidas a bordo de los barcos o envejecen conduciendo caballos, todos sus días son viaje y su casa misma es viaje. En 1999 Leo Lobos viaja a Nueva York con el fin de presentar en la última cumbre del milenio en la ONU el libro homenaje a Pablo Neruda Diez Máscaras y un Capitán co-editado bajo el auspicio de la Fundación Pablo Neruda y la Universidad de Chile. Fue un homenaje al gran poeta universal de los artistas visuales chilenos Rafael Insunza, Jorge Cerezo, Rafael Gamuncio, Sergio Amira, Claudio Correa y el propio Leo Lobos. El caso es que nuestro artista conoce allí a personalidades tan relevantes como Kofi Atta Annan y Nelson Mandela, es decir, personajes que han luchado por la paz en el mundo. Nueva York, uno de los ejes más importantes de la cultura mundial, lugar donde todos los artistas querrían exponer sus obras. Lugar donde los movimientos contraculturales conviven con lo más conservador de un sistema neocapitalista y globalizador. Vida en ebullición donde confluyen todas las culturas planetarias, marginación


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junto a riqueza de unos pocos. Esto es precisamente lo que más ha impulsado el arte contemporáneo. Allí el expresionismo abstracto de Williem de Kooning y de Marks Rotko y la alegría por la pintura de Kandinski. También hay que mencionar la magia y el hechizo que le causó a Leo Lobos el conocer en su casa a Yoko Ono, compañera y esposa del que siempre fue su héroe e inspirador, no sólo por su música sino por su mensaje vital: John Lennon. Hacer una enredadera, regar todos los días. Hasta que la enredadera se extienda. Hasta que la enredadera se marchite. Hasta que la pared desaparezca. Un ejemplo parafraseado de uno de los pensamientos de este inmenso ser humano que habla de la vida, el arte y la poesía al unísono. Yoko Ono, reencarnación múltiple: Erato, Urania, Terpsícore…Todas en una. En el año 2002, Leo Lobos recibe una beca de la UNESCO-Ausberg de Literatura, que suponía una Residencia en CAMAC, una institución francesa patrocinada por la fundación Frank Ténot y el Ministerio de Cultura francés, localizada en la ciudad de Marnay-sur-Seine y dirigida por la artista y escultora canadiense Alexandra Keim y por el también artista francés Jean Yves Coffre. Seis meses compartiendo experiencias en todas las facetas del arte y la literatura: traducción, música, escultura, pintura. Una experiencia inolvidable en cuanto a la idea de que la humanidad realmente no tiene fronteras que la separen y que el Arte es un elemento de cohesión y como tal ha de ser considerado y practicado. Caló muy hondo el pensamiento de este gran mecenas moderno que fue Frank Ténot. El arte, y en este caso la pintura como ser viviente que es, también es un viaje que lleva en su maleta al artista y cruza los océanos y los continentes para verterse sin más en una mirada inocente y cálida que observa


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ángeles eléctricos en los cielos nocturnos de la vieja Europa. El surrealismo rebelde de Miró que siempre fue más allá de los manifiestos y descubrió el colorido del sueño de los pájaros en el azul del Mediterráneo. No la simplificación abstracta, sino la caligrafía del árbol, con tinta de hojas y ramas. El gesto de Roberto Matta. La vida en el desierto de Mali y el paso del tiempo, de Barceló. Una feliz comunión. Entre 2004 y 2006 Leo Lobos trabaja junto a la poeta Cristiane Grando y el arquitecto Jorge Bercht en Jardim das Artes, espacio cultural situado en Cerquinho, Sào Paulo. Aquí realiza labores de gestión cultural, organiza exposiciones, actividades de comunicación y relaciones internacionales, además de pintar, escribir y traducir a todo un elenco de poetas brasileños como Tanussi Cardoso, Hilda Hilst, etc. De esta manera, entra en contacto con pintores como Wesley Duke Lee, Cándido Pertinari y Tarsilia do Amaral y arquitectos como Ruy Ohtake, Oscar Niemeyer, Lúcio Costa y el mismo Bercht que había diseñado el Jardim das Artes. Sâo Paulo, laberinto mucho más inextricable que el que Borges pudiera haber soñado en la noche de su ceguera. Una ciudad de 12 millones de habitantes buscando su centro y su cifra como modernos minotauros urbanos. Donde el gran poeta Roberto Piva viera a los ángeles de Sodoma lamiendo/ las


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DE PARANOIA ROBERTO PIVA TRADUCCIÓN DE LEO LOBOS

heridas de los que nacieron sin/ alarde, de los suplicantes, de los suicidas/ y de los jóvenes desaparecidos3. Universo que engloba la marginación y creación, universo donde la locura alcanza la extensión de una avenida. Es precisamente aquí, como en Nueva York y en Francia donde Leo Lobos se calza los zapatos del mundo, los que llevan a la patria común de todos los creadores. En este sentido, no podría hablar de influencias en la pintura de Leo Lobos, sino de consecuencias de un diálogo constante con infinidad de artistas con los que ha mantenido una relación que va más allá del simple roce personal y llega a la profundidad de la emoción y el hermanamiento. Un diálogo que viaja no ya por la blancura del lienzo y los espacios imaginarios, sino por una realidad que engloba vivificaciones, encuentros, islas flotantes y, junto a todo esto, aquellos colores primigenios que se quedaron impresos en la mente del artista desde el primer día de vida, incluso desde su etapa fetal. La crisálida. No sólo el trazo, sino el átomo de vida en un trazo que deviene gesto y, consecuentemente, movimiento y energía. Fuerza vital que no queda enlozada en la tela sino que se transmite al mismo tiempo a un número indeterminado de receptores que, a su vez, insuflan nueva energía… Concepción redonda de la pintura, el universo como vórtice. Un más allá más acá con voz propia y electrificante. Es el punto donde la palabra es imagen y viceversa, pero no sólo con un referente textual o pictórico, sino en la misma realidad del artista. Un pintor que escribe y percibe que las grafías tienen la forma exacta de su pintura y de su respiración. Realidad, realismo, dos conceptos que están siendo revisados en estos tiempos que corren por


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algunos intelectuales, como Jorge Riechmann en artículos como Por un realismo de indagación en homenaje al poeta catalán Joan Brossa4. No se puede llamar realismo al análisis de una parcela de la realidad, la tangible, la que sólo el ojo aprecia sin tener en cuenta su conexión con los demás sentidos, y que la suma de subjetividades puede ser más real que el concepto de realidad misma. Qué mayor realismo que la emoción humana. En este sentido, la poesía visual de Leo Lobos es bastante significativa, cuando pinta el grafema transformándose en imágenes que van más allá de los lugares comunes, que de tanta repetición resultan irreales por desgastados, raídos, muertos sobre su misma labia. Nada de ello en los poemas visuales de Leo Lobos, yo diría simplemente poemas, pero no por la simplicidad sino por la puerta y la llave que implican, no hacia respuestas salvadoras y más o menos intelectualizadas ni hacia las dudas estereotipadas que nos llevan al vacío prefijado en un lugar de los contenedores de la razón antropocéntrica. Puerta y llave hacia un conocimiento olvidado: la vida misma en su ebullición más pura. Sin esquema prefijado, con la manera que la mente de un artista aprehende la inmensidad, Leo Lobos busca y encuentra su espacio de acción con espontánea vitalidad.

CANCIONES ALLENDE LO HUMANO MADRID HIPERIÓN, 1998 PP. 129-135.

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É com muita alegria, honra e satisfação que trazemos nesta edição da Revista Mucury poemas de Cristiane Grando, que nos enviou 4 livros para que homeopaticamente inundemos ainda mais de poesia este espaço diverso.

flu


uxus


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pensas que sou feita de carne, ossos, sangue? não sou vento, chuva, fogo, nada *** às vezes é bom sentir fome para só depois morrer de saudade

sangue vejo somente sangue e chuva *** para que a introspecção? para que ver o obscuro?

*** *** meu último poema: insuportável a perfeição do gozo ***

me ama mas não me olha com a profundidade dos olhos que não vêem ***


FLUXUS 29

sinto a falta de suas mãos é como se no mundo já não existissem nem um pai nem um deus *** escrever pode ser um ato de amor mas também o suicídio das palavras *** alguém canta ao longe alguém canta em meus ouvidos surdos ***

náuseas eu que estou quase morta da vida e do silêncio

***

escrevo para ser porque estou e ainda corre o vermelho da vida

***

escrevo num fluxo dinâmico de estrelas num quase-escuro do quarto para não ver as letras para ver somente para ver a perfeição

***


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infernal o calor do corpo suando sob as roupas

***

sei da angústia de Virginia Woolf e dos hormônios da mulher que explodem como vulcões

***

tenho medo dos terremotos; sou filha destes movimentos que moram desde sempre em minha paisagem

***

jamais escrevi tanto a um só tempo talvez esteja pronta para a mensagem cifrada; amanhã compreenderei as frustrações do hoje como tu, Carlos, compreendes somente no agora tuas palavras e filhos do passado

***


NOME DO TEXTO 31

Retirados do livro fluxus y otros poemas (*) de Cristiane Grando, com tradução de Espérance Aniesa e Melania Yens. (*) Edición especial para la X Feria Internacional del Libro de Santo Domingo Donde la imaginación florece. República Dominicana, 2007 Copyright C Cristiane Grando Direitos Reservados / Derechos Reservados I.S.B.N. 978-99934-948-4-3




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empregados em cauções de títulos que, não representando hoje a décima quinta parte do valor das cauções, deixam a companhia em sérios embaraços e sem recursos para o prosseguimento dos trabalhos da construção.

I

ExEcuÇãO DOs cONTRATOs cELEbRADOs PELA cOMPANhiA EsTRADA DE fERRO bAhiA E MiNAs Sendo absolutamente impossível a companhia executar no prazo determinado todos os trabalhos a que se obrigou em vista do contrato de 1889 deverão caducar a 7 de março de 1894 todos os privilégios concedidos pela estado à mesma companhia. II

cONDiÇÕEs fiNANcEiRAs DA cOMPANhiA Infelizmente os saldos do empréstimo de 16.500.000 francos, destinados aos trabalhos do Prolongamento da estrada de ferro, foram

Não é lícito esperar que semelhantes títulos se valorizem dentro do prazo de dez anos e nem presumível que os acionistas façam novas entradas de capital, visto ter a companhia não só hipotecado ao Banque Parisienne toda a estrada construída, mas tomado ainda o compromisso de preencher as formalidades legais para assegurar a primeira hipoteca sobre os trechos a construir. Parece, pois, que os trabalhos estarão condenados à uma paralisação por longo tempo, se não se fizer sentir a ação benéfica do governo para sobre as dificuldades do presente. Espero, porém, que a diretoria da companhia e os credores estrangeiros, pesando bem todas as circunstâncias, não contrariarão os interesses gerais, criando óbices à pronta realização de um melhoramento, que é um desideratum há longos anos alimentado e condição indispensável ao desenvolvimento da lavoura, comércio e indústria desta zona. III

PROLONGAMENTO DA EsTRADA DE fERRO Movimento de terra

Do quilômetro 120 ao 185, empreitada do dr. J. da S. Leite Fonseca, foi preparado o leito na extensão de 8,524 quilômetros.


RELATÓRIO DE PEDRO VERSIANI 35

Do quilômetro 185 ao 233,8, contrato dos drs. Lemos e Trotselr1, fez-se o movimento de terra na extensão de 1,080; não tendo, porém, sido iniciada a construção de obra-d’arte alguma.

Faltando 34 quilômetros para a ligação das linhas, cumpre à companhia, no seu interesse e no do público, apressar a conclusão do serviço.

1

Via permanente

Nota do organizador. O nome Trotselr parece incorreto

Os serviços das duas empreitadas estão suspensos; sendo os da primeira desde o fim do mês de julho, quando manifestou-se a revolta dos trabalhadores pelo atraso dos pagamentos, e os da segunda desde 16 de novembro.

Obras-d’arte

Entre os quilômetros 90 e 113 foram construídos três bueiros capeados e dois bueiros abertos. Entre os quilômetros 113 e 120 foram construídos dois bueiros capeados e adiantou-se a construção de três pontilhões. Entre os quilômetros 120 e 130 construíramse seis bueiros capeados, dois bueiros abertos, encetou-se a construção de mais um bueiro capeado e pouco andamento tiveram as obras dos pontilhões dos quilômetros 113, 126 e 130. Entre os quilômetros 130 e 140 foram concluídos cinco bueiros capeados e encetou-se a construção de um outro.

Telégrafo

Até o fim do corrente mês devem estar assentados os trilhos em frente à estação de Todos-osSantos, entre os quilômetros 112 e 113. No fim do ano passado os trilhos estavam assentados até o quilômetro 102,5; o que evidencia a excessiva morosidade do assentamento da via permanente, tendo-se feito em um ano trabalhos que poderiam ser executados em 15 dias. Para o prosseguimento dos trabalhos entre a estação de Urucu e de Todos-os-Santos, foram feitas duas pontes de madeira, que só puderam ser permitidas como obras provisórias. Estando adiantados os trabalhos do leito até o quilômetro 149 e havendo trilhos e dormentes em depósito, seria de grande conveniência a intervenção do governo de modo a poder a companhia dar todo impulso ao assentamento de trilhos, ativar a construção das obras-d’arte e concluir o pequeno movimento de terra até aquele ponto para ser inaugurada a estação de São Paulo no fim de junho do ano vindouro.

Foram estabelecidos 32 quilômetros de linha telegráfica do quilômetro 155 a 187, e mais 12 quilômetros a partir de Teófilo Otoni em direção a Saudade (quilômetro 2052), acompanhando o leito da estrada de rodagem.

Pode-se conseguir semelhante desideratum com a importância da garantia de juros que a companhia terá de receber pelo semestre atual.

2

202 em vez de 205, provavelmente por motivo de erro tipográfico.

Concluiu-se a alvenaria de tijolos da estação de Todos-os-Santos, que já está coberta de telhas.

Os trabalhos estão paralisados desde princípio de novembro, por falta de isoladores.

Tanto nesta estação como na de Urucu a sala do armazém só tem porta para o lado da

Nota do organizador. No original está, incorretamente, quilômetro

Estações


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TAbELA DE DEcLiviDADEs ENTRE KM 20 E 205 linha, resultando grande inconveniente para o movimento das tropas e carros.

ExTENSãO EM NíVEL

Caixa-d’água

ExTENSãO EM RAMPAS

Foi montada no quilômetro 30 uma caixa-d’água, que era indispensável ao serviço do tráfego, visto ser de 49 quilômetros a distância entre as estações de Aimorés e Mayrink.

Condições técnicas do traçado

Tendo desaparecido no incêndio da estação de Aimorés todos os trabalhos de escritório referentes aos primeiros 20 quilômetros da linha e não estando concluídas as plantas e perfis da revisão dos estudos do quilômetro 20 até Teófilo Otoni, só pude organizar as tabelas de alinhamentos e declividades da linha entre os quilômetros 20 e 205. Pelo resumo que apresento, ver-se-á que as condições técnicas da linha são mais favoráveis do que as de outras estradas mineiras; o que não é de admirar, porquanto a linha desde o quilômetro 30 acompanha o Rio Mucuri até o quilômetro 112 e daí o seu afluente Todos-osSantos até a cidade de Teófilo Otoni. Em anexo apresento também um esboço com a planta da estrada e o seu grade em escala reduzida, que permitirão ajuizar melhor do traçado. Por falta de dados mais positivos e que inspiram maior confiança, organizei com alguns rascunhos, que podiam ter sido alterados na execução dos trabalhos, a planta e grade dos primeiros quilômetros da linha. Em declives superiores a 1% a extensão é somente de 1.239,7 m ou 0,67% da distância total.

124.905,8 m

67,52%

51.886,5

28,04%

ExTENSãO EM CONTRARRAMPAS

8.207,7

4,44%

TOTAL

185.000

EM RAMPAS DE 0 A 0,5%

34.887,5 m

EM RAMPAS DE 0,5%

6.600,0

EM RAMPAS DE 0,5% A 1%

7.739,0

EM RAMPAS DE 1%

2.660,0

EM CONTRARRAMPA DE 0 A 0,5%

4.456

EM CONTRARRAMPA DE 0,5%

629

EM CONTRARRAMPA DE 0,5% A 1%

803

EM CONTRARRAMPA DE 1%

1.080

EM CONTRARRAMPA DE 1% A 1,5%

180

EM CONTRARRAMPA DE 1,5% EM CONTRARRAMPA DE 2%

346,7 713


RELATÓRIO DE PEDRO VERSIANI 37

Quanto a declividades a Estrada de Ferro Bahia e Minas leva grande vantagem sobre todas

as outras do estado, como verificar-se-á pela comparação abaixo feita.

PORcENTAGEM DA ExTENsãO EM NívEL DE DivERsAs EsTRADAs ESTRADA DE FERRO BAHIA E MINAS (NA DISTÂNCIA DE 185.000m)

67,52%

ESTRADA DE FERRO OESTE DE MINAS NA DISTÂNCIA DE 685.755m, COMPREENDENDO A LINHA DO SíTIO A SãO JOãO D’EL-REI, PROLONgAMENTO A OLIVEIRA E LAVRAS, LINHA DE OLIVEIRA A SãO FRANCISCO E RAMAL DE ITAPECERICA

58,99%

TRADA DE FERRO DE MUZAMBINHO (LINHA PRINCIPAL COM 146.800m)

41,40%

ESTRADA DE FERRO DO SAPUCAí (LINHA PRINCIPAL DE SOLEDADE A ELEUTÉRIO E RAMAIS DE BAEPENDI, NA DISTÂNCIA DE 352.796m)

37,66%

ESTRADA DE FERRO LEOPOLDINA (NA DISTÂNCIA DE 478.696m, COMPREENDENDO A LINHA PRINCIPAL DE SãO gERALDO A SAúDE, RAMAL DO ALTO MURIAÉ, SUB-RAMAL DE SãO PAULO E TAPIRUçU, PROLONgAMENTO DO SUB-RAMAL DA SERRARIA ATÉ A LINHA PRINCIPAL, SUBRAMAL DO POMBA E RAMAL DE JUIZ DE FORA E PIAU

33,71%

PORcENTAGEM DA ExTENsãO EM RETAs NAs DivERsAs EsTRADAs

No trecho baiano da Estrada de Ferro Bahia e Minas a extensão em nível é de 32,35%. Há porém 43,66% em declives de 0 a 1%.

RELAÇãO DOs ALiNhAMENTOs ExTENSãO EM TANgENTES ExTENSãO EM CURVAS TOTAL

ESTRADA DE FERRO BAHIA E MINAS

58,05%

ESTRADA DE FERRO OESTE DE MINAS

58,01%

107.388,58 m

58,05%

ESTRADA DE FERRO MUZAMBINHO

53,77%

77.611,42

41,95%

ESTRADA DE FERRO LEOPOLDINA (NA DISTÂNCIA DE 540.937 M)

50,86%

ESTRADA DE FERRO DE SAPUCAí3

50,60%

185.000 3

Nota do organizador. A expressão que aparenta ser “de Sapucaí” está em parte faltando letras ou ilegível.


REVISTA MUCURY 38

No trecho baiano da Estrada de Ferro Bahia e Minas a extensão em tangentes é de 71,42%.

sem o insignificante material rodante, que ainda salva as dificuldades do tráfego.

Infelizmente o primitivo contrato permitia para os primeiros 20 quilômetros da linha mineira declives superiores a 2%, que melhor fora não terem sido empregados; porquanto a Serra de Aimorés é muito baixa, sendo de 201,70 m a sua maior altitude no ponto em que é atravessada pela linha.

Parada de trens

Linha em tráfego

O estado de conservação da linha é mau, havendo muitos aterros abatidos, falta de lastro em trechos extensos e grande número de dormentes podres. Os descarrilhamentos são frequentes; não tendo porém havido acidente algum do qual resultassem contusões ou ferimentos em passageiros e nem grande estrago do material. Ainda não foram construídos a ponte e pontilhões a que fiz referência no meu relatório do ano passado. Com a enchente do mês de novembro caíram dois esteios da ponte provisória sobre o Rio Urucu. Para a desorganização do serviço de conserva muito tem concorrido a irregularidade dos pagamentos ao pessoal, que têm sido feitos com atraso de seis, oito e 11 meses. Cumpre à companhia tomar providências prontas e enérgicas para a completa reorganização de serviço tão importante e que não deve ceder a primazia a nenhum outro. Se o não fizer e se derem-se alguns descarrilhamentos de graves consequências, poderá ficar

É de grande utilidade para os fazendeiros do Ribeirão Sete de Setembro o estabelecimento de um desvio e plataforma coberta no quilômetro 30, determinando-se também no horário a parada dos trens. Não convém ainda a construção da estação projetada e orçada, porque os fretes dos produtos daquele vale não são bastantes para o pagamento do chefe da estação, telegrafista e serventes. Quando houver maior densidade de tráfego em toda a estrada, será de muita utilidade a construção da estação, mesmo para regularizar a composição dos trens; porquanto as condições técnicas da linha desde o quilômetro 30 até a cidade de Teófilo Otoni são muito superiores às do trecho entre Aimorés e aquele ponto, máxime às dos primeiros 20 quilômetros.

Ponte de Urucu

A diretoria da companhia não deve descurar da construção da ponte definitiva sobre o Rio Urucu; sendo urgente e indispensável dar começo às alvenarias dos encontros.

Horário dos trens

Houve irregularidades no tráfego, tendo sido suprimidos alguns trens de passageiros; alegando a inspetoria falta de lubrificantes, por estar trancado o porto do Rio de Janeiro aos vapores nacionais. Continuando porém o movimento de vapores entre os portos de Caravelas e Bahia, o fato não pode ter justificação, porque havia um mercado,


RELATÓRIO DE PEDRO VERSIANI 39

não contemplado o de Vitória, para serem feitos os suprimentos necessários.

A receita por quilômetro, no período supra, foi de 343$483.

Determinando o regulamento um único trem de passageiros por semana, a supressão deste causa grande transtorno aos viajantes, pois que os outros trens são facultativos e organizados ad libitum da inspetoria.

A despesa por quilômetro foi de 396$694.

Balancete do tráfego

Para facilitar a comparação, organizei o quadro infra, contendo os algarismos da receita e despesa desde a inauguração da estação Mayrink, a 13 de abril de 1891.

Comparando a receita em nove meses com a de todo o ano passado, ver-se-á que houve aumento de 72,6%.

A receita do tráfego, desde 1o de janeiro até 30 de setembro do ano corrente, foi 31:256$964. A despesa tendo sido de 36:099$130, houve um déficit de 4:842$166.

PERíODO DE TEMPO

REcEiTA

DEsPEsA

DÉficiT

DE 30 DE ABRIL A 13 DE DEZEMBRO DE 1891

4:431$350

18:954$059

14:522$709

ANO DE 1892

18:106$213

43:431$165

25:324$952

DE 1° DE JANEIRO A 30 DE SETEMBRO DE 1893

31:256$964

36:099$130

4:842$166

Para o lisonjeiro resultado do tráfego no exercício corrente, muito influíram a inauguração da estação de Urucu a 31 de julho de 1892, e o melhoramento da picada que comunica a estação com a estrada de rodagem.

Comparando as diversas verbas da receita com as do exercício passado, nota-se aumento em todas, como verificar-se-á pela discriminação abaixo feita dos produtos das passagens, bagagens e encomendas, mercadorias diversas, telégrafo e transporte de animais.

REcEiTA DE EsPAÇO DE TEMPO PAssAGEiROs

b. E ENc.

MERcADORiAs

TELÉGRAfO

ANiMAis

ANO DE 1892

3:519$500

542$130

13:172$653

519$470

352$460

DE 1° JANEIRO A 30 SETEMBRO DE 1893

4:931$900

610$974

24:294$030

945$080

474$980


REVISTA MUCURY 40

O processo seguido pela companhia para discriminar a despesa é muito imperfeito; não permitindo ajuizar das quantias despendidas com a conserva da linha, tração, estações e dependências, etc.

poderia ser mais utilmente empregado em novas culturas, compras de maquinismos, etc.

Estatística do tráfego PAssAGEiROs

O balancete do trimestre de 1o de julho a 30 de setembro demonstra um saldo de 806$795; tendo sido a receita de 12:811$785 e a despesa de 12:004$990.

DE 13 DE ABRIL A 13 DE DEZEMBRO DE 1891 O MOVIMENTO FOI DE

O saldo foi absorvido pelo déficit do primeiro semestre.

DURANTE O ANO DE 1892 O MOVIMENTO FOI DE

1.978 passageiros

O resultado do tráfego, depois de inaugurada a estação de Urucu, posto que pequeno não deixa de ser animador e mostra a conveniência de prolongar quanto antes os trilhos até o quilômetro 149.

DE 1° DE JANEIRO A 30 DE SETEMBRO4 DE 1893 O MOVIMENTO FOI DE

2.262 passageiros

Inaugurada a estação de São Paulo a receita aumentará, devendo exceder de 60% à atual; resultando ainda para os agricultores grande economia pela diminuição das despesas de transportes em costas de animais e mais facilidade para exportação dos seus produtos. A maior parte da colheita do café do município de Teófilo Otoni ainda não pôde ser transportada, principalmente pela falta de tropas. Para tornar mais evidente o prejuízo que o atraso dos trabalhos da Estrada de Ferro Bahia e Minas ocasiona aos lavradores, basta refletir que, sendo a safra de café superior a 80.000 arrobas, o seu transporte até a estação de Urucu ficará por preço superior a 240 contos, quando pela estrada de ferro, se estivesse concluída conforme o contrato celebrado em 1889 pela companhia, ficaria por menos de 40 contos de réis. O que os agricultores perdem em fretes

4

998 passageiros

No original está “dezembro de 1893” por evidente engano.

Em nove meses do exercício corrente o número de passageiros foi de 14% maior do que em todo o ano passado.

bAGAGENs E ENcOMENDAs NO ANO DE 1892 FORAM TRANSPORTADOS

14.941 quilogramas

DE 1° JANEIRO A 30 SETEMBRO DE 1893

23.635 quilogramas

Houve aumento de 58%. Deve-se, porém, observar que nos algarismos supra está incluído o movimento da estação de Aimorés.

Telegramas

De 1° de janeiro a 30 de setembro de 1893, foram transmitidos 1.217 telegramas com 16.484 palavras.


RELATÓRIO DE PEDRO VERSIANI 41

Durante o ano de 1892 foram transmitidos 489 telegramas com 5.088 palavras5. 5

No original está “5.880”. Tudo indica que o correto é 5.088.

Madeiras

Durante o ano de 1892 foram exportados 102.400 quilogramas.

Para mais, em nove meses do atual exercício, 728 telegramas com 11.396 palavras.

De 1° de janeiro a 30 de setembro 293.900 quilogramas.

Animais

O aumento da exportação foi de 187%.

De 1° de janeiro a 30 de setembro de 1893 o número de animais transportado foi de 186. No segundo semestre de 1892 o número transportado foi de 99.

Sal

A importação de 1o de janeiro a 30 de setembro de 1893, foi de 115.630 quilogramas.

Farinha cAfÉ ExPORTADO NO ANO DE 1892 A ExPORTAçãO FOI DE DE 1° JANEIRO A 30 SETEMBRO DE 1893 FOI DE

A importação (de 1° de janeiro a 30 de setembro) foi de 35.623 quilogramas.

482.205 quilogramas 626.739 quilogramas

O acréscimo foi de 29,9%. Observação — No balancete que foi apresentado não consta exportação de café pela estação Mayrink. Parando, porém, os trens de carga no km 24 da linha para o recebimento dos produtos das lavouras do Ribeirão Sete de Setembro, os fretes deveriam ser cobrados desde a estação Mayrink, pois que a prática seguida em diversas empresas de viação férrea consagra o princípio de fazerse a cobrança dos fretes da estação anterior ao lugar da parada. Da escrituração deveria pois constar despacho de café pela estação Mayrink.

O peso de todas as mercadorias importadas e exportadas (de 1° de janeiro a 30 de setembro de 1893) foi de 1.823.633 quilogramas. No segundo semestre de 1892 foi de 827.627 quilogramas.

Tarifas

Havendo clamores do comércio desta zona por causa das tarifas do trecho baiano da Estrada de Ferro Bahia e Minas e dos fretes elevados cobrados nos vapores da companhia, fui por ato de 8 de fevereiro, autorizado pelo governo, entrar em acordo com a diretoria da companhia para celebração de um convênio, que salvaguardasse os interesses gerais. graças à boa vontade da diretoria em corresponder à justa pretensão do governo do estado, foi assinado a 16 de fevereiro o convênio; sendo alteradas as tarifas da seção


REVISTA MUCURY 42

de navegação e uniformizadas as da estrada de ferro, feita porém a redução da tarifa de sal a cem réis por tonelada e por quilômetro. Os fretes marítimos foram reduzidos, principalmente para os produtos mineiros. Para as mercadorias importadas não foi possível obter as concessões da minha proposta, todavia a redução foi considerável; assim, por exemplo, o preço do transporte (do Rio a Caravelas) de uma tonelada métrica de tecidos de algodão, lã, e etc., que era de 166$666 réis, foi reduzido a 40$000 réis. Posto que este preço seja ainda alto em comparação com os fretes dos portos do Havre, Liverpool e outros da Europa para o Rio de Janeiro e também os do Lloyd Brasileiro para mercadorias importadas, todavia o comércio está satisfeito com o resultado obtido.

EsTADO fiNANcEiRO DA cOMPANhiA EsTRADA DE fERRO bAhiA E MiNAs Havendo mais de dois anos que a Companhia da Estrada de Ferro Bahia e Minas não apresenta relatório, torna-se muito difícil o conhecimento exato do seu estado financeiro. O último relatório apresentado pela diretoria da companhia à assembléia geral dos acionistas, em 5 de janeiro de 1893, é relativo ao período social findo em 31 de maio de 1892; não merecendo, porém, nenhuma confiança esse trabalho, porquanto há nele mais fantasia do que realidade. O saldo da receita sobre a despesa, na importância de 198:264$424, acusado no relatório, não passa de simples jogo de escrituração.

REfERêNciA bibLiOGRÁficA VERSIANI, Pedro José. Relatório do engenheiro fiscal da Estrada de Ferro Bahia e Minas. In: Minas gerais. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Relatório apresentado ao dr. presidente do estado de Minas gerais pelo secretário de estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas dr. David Moretzsohn Campista no ano de 1894. Ouro Preto: Estado de Minas gerais, 1894. p. 114-123.

Do balanço anexo a esse relatório consta a dívida de 1.281:600$000 ao estado da Bahia, pela subvenção quilométrica concedida; a de 458:495$399 ao estado de Minas, por garantias de juros; a de 5.824:500$000 por 33 mil debêntures de 500 francos do empréstimo feito pela Banque Parisienne sobre hipoteca da


RELATÓRIO DE PEDRO VERSIANI 43

estrada de ferro e suas dependências e a de 8.000:000$000 por 80 mil títulos de 100$000, parece-me que letras hipotecárias emitidas pelo Banco de Crédito Real do Brasil sobre hipoteca de terras marginais à estrada de ferro. Além disto a companhia figura como devedora a diversos de quantia superior a 12 mil contos. Semelhante balanço deixa a atual diretoria em grande dificuldade para a organização do seu relatório, sendo preciso averiguar a exatidão das responsabilidades da companhia, porquanto, não se sabe em que foi empregado tanto dinheiro. Do produto do empréstimo contraído em Paris (para o Prolongamento da estrada em território mineiro) e depositado na casa Duvivier & Cia., grande parte foi devorado pela jogatina da Bolsa, tendo sido empregado em cauções de títulos da Companhia de Obras Públicas e outras. Agravado por estas circunstâncias o estado financeiro da companhia, viu-se ela na contingência de suspender os pagamentos ao empreiteiro do Prolongamento dr. J. da Silva Leite Fonseca, o que determinou a paralisação dos trabalhos desde o mês de julho de 1893.

termos da autorização da Lei n° 64, de 24 de julho de 1893; ficando assim modificado o contrato de 7 de março de 1889. Pelo acordo feito o governo compromete-se a emprestar à companhia, em dinheiro ou em apólices de juros de cinco por cento ao ano, até a quantia de 3.200 contos de réis para a conclusão das obras da via férrea até à cidade de Teófilo Otoni e aquisição do material necessário; exercendo porém a mais severa fiscalização sobre os seus negócios, com a nomeação de um diretor, que terá o direito de veto em todas as deliberações da companhia ou resoluções de sua diretoria, que entenderem com os interesses do estado de Minas. Para maior garantia do estado, o governo assumiu a responsabilidade dos debêntures emitidos1 em Paris sobre hipoteca da estrada de ferro, depois de convertidos os títulos-ouro em títulos-papel, nas melhores condições de preço; efetuando assim uma operação das mais vantajosas na época atual. 1

Nota do organizador. A palavra “debênture” era, na época, do gênero masculino.

A situação precária da companhia não lhe permitiu pois concluir os trabalhos da estrada de ferro no prazo prescrito no contrato de 7 de março de 1889.

PROLONGAMENTO

Ameaçado por este fato o progresso da zona nordeste de Minas, onde os fazendeiros tinham dado incremento às suas lavouras, na expectativa de fácil transporte, e viam frustradas as suas esperanças, o governo do estado, conhecedor da uberdade da região à qual servirá a estrada e mostrando solicitude em atender a uma das mais palpitantes necessidades públicas, celebrou com a companhia o acordo de 9 de julho de 1894, nos

Encetados no dia 30 de outubro os trabalhos por administração entre as estações de Urucu e Presidente Pena (Todos-os-Santos), pouco andamento têm tido, não sendo lícito esperar a inauguração desta última estação no prazo de dez dias, porque falta ainda construir um pontilhão de seis a sete metros de vão sobre o Córrego d’Areia, substituir alguns dormentes podres, lastrar o leito em grande extensão e

Construção da linha entre a estação de Urucu e São Paulo


REVISTA MUCURY 44

assentar de novo toda a linha telegráfica. Neste trecho (de 21 quilômetros e 700 metros) fez-se, durante o mês de novembro, a roçada na extensão de dez quilômetros e o nivelamento de nove quilômetros de trilhos, lastrou-se a linha em pequena distância, sendo rampados alguns cortes, e levantaram-se alguns aterros abatidos. Foram construídos sete bueiros, sendo um de manilhas de 0,30 m de diâmetro e sete metros de comprimento, no quilômetro 109, cinco simples capeados de alvenaria de pedra seca, com o vão 0,60 m, entre os quilômetros 109 e 113 e um duplo, com as dimensões de 0,60 x 0,90 x 11,50, no quilômetro 111. Fez-se também em novembro um armazém para servir de almoxarifado, foram extraídos postes para dez quilômetros de linha telegráfica e transportados para a estação Presidente Pena 380 trilhos e duas caixas-d’água de ferro com todas as pertenças.

104, um no quilômetro 111 e um bueiro capeado de alvenaria de pedra seca, com as dimensões de 0,70 m x 0,90 m x 6,50 m, no quilômetro 104. Também foram construídas as alas da plataforma da estação e as fundações para a caixa-d’água. Além destes serviços, foram entalhados 9.000 dormentes e transportados para o avançamento 600 destes, 480 trilhos e os acessórios. No segundo trecho, de Presidente Pena para São Paulo, continuou-se a roçada do quilômetro 117 a 123, fez-se a locação final do quilômetro 113 e 117, foram removidos os entulhos dos cortes desmoronados nesta parte, nivelando-se o leito para facilitar o assentamento de trilhos. Infelizmente, nos últimos dias de dezembro, manifestaram-se entre os trabalhadores alguns casos de febres intermitentes. O número de trabalhadores, que em novembro era superior a 200, acha-se reduzido a 70, mais ou menos.

No segundo trecho, desta última estação para São Paulo foi a linha roçada na extensão de quatro quilômetros, isto é, entre quilômetro 113 e 117.

As despesas com o pessoal, desde o princípio dos trabalhos, importaram em 36:952$050.

Durante o mês de dezembro as chuvas frequentes impediram em parte alguns trabalhos. Fez-se a roçada da linha entre quilômetros 91 e 103, capinou-se o leito do quilômetro 91 a 98, onde substituiu-se grande número de dormentes deteriorados, lastrou-se do quilômetro 105 a 113, sendo rampados alguns cortes que estavam abertos em caixão, concluíram-se os aterros dos quilômetros 107 e 110 e assentou-se a chave da estrada do desvio da estação Presidente Pena. Foram construídos quatro bueiros abertos, de alvenaria ordinária com argamassa de cimento, sendo dois no quilômetro 103, um no quilômetro

Observações: Sobre a inconveniência de alguns tipos de bueiros e do emprego das manilhas, já entendi-me com o engenheiro-chefe da estrada, fazendo-lhe sentir também a necessidade de impulsionar fortemente os trabalhos de prolongamento.

Empreitadas

Foram iniciados os trabalhos de roçada do terreno e estabelecimento da linha telegráfica do quilômetro 150 para a cidade de Teófilo Otoni. Tendo percorrido a linha, verifiquei o estado do


RELATÓRIO DE PEDRO VERSIANI 45

serviço empreitado pelo sr. Lucas Evangelista dos Santos, só existindo então três quilômetros de linha assentada. A roçada está bem feita, o fio bem esticado e os postes são de madeira de boa qualidade.

mesma companhia, já está montado, tendo sido transformado em carro misto, atenta a consideração de ser muito pequeno o movimento de passageiros de primeira classe em relação ao de segunda.

O empreiteiro ultimamente reforçou o número de operários para dar maior impulso aos trabalhos, esperando concluí-los um mês depois do prazo do seu contrato. Os empreiteiros Eusébio & Amorim também deram começo aos trabalhos da sua empreitada de dormentes, estando feito um barracão no quilômetro 152 e instalada uma turma de serradores.

As interrupções da linha telegráfica entre as estações de Urucu e Mayrink têm sido repetidas e prolongadas, o que tem prejudicado muito não só o serviço particular da estrada como o público. Têm sido causas das interrupções a queda de árvores sobre o fio, a falta de roçada da linha e a má qualidade dos postes finos e baixos.

Linha em tráfego

Acha-se ainda em mau estado a linha, não tendo havido conservação regular em virtude da falta de pessoal idôneo e de uma locomotiva para lastro; porquanto, as poucas máquinas, que a companhia possui, estão estragadas e são insuficientes para os transportes de passageiros e mercadorias. Há muitos dormentes podres, grandes extensões de linha sem lastro e aterros abatidos. Nota-se também em muitas curvas a falta de superelevação do trilho exterior.

Balancete do tráfego

A receita do tráfego de 1° de janeiro a 30 de setembro de 1894 foi de 50:590$633. A despesa no mesmo espaço de tempo foi de 54:813$577; havendo pois o déficit de 4:222$944. Comparada a receita com a do mesmo período do ano anterior, verifica-se um aumento superior a 61%. Tendo aumentado também a despesa, o déficit do tráfego só diminuiu de 619$222. A renda proveio das seguintes verbas:

Os descarrilamentos são frequentes, não só por causa da linha como por estar muito deteriorado o material rodante. Felizmente os acidentes têm sido sem gravidade, por já estarem prevenidos os maquinistas. A nova locomotiva-tender, comprada à Companhia Teresópolis com autorização do governo do estado, já foi experimentada na linha e está prestando bons serviços. O carro de primeira classe, comprado a

PASSAgEIROS

5:444$600

BAgAgENS E ENCOMENDAS

855$792

ANIMAIS DIVERSOS

1:240$410

TELEgRAMAS

723$730

...


REVISTA MUCURY 46

...

Discriminada a receita por estações temos:

MERCADORIAS DIVERSAS

16:585$843

ExPORTAçãO PELA ESTAçãO MAYRINK

2:474$942

CAFÉ

20:281$949

IMPORTAçãO PELA ESTAçãO MAYRINK

1:020$060

1:376$480

ExPORTAçãO PELA ESTAçãO DE URUCU

24:886$915

FUMO

253$440

IMPORTAçãO PELA ESTAçãO DE URUCU

22:208$716

TOUCINHO

407$580

FEIJãO

126$080

MADEIRA

FARINHA DE MANDIOCA SAL

120$050 3:174$679

A receita total proveniente do transporte de mercadorias foi de 42:326$101, o que evidencia, sobre o mesmo período de 1893, uma diferença a mais de 74%. A discriminação da despesa é muito imperfeita. Pelas contas apresentadas pelo chefe do tráfego, despendeu-se com o pessoal da conserva 34:107$817; com a substituição de dormentes 9:488$348; com agentes das estações, telegrafistas, guardas, 7:363$000; com os fornecimentos do almoxarifado e diversos 3:854$412.

PARTE EsTATísTicA Passageiros

O número de passageiros foi 2.451, sendo 370 de primeira classe e 2.081 de segunda. Comparada com o período correspondente do ano anterior houve o acréscimo de 189 passageiros.

Animais

O movimento de animais diversos foi de 433, sendo 115 pela estação de Aimorés. Houve, pois, aumento de 133%.

Telegramas

Foram transmitidos 1.289 telegramas, contendo 14.506 palavras; sendo por Aimorés 195 telegramas com 2.001 palavras. Houve diferença para mais de 72 telegramas e para menos de 1.978 palavras.


RELATÓRIO DE PEDRO VERSIANI 47

Bagagens e encomendas

A quantidade de bagagens e encomendas foi de 1.310 volumes, pesando 25.109 quilogramas. O acréscimo foi de 1.474 quilogramas.

Mercadorias

A quantidade total de mercadorias exportadas e importadas foi de 2.438.049 quilogramas, como ver-se-á pelo quadro infra:

MERCADORIAS DIVERSAS

17.747

VOLUMES

832.063

QUILOgRAMAS

CAFÉ

19.293

SACAS

1.139.736

QUILOgRAMAS

35

VAgÕES

241.000

QUILOgRAMAS

FUMO

527

ROLOS

13.001

QUILOgRAMAS

TOUCINHO

524

BALAIOS

28.331

QUILOgRAMAS

FARINHA DE MANDIOCA

654

SACAS

23.372

QUILOgRAMAS

FEIJãO

350

SACAS

17.506

QUILOgRAMAS

2.226

SACAS

143.040

QUILOgRAMAS

MADEIRA

SAL

O produto que mais avultou no tráfego foi o café, cuja exportação aumentou de 81,8%. A importação de sal acusa uma diferença de 23,7% para mais. Houve diminuição na exportação de madeira e na importação de farinha.

Tarifas

Sendo conveniente que a renda do tráfego dê ao menos para o custeio, foi feita a revisão das

tarifas, sendo a do café elevada de 25%. Mesmo assim as tarifas são mais baixas do que as de outras estradas de ferro de companhias particulares. Na tarifa de sal fez-se abatimento de 50%, ficando reduzida a 50 réis por tonelada por quilômetro. As novas tarifas, aprovadas pelo governo do estado, devem entrar em vigor no corrente ano.


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MOviMENTO DO TRÁfEGO DO TREchO MiNEiRO DA EsTRADA DE fERRO bAhiA E MiNAs NO ANO DE 1893 1

1

O título não consta do original. Foi introduzido pelo organizador deste texto com a finalidade de identificar o assunto e o período de tempo relatado.

REfERêNciA bibLiOGRÁficA VERSIANI, Pedro José. Relatório apresentado pelo engenheiro fiscal de primeira classe desta estrada Pedro José Versiani. In: Minas gerais. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Relatório apresentado ao dr. presidente do estado de Minas gerais pelo secretário de estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas dr. Francisco Sá em o ano de 1895. Ouro Preto: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1895. v. I, p. 199-205.

Teófilo Otoni, 19 de março de 1894 Sr. dr. diretor da Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do estado de Minas. Recebi o balancete do tráfego do ‘Trecho mineiro da Estrada de Ferro Bahia e Minas”, correspondente ao quarto trimestre de 1893, o que me permite apresentar-vos mais alguns dados sobre o movimento do ano passado.

Receita e despesa

Durante todo o ano de 1893 a receita do tráfego foi de 41:851$903, e a despesa de 48:605$110. O aumento da receita, em relação ao ano de 1892, foi de 131,1% e o da despesa 11,9%. O déficit de 25:324$952 do ano de 1892 ficou reduzido a 6:753$207 no exercício de 1893.

Passagens

O número de passageiros transportados pela estrada foi de 2.865 que apresenta aumento de 44,8% sobre o ano anterior.

Animais

O movimento durante o ano foi de 292 animais diversos.


RELATÓRIO DE PEDRO VERSIANI 49

Bagagens e encomendas

Comparando com o exercício anterior, o aumento foi de 96,7% tendo sido transportados 29.395 quilogramas.

Telegramas

Foram transmitidos 1.796 telegramas contendo 24.416 palavras; portanto, mais 267% em telegramas e 379% em palavras do que no ano antecedente.

Café

A exportação deste produto foi de 915.438 quilogramas. Tendo sido de 482.205 quilogramas a exportação do ano de 1892, houve pois acréscimo de 89,8%.

Infelizmente os trabalhos de construção da Estrada de Ferro Bahia e Minas, que animaram os agricultores e fomentaram o desenvolvimento observado, estão completamente paralisados deste o fim do ano passado, por falta de recursos da companhia. Os trabalhos de movimento de terra e construção de obras-d’arte não têm andamento desde meado de novembro; e o assentamento de trilhos e estabelecimento da linha telegráfica desde fins de dezembro. Os trilhos foram assentados até à estação de Todos-os-Santos, entre quilômetros 112 e 113; mas, a linha ainda não está centrada, nivelada, nem lastrada em grande extensão.

Madeira

A exportação de madeira bruta e dormentes para o Rio de Janeiro e estado do Espírito Santo foi de 658.900 quilogramas, isto é, mais 543,4% do que em todo o exercício de 1892.

Sal

A importação deste gênero foi de 143.500 quilogramas.

Farinha

A importação de farinha de mandioca da Bahia foi de 49.699 quilogramas.

Movimento total

Foi de 2.694.457 quilogramas todo o movimento da importação e exportação. Os dados supra, mostram à evidência que a zona desperta do letargo em que jazia por falta de comunicações fáceis.

REfERêNciA bibLiOGRÁficA VERSIANI, Pedro José. [Movimento do tráfego do trecho mineiro da Estrada de Ferro Bahia e Minas no ano de 1893.] Secretaria da Agricultura. Quarta Seção. Dia 3 de maio. Minas Gerais. Órgão Oficial dos Poderes do Estado, Ouro Preto, ano III, no 126, 12 maio 1894. p. 2, c. 1-2.


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CARNAVAL 51

VERSOS ESCRITOS POR: JOãO QuixicO DOMiNGOs

Um longínquo beijar Luanda acordou louca louca calema KIANDA marginal em Carnaval Um cântico vazio Luanda acordou lisa doce massemba KIMBANDA Viana em festival Um cantar maluco Luanda adormece escura louca KAZUKUTA acorda Cazenga embondeiro triste Um longínquo olhar Luanda adormece morena doce praia Maria convida – nos dançar. Luanda, aos 29 de Janeiro de 2004, 14:30 minutos


REVISTA MUCURY 52

UMA VIAGEM

fALA bAixO Num ritmo lento vamos de mãos dadas, sorrisos abertos descobrir os encantos do nosso país. E na esperança do povo o sonho que se torna realidade. Uma conserva amena é trocada entre os passageiros, embora uns interpretem mal e outros nem por isso passivos e pávidos observam os arrepios dos que acham ser os donos da justiça. Jovens tímidos calados, no silencio da manhã fazem a sua viagem descontentes, porque lhes foram tirado a liberdade de desabafar as

suas angustias, que a garganta reclama água e não cerveja que por sua vez alivia o stress, mas não acaba com a sede de exclamar perante os sofrimentos de gentes feitos farrapos que só servem de pano de chão. Mas onde é que estamos? Numa jaula em que ninguém tem a liberdade e quem o tentar reclamar pode ser sujeito a ser interpretado como indisciplinado ou destruidor dos bons hábitos de convivência.


FALA BAIxO 53

TExTO ESCRITO POR: JOãO QuixicO DOMiNGOs

Já alguém disse xé menino fala baixo se te ouvirem vais ir parar na cadeia. Hoje num novo mundo de que muito se fala de justiça , direitos humanos e de expressão ainda também se escuta que não se deve criticar quando as coisas não estão a caminharem mal. Xé menino fala baixo se te ouvirem vais ir parar na cadeia. Mas será que isto é justo? Nada é justo neste universo , neste verde planeta da gigante, onde falar a verdade é ser contra o regime.

Jovens perderam a fala e nos seus rostos a solidão o desespero por não serem livres, embora são informados e formados que a liberdade é uma realidade, mas finalmente é uma utopia.

Somos livres ou não? Fala baixo!!!...

Kwanza- Norte, Ndalatando, aos 14 de Janeiro de 2011, 12: 15 minutos


TExTO ESCRITO POR: JOãO WERNER IMAgENS TAMBÉM DE: JOãO WERNER


LADRãO!

“EU NãO VOU CHAMAR PILANTRA DE ExCELêNCIA, NEM VAgABUNDO DE MERETíSSIMO. EU NãO VOU CHAMAR PEDÓFILO DE EMINêNCIA, NEM ANALFABETO DE MAgNíFICO.


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VOCê QUER ME OBRIgAR COM A TUA LEI, MAS EU NãO VOU SEPARAR O MEU LIxO, PORQUE O IMPOSTO QUE EU TE PAgO É MAIS DO QUE SUFICIENTE PARA ELIMINAR TODO O LIxO DA FACE DO PAíS.


LADR達O! 57


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VOCê QUER ME CONSTRANgER COM A TUA PROPAgANDA, MAS EU NãO VOU ECONOMIZAR A ágUA PORQUE COM O IMPOSTO QUE EU TE PAgO TODA A ágUA CONSUMIDA DEVERIA SER LíMPIDA E CRISTALINA, E A NATUREZA PRESERVADA EM SEUS MANANCIAIS. VOCê ME OLHA TORTO DO ALTO DE TUAS ESCRITURAS, MAS EU NãO VOU CONTRIBUIR COM A TUA CAMPANHA DE CARIDADE PORQUE COM O IMPOSTO QUE EU TE PAgO NãO DEVERIA HAVER CRIANçA DE RUA, NEM MISÉRIA ECONôMICA E CULTURAL, NEM O ABANDONO DE IDOSOS E DOENTES.


LADR達O! 59


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LADRãO! 61

E, POR FIM, VOCê PODE FAZER MUCHOCHO E TORCER O TEU NARIZINHO, MAS EU NãO VOU ENTREgAR MINHA ARMA A VOCê POIS, SE ASSIM TODOS O FIZESSEM, O úNICO ARMADO NESTA “TERRA DE MARLBORO” SERIA VOCê. AO CONTRáRIO DO QUE VOCê ALARDEIA POR Aí, FAZER TUDO ISSO QUE VOCê QUER NãO É ExEMPLO DE CIDADANIA OU DE CIVILIDADE, E NEM VAI SALVAR O MUNDO (O SEU, É CLARO). FAZER TUDO ISSO QUE VOCê QUER É APENAS DAR MAIS SOPINHA PRA PILANTRAS. EM TORTUgA, O ESTADO NãO É A SOLUçãO, PORQUE O ESTADO É O LADRãO!”


DiA DE ÁGuA LiMPA

NO DiA 20 DE NOvEMbRO cOMEMORA O DiA NAciONAL DA cONsciêNciA NEGRA, NEsTA DATA, EM 2011, fizEMOs uMA ExPEdiçãO à cOMuNiDADE DE ÁGuA LiMPA NO MuNicíPiO DE OuRO vERDE DE MiNAs, REcONhEciDA cOMO REMiNiscENTE DE QuiLOMbOs. ANuALMENTE As ciNcO cOMuNiDADEs QuiLOMbOLAs DE OuRO vERDE sE REúNEM EM uMA GRANDE E AbERTA fEsTA, ONDE hÁ MuiTA MúsicA E MuiTO QuE cOMER.


TExTO ESCRITO POR: bRuNO DiAs bENTO FOTOS DE: bRuNO DiAs bENTO e LEONARDO cAMbuí

Vamos falar um pouco mais do que vimos daqui a pouco, vamos contar, antes, a história para chegarmos lá... Bem, estamos discutindo há certo tempo sobre o levantamento e registro das manifestações

culturais deste nosso Mucuri, o que não é fácil, pois não só é difícil arrumarmos tempo, já que somos tão poucos, como também transporte, estas e outras coisas que são pequenas, mas nos limitam muitas vezes.


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Entre tantos desencontros finalmente conseguimos deixar uma série de compromissos de lado, combinamos quem disponibilizaria o carro, fechamos a equipe e a hora da saída, já que a programação iniciaria às 13h. Encontramo-nos todos quase pontualmente, F. g. Júnior, Leonardo Cambuí, Moana gomide, Michelle O. Freitas e Bruno Bento. Almoçamos e entramos no Wolverine, o carro de Moana. A distância é relativamente pequena, só uns 60 quilômetros nos separavam do destino, mas havia um aviso de superaquecimento no caminho, aquela luzinha vermelha. Logo achamos, no Cedro, o pessoal da Pastoral da Criança que nos conduziu e introduziu na comunidade, a Jussiana, a Neide e o Rubens, além do Wilmar, o motorista, logo depois começou a aventura... Poucos quilômetros depois iniciou nossa novela, a temperatura do Wolverine só subia. Começamos a parar, esperar, procurar água e tentar acalmar o motor... fomos assim até a quase Frei gaspar, quando de tanto pelejarmos, do reservatório de água surge um grande buraco, achamos o problema! E então, como resolve-lo? Domingo à tarde, longe das oficinas, o jeito foi parar para pedir um banheiro emprestado para Michelle, uma água para beber, pois já estávamos com sede, ganhamos um café e a dona da casa, a Teucla, irmã da Karine Ramos, tinha uma caixa de DUREPOx! Um viva à gambiarra! Depois de emergencialmente resolvermos nosso problema, conseguimos finalmente ir para a comunidade de Água Limpa. Tínhamos levado algumas câmeras, umas analógicas, as de Bruno e outras digitais, as dos


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Cambuís, Leonardo e F.g., durante o caminho, e as paradas fizemos umas fotografias, que estão por este texto. Mas logo a limitação do filme utilizado deu lugar à facilidade do mundo digital no que se refere às condições de luminosidade. O caminho é salpicado de inselbergs, as grandes pedras que são famosas e maravilhosas nestes cantos das minas, e bem no meio destas formações magníficas está nossa comunidade, cravada. Curvas, pedras, subidas e descidas, riachos e lajedos... chegamos à longa fila de carros de todo o tipo estacionados entre a estrada estreitíssima e as cercas. Descemos e logo nos deparamos, num dia nublado e quase frio, com o aglomerado de pessoas estava a dançar, comer e beber ao som de um batuque. Em seguida fomos tomados pela curiosidade e pelo som, claro. O batuque puxado pelos representantes de outra comunidade, a de Santa Cruz, estavam no galpão por causa da garoa, mas rapidamente o ritmo ganhou o terreiro em meio ao cheiro de chuva, da mata e o de carne assada. Formou-se então uma grande roda, as mulheres rodando suas saias compridas num sincrônico movimento quase imemorial, os homens também acompanhavam e todos em volta se não dançavam, observavam atentamente aquele simples, intrigante e lindo espetáculo, ao fundo uma imensa montanha, contrastava com as cores, das nuvens baixíssimas e de todos nós embaixo. De repente, enquanto observávamos e fazíamos fotos e umas imagens, uns gritos de “debaixo da saia não”... em uma cena engraçadíssima, na qual um de nós (o Bruno) fotografava as dançarinas girando suas saias e os que acompanhavam começaram o coro. Felizmente com a tecnologia


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do nosso lado, ele mais que depressa mostrou as imagens e o possível mal-entendido fora logo resolvido. Por providência, chegamos exatamente no ponto máximo do festejo à libertação de séculos de cativeiro, à luta pela opressão ainda vivida neste mundo longe da igualdade. A imagem do Navio Negreiro produzida por Rugendas não saia de nossa mente, junto de tudo aquilo nos vem a reflexão sobre a luta, a resistência e sofrimento naquelas matas antes repletas de Capitães do Mato, os caçadores de escravos fugidos. É claro que lembrávamos também de Zumbi, morto num dia 20 de novembro, o líder de Palmares, e é neste dia que todos o reverenciamos. Dentre as diversas observações, estão a generosidade e o acolhimento que de pronto tivemos, o que rapidamente nos possibilitou a imersão naquele episódio festivo de tantos motivos e tantas lutas. As cores também. Todas as cores, as das roupas, do ambiente e das pessoas, um ambiente diverso, onde todos estavam despreocupados com senhores ou capitães, só queriam a fugacidade da alegria do encontro, da música, da comida e dos motivos. Entretanto, logo após a roda e o batuque, tivemos de ir, e rápido. A chuva presente começou a ameaçar nosso retorno. Fomos aconselhados a voltar, pois a estrada de terra é muito sinuosa e com a chuva que chegara mais brava, era o sinal de que se não nos adiantássemos, ficaríamos por lá, afinal um quilombo é marcado tradicionalmente pelo difícil acesso. Obedecemos a experiência e os sinais do tempo, retornamos comendo cocada e nos deliciando novamente com a paisagem.


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Agora, com o carro sob controle, retornamos bem mais rápido e à noite chegamos muito cansados e satisfeitos pela visita e início de um contato que cremos será muito frutuoso recompensador. Viva a luta pela igualdade de cor e raça! E viva tolerância! Viva as Comunidades Quilombolas de Ouro Verde de Minas e do Mucuri! Este texto e estas imagens são uma singela homenagem do grupo Criativa e da Mucury Cultural nesta data tão importante para o Brasil. Aproveitamos e agradecemos à Comunidade Quilombola e à equipe da Pastoral da Criança pela recepção e carinho.


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DESAFIOS DA “VEL ORDEM MUNDIAL EM M PROCESSO DE GLOB ASS


LHA” NOVA MEIO A UM BALIZAÇÃO SIMÉTRICA: uma revisão histórica Renata Peixoto de Oliveira


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O final da década dos anos 80 trouxe consigo as promessas de prosperidade com o advento de uma nova ordem, assim como a emergência de “novos” problemas que deveriam ser enfrentados com o fim da ordem bipolar. Apesar dos desafios apresentados, o fim de uma era caracterizada pela hegemonia econômica e políticomilitar das duas superpotências abria espaço para a reorganização da geopolítica mundial, para relações mais democráticas entre os países, para o alcance do tão sonhado desenvolvimento econômico e para as benesses do desenvolvimento científico-tecnológico. Duas décadas depois, nos permitimos reavaliar o processo de profundas transformações pelas quais o mundo passou. É o momento de verificarmos o êxito ou o fracasso de nossas previsões, assim como nossos erros e acertos. E, acima de tudo, repensar a ordem mundial, os traços de mudança e continuidade, os aspectos positivos e os negativos. Afinal de contas, em que pontos existem avanços e em quais regredimos?


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O FIM DA GUERRA FRIA E O VISLUMBRAMENTO DE UMA NOVA ORDEM As revoluções do Leste Europeu tiveram um significado muito maior do que a transição de regimes autoritários para democráticos; a queda do muro de Berlim teve um significado mais amplo do que a reunificação das duas Alemanhas; assim como o processo de independência das exRepúblicas Soviéticas representou mais do que o desmantelamento da URSS, significou o fim de uma era e início de outra.

detrimento dos aspectos relacionados à segurança, o processo de globalização se intensificara assim como o simultâneo processo de regionalização. Os conflitos étnicos e religiosos, o narcotráfico, as imigrações (principalmente ilegais) e a degradação da natureza se tornaram o centro das atenções de toda a sociedade internacional. De início, parece que estamos diante de um processo de ruptura entre o velho e o novo, entre uma ordem e outra. No entanto, devemos destacar que os indícios dessas profundas transformações já se apresentavam há bastante tempo.

Durante mais de 40 anos, o mundo se habituou a ser a plateia e o palco de uma guerra muito peculiar, caracterizada pelo conflito, principalmente ideológico, entre as duas superpotências, Estados Unidos e URSS. E na virada de uma nova década, o socialismo real deixou de ser uma alternativa e até mesmo uma ameaça; parecia que a economia capitalista de mercado e que a Democracia Liberal, além de um consenso, tinham se tornado uma inevitabilidade histórica.

Os países que irão surgir como novos pólos de poder a partir dos anos 90, Japão e Alemanha, já apresentaram indícios de recuperação econômica nos idos de 1950 (contando com a ajuda norte-americana através do Plano Marshall) e elevados índices de crescimento econômico na década de 1970. Em contrapartida, os Estados Unidos já vinham perdendo sua supremacia econômica e militar, evidenciados pela perda do monopólio nuclear e queda nas taxas de produção global no mesmo período.

O período demarcava não só a derrocada de um império e o descrédito de uma ideologia, mas uma era caracterizada pela hegemonia neoliberal. Aspectos econômicos se destacavam em

Do lado socialista, a crise também já se prenunciava. Como manter, indefinidamente, a corrida armamentista com os EUA? Como se manter entre as maiores potências do planeta?


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Essas perguntas surgiram porque a economia planificada, característica principal do modelo do socialismo real, dava sinais de crise. Em meados dos anos 80, duas estratégias políticas – a Glasnost e a Perestroika - entraram em vigor com o intuito de modernizar e dinamizar a sociedade e a economia soviética. Mal sabiam que esta manobra precipitaria o fim do império que teve início em 1917 . Em 1985 Mikhail Gorbachev anuncia um processo de abertura política e econômica - a Perestroika. Que trouxe a modernização da economia civil e acordos para limitação de armamentos com os EUA. As consequências para a unidade da nação foram desastrosas: como manter a unidade em um país multiétnico e plurinacional? Não conseguiram, e em dezembro de 1991 foi anunciado o fim, o fim de uma das nações mais poderosas do século XX, o baluarte do socialismo real.

O processo conhecido como globalização, que compreende a internacionalização crescente da economia e o avanço tecnológico, já estava em andamento há décadas. A própria corrida armamentista propiciou este enorme salto que avançou em rumo à tecnologia de ponta. De um modo geral, por meio do que preconizavam as agências e organismos financeiros internacionais, apoiados no “consenso de Washington”, desde finais da década de 1970, no Chile do General Pinochet, foram implementadas medidas ortodoxas. Até mesmo, o próprio reinado da Democracia Liberal já era anunciado desde meados dos anos 1970, em processo conhecido como “a terceira onda de democratização”. Com isso, o que se ressalta é que esse processo de mudanças e transformações ocorridas e que levaram ao surgimento de uma “nova” ordem mundial se deu de forma gradual. Aquilo que seria denominado como característico dessa

“nova” ordem não era tão novo assim, pois estava encoberto pela dinâmica da ordem bipolar precedente.

MUNDIALIZAÇÃO DA ECONOMIA E “NOVOS” PÓLOS DE PODER O divisor de águas do pós Guerra Fria é justamente o fato de as atenções terem passado do campo militar para o econômico. Com o “desaparecimento” do segundo mundo, a divisão entre o norte desenvolvido e o sul subdesenvolvido ficou em evidência. Focando os acontecimentos no velho continente, enquanto a Europa oriental passava por um momento de fragmentação, do lado ocidental ocorria o fortalecimento das instituições e dos poderes supranacionais como a União Europeia, que após vertiginoso crescimento, atualmente, enfrenta uma crise sem precedentes na zona do Euro. Para os países situados na periferia do sistema capitalista, especialmente da América Latina, que ainda sofriam com os efeitos das políticas de ajuste e da crise da dívida dos anos 1980, a nova década sinalizava um período de prosperidade. Da mesma forma, os países que um dia fizeram parte da URSS e os que pertenciam ao bloco socialista esperavam que a transição de uma economia planificada para uma economia de mercado significasse uma grande mudança rumo a uma melhor qualidade de vida de sua população e ao crescimento econômico. Várias instituições supranacionais, nestes moldes, figuraram no cenário internacional da década de 1990, como o MERCOSUL e o NAFTA. Uma década depois, percebemos que outras naufragaram como a ideia de se criar uma


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Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), da mesma forma como vemos surgir projetos alternativos como a ALBA ou novas instituições como a UNASUR. Seja como uma estratégia ofensiva em rumo ao crescimento econômico ou mesmo como uma estratégia defensiva em meio ao “feroz” processo de globalização, os blocos regionais começaram a surgir e sua proliferação se tornou uma das principais características do período que se seguiu ao fim da Guerra Fria. A economia emergiu como aspecto prioritário na nova ordem e pautou as relações entre as nações, inclusive, sendo o principal motor do processo de integração regional e cooperação que se verificava. O mercado e sua força avassaladora rompiam fronteiras; com o passar dos anos presenciamos os acordos entre parceiros comerciais como os realizados entre países antes pertencentes ao bloco socialista e países capitalistas, entre países subdesenvolvidos e desenvolvidos e entre culturas diferentes. A impressão era a de que a força do mercado era, além de tudo, unificadora e igualitária. O tão poderoso Estado-Nação abria suas fronteiras em uma espécie de corrida em busca do ouro em que todos tinham a mesma chance de saírem vencedores. A modernização só seria possível através de uma reestruturação da economia e do abandono dos modelos de desenvolvimento que encontravam no Estado, o seu principal agente econômico. A impressão que se tinha era de que era necessário romper com tudo que se considerava velho e ultrapassado. A idéia de “desenvolvimento para todos através da abertura comercial e da integração

econômica” é um tanto quanto ilusória, já que apesar das novidades apresentadas pela ordem surgida com o pós-Guerra Fria os padrões de desigualdade continuam a existir e a guiar a economia global. Se os países que hoje conformam os BRIC´s (Brasil,Rússia, India, China e África do Sul) estão em uma posição mais confortável, a situação de verdadeira marginalização em que se encontram países periféricos, principalmente, da África subsaariana é algo alarmante. São países que sofreram com a colonização e que têm nas marcas por essa deixada a causa de muitos conflitos étnicos, guerras civis e toda a sorte de más consequências que uma divisão de territórios arbitrária e uma colonização desumana poderiam deixar. O cenário econômico de 1980 a meados da década de 1990 era fruto de uma imposição, de um falso consenso que parecia mostrar a todos que o problema tinha solução, mas que esta era única. Hoje percebemos êxitos, mas principalmente percebemos muitos erros e fracassos. Este padrão que configura a dinâmica das relações econômicas globais, conhecido como o modelo neoliberal, apresenta consequências negativas tanto para países desenvolvidos quanto, e principalmente, para países subdesenvolvidos. O cenário em que reina uma espécie de valorização do capital financeiro, volátil, da pura e simples especulação nos revela que a economia mundial se tornou a roleta de um grande cassino. Com uma força arrasadora, qualquer sinal que intranquilize os investidores estrangeiros e os mega especuladores pode acarretar uma fuga em massa de divisas de um país, desestabilizando sua economia, gerando desemprego, recessão, desvalorização da moeda, ou seja, um verdadeiro cenário de crise.


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Ano após ano, assistimos ao esgotamento do modelo neoliberal e de seu projeto de globalização: Caracazzo, Venezuela (1989), Chiapas, México (1994), Crise Asiática (1997), Crise Russa (1998), Crise de desvalorização do Real (1999), Guerra da água, Bolívia (2000), crise Argentina (2001), crise financeira nos Estados Unidos (2008), Crise da zona do Euro (2010).

ASPECTOS DE SEGURANÇA: CONFLITOS E PODERIO BÉLICOMILITAR Ao final da Guerra Fria, os aspectos de segurança pareciam ter sido esquecidos ou ter cedido lugar para os debates acerca dos aspectos econômicos. No entanto, os aspectos ligados à segurança também atraíram a atenção da sociedade internacional e dos especialistas. Qual seria a potência ou potências militares da nova ordem? Qual seria a relevância do próprio poderio bélico-militar para determinar a supremacia de uma nação? E o que seria do arsenal, inclusive nuclear, da URSS que agora estaria dividido entre os diversos países que antes a formavam? E os novos conflitos que se espalharam por todo o mundo? Definitivamente, a ordem que surgira não trazia consigo a paz. Se houveram eufóricos que imaginaram que com o fim do conflito entre as duas superpotências o mundo respiraria mais aliviado, estes, infelizmente para todos nós, enganaram-se. Com o passar do tempo, esta questão relacionada à determinação ou não da hegemonia de um país pelo seu poderio bélico foi sendo relativizada. Nos anos 90, os aspectos econômicos eram vistos como o principal fator determinante da condição

ou não de potência mundial. Dessa forma, a Rússia se tornou uma mera potência de médio porte, por conta do que ainda lhe restava do seu poderio bélico, já que quanto aos aspectos econômicos este país passou por uma grave crise econômica no final dos anos 1990. Mas apesar de toda importância dada aos aspectos econômicos, o mundo ainda se preocupava com uma série de conflitos espalhados pelo globo, em sua maioria nas áreas periféricas. Conflitos motivados por razões étnicas, religiosas e políticas tomaram conta do cenário mundial. No leste europeu, a dissolução da antiga Iugoslávia de forma violenta e com o massacre de minorias étnicas chocou o mundo e mobilizou as principais potências mundiais e a ONU na busca de uma solução pacífica para o conflito. No oriente médio os israelenses e palestinos, ou o massacre dos Curdos no Iraque, são representativos dos conflitos que tornaram esta região um dos principais focos de tensão do planeta. Por se tratar da região que é maior produtora de petróleo do mundo, é justamente esta parte do globo que recebe a maior atenção por parte das potências mundiais e organismos internacionais. Atualmente, essa região passa por um período de profunda transformação em decorrência da “primavera árabe” e a queda de regimes ditatoriais que comandaram estes países durante décadas. A África sofre intensamente com as lutas e conflitos entre grupos rivais que representam povos diferentes dentro de um mesmo território. São conflitos extremamente violentos e que já duram décadas, mas não despertam a atenção das principais potências mundiais e nem ao menos recebem atenção pela grande mídia como aconteceu em Ruanda em 1994. Com a nova ordem mundial, também ganhou


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visibilidade a ação de grupos terroristas como o ETA na Espanha, que recentemente anunciou uma trégua, ou mesmo o IRA na Irlanda. A ação da máfia Russa ou mesmo a máfia Italiana também são representativas de organizações que usam o terror para alcançar os seus objetivos. Na América Latina, grupos guerrilheiros como o peruano Sendero Luminoso, foram enfraquecidos enquanto outros como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) ainda resistem. A associação entre guerrilhas, narcotráfico e terrorismo feita pelo governo norte-americano é demonstrativo do grande interesse dos EUA na região andina, tendo em vista que, a partir disso, conseguiram unir um problema doméstico, que se constitui na entrada de narcóticos pela fronteira mexicana, a um problema de agenda externa que é a Guerra Contra o Terror.

militar dos americanos que sozinhos possuem um poderio bélico superior ao dos países mais poderosos do mundo juntos.

Os atentados sofridos pelos americanos em seu próprio território em 2001 foram um verdadeiro marco porque legitimizaram as ações governamentais na área de segurança no que se refere à ingerência militar em outras regiões.

Construímos a imagem de um grande mito, a de que vivemos em um mundo moderno em que se defende o respeito aos direitos humanos, em que a tecnologia está cada dia mais avançada e a serviço da humanidade, em que se pode contar com toda a facilidade que a vida moderna pode lhe oferecer através dos mais diversificados tipos de prestação de serviços. Na realidade, encaramos a desigualdade, a pobreza, a injustiça como algo que foge ao padrão sem pensar que na verdade isso tem sido a regra.

Durante cinco anos, o regime Talibã aterrorizou a população afegã, mas as ações contra este regime, por parte do governo americano, só vieram em resposta aos atentados de 11 de Setembro. No Iraque, Saddam Hussein foi derrubado por ser sempre um impecilho aos interesses americanos na região, já que durante décadas os Estados Unidos fecharam os olhos para os abusos cometidos pelo ditador iraquiano. Outra questão que ficou evidente com o episódio da guerra do Iraque é o papel secundário delegado à ONU e ao seu conselho de segurança, que mesmo tendo poder de veto não teve voz para impedir que os Estados Unidos invadissem aquele país. Isto se deve, principalmente, à hegemonia

As guerras e os conflitos armados não saíram de cena com o surgimento de uma nova ordem mundial ao final dos anos 1980. Estes conflitos apenas foram revelados por seus componentes regionais, étnicos, políticos, religiosos. Os aspectos militares que sinalizavam o poderio de uma superpotência, se de início pareceram ceder espaço para os aspectos econômicos, após o “11 de Setembro” ficou evidenciada a grande militarização das relações internacionais na virada do milênio.

POBREZA E DESIGUALDADES NA PERIFERIA DO MUNDO CAPITALISTA

Infelizmente, esta ideia de prosperidade, desenvolvimento e democracia foi divulgada amplamente com a queda do socialismo real e a instauração de uma Nova Ordem Global. Uma ordem que acreditava ser ela mesma “o fim da História”, o fim e o começo de um mundo que buscava e que adotava medidas que trariam o tão sonhado desenvolvimento.


REVISTA MUCURY 100

Em nome deste desenvolvimento, tão sonhado por todos, fórmulas foram prescritas e caminhos foram recomendados. E, em muitos casos, se o crescimento econômico foi finalmente alcançado, o mesmo não pode se afirmar quanto ao “desenvolvimento social”. Muito pelo contrário, em nome de uma economia próspera, que apresentasse “bons índices”, a população de vários países teve que arcar com os custos dessa corrida rumo ao progresso. Até mesmo a maior economia do mundo, a Americana, sofre períodos de crise com aumento nas taxas de desemprego e recessão, conforme vislumbramos na atualidade. Enquanto governos correm ao socorro dos banqueiros de Wall Street, a fila dos desempregados e sem-teto se multiplica a cada ano. Os ajustes estruturais realizados em muitos países ao adotarem políticas de cunho neoliberal deixaram economias débeis à mercê da especulação financeira de grandes empresas, afetaram os mercados internos que não suportaram a concorrência com os produtos importados, os trabalhadores mais desprotegidos pela desregulamentação do mercado de trabalho e etc. Isto se verificou na América Latina, com a crise do modelo neoliberal, que permitiu a ascensão de governos de esquerda em vários países da região e também se verifica em economias mais relativamente débeis situadas na zona do Euro como Portugal, Espanha, Itália e Grécia.

CONCLUSÕES Mais do que uma crítica ao aspecto extremamente economicista de nossa era, o intuito maior deste texto foi o de fazer um alerta para a importância dos aspectos sociais e da necessidade da superação de seus graves problemas. E, de certa forma, até mesmo demonstrar a própria necessidade de superação destes problemas para que o crescimento econômico seja possível e sustentável. Ao descortinar o mundo em que vivemos, pudemos perceber as ilusões e os enganos pelos quais passamos ao crer na possibilidade de um desenvolvimento para todos. Agora que já fizemos este balanço, resta-nos a busca de novas alternativas que combinem nossas decisões acertadas às ações que procurem solucionar as graves questões que ainda persistem. No momento de sua adoção, o modelo neoliberal procurou corrigir as falhas atribuídas ao Estado, agora devemos procurar corrigir as falhas do mercado. A melhor forma de inserção econômica mundial é aquela que busca minimizar os custos sociais e não deixar os países vulneráveis a especulação financeira e a volatilidade do capital internacional. Se a integração e a cooperação econômica ainda são caminhos viáveis, devemos buscar a criação de uma institucionalidade supranacional eficiente. Além de tudo, os países devem procurar agir conforme a lógica dos blocos econômicos regionais e não insistirem nas velhas formas de ação que privilegiam apenas os seus interesses particulares em detrimento aos dos seus parceiros comerciais. A paz mundial é construída a cada dia e em


DESAFIOS DA “VELHA” NOVA ORDEM MUNDIAL EM MEIO A UM PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO ASSIMÉTRICA: UMA REVISÃO HISTÓRICA 101

cada localidade, devendo ser promovida acima dos interesses econômicos das grandes potências, visando à construção de uma sociedade livre e igualitária. Faz-se, portanto, necessário o fortalecimento de instituições internacionais como as nações unidas. Deve-se, antes de tudo, perceber a força avassaladora que o capitalismo pode ter ao desestruturar padrões antigos de relações sociais e como isto reflete na sociabilidade dos atores. Antes de tudo, o ocidente deve repensar o suposto caráter universalista de nossas tradições e de nossa cultura, já que ao impor certos padrões culturais acabamos por demonstrar o quão antidemocráticos podemos ser. Além de desconsiderarmos a própria diversidade e pluralidade de nossa própria cultura. Existem várias “Europas” e infinitas “Américas”. Durante séculos, persistiram entre os povos e, em uma mesma sociedade, padrões de desigualdade e injustiça. Vivemos um momento pós “consenso de Washington”, um momento posterior à hegemonia de uma ideologia que perdeu seu invólucro e tomou a aparência de uma “técnica”. Mas se esta técnica apresenta problemas, por que não superá-la? Ou será que na verdade não se tratava de um dogma que não se assumia enquanto tal por que no mundo pós Guerra Fria não havia mais espaço para ideologias? O processo de globalização que se verifica deve muito de sua assimetria à combinação com o modelo neoliberal. Infelizmente, o processo de globalização, acentuado desde os anos 70, mas que ganhou grande visibilidade a partir dos anos 90 foi muito festejado, mas se mostrou altamente pernicioso.

BIBLIOGRAFIA LIMA, Maria Regina Soares de. Teses Equivocadas Sobre a Ordem Mundial PósGuerra Fria. Dados: Revista De Ciências Sociais. Rio de Janeiro. Vol.39, n-3. 1996. OLIVEIRA, Renata Peixoto. Estados Unidos e América Latina no pós Guerra Fria: Segurança e comércio são realmente duas agendas diferentes?.58f. monografia (bacharelado em Ciências Sociais) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 2002. VALDÍVIA. Globalización y Derechos económicos, sociales Y Culturales en el Continente Americano. Conferência Ciudadana contra el Racismo, la xenofobia, la intolerancia y la discriminación. [S.l], 3 e 4 de Dezembro, 2000. VESSENTINI, José Willian. A Nova Ordem Mundial. Série Geografia Hoje. São Paulo. Editora Ática, 1996. WALLERSTEIN, Immanuel. The Eagle Has Crash Landed. Disponível em: <www. foreingpolicy.com/issue-julyaug-2002/ wallerstein.html> Acesso em: 06 jul.2002.

Renata Peixoto de Oliveira é doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais e Professora visitante da Universidade Federal da Integração Latino Americana - UNILA.


Sexual


SEXUALIDADE FORMAL 103

Oscar Wilde, crítico do puritanismo da sociedade vitoriana e provocador, dizia que a felicidade de um homem casado dependia das mulheres com as quais não se casou. Quando os próprios homens fizeram coro com os Rolling Stones em Let’s spend the night together em 1967, uma outra mulher foi cantada. - Não podemos passar a noite juntos? Não somos capazes de sustentar nosso desejo? Que liberdade é essa? Mais ou menos assim, os homens ficaram ao lado da Nova Mulher, e uma outra cultura foi inscrita sobre os escombros de uma sociedade em que

os homens exercitavam o direito ao prazer sem confrontos com a igualdade, dentro ou fora do casamento. Rompidos os pactos com a opressão da cultura patriarcal, as mulheres se tornaram responsáveis pelo destino de sua sexualidade. Novos tempos para homens e mulheres com direito igual ao prazer. Hoje, “vamos passar a noite juntos” pode ser o convite de um homem para uma mulher ou de uma mulher para um homem, só por uma noite, ou não. Mas o que pretendiam aqueles rapazes e moças bem-intencionados?

lidade Viviane Campos Moreira


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Sem os rígidos padrões e os velhos costumes, estaríamos bem resolvidos. Acreditava-se que a liberdade sexual era para ser vivida. Temia-se que a revolução sexual pudesse se tornar mais uma ideia vazia, como tantas outras… “É proibido proibir, tudo é permitido!” foi o slogan ideológico das gerações de 68. Falou-se sobre sexo. Mitos foram debatidos. Não muito tempo atrás, as mulheres (mães desses rapazes e moças) não tinham espaço para falar de sexo, a não ser nos consultórios médicos. A sexualidade foi para a esfera política. E a política, no lugar da repressão sexual, mudou o cenário da sexualidade no mundo. O prazer se desvinculou da culpa. De lá para cá, o espaço da política foi surpreendentemente afetado por outros interesses. A aversão dos revolucionários à proibições relacionadas com a sexualidade, de certa forma, abriu caminho para

uma perigosa permissividade no espaço dos debates. Em entrevista à Maria da Paz Trefaut (Revista República n. 22), JeanClaude Guillebaud, jornalista, ensaísta e pensador francês que participou dos movimentos de 68, disse que as conquistas na sexualidade foram apropriadas pela sociedade de consumo e desviadas pela lógica do mercado. E sobre a liberdade sexual, sentenciou: “Hoje, em termos sexuais, tudo é permitido e tudo é pago. Só há uma coisa proibida: a gratuidade. É uma derrota formidável. Nossas conquistas foram recuperadas, recicladas e instrumentalizadas pela sociedade do dinheiro. O sexo se tornou mercadoria.” Não é difícil enxergar as mudanças na sexualidade. Em espaços variados, a perfeição emoldura o espetáculo da vida de sucessos. Ficar bem na foto se tornou uma exigência sem fronteiras no jogo da sedução narcísica. Da escola ao condomínio, da balada ao MSN, da sala de estar ao quarto, ninguém escapa dos apelos da forma bemsucedida: nem crianças nem velhos. Todos somos público-alvo de um ordenamento


SEXUALIDADE FORMAL 105

No momento em que o gosto pelo artifício sobrepuja o gosto pelo espontâneo, assumir o que nos pertence ou o que deveria nos pertencer na vida privada bombardeada de imagens e fetiches importados pode vir a ser um meio de sobrevivência do sujeito, do indivíduo, dos corpos desejantes. compulsivo de vida em que tudo tem que funcionar sem falhas - nada pode faltar. Hoje, os estilos de vida e o enredo dos encontros são marcados ou definidos, forçosamente, por padrões industriais e midiáticos de beleza e popularidade. Símbolos, modelos, agentes e cartilhas do ideal narcisista de felicidade entraram na tessitura do encontro amoroso e na vida de todos - homens e mulheres. Teria o prazer se moldado aos clichês do imaginário préfabricado pelo esteticamente correto ou pela última tendência repaginada da moda? Ecos de 68 parecem nos dizer que entre corpos e mentes o enlace erótico nem tanto se faz ou pouco se faz com a matéria que nos pertence. O que é mesmo nosso nas nossas fantasias? O que nos traz o encanto do outro? O que nos encanta no encantamento do outro?

Quando a turma de rapazes e moças foi para as ruas nos anos 1960/1970 reivindicar liberdade sexual, a liberdade ficava em primeiro lugar. Se o amor roubasse a cena, tudo bem eles queriam liberdade. Liberdade para criar e recriar a musicalidade própria do encontro amoroso. Liberdade que duas pessoas poderiam suportar. Liberdade.

Viviane Campos Moreira é advogada e blogueira, residente em Belo Horizonte. Autora dos blogs videbloguinho e Balaio da Vivi e idealizadora e coordenadora do Amor em Pedaços & Versos. Texto em homenagem ao Grupo de Estudos coordenado pela psicanalista Inez Lemos.


Mau-Olhado

Tempo de Recompor

A Pes


sca

poemas poemas poemas poemas poemas poemas Viviane Campos Moreira

Terna Promessa

Buraco na Agulha


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MAUOLHADO

sua insônia veste de morte sua alma quebrantada de maus agouros e malogros; a noite desterrou seus sonhos e seus abrigos (caboclo gosta de ti)

sorrateira embrenhou-se na rede dos seus ódios e na bainha de seus medos de menina - a mente mente, de noite e de dia (caboclo custa dar jeito)

sua cara de santinha do pau oco não esconde mais a fúria dos seus rancores nem o seu sorriso de boneca de cera empana seu ácido desespero (cara de pau pedra mandinga raivosa, fia)

quisera muito da vida em tempos de pouca fartura pensara que sua fome engolia a fome do mundo - que nada, a miséria tem muitos nomes (caboclo acha graça)

olhava pela janela as coisas do mundo e não se queimava por elas eram só clamores de um mundo distante; ruídos sem sentido algum (caboclo zomba de ti)


POEMAS - VIVIANE CAMPOS MOREIRA 109

querer muito da vida não é vergonha pai e mãe têm pouca serventia na trama ardilosa do destino sempre à espreita, caladinho (cara de pedra sabão mandinga raivosa, fia)

a vida nos grotões de sua ânsia endureceu feito carne congelada agora, repousa amarga na soleira dos seus assombros - pra que tanto tino, moça tinhosa? (caboclo sente por ti)

angústia é sombra perseguidora cobre a gente igual espinho e trapaceia e engana mais que pé de curupira (cara de sabão pipoca mandinga raivosa, fia; do céu cai lágrima doce pra ti; formosura de muié água rega e ladrão não leva)


REVISTA MUCURY 110

TEMPO DE RECOMPOR ano novo na areia pegadas de amores vívidos fincadas na minha pele negros olhos miram-me sem rede em um fulgurante reflexo vindo do mar reluzente onde serena meu olhar liberto primeiro passo para o começo tropeço de uma gaivota longe do berço senhora das águas divindade das marés renova o fôlego do meu ser precário perdido na ternura que se esvai envolto em delicadas promessas absorto em lembranças entregue ao tempo de recompor sendo eu mesma outra paragem: à espera

A PESCA

na escuridão das águas profundas encontrei a estrela de Nanã em mar aberto naveguei muitas histórias no calor do meu silêncio aprendi a ter esperança


TERNA PROMESSA

POEMAS - VIVIANE CAMPOS MOREIRA 111

eu vi o amor passar e não estava sonhando

soltei uma gargalhada que se perdeu pequenina no ar e destrambelhei a xingar e

nem atribulada com coisa alguma estava mesmo à toa: vivamente desperta

xinguei e xinguei e xinguei e quanto mais eu xingava

foi numa manhã clara e azul de céu sem nuvem

ele sussurrava meu nome longe, longe, longe de repente, calei-me assustada e

ele chegou disfarçadamente e me sorriu e

ele também fiquei muda; ele não deu um pio e

num relâmpago ele se foi, rindo pra mim e

com medo do silêncio dele assobiei uma cantiga de infância e

eu fui atrás, mas na vizinhança ninguém sabia dele

ele, distante, respondeu assobiando

então eu corri, corri, corri mais depressa e gritei o nome dele bem alto, bem alto, bem alto,

então bati meu pé três vezes no assoalho e ele também e ficamos sapateando de cá e de lá até cansar

o mais alto que eu pude até perder meu fôlego e cair em mim: estranha

depois voltei a correr a gritar a rir a xingar a assobiar a dançar, porque ele me quer assim: amante obediente

BURACO NA AGULHA

de vez em quando vez em vez quando se deixa ver, às vezes se pode vê-la, raras vezes se pode tocá-la de alguma maneira quando se sente sua presença em torno de tudo ou de nada vez por outra simplesmente no ar, desenviesada por vezes de graça

a exigir uma boa acolhida mesmo sem ter algo em vista, pois decerto é uma pista; a leveza que vem de dentro ainda que a alma não seja leve pode ser (que seja) amor - ou seu prenúncio – incerto calor no inverno vez ou outra



Leo Lobos Santiago , Chile. Poeta, ensaísta, tradutor e artista visual. Ganhador do prêmio UNESCO-Aschberg de Literatura 2002, realizou residência criativa no CAMAC-Centre d´Art Marnay Art Center en Marnay-sur-Seine, Francia. Realizou exposições de seus desenhos, pinturas e residência criativa entre os anos de 2003 e 2005 no Jardim das Artes, Ciências e Educação em Cerquilho-SP. Publicou, entre outros, Cartas de más abajo (1992), +Poesia (1995), Ángeles eléctricos (1997), Turbosílabas. Poesía reunida 1986-2003 (2003). Colabora ainda para vários jornais e revistas, tem seu trabalho já reconhecido no Chile, Argentina, Peru, Brasil, México, Cuba, Estados Unidos, Espanha, França, Alemanha e Canadá. É ainda tradutor de vários poetas brasileiros como Hilda Hilst, Tanussi Cardoso, Hlena Ortiz, Herbert Emanuel, Eliakin Rufi no, Ésio Macedo, entre outros. Administra e edita os blogs Leo Lobos Electrónico LIBRO DE P@PEL, Cinco Poemas,Le chat qui pêche - el gato que pesca, PALABRAS, En las ciudades que habitamos por Leo Lobos, Jornal do CF4. Atualmente é gestor da Corporación Cultural de Peñalolén, Santiago, Chile.

LEO LOBOS


Buscando na cidade

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Uma secreta forma o automóvel está possuído pela força dos animais que o habitam como uma carruagem puxada por cavalos sobre pedras úmidas de um passado verão Rio de Janeiro aparece de repente como a secreta forma que o Atlântico deixa entrever de suas colinas de açúcar: baleias à distância algo comunicam à nossa humanidade surda e cegadas pelo sol preparam seu próximo vôo caem uma vez mais como o têm feito há séculos caem e crescem nas profundezas caem e crescem em seu líquido amniótico

“As palavras como o rio na areia se enterram na areia” Roberto Matta

Tradução: Cristiane Grando

Tradução: Cristiane Grando

Os arbustos serão Tradução: Adriana Zapparoli. São Paulo, Brasil, 2007

“Pequeñas motas de luz etéreas burbujas diminutas pecas en la lente externa del ojo” Ray Bradbury Tradução: Geruza Zelnys de Almeida. Porto Feliz, São Paulo, Brasil, 2008

Paralisia do sonho

Nunca sinto que sou eu quem faz arte Não sei de onde vêm minhas ideias Eu só apareço para o trabalho E sigo minhas ordens

À Paz Carvajal e tão necessária Paz para este mundo e para o outro

embarcação navigus

papirus que levarão letra morta impressa sobre si oceanos poderosos cumulus chuvas elétricas terra arbustos serão


o luzes e luz

o

Busca que busca a luz da palavra cruzando rios e lagos mares e montanhas internando-se em cidades labirintos atuais bosques submergidos de Santiago a Boston de Nova Iorque a Paris, Paris, Paris e neste bosque branco que, outra coisa, a mesma coisa vejo-a parada aí na rua pensando talvez no eco das águas entre a multidão e os autos velozes buscando a luz, as luzes de uma pele que ninguém poderá ferir enquanto perdidos transeuntes lhe perguntam por onde por que caminho por que lugar se entra se sai do espelho de onde às vezes pensam escutar um triste Lewis chorar por uma menina chamada Alice capturada por ele em uma história paradoxal

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Três mulheres, um piano, um gato e uma tormenta A Alexandra Keim

Tradução: Cristiane Grando

É difícil ser um pássaro e voar contra a tormenta melhor é como um gato estar sempre atento às brasas cerca da chaminé e escutar sempre atento escutar três línguas diferentes falarem um idioma fascinante misterioso e conhecido ouvir e ir em sua música em suas luzes e próprias e universais sombras fotografar por um só segundo fotografar com os olhos seus perfis de ser possível flutuar dentro da sala como um pássaro na tormenta


Uma visita ao zoológico fantasma

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Tenho visto tanta merda de cão nas ruas de Paris que devo caminhar com cuidado à noite é quando me parece então escutar meninos e meninas fantasmas rirem na fila de entrada do zoológico que para eles ali se levanta: um desfile de elefantes brancos cruza a praça do Louvre fazendo malabarismos com obras de arte e restos de arqueologias extraterrestres, girafas correm pelos Campos Elíseos comendo as luzes natalinas que crescem em “Livre da enfermidade, embora suas árvores, baleias, delfins, em meio à enfermidade” Yagyu Munenori patos selvagens nadam pelo Sena tragando turistas desprevenidos Tradução: Cristiane Grando que acendem flashes em seus narizes leões copulam famintos sobre os telhados como relíquias de cristal de uma cidade iminente... Hipopótamos ébrios se encalham em suas ruas serpenteantes, em seus arcos triunfais, em sua torre famosa... Galeristas confusos correm atrás de cavalos livres de carrossel que levam gravada uma estrela de ouro em seu flanco... Bandos de aves tropicais cobrem a lua de plumas de plástico que ursos vestidos à la mode sopram com ventiladores nucleares de globos que intermitentes sobem e descem por escadas invisíveis que águias cegas trazem de Nôtre-Dame... Sinosnuvens carregados de perfumes humanos chovem no final desta noite sobre o zoológico de plasma e tudo retorna nos olhos de um gato sabiamente a ser luz solar e Paris é outro dia.


REVISTA MUCURY 118

Nos inícios de uma constante, de um contínuo secreto, aqui, lá, mais longe de tudo de todos os enigmas ardem sob as águas estes momentos de verdadeiro egoísmo de guerras totais misérias humanas restos dinheiro sujo ignorância estupidez a memória será acaso a presença do ausente?

Ardendo sob as águas

“As barcas afundadas. Cintilantes Sob o rio. E é assim o poema. Cintilante E obscura barca ardendo sob as águas” Hilda Hilst Tradução: Cristiane Grando

Silencioso den “Ser como o rio que deflui silencioso dentro da noite” Manuel Bandeira

Tradução: Cristiane Grando


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Hi-tech

com dinheiro de plástico pagamos nossos instrumentos importados de terras distantes, caminhões com alimentos transgênicos nos ultrapassam na calçada automáticos seguimos em transe numa super rodovia lemos cartas no telefone portátil imagens ativas Tradução: Cristiane Grando de quartzo líquido que satélites de prata nos ligam de uma órbita desconhecida o tempo é sem ser o espaço o mesmo complemento o relógio digital anuncia a queda do sol aperto o controle remoto do portão eletrônico e no carro de combustão interna nos deslocamos paraplégicos.

ntro da noite

Fluir, leve andar descalço inflar lentamente os pulmões pesar cada passo sentir cada instante entrar silencioso dentro da noite como se ela fosses tu



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