Revista Milímetros nº 10

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EDIÇÃO X ◆ DEZ . 2020 ◆ 15ª MOSTRA PRODUÇÃO INDEPENDENTE - CINEMA POSSÍVEL

REVISTA




15ª MOSTRA PRODUÇÃO INDEPENDENTE CINEMA POSSÍVEL

REVISTA-CATÁLOGO MILÍMETROS EDIÇÃO NÚMERO 10/ ANO 2020

coordenação geral

edição

Diego de Jesus

Adriano Monteiro e Vitor Taveira

produção executiva

reportagem e redação

Maria Grijó Simonetti

Acácio Rodrigues, Adriano Monteiro, Elaine Dal Gobbo, Gabriela Conti Henrique Alves, Karen Manzoli, Mônica Oliveira, Sullivan Silva, Vitor Taveira

coordenação de comunicação

Ana Luiza Calmon assessoria de comunicação e redes sociais

Lívia Corbellari produção das mostras

ensaios

Aline Moschen, Bruno Galindo, Dieison Marconi, Fábio Camarneiro, Gabriela Almeida, Juliano Gomes revisão de textos

Ana Carolina Pagani

Andreia Pegoretti

produção atividades paralelas

projeto gráfico e diagramação

Melina Leal Galante

Diana Klippel

- sessão tve Daiana Rocha

direção

tiragem:

apresentação

200 exemplares

Lívia Corbellari e Jussan Silva DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

cenografia

Thais Rodrigues vinhetas

Diego Crispim Luiza Grillo curadoria da mostra paralela

Erly Vieira Jr Waldir Segundo

- retrospectiva

comissão de seleção da mostra competitiva

Maria Clara Escobar Suellen Vasconcelos comissão de júri mostra competitiva

Juliana Monteiro Juliano Gomes Rodrigo Cerqueira apoio

Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo (Secult-ES) TV Educativa do Espírito Santo (TVE-ES) colaboração

Realizadores e Realizadoras do Espírito Santo Equipe da TV Educativa do Espírito Santo Igor Pontini realização

Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-Metragistas do Espírito Santo (ABD Capixaba) Gestão 2020-2022 www.abdcapixaba.com.br @abdcapixaba


EDITORIAL Este é um ano do qual não nos esqueceremos. Ainda há pouco estávamos lutando contra as forças do obscurantismo, buscando garantir a nossa sobrevivência diante das novas/velhas práticas políticas, quando fomos surpreendidos por uma pandemia que acrescentou mais um nível de dificuldade à nossa luta e o combate a um novo inimigo: o negacionismo. Nós do setor cultural fomos os primeiros atingidos pelas consequências do coronavírus e os últimos a receber (e ainda não recebemos na sua totalidade) algum auxílio do governo. Os primeiros a parar e, provavelmente, os últimos a voltar. O cenário inicial deste ano histórico foi de um abatimento e desalento generalizado, criando um arrefecimento motivacional aos realizadorxs audiovisuais que por sorte logo se mostrou temporário. Presenciamos, nos últimos meses, a transformação de catástrofes contínuas e esmorecimento em processos criativos potentes em que a pura e simples vontade de se fazer arte permaneceu; 2020 foi o ano de fazermos o cinema que era possível fazer. Felizmente, não existe ainda espaço para não fazer. Não consigo esconder um encantamento pelo audiovisual atualmente feito aqui no Espírito Santo. Um audiovisual que permanece sendo produzido apesar de toda a política de aniquilamento que o setor vem sofrendo desde o deliberado desmonte da Ancine, da perseguição do Governo Federal à liberdade artística, da tentativa de minar a crescente diversidade de gênero, de raça e regional. Seja para realizadorxs de um filme que chamem de “amador”, voltado apenas para a internet, seja para os que estão começando a carreira agora, seja para os já estabelecidos que tocam grandes produções, a paixão em ligar a câmera, iniciar a narrativa e exibi-la a outras pessoas ainda parece ser mais forte que toda a perseguição possível e sucateamento perpetrado. E é para promover e divulgar todos esses tipos de projetos que existem eventos como a Mostra Produção Independente, que nesta edição vem enaltecer todos os cinemas possíveis. São 15 anos de uma das mais importantes janelas para a difusão do audiovisual capixaba que, nesta época atípica, por motivos óbvios, ficará longe das salas de cinema, mas continuará próxima do público, seja na internet, com programação extensa, webinários e cursos, seja na TV, em uma parceria inédita com a TV Educativa do Espírito Santo, transmitindo o conteúdo para os telespectadores de todo o Estado. A programação tem como carro-chefe a Mostra Competitiva, expondo as últimas produções do Espírito Santo. São longas, médias e curtas-metragens, videoclipes, filmes experimentais, ficção, documentário, trabalhos realizados com recursos públicos ou próprios. A Comissão de Seleção, a partir de dezenas de obras enviadas, elegeu 38 que refletem momentos urgentes e históricos do nosso cenário, estimulando uma análise sobre formas e formatos e a sua relação com o cinema e o mundo. O resultado

confirma que a pandemia não impediu a inquietação do artista capixaba de se expressar através da imagem. Além disso, com os 15 anos da Mostra Produção Independente surgiu a necessidade de se debater sobre as obras que por aqui passaram, o caminho percorrido pelo cinema capixaba e para onde ele irá rumar daqui em diante. Assim nasceu a Mostra Retrospectiva, na qual exibiremos 18 filmes com o objetivo de traçar um panorama da nossa cena ao longo dessa uma década e meia. A ideia é falar, por meio deles, dessa época que é a mais transformadora para o cinema brasileiro e local, quando fomos testemunhas de mudanças tecnológicas, da democratização dos meios de produção, da criação de cursos de formação específicos para o audiovisual, da ebulição do cinema capixaba de gênero e dos agentes importantes das lutas pelas novas formas de financiamento, do emergir das pautas marginalizadas, da conquista da profissionalização do trabalho do realizador e da continuidade da produção. Para complementar a programação, temos orgulho de dar continuidade à Revista-Catálogo Milímetros, que nesta 10ª edição mantém seu propósito de ressaltar temas sobre o setor audiovisual, com recentes pautas relevantes para o nosso cenário, que materializa-se através de reportagens sobre as produções paralisadas e iniciadas na pandemia, os desdobramentos da Lei Aldir Blanc, o sufocamento do audiovisual brasileiro pelo atual governo, entre outras. Ademais, ficamos felizes em retornar à Milímetros, um veículo cuja missão é abordar reflexões sobre a nossa arte, com ensaios que dissertam sobre o presente da produção cinematográfica e tentam desmistificar o futuro do que pode vir a ser esse cinema brasileiro “pós-apocalíptico”. É um primeiro passo para a ampliação da discussão do cinema feito no Espírito Santo. A ABD Capixaba deseja que, ao longo destes dias de debates e análises sobre o cinema capixaba, possamos compreender a força mágica que nos faz seguir aqui neste mundo tentando produzir e contar histórias através de imagens e sons. Que possamos continuar agregando pessoas ao nosso meio, integrando novas narrativas, diversificando as expressões e continuando a fazer cinema. Fazer o cinema que for possível. Por fim, lamentamos profundamente, a perda de mais de 170 mil brasileiros, a maioria negros e negras, resultado da vítimas do coronavírus no país. Um número que representa milhares de histórias suprimidas pela omissão e negligência do poder público. Lamentamos, ainda, a dor de realizadorxs que perderam parentes e amigxs queridos ou que foram afetadxs diretamente pela Covid-19.

DIEGO DE JESUS Coordenador Geral da 15ª Mostra de Cinema Independente Presidente da ABD Capixaba - Biênio 2020/2022


SUMÁRIO INSTITUCIONAL

REPORTAGENS

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Editorial

diego de jesus

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Nova diretoria da ABD Capixaba aponta desafios para o setor nos próximos anos

Pandemia impacta produções e profissionais do audiovisual elaine dal gobbo

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Quatro faces da pandemia em quatro obras capixabas henrique alves

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Lei Aldir Blanc fortalece articulação do setor artístico e cultural do Espírito Santo sullivan silva

18

Festivais de cinema se reinventam gabriela conti

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Plataformas de streaming ganham espaço nos lares brasileiros acácio rodrigues

22

Governo Bolsonaro sufoca audiovisual brasileiro mônica oliveira

26

Você tem medo de quê? karen manzoli


ENSAIOS

15ª MOSTRA

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60

adriano monteiro

erly vieira jr e waldir gegundo

Um cinema possível pelas frestas...

32

Cartas aos últimos românticos do mundo dieison marconi e gabriela almeida

36

63

Mostra Paralela

67

Mostra Competitiva

Diálogo por um cinema público de aproximação social juliano gomes

42

Ficção e Cinema Indígena em um tempo sem futuro aline moschen

48

Entre as economias estéticas e as estesias econômicas bruno galindo

Os múltiplos fôlegos da imagem

54

Cinefilia na UTI fábio camarneiro


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NOVA DIRETORIA DA ABD CAPIXABA APONTA DESAFIOS PARA O SETOR NOS PRÓXIMOS ANOS Promover o audiovisual capixaba e dialogar com o poder público estão entre as metas

Diante do momento de pandemia, foi por meio de uma assembleia on-line que a Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-Metragistas no Espírito Santo (ABD Capixaba) elegeu em julho de 2020 sua nova diretoria, com mandato de dois anos. O novo presidente da entidade é Diego de Jesus, tendo como vice Daiana Rocha. Entre os objetivos da nova gestão estão a promoção do audiovisual capixaba e de seus realizadores, a continuidade do diálogo do setor com os entes públicos municipais e estaduais, a execução de ações para fomentar a diversidade de produção e de realizadores no Espírito Santo, a manutenção da memória histórica do audiovisual capixaba e a formação de novos realizadores e público no Estado. “Nós, da nova diretoria da ABD Capixaba, agradecemos a confiança do setor e ressaltamos nosso compromisso de representar os profissionais do Estado. Estamos sempre acessíveis e abertos ao diálogo construtivo e fortalecedor do audiovisual do Espírito Santo”, declarou a nova diretoria, que é responsável pela edição comemorativa de 15 anos da Mostra Produção Independente. A direção do biênio anterior teve na presidência Leandra Moreira, que agora integra o Conselho Fiscal da entidade.

Presidente Diego de Jesus Vice-presidente Daiana Rocha Diretores Jussan Silva e Silva, Adriano Monteiro e Ana Luiza Calmon Diretor suplente Thiago Moulin Primeira-tesoureira Maria Grijó Simonetti Segunda-tesoureira Suellen Vasconcelos Primeira-secretária Melina Leal Galante Segundo-secretário Rodrigo Cerqueira Conselho fiscal Leandra Carla Moreira dos Santos, Vanessa Frisso e Marcos Valério Guimarães

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DIEGO DE JESUS

DAIANA ROCHA

Bacharel em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Morador de Vitória/ES desde 2008, tem produzido obras audiovisuais, tanto para cinema como para televisão, que dialoguem narrativamente com as estéticas que novas mídias, a exemplo de redes sociais e sites de compartilhamento de vídeos, têm gerado. É um dos sócios da produtora Ventania, sediada na capital capixaba.

Diretora, roteirista e produtora, graduada em Cinema e Audiovisual pela Ufes. É sócia da produtora de audiovisual e artes cênicas BULE Estúdio Criativo e membra-fundadora do Coletivo de Cinema Negro Damballa e Coletivo Palavra Negra.

ADRIANO MONTEIRO

ANA LUIZA CALMON

THIAGO MOULIN

Diretor, roteirista, produtor cultural e mestre em Comunicação e Territorialidades pela Ufes. Integra o Coletivo de Cinema Negro Damballa e Coletivo Palavra Negra. É sócio da produtora BULE Estúdio Criativo.

Comunicadora e produtora, atua na gestão de projetos de economia criativa, nas áreas de empreendedorismo, marketing, eventos e animação. Sócia-proprietária e diretora executiva da Luz Produções e produtora executiva na agência Beta Marketing Inteligente.

Documentarista, produtor e sócio da Graúna Digital. De sua trajetória profissional, orgulha-se de ter morado em Luanda (Angola) em 2009, quando trabalhou como produtor. Já foi tesoureiro, vice-presidente e presidente da ABD Capixaba em gestões anteriores.

MARIA GRIJÓ SIMONETTI

SUELLEN VASCONCELOS

MELINA LEAL GALANTE

Produtora audiovisual e sócia da Ventania. Trabalhou em projetos de curta, média e longa-metragem e seriados. Começou a carreira como diretora de produção, função que exerceu em mais de 15 filmes.

Mestre em Educação (Uerj) e bacharel em Rádio e TV (Faesa). Professora do curso técnico em Rádio e TV do CEET Vasco Coutinho há 11 anos. Sócia, diretora, assistente de direção, montadora e som direto da Filmes Fritos, produtora independente de Vitória-ES.

Realizadora e roteirista, é uma das editoras do site Séries por Elas e fez parte do Grupo de Pesquisa em Cultura Audiovisual e Tecnologia (CAT/Ufes), dedicando-se aos estudos de narrativas seriadas.

PRESIDENTE

DIRETOR

PRIMEIRA-TESOUREIRA

JUSSAN SILVA E SILVA

VICE-PRESIDENTE

DIRETOR

Idealizador do Festival de TV e Cinema de Muqui. Atua como roteirista, produtor e analista de roteiro. É analista de conteúdo no canal CineBrasilTV e diretor administrativo do “Vales e Café Convention e Visitors Bureau”. Advogado formado pela Mackenzie e especializado em Direito do Entretenimento pela Uerj.

DIRETORA

DIRETOR SUPLENTE

SEGUNDA-TESOUREIRA

PRIMEIRA-SECRETÁRIA

fotos: divulgação

PERFIL DA NOVA DIRETORIA DA ABD CAPIXABA

institucional

RODRIGO CERQUEIRA

SEGUNDO-SECRETÁRIO Jornalista, documentarista e sócio da produtora Andaluz Filmes. Por 12 anos foi professor de Jornalismo. Dirigiu, entre outros, os filmes Congo santo e Acerca da pele e a série de TV Relatos ausentes. 7


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PANDEMIA IMPACTA PRODUÇÕES E PROFISSIONAIS DO AUDIOVISUAL No Espírito Santo, produções foram paralisadas e setor se organizou para solicitar medidas emergenciais do Estado

foto: unsplash/divulgação

ELAINE DAL GOBBO

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reportagens

A atividade cultural, assim como diversos outros setores da economia, foi prejudicada pela pandemia do Covid19. No âmbito do audiovisual, especificamente, diversas produções acabaram sendo paralisadas. Seja inicialmente pela necessidade do isolamento e distanciamento social, ou a impossibilidade de acesso a espaços de pesquisa, que atualmente se encontram de portas fechadas. Uma situação que exigiu dos produtores a reorganização do calendário e, até mesmo, uma adaptação dos trabalhos diante da maior crise sanitária do último século.

documentário sobre a menina Araceli Cabrera Crespo, torturada, estuprada e morta por membros da elite capixaba em 1973. A outra é a ficção Sola, na qual Yasmin atua como co-roteirista e assistente de produção. A primeira foi interrompida logo na etapa de pesquisa, já que se tornou impossível o acesso a materiais em locais como o Arquivo Público do Espírito Santo, que fechou as portas por causa da pandemia. A segunda foi paralisada na fase de pré-produção. O diretor Júnior Batista também teve um trabalho paralisado. Ele começaria as atividades para realizar um documentário que será gravado no condomínio onde ele viveu durante 25 anos. A obra estava na fase de produção, com data marcada para a primeira etapa da gravação, que duraria cerca de uma semana. Porém, a necessidade do isolamento social impossibilitou o contato direto com os entrevistados.

juane vaillant nos ensaios de a deusa menina

A produtora Juane Vaillant teve dois trabalhos paralisados. Um deles foi o Remonta, ciclo de seminários e oficinas com foco na formação de mulheres que trabalham no audiovisual. A primeira fase do projeto, que consistiu na realização do seminário, chegou a ser executada na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Entretanto, com a decretação do estado de quarentena devido ao agravamento da pandemia, as oficinas acabaram sendo ofertadas, mas de modo virtual, o que, segundo Juane, não é o mais adequado. O outro trabalho interrompido, segundo Juane, foi o curta-metragem de ficção chamado A deusa menina, do qual é roteirista e diretora. A produção conta a história de um grupo de pessoas escravizadas que resolve fugir e acaba parando em um mundo paralelo à Terra. “É um curta que precisa se passar quase inteiramente externo. Só tem duas cenas em estúdio, o resto é todo externo, e precisa ser na praia. Mesmo que eu consiga gravar para agora, mesmo que saia uma vacina, eu só posso gravar depois do verão, pois as praias têm que estar vazias”, diz. De acordo com Juane, se tivesse sido possível fazer A deusa menina neste ano, o trabalho seria executado com muito mais calma; haveria mais tempo para na finalização do filme. “Vou pedir prazo de adiamento para a Secult [Secretaria de Estado da Cultura], mas não vou ter meses para ficar editando e trabalhando nele. Vou ter que fazer isso com muito mais pressa, o que eu acho que vai acabar prejudicando, mas a gente vai tentar fazer isso da melhor forma”, destaca. Quem também teve duas produções paralisadas foi a produtora e diretora Yasmin Nolasco. Uma é um

“Não há intenção ou vontade de fazer isso on-line, não é o caminho que a gente quer seguir, por isso que a gente não voltou a gravar ainda. É um documentário bem pessoal, que fala um pouco de onde eu vivi minha vida toda, praticamente. É um condomínio, mora bastante gente, são 32 famílias, se não me engano. São pessoas mais velhas, ou seja, o pessoal que está mais em risco. Por essas razões ficou inviável manter as gravações”, relata. Segundo Júnior Batista, a equipe envolvida no documentário chegou a cogitar a retomada do trabalho no verão, mas, diante do agravamento da pandemia, não se sabe ao certo se será possível. “A gente ainda não tem confirmação de vacina, os números começaram a aumentar em vários lugares do Brasil, inclusive no Espírito Santo. Então está muito em aberto ainda”, pontua.

MOBILIZAÇÃO DO SETOR As dificuldades encontradas pelos trabalhadores do setor audiovisual exigiram deles, assim como de integrantes de outros setores da classe artística, uma intensa mobilização para amenizar os impactos econômicos provocados pela pandemia da Covid-19. No âmbito do audiovisual, foi criado um Grupo de Trabalho (GT) com representantes da ABD Capixaba, Fórum do Audiovisual Capixaba e Sindicato da Indústria do Audiovisual do Estado do Espírito Santo (Sinaes). Segundo Vitor Graize, representante do Fórum no GT, não se via por parte do poder público, do Estado, das prefeituras, uma mobilização e debate em relação às necessidades dos profissionais da cultura diante da pandemia, o que acabou demandando uma organização por parte desses trabalhadores. Rodrigo Cerqueira, produtor e representante do Sinaes no GT, recorda que o grupo surgiu diante da iniciativa do setor de dialogar com o secretário estadual de Cultura, Fabrício Noronha. Esse diálogo foi feito, por recomendação do secretário, com sua subsecretária, Carolina Ruas, que solicitou a criação do GT. Uma das propostas do setor, afirma Rodrigo, foi a antecipação dos editais do Funcultura, o que não ocorreu, já que estes só foram publicados em dezembro. 9


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Outras proposições, que constam em uma carta encaminhada para a Secult em abril, são autorização de utilização, pelos contemplados, do valor correspondente a 20% do prêmio dos Editais do Audiovisual 2019 que estão bloqueados nas contas dos projetos; flexibilização da prestação de contas de projetos em andamento; edital de licenciamento de obras audiovisuais para a TV Educativa do Espírito Santo, bibliotecas públicas e outras funções; cumprimento do calendário de reuniões do Conselho Estadual de Cultura. Na avaliação de Rodrigo, uma das conquistas do setor artístico, o edital emergencial para o setor da cultura, não funcionou, uma vez que sua divulgação foi demorada. Ele ressalta que esse mecanismo não atendia muito bem ao audiovisual, pois os recursos disponibilizados eram muito baixos. Entretanto, pondera, um dos êxitos do GT foi ter conseguido mobilizar o setor: “Os editais foram elaborados entre nós e a Secult. Pode não ter sido do jeito que gostaríamos, mas foi algo importante”.

paralisação vai trazer para um setor que crescia”, afirma. Yasmin Nolasco lembra o momento adverso pelo qual os trabalhadores da cultura estão passando. “O setor foi muito afetado. Muitos estão passando dificuldade financeira. O poder público é escorregadio, e o lançamento dos editais deste ano pela Secult atrasou”, desabafa.

a produtora e diretora yasmin nolasco teve duas obras paralisadas por conta da pandemia

Vitor Graize classifica como avanços os próprios encontros do Grupo de Trabalho, o debate interno, a formulação de propostas e as reuniões em torno de pautas comuns, pensando não somente no audiovisual, mas também no setor cultural como um todo. Ele menciona, ainda, a inserção nos editais da Lei Aldir Blanc de algumas das propostas contidas na carta encaminhada para a Secult em abril, como o licenciamento de obras audiovisuais.

vitor graize, representante do fórum do audiovisual capixaba no gt que apresentou à secult propostas para amenizar impactos da pandemia no setor

Na carta, os integrantes do GT destacam que o licenciamento de obras deve ser “o primeiro passo para uma política permanente de aquisição e exibição de conteúdo audiovisual capixaba nos órgãos e espaços culturais estaduais e municipais”. O grupo defende que as obras concebidas e desenvolvidas são o principal patrimônio de autores e produtores e que o licenciamento desse conteúdo pode gerar renda imediata para os agentes culturais. Rodrigo salienta que, por causa da pandemia, pessoas que trabalhavam no setor audiovisual tiveram que se dedicar a outras atividades para sobreviver. Diante disso, uma de suas preocupações é sobre como será feita essa retomada às atividades. “Não temos noção do impacto que essa 10

DADOS DO SETOR AUDIOVISUAL A carta encaminhada pelo GT para a Secult traz números da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho, apontando que no Espírito Santo o cinema e o audiovisual empregam formalmente 1.413 pessoas em 140 estabelecimentos registrados. São 167 empresas (produtoras, distribuidoras, exibidoras, entre outras) cadastradas na Agência Nacional de Cinema (Ancine) e um grande número de trabalhadoras e trabalhadores informais que atuam nas diversas áreas da cadeia produtiva e etapas de produção de filmes, séries, vídeos institucionais, publicidade, registros audiovisuais e produção de conteúdo. Ainda de acordo com a carta, foi feito um mapeamento do cenário econômico para profissionais e empresas do audiovisual do Espírito Santo por meio de um formulário on-line. Assim, foi possível perceber que a maioria dos profissionais se declarou freelancer ou autônoma, sem vínculo empregatício fixo. Além disso, a maior parte está ativa no mercado, tendo trabalhado ainda no início deste ano de 2020; e significativa parcela teve trabalhos suspensos por conta do Covid-19, enquanto outros foram adiados ou cancelados. O texto enviado à Secult prossegue informando que diversos projetos estavam já confirmados, em início de atividade de pré-produção, e 51,1% dos profissionais têm suas funções vinculadas diretamente à fase de produção e filmagem, etapa que se caracteriza pela reunião de grande número de profissionais, entre 10 e 40 pessoas, muitas vezes em espaços públicos. As etapas de produção e filmagem, cita o documento, também envolvem diretamente profissionais de outras cadeias produtivas, como alimentação, transportes, hotelaria, vestuário, confecção e bens de consumo, igualmente afetadas pela paralisação das produções.


reportagens

QUATRO FACES DA PANDEMIA EM QUATRO OBRAS CAPIXABAS

produção sobre o impacto da pandemia nas periferias, dirigida por stel miranda, foi uma das realizações feitas recentemente no espírito santo

Por iniciativa própria ou via edital, realizadores capixabas contornam dificuldades e produzem durante a pandemia HENRIQUE ALVES

“Na minha região, entre amigos e parentes, eu presenciei 12 velórios. Cara, se isso não te mover, nada mais vai te mover. Então, eu tinha que fazer alguma coisa”, diz o ativista cultural e social Stel Miranda. E esse “alguma coisa” veio da melhor forma: um convite para dirigir um documentário sobre os impactos da pandemia de Covid-19 nas moradias periféricas capixabas. O filme mostra como protocolos sanitários de isolamento social e “ficar em casa” são tarefas hercúleas para as populações periféricas. Disponível no YouTube, o episódio capixaba da websérie Os impactos da Covid-19 na vida da população é um dos curtas-metragens capixabas realizados durante a pandemia. Com recursos próprios ou via edital, as produções revelam como realizadores contornaram um quadro social adverso, incluindo a própria cadeia produtiva audiovisual, e continuaram produzindo. O documentário traz denúncias e reflexões incisivas. “A rua é uma extensão da casa do favelado. Essas pessoas só voltam para casa para dormir”, reflete Stel sobre os moradores de periferia, que são quem mantêm de pé os serviços essenciais das cidades. A obra integra um projeto audiovisual, fruto de parceria entre entidades e coletivos, que registrou os impactos da pandemia em seis estados. Em cada um, uma perspectiva diferente. Ao Espírito Santo, coube o tema “moradia”. Foram entrevistados dois ativistas sociais e um líder comunitário dos bairros Resistência e Da Penha, em Vitória, e Flexal II, em Cariacica, respectivamente, além de um arquiteto.

Ao receber o convite para dirigir o episódio capixaba, o ativista nascido e criado em São Pedro, bairro periférico da capital, montou uma equipe de gravação somente com integrantes de comunidades periféricas. “Cada movimento de câmera tem a mão da periferia. Desde a narração até a finalização. É uma obra feita pela favela, com o olhar da favela”, ressalta. As imagens e depoimentos são denúncias eloquentes das desigualdades urbanas. “Como eles te mandam lavar a mão? Não tem ninguém por nós. Então, só temos nós com nossas câmeras e nossas denúncias”, diz Stel. Apartada, de Alexander S. Buck, revela outra experiência. Sócio de uma produtora audiovisual, Buck sentiu de imediato o murro econômico da Covid-19 devido às paralisações das atividades. O ponto positivo é que, encerrado em casa, viu a chance de realizar algo em que se debruçasse por todas as etapas da produção cinematográfica. Numa conjuntura de uma das maiores crises sanitárias da humanidade e que desnudou as desigualdades sociais brasileiras, Buck se viu numa condição privilegiada por ser sócio de uma produtora independente e possuir os recursos técnicos para colocar sua ideia em prática. “Sou privilegiado nesse aspecto. Sou sócio de uma produtora e trouxe uma ilha de edição para casa”, diz ele, que se lançou sobre a fotografia, som e edição do curta. “Foi um exercício principalmente de som, de mixagem. Queria desenvolver esse domínio técnico”, destaca Buck.

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foto: divulgação

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produção de apartada serviu ao diretor alexander s. buck para experimentar e aprimorar os vários processos de produção cinematográfica

Não houve roteiro tradicional. “Foi bem freestyle”, pontua. Elenco e arte foram divididos com a sua companheira, Beatriz Oliveira. Em 10 dias nasceu Apartada, um curta-metragem de ficção que estreou em novembro na 1ª Mostra Audiovisual ArtePop. O curta retrata a experiência de distanciamento social de Carolina, que, em meio à angústia da falta de interação, prova sensações ambivalentes. “Queria mostrar como seria a vida de uma pessoa isolada”, explica. Em outro ponto está o filme experimental Metamorfose concreta, de Carol Covre. Gestado apenas com uma câmera e um microfone de lapela, foi contemplado por um dos editais do Arte como respiro: múltiplos editais de emergência, conjunto de instrumentos de incentivo lançado pelo Itaú Cultural durante a pandemia para auxiliar o setor criativo brasileiro.

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Filmado em Marechal Floriano, Metamorfose concreta investiga universos possíveis para enfrentar a clausura do confinamento e, mais além, certa clausura moral imposta a corpos, corações e mentes. Nesse sentido, o filme busca colocar em contraste os ambientes urbano e natural. “Qual a perspectiva que a cidade nos dá em termos de qualidade de vida?”, questiona a diretora. O projeto foi inscrito em julho, mês em que, segundo o Painel Covid-19, do governo do estadual, o Espírito Santo atravessou o período mais delicado em número de casos confirmados e de óbitos pela pandemia. Carol leu o edital e teve o estalo criativo. Não havia muito tempo e em três dias o filme estava pronto. “Esse processo criativo se deu a partir do que eu tinha em mãos. Foi produzido dentro dos limites técnicos que eu tinha, mas sempre consciente do que eu poderia tirar dos equipamentos”, diz Carol, fazendo a seguir uma ressalva essencial sobre restrições técnicas: “A gente sabe que cinema não é só isso”.


fotos: divulgação

reportagens

as telas de videoconferências serviram de plataforma para chamada a cobrar, obra de edson ferreira

Chamada a cobrar, de Edson Ferreira, registra a experiência de contato social vivida ad nauseam na pandemia: o curta-metragem é todo ambientado no universo das videochamadas. A sinopse é simples, “Segredos dos pais de Júlia são revelados quando eles tentam reverter a nota baixa da filha na escola”. O complicado foi fazê-la simples, digamos.

Veio uma luz: e uma videoconferência simultânea? Cada ator gravaria sua cena no celular e teria a referência de áudio do colega pelo Zoom. As coisas, agora, começariam a andar – ainda não sem óbices, como cada ator buscar o melhor local e hora de luz natural em casa, já que nem todos tinham equipamento de iluminação.

“Ao longo desses 20 anos de carreira, sempre produzi com o que tinha, seja por iniciativa própria, seja com auxílio de editais. E aí, neste momento de pandemia, veio a questão: ‘E agora, como vou produzir?’”. Chamada a cobrar é um caso de iniciativa própria. A pandemia resgatou da gaveta do diretor a ideia de um filme com interação remota: aqui, atores iriam se falar por telefone, mas na presença de uma câmera. Porém, respeitando os protocolos sanitários foi feita uma reformulação no roteiro.

Ademais, o curta cumpriu de forma remota todas as etapas de uma produção presencial. Reuniões gerais, leituras de roteiro e ensaios, via Zoom. A preparação de elenco foi por WhatsApp. “Para mim, esse filme foi mais um exercício de experimentação, de linguagem. Mas tive outro aprendizado também: foi meu primeiro projeto em que dirijo e atuo”, destaca o diretor.

Contudo, os obstáculos permaneceram. O primeiro, técnico. Como botar os atores para interagir? A primeira tentativa, videochamadas por WhatsApp, já não deu certo. A ferramenta inibe gravação de tela por celular. Vieram outras igualmente sem êxito: quando permitiam a gravação, geravam um produto de baixa qualidade – era preciso pelo menos algo em HD. Google Duo, Zoom, Skype, nada. Gravação de video selfie, também não.

Os testes começaram em abril e o curta foi rodado entre julho e agosto – portanto, concebido no momento mais danoso da pandemia. “Às vezes, alguém queria sair para comprar um figurino, uma lâmpada, mas a gente pedia pra ficar em casa”, lembra Edson. O filme fez sua estreia em novembro na 4ª Mostra de Cinema Negro de Pelotas, no Rio Grande do Sul.

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LEI ALDIR BLANC FORTALECE ARTICULAÇÃO DO SETOR ARTÍSTICO E CULTURAL DO ESPÍRITO SANTO Produtores se mobilizaram para a criação de conselhos e fundos de cultura no território capixaba

foto: arquivo público do estado do espírito santo/divulgação

SULLIVAN SILVA

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reportagens

A pandemia da Covid-19 impôs incertezas e desafios para o setor cultural no Brasil, com o cancelamento de gravações audiovisuais, shows e manifestações artísticas. Com as fontes de renda afetadas, diversos profissionais começaram a se reunir em uma articulação local e nacional para a aprovação da Lei Aldir Blanc. A ajuda para a categoria era urgente e necessária e provocou um movimento que vai além do socorro financeiro, pois pode trazer frutos ao longo dos anos.

E agora, a partir das necessidades levantadas, vamos nos unir ainda mais em uma ajuda mútua”, afirmou Bruno. A secretária de Cultura de Cariacica, na Região Metropolitana da Grande Vitória, Renata Weixter, que coordenou o Grupo de Trabalho (GT) formado por gestores de prefeituras e técnicos da Secretaria de Estado da Cultura (Secult), conta que a mobilização nacional demonstra o fortalecimento do setor cultural no Brasil.

A Lei Aldir Blanc — batizada com o nome do músico carioca que morreu em maio, aos 73 anos, após ser infectado pelo novo coronavírus — foi criada para garantir uma renda emergencial para trabalhadores da cultura e a manutenção de espaços culturais durante o período de pandemia. Sua aprovação teve o peso da articulação local e nacional do setor artístico, com a formação de grupos de WhatsApp e com a participação de agentes culturais e públicos, que juntos organizaram audiências públicas e reuniões virtuais, cujo objetivo foi pressionar deputados e senadores no Congresso Nacional. “O setor cultural, que inclui artistas, técnicos do audiovisual e da música, cantores e atores, foram os primeiros a parar logo no início da pandemia. Tudo foi cancelado. E em um setor em que a maioria dos profissionais são microempreendedores, sem trabalho não teria renda. Foi aí que percebemos que deveríamos nos mobilizar em um esforço nacional para a criação e aprovação da legislação”, disse o produtor cultural de Vitória Bruno Lima.

renata wreixter, secretária de cultura de cariacica, coordenou grupo

de gestores municipais para apoiar organização do recebimento e destinação dos recursos federais

“Foi uma mobilização maravilhosa. Vimos as pessoas discutindo cultura, e fazia tanto tempo que não tínhamos essa discussão. Pudemos participar ativamente desse processo com a bancada no Congresso que atua com a cultura. Começamos com a realização de diversas webconferências nacionais. Tivemos também três webconferências capixabas para discutir a Lei Aldir Blanc no campo de implementação de um projeto de lei. Ela foi aprovada na Câmara dos Deputados e passou pelo Senado. Foi uma mobilização ligando para os parlamentares e pedindo a eles que aprovassem. No dia 29 de junho, a Lei foi sancionada pelo presidente”, relembrou Renata.

BARREIRAS DISCUTIDAS PELO ESTADO bruno lima é um dos representantes da sociedade civil na comissão que acompanha implementação da lei aldir blanc no espírito santo

Ele faz parte da Comissão de Monitoramento da Lei Aldir Blanc no Espírito Santo e ajudou na organização de conferências com profissionais e artistas de norte a sul do Estado. As reuniões, destaca, possibilitaram a troca de experiências e o entendimento das necessidades locais e regionais da produção cultural em todo o território capixaba. “Nas reuniões, conversamos e debatemos o formato da Lei. Reafirmamos a necessidade de engajamento nas redes sociais, para que os parlamentares de nossa bancada em Brasília pudessem acompanhar nossa mobilização. Mas não ficamos restritos a isso. As conversas possibilitaram que nos conhecêssemos e nos inteirássemos sobre o que outros produtores fazem no Caparaó e no norte do Estado.

Com a aprovação da Lei Aldir Blanc, estados e municípios começaram a se organizar para receber os recursos e encaminhá-los aos trabalhadores do setor. Só que diversas prefeituras não estavam preparadas para que isso pudesse ser feito. A inexperiência com implementação de políticas culturais e captação de recursos de diversas secretarias municipais de cultura foi um dos grandes desafios do Grupo de Trabalho. “Montamos o GT para ajudar os municípios. As pessoas culpam muito o gestor que está à frente da pasta, mas que tem de ficar preocupado em fazer com que a Secretaria de Cultura seja realmente preparada para trabalhar com políticas públicas. O que observamos é que as secretarias municipais de Cultura têm uma pessoa que às vezes é gestora dentro do departamento de uma Secretaria de Cultura, Esporte, Lazer e Empreendedorismo. Cariacica tem uma Secretaria de Cultura que faz a captação de recursos 15


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para a cultura. Vimos muitas secretarias subdivididas e com apenas um computador. Identificamos isso e trabalhamos para que os gestores pudessem entender que era preciso dispor de uma estrutura adequada”, relatou Renata. No Grupo de Trabalho, a equipe da Secretaria de Cultura de Cariacica foi responsável por formular o modelo de regulamentação para que a Lei pudesse ser aplicada pelos municípios. “Montamos a regulamentação, que foi enviada a todos os municípios a fim de que pudessem segui-la e adaptá-la. Fizemos o decreto de recurso extraordinário para que o valor fosse incorporado pela Lei Orçamentária anual. Foi uma parceria para ajudar todos os municípios. Foi uma ajuda mútua”, complementa. Cariacica foi a primeira cidade a receber os recursos federais da Lei Aldir Blanc no Espírito Santo. O entendimento de urgência e a organização do município com o Conselho de Cultura e o Fundo de Cultura estabelecidos fizeram com a administração local preparasse os trâmites burocráticos para a aplicação das regras. “A Lei foi sancionada em 29 de junho e no mesmo dia abrimos nosso cadastro para espaços culturais. Para pagar, precisávamos receber o recurso federal. Por isso, em agosto colocamos nosso plano na plataforma Mais Brasil [responsável por cadastros e pagamentos do Governo Federal”, disse a secretária. O assessoramento do Grupo de Trabalho ajudou os municípios do Estado a aplicar os subsídios, o que colaborou com o recebimento do recurso por quase todas as cidades capixabas. Das 78 cidades, 12 não conseguiram captar a verba no Espírito Santo, atingindo um percentual maior que a média nacional em termos de municípios contemplados. “Se não fosse esse trabalho colaborativo, de todo mundo ajudando todo mundo, muitos municípios não conseguiriam ter avançado. Está sendo uma situação desafiadora ter um tempo curto para aplicação do recurso. Só que podemos dizer que a cultura está sendo muito fortalecida”, comemorou Renata.

CULTURA FORTALECIDA O presidente da Associação Brasileira de Documentarista e Curta-Metragistas do Espírito Santo (ABD Capixaba), Diego de Jesus, analisa que, antes da pandemia, profissionais de audiovisual, cineclube, teatros e circo trabalhavam de forma individual, situação que atrapalhava o fortalecimento do setor, que deixou de discutir grandes pautas, como a Lei de Incentivo Fiscal para a realização de projetos culturais no Estado. “Grandes setores trabalhavam seus interesses separadamente. Alguns com sucesso e outros sem. O legado da Aldir é que ela unificou todo mundo novamente em prol de um projeto que beneficiaria todo mundo. Temos problemas no setor cultural no Estado que só podem ser resolvidos 16

dessa forma. É uma lei de ICMS, e muita gente fala que o Espírito Santo não tem, só que para que o setor conquiste uma vitória de algo tão grande, não tem como o audiovisual bancar isso. Tem que ser uma articulação muito grande, política, artística e social ao mesmo tempo”, disse Diego, que destacou ainda o ânimo para buscar novas conquistas. “Desde 2016, estávamos só perdendo coisas. Deu um ânimo a aprovação da Lei. É óbvio que, depois que promulgação, nós do audiovisual ficamos um pouco engessados sem um edital específico. Mas o benefício dos debates que foram feitos colocou-nos juntos para debater nossos problemas. Muitos setores têm projetos sérios e urgentes, e a emergência de se fazer cultura e viver este momento de distanciamento social foi um grande desafio”, concluiu. Além da ajuda financeira individual, a Lei Aldir Blanc inclui a publicação de editais de seleção de projetos culturais. Diferentemente dos editais tradicionais do Fundo de Cultura do Espírito Santo (Funcultura), eles são transversais e permitem uma atuação de profissionais de diversas áreas em um único projeto. “Esse recurso da Aldir Blanc vem de maneira transversal, de opor uma estratégia processual, de alcance e abrangência, e pensando na forma com que vamos operacionalizar isso em quatro editais. E isso simplifica muito os processos de comunicação, de trabalho e seleção para que possamos dar conta em um tempo curto de um recurso tão alto. É importante também que possam ter propostas que intercambiam”, disse o secretário estadual de Cultura, Fabricio Noronha.

CRIAÇÃO DE CONSELHOS E FUNDOS DE CULTURA MUNICIPAIS Pelo Estado, o resultado da articulação do setor cultural vai além da aplicação do recurso emergencial da Aldir Blanc, que fez avançar a criação de conselhos e fundo de cultura municipais. O Espírito Santo registrou um salto de 15 para 29 no número de municípios com fundo e conselho, e alguns estão ainda em fase de tramitação interna nas suas Câmaras. Ou seja, esse trabalho fez praticamente dobrar a quantidade desses mecanismos. “A Lei não obriga a criação de fundo e conselhos. Entendemos, pela importância da política cultural e do futuro dessa política, que a criação desse sistema seja oportuna”, comemorou Fabricio Noronha, sobre a expectativa da criação e formulação de políticas públicas locais. “A aprovação dos sistemas municipais de cultura distensiona as demandas sobre as políticas da Secult, que hoje são principalmente os editais. Toda a demanda de produção e fomento do Espírito Santo vem praticamente para os editais do Funcultura. Se os municípios têm recorrentemente políticas culturais de fomento ativas, além de distensionar essa pressão nos editais, criam políticas que têm mais a cara daquele lugar, com suas especificidades”, concluiu.


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MOBILIZAÇÃO QUE CONTINUA A Lei Aldir Blanc possui caráter emergencial, porém fatores como o longo tempo decorrido até sua regulamentação, que demorou um mês e meio, e o despreparo de agentes públicos municipais – seja pela falta de uma secretaria própria de Cultura, seja pela inexperiência na aplicação de políticas culturais – fizeram com que muitas cidades recebessem o recurso nos últimos meses do ano, o que preocupa o setor cultural. O apoio financeiro da Lei Aldir Blanc é proveniente do Fundo Nacional de Cultura, porém o decreto que regulamenta esse aporte estabelece que, se o município ou estado não aplicá-lo até dia 31 de dezembro, data que termina o decreto de calamidade pública gerado pela pandemia da Covid-19, deve ser gerada uma guia de recolhimento para a União. Essa situação mobiliza novamente o setor artístico. “A Grande Vitória costuma trabalhar fortemente e acaba se sobressaindo com captação de recursos, mas queremos que isso aconteça em todos os municípios capixabas. Por aqui está tudo muito encaminhado, mas em muitas cidades do interior não. Por isso, estamos com a expectativa de que haja essa prorrogação do decreto, porque tem município que nem recebeu o recurso do Governo Federal e não tem condição nenhuma de aplicar. Outra barreira é que os municípios precisam fechar suas contas até o dia 25 de dezembro para que os gestores não sejam responsabilizados pelo Tribunal de Contas”, explicou Renata.

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FESTIVAIS DE CINEMA SE REINVENTAM Sofrendo impacto direto do isolamento social, festivais investem no formato digital e pensam em modelo híbrido pós-pandemia

GABRIELA CONTI

Onze de março de 2020. A Organização Mundial de Saúde (OMS) emite o seu mais alto nível de alerta e declara que o surto do novo coronavírus atingiu o status de uma pandemia. Na indústria do audiovisual, as consequências não demoraram a aparecer, causando efeito dominó. Com o apagar das luzes das salas escuras, logo vieram as demissões em massa, o adiamento de lançamentos, a paralisação de produções e o adiamento e até cancelamento de festivais, incluindo o Festival de Cinema de Cannes, que decidiu deixar sua 73ª edição para 2021. Por terras capixabas, os impactos da pandemia apresentaram novos desafios para os organizadores desses eventos que são, em sua essência, construídos na experiência coletiva. Em um contexto em que o distanciamento social e o isolamento se tornaram a nova norma, foi necessário pensar em estratégias para garantir tanto a segurança do público e de realizadores quanto a sustentabilidade do negócio. Foi aí que entraram no radar das organizações as transmissões on-line e os festivais híbridos, que são realizados pela internet e em espaços abertos ou em drive-in. De acordo com Larissa Delboni, produtora executiva do Festival de Cinema de Vitória, que, neste ano, pela primeira vez, ocorreu em ambiente virtual, foi necessário da organização do evento uma readequação da realidade do momento para continuar existindo. “Não pensamos em cancelar o festival. Sabíamos que faríamos de uma maneira segura, respeitando a propriedade intelectual e garantindo a proximidade com o público. Devido aos altos custos do drive-in, decidimos por um festival on-line, com a transmissão das obras em uma plataforma. Transformamos o festival em um produto digital”, explicou. Caus destaca, entre os pontos positivos da transmissão on-line, o aumento do alcance das obras, que pela internet chegam a um público muito maior e geograficamente mais difuso. “Este ano, pudemos estar em todos os países que falam a língua portuguesa. E agora não é mais o Festival de Cinema de Vitória, é do mundo”, comemorou. O mesmo feito aconteceu com o Festival de Cinema de Gramado, um dos mais importantes do país, realizado no Rio Grande do Sul, que, este ano, foi transmitido pelo Canal Brasil e pelas redes sociais. A primeira edição multiplataforma exigiu uma série de adaptações, segundo Rafael Carniel, presidente da Gramadotur, autarquia municipal responsável pelo evento. Para ele, a 48ª edição do festival deixa um legado e um recorde.

festival de gramado, no rio grande do sul, multiplicou o alcance de público em edição em edição transmitida pelas redes sociais e pelo canal brasil

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“Esta edição foi uma declaração de amor à sétima arte. A gente já tinha 47 anos de história e tivemos o desafio de adaptar tudo para garantir a saúde de todos os envolvidos. O festival foi televisionado e transmitido nas redes sociais e, com isso, conseguimos ter um público de quase 2 milhões de pessoas. Em uma edição, conseguiu o público de 200 edições do festival, democratizando a arte, levando entretenimento para a casa das pessoas. E com segurança. Isso que é importante”, celebrou.


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NOVOS DESAFIOS Se os grandes festivais puderam migrar com certa facilidade para o mundo digital, o mesmo não pode ser dito sobre eventos independentes em cidades menores. Para Jussan Silva, idealizador do Festival de TV e Cinema de Muqui (Fecim), as dificuldades precedem a crise causada pela pandemia da Covid-19. “Produzir um festival de cinema em Muqui não é fácil. Não há formação de público no interior. Engajar pessoas para assistirem a filmes on-line é muito complexo. Não há a cultura do acesso. Por isso, penso que a maior dificuldade apresentada pela pandemia não seja realizar o evento on-line, mas perceber o distanciamento dos atores políticos”, destacou. Ele também lembra que os festivais presenciais são imprescindíveis para a movimentação da economia local e que a não realização deles traz prejuízos materiais e imateriais. “O Fecim, quando acontecia na praça de Muqui, trazia turistas para a cidade, e estes consumiam nos bares e restaurantes. É uma experiência que fortalece toda a cadeia econômica de uma pequena cidade. A não realização de um evento no Sítio Histórico de Muqui diminui a frequência simbólica da cultura e, por isso, o formato on-line vem para resgatar esse lugar de memória enquanto a vacina não chega”, afirmou. Fazendo coro com Silva, Larissa Delboni relembrou que, em 2019, durante a edição do Festival de Cinema de Vitória, houve aumento de 47% da taxa de ocupação da rede hoteleira da capital. “Pelo IBGE, 4,5% do PIB brasileiro vem da cultura. É uma indústria tão lucrativa quanto a farmacêutica. Esse impacto negativo da pandemia no âmbito econômico, a gente não consegue medir agora”, refletiu.

O ON-LINE VEIO PRA FICAR? A magia do cinema, o cheiro de pipoca no ar e a experiência e a troca cara a cara com diretores e outros cinéfilos não podem ser reproduzidos pela tela do computador. Mas como ficam os tradicionais formatos de festivais no cenário no qual não há uma vacina segura nem é conduta responsável reunir pessoas em locais fechados?

para ficar. “O 100% on-line acaba concorrendo espaço com as outras muitas plataformas e redes sociais. Prefiro acreditar que os festivais vão ser retomados como um lugar de encontro, de novos símbolos, um local de fortalecimento de identidade e memória. Também é necessário pensar na questão da falta de acesso à tecnologia”. Alves explica ainda, que este ano tiveram muitos problemas para adaptar um laboratório de produção de conteúdo para jovens das periferias. Muitos jovens não tinham condições tecnológicas para acessar as aulas on-line. “Estamos falando de uma realidade que não está totalmente preparada para receber todo o festival e ter o mesmo acesso que antes”, conclui o produtor.

AUDIOVISUAL PÓS-CRISE Um dos pontos que ficaram mais evidentes durante o aquartelamento imposto pela pandemia é que a arte é uma necessidade. E já estão surgindo diversas possibilidades a serem exploradas, aproveitando o boom de consumo de conteúdos on-line. Uma delas é a venda de ingressos para assistir a obras audiovisuais na internet. Para Alves, a moda não deve pegar por aqui. “Não acredito que o público brasileiro esteja disposto a pagar, sobretudo sofrendo no bolso os impactos da pandemia. Acho que o caminho é oferecer benefício para quem se dispuser a assistir ao festival e participar dele, como ganhar brindes, experiências, algo em troca, sabe?”, opina. Já Larissa Delboni enxerga, sim, uma possibilidade de o público brasileiro investir em um ingresso para assistir a um filme em casa, da mesma forma que paga para ir ao cinema ou para ter acesso a uma assinatura de serviços de streaming. “É uma questão de formação de público e mudança de hábito. O brasileiro consome muito conteúdo nas plataformas digitais e paga por isso. A única questão é que é necessário ter acesso a uma internet de qualidade e que suporte a transmissão”, finaliza a produtora.

Para Larissa Delboni, num mundo pós-pandemia, os festivais não poderão ser mais os mesmos. “Entendo que Cannes tenha optado por não fazer o evento para respeitar a experiência de ir ao cinema. Por outro lado, com as plataformas digitais conseguimos ir mais longe, falar para mais gente. Nunca mais vai poder ser só presencial”, afirma. Já para Léo Alves, da Caju Produções, os festivais 100% on-line, apesar de terem um grande alcance, não vieram “nunca mais vai poder ser só presencial”, disse larissa delboni, do festival de cinema de vitória, que realizou edição totalmente online em 2020

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PLATAFORMAS DE STREAMING GANHAM ESPAÇO NOS LARES BRASILEIROS Com a pandemia, aumenta o número de pessoas que têm o streaming como item de gasto fixo nas contas do mês

O hábito de ir até uma locadora de vídeo para escolher entre lançamentos e clássicos e ainda aproveitar promoções como “leve três e pague duas locações” remonta a um tempo em que assistir a filmes era algo bem selecionado. A prática, muito frequente até o início dos anos 2000, deu lugar a um novo cenário. A exibição de produtos audiovisuais em formato digital trouxe novos ritos, como assinar um serviço através de plataforma de streaming e fazer maratonas de séries em casa, assistir filmes no computador ou mesmo celular. Em 2020, com a pandemia da Covid-19, essa nova modalidade de consumo de produções disparou, a ponto de 51% dos brasileiros terem incluídas em suas contas, como gastos fixos mensais, assinaturas com Netflix e Globoplay, entre outras provedoras de conteúdo. O índice foi identificado pelo grupo Consumoteca e publicado no jornal Extra. A pesquisa mostra uma alta de quase 150% na carteira de novos assinantes da Globoplay, no comparativo entre o primeiro semestre de 2019, em relação ao mesmo período de 2020. Essa informação, segundo a professora Daniela Zanetti, do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), apresenta uma conjuntura em que não só as gigantes, mas também as plataformas alternativas surgem como parte desse mercado em ascensão. “Além das plataformas já tradicionais e hegemônicas, como Netflix, Amazon e Globoplay (no Brasil), houve ampliação e fortalecimento de plataformas alternativas, como aquelas ligadas a salas de cinema, a exemplo do À La Carte, streaming do Cine Petra Belas Artes, em São Paulo, que até disponibilizou seu acervo gratuitamente durante a pandemia; SPCine Play; Porta Curtas; TV Sesc; AfroFlix; Mubi; OVID.tv; FilmeFilme, etc. São plataformas com propósitos e produtos distintos, que atendem a diversos públicos, e com diferentes configurações institucionais e mercadológicas”, explica a professora.

ACÁCIO RODRIGUES

foto: unsplash/divulgação

Paralelamente a essa ascensão, o cinema tem hoje, por exemplo, o filme hollywoodiano Tenet, de Christopher Nolan, que arrecadou quase R$ 2 bilhões de bilheteria pelo mundo. Levantamento feito pelo DataFolha e pelo Itaú Cultural aponta que 44% das pessoas desejam o retorno integral das salas de cinema. Enquanto isso, os moldes têm sido outros. “Os grandes festivais e mostras de cinema se reinventaram durante a pandemia e realizaram eventos de forma remota. Tive o prazer de ver ótimos filmes do Festival Internacional de Mulheres no Cinema. Localmente, temos o Festival de Cinema de Vitória e a mostra da ABD Capixaba. Houve uma mudança na dinâmica de distribuição que com certeza escoou uma extensa produção de curtas e longas, e isso é positivo, pois dá a merecida visibilidade aos realizadores”, afirma Daniela Zanetti.

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O youtuber Jurandir Filho, do canal Cinema com Rapadura, publicou um vídeo em meados de setembro mostrando que o filme Mulan já foi visto por quase 30% do público assinante do serviço Disney+ a um custo de US$ 30. No mundo todo, são em torno de 60 milhões de usuários, sendo metade nos Estados Unidos. Cerca de 9 milhões de norte-americanos já conferiram essa obra, uma audiência que rendeu US$ 270 milhões (R$ 1,4 bilhão) para a Disney. Uma curiosidade: a live-action sobre a guerreira chinesa é adaptação de uma animação homônima de sucesso, lançada na década de 1990 pela própria companhia dos EUA.


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A mudança comportamental da sociedade em relação ao consumo das produções audiovisuais também já influencia a forma de fazer cinema e até mesmo a linguagem utilizada. “Isso já vem sendo modificado desde o fortalecimento da cultura streaming, com as webséries, por exemplo, e se fortaleceu com a popularização dessas práticas, por meio da Netflix e plataformas similares. Há uma variedade maior de formatos e de conteúdos, como Bandersnacht, da série Black Mirror. Essa configuração aponta para uma liberdade maior de criação, de desenvolvimento de novas linguagens, pensando que também há uma ampliação de público, com interesses diversos”, destacou a professora da Ufes.

para viabilizar nossos projetos. Temos parceria já acertada com produtoras de fora do Estado e com canais de televisão. Seguimos criando e desenvolvendo formatos e conteúdos, mas, em vista do atual cenário, é difícil precisar quando essas obras chegarão ao público”, relatam. Por outro lado, é numa plataforma alternativa, como bem destacou a professora Daniela Zanetti, a SPCine Play, onde podemos encontrar filmes de três diretores capixabas: Arquitetura dos que habitam (2018), de Daiana Rocha, Guri (2019), de Adriano Monteiro e Sombras do Tempo (2012), de Edson Ferreira.

Em outubro, o colunista Ricardo Feltrin publicou no portal Splash (UOL) que a TV Globo ainda lidera a audiência na madrugada, entre 0h e 7h, enquanto as plataformas de streaming ocupam a segunda posição, deixando o terceiro lugar para a TV paga. É notória a transformação do consumo e da produção. Entretanto, o caminho para o sucesso do cinema no streaming passa pela compreensão do que o formato representa em todo o processo. “O streaming é também pautado pela lógica dos algoritmos e dos bancos de dados, e isso precisa estar claro para quem produz e para quem consome. É fundamental conhecermos as instituições e as formas de funcionamento dos mercados, para poder contestar e combater formas de dominação e controle. Num cenário pós-pandemia, é importante que retomemos as atividades presenciais, coletivas, os debates e encontros, sempre atentos à crítica social”, frisou Daniela Zanetti.

PRODUÇÕES CAPIXABAS No Espírito Santo, essa tendência mundial em termos de produção para as grandes plataformas de streaming ainda se mantém distante. É o ponto de vista do diretor de produção da Finordia, Eder Formigioni. O capixaba trabalhou nas equipes de produção de três longas-metragens produzidos no Estado, do desenvolvimento à comercialização. Atualmente produz uma série para TV, um longa-metragem de ficção e dois curtas-metragens, além de participar do desenvolvimento de diversos projetos de produção de obras audiovisuais e de inovação tecnológica. “Desde 2013, quando fundamos a Finordia, pensamos nas oportunidades dessa janela de exibição. No Brasil, os primeiros investimentos das plataformas de streaming estão ainda muito concentrados em São Paulo e Rio de Janeiro. Talvez até pulverizem os investimentos em outros polos de produção audiovisual que se formaram nos últimos 20 anos, como Recife (PE), Cataguases (MG) e Porto Alegre (RS). No Espírito Santo, a produção original para streaming ainda parece uma realidade distante, apesar de já haver possibilidade de licenciamento de filmes e séries capixabas para essas plataformas”, conta Formigioni. A reportagem conversou sobre o assunto com a dupla Leandra Moreira e Gustavo Moraes, da produtora 55 Cine. Em resposta enviada, eles contam como a empresa tem se organizado nesse mercado: “Estamos buscando parcerias

as produções capixabas guri (acima), de adriano monteiro, e arquitetura dos que habitam (abaixo), de daiana rocha, entraram na plataforma spcine play

A experiência da inserção do filme da diretora Daiana Rocha na plataforma ocorreu ainda antes da pandemia. Ela recebeu o convite após a participação num festival. “Arquitetura dos que habitam foi um documentário que eu fiz em 2018 e participou da Mostra do Audiovisual do Negro. Logo depois, veio o convite para inserir o filme em plataforma. Ganhou mais visibilidade e não ficou restrito a festivais; mais pessoas tiveram acesso ao filme”, lembra Daiana Rocha sobre o trabalho, que devido à audiência do filme, renovou contrato com a plataforma de streaming no início do ano. A chegada dos curtas dos diretores Adriano Monteiro e Edson Ferreira no catálogo de filmes da SPCine Play aconteceu já no período da pandemia Covid-19. Ocorreu advinda de uma articulação entre a Associação de Profissionais do Audiovisual Negro (Apan), a qual são associados, e a SPCine, iniciativa da Prefeitura de São Paulo. E como sintetiza a diretora Daiana Rocha: “Toda mudança acaba gerando depois uma adaptação. Com exibição em plataformas, o realizador deve pensar que o filme dele pode passar em tela grande ou pequena. Isso acaba requerendo que algumas coisas sejam modificadas. A pandemia só acelerou o que já estava em curso”. 21


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GOVERNO BOLSONARO SUFOCA AUDIOVISUAL BRASILEIRO Cenário de perdas e incertezas ronda instituições federais como Ancine e Cinemateca Brasileira

foto: pexels/divulgação

MÔNICA OLIVEIRA

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O presidente Jair Bolsonaro tem cumprido a promessa eleitoral de guerra a diversas áreas da cultura e comprovou seu intento com a extinção do Ministério da Cultura, logo após sua posse, em 2019. Os alvos são a memória, a produção e fruição cultural de brasileiros. Assim, o governo federal segue com o projeto de desmonte de instituições culturais como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Fundação Cultural Palmares, a Fundação Nacional de Artes (Funarte) e a Casa Rui Barbosa. Mais recentemente, sua administração tem mirado também no audiovisual e no cinema. De um lado está a Agência Nacional do Cinema (Ancine), sob a ameaça de ter suas finalidades de fomento, regulação e fiscalização apagadas por uma proposta de fusão com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). De outro lado, segue fechada a Cinemateca Brasileira, sem verba para manter funcionários técnicos especializados na manutenção essencial à preservação do seu acervo, que corre o risco de perda total.

regionalmente, é que todas as boas políticas dependem da boa vontade do gestor público”, defende. O deputado federal Tadeu Alencar (PSB-PE), que coordena a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Cinema e do Audiovisual, afirma que “a não liberação dos recursos do FSA a projetos já aprovados é uma demonstração inequívoca da perseguição praticada pelo governo Bolsonaro”. O desmonte capitaneado pelo Executivo afeta até a prestação de contas dos projetos. Reféns de exigências intempestivas ao desenvolvimento das produções, muitas produtoras têm as contas rejeitadas e acabam recorrendo à judicialização. Igual caminho, pelas vias jurídicas, vem sendo percorrido para se obter acesso a recurso retido no fundo. Na mesma linha, outro entrave tem sido a lentidão no funcionamento do Comitê Gestor do FSA, que teve sua primeira reunião do ano realizada em junho, após pressão do setor e do parlamento federal, que elegeram a liberação dos valores reprimidos como pauta prioritária.

A crise no audiovisual tem se agravado de dois anos para cá, e a chegada da pandemia aprofundou o cenário de perdas e incertezas para o setor, que, apesar de tudo, tem se unido contra o “projeto de sufocar” a produção audiovisual brasileira, encampado pelo presidente.

Contudo, em vez de anunciar o desbloqueio do FSA, na reunião o governo apresentou um plano com linha de financiamento bancário emergencial de R$ 400 milhões: R$ 250 milhões via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e R$ 150 milhões pelo Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE).

ESCALADA IDEOLÓGICA GOVERNAMENTAL

Vale lembrar que cerca de 80% da verba do fundo vem da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), que é paga pela própria indústria cinematográfica do país.

O cenário tem sido aproveitado pela empreitada ideológica da gestão Bolsonaro contra o que ele nomeia de “Marxismo cultural”.  Segundo relatos do setor e de veículos de imprensa, a Ancine, autarquia especial vinculada ao Ministério do Turismo, chefiada por Alex Braga, diretor-presidente interino, utiliza mecanismos de gestão para paralisar recursos e dificultar processos administrativos. Exemplo disso é a situação do Fundo Setorial Audiovisual (FSA), que desde 2018 tem verbas estimadas em R$ 724 milhões travadas pela Ancine. Essas cifras deveriam contemplar os mais de 700 projetos já aprovados e selecionados para contratação imediata. Ao todo, 21 projetos de produtores do Espírito Santo estão entre os que aguardam estes investimentos do FSA para saírem do papel. A situação preocupa o setor, pois há R$ 9,5 milhões do fundo que poderiam movimentar a produção audiovisual capixaba e aquecer a economia do Estado. Para Diego de Jesus, presidente da Associação Brasileira de Documentaristas do Espírito Santo (ABD Capixaba), esse tipo de problema é fruto da não consolidação de uma política de Estado para o audiovisual. “O que atrasa a consolidação de uma política audiovisual no Brasil é a falta de continuidade. É simples, é só ele ser política de Estado e não ser política de governo. Porque o que a gente vê, até

“BOIADA” NO SETOR AUDIOVISUAL? A ideia de unir a Ancine à Anatel surge como mais uma ameaça ao fortalecimento da política audiovisual. No dia 11 de novembro, atendendo a um relatório elaborado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Ministério das Comunicações (MCOM), por meio de portaria, instituiu um grupo de trabalho (GT) para a criação de um novo marco regulatório para o setor audiovisual brasileiro. No documento dirigido ao MCOM, a OCDE faz uma série de recomendações ao setor de telecomunicações no país, entre as quais consta a unificação das agências. “Essa é uma tentativa esdrúxula de unir a Ancine à Anatel, pois elas têm papéis rigorosamente distintos. E pior, sem a participação da sociedade e da própria indústria do audiovisual. Essa é a pauta e vamos debater com força toda essa agenda”, protestou o deputado socialista Tadeu Alencar. As reformulações têm sido encaradas como a passagem de mais uma “boiada” do governo, usando a expressão do Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sobre o

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desmonte das políticas ambientais. Representantes do setor avaliam que a gestão Bolsonaro usa a estratégia de esvaziar as atividades da Ancine para justificar sua extinção. O produtor Leonardo Edde, presidente do Sindicato da Indústria Audiovisual (Sicav), lembra que a criação da Ancine, em 2001, representa um marco no desenvolvimento da indústria cinematográfica para o país. “O advento da Lei do Audiovisual trouxe de volta o orgulho de ser brasileiro, a felicidade de poder contar nossas histórias e o reconhecimento da população de sua própria história”, disse o produtor. A portaria publicada em novembro propôs a criação do GT com uma espécie de gabinete, que será formado por dois representantes (titular e suplente) das telecomunicações, dois de radiodifusão, dois da Anatel e dois do Ministério das Comunicações. Membros da agência de fomento e da Secretaria do Audiovisual, especialistas técnicos no tema, não foram convidados a participar do GT, que irá deliberar, entre outros assuntos, sobre questões que são atribuições da Ancine: regulação, fiscalização e fomento (conforme a Lei 12.485/2011 e a MP 2228/2001).

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REAÇÃO CONTRA A FUSÃO Em nota divulgada pelo site Telaviva, a Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro (API) diz que a proposta da OCDE para o governo brasileiro de fundir as duas agências “representará o descarte de décadas de construção aperfeiçoamento da Ancine”. Ainda segundo o texto, a iniciativa despreza “não somente as demandas do audiovisual brasileiro, mas da sociedade brasileira como um todo, já que o setor gera emprego, renda e representatividade na tela”. Edde diz que todo o arcabouço regulatório audiovisual brasileiro reafirma a necessidade de haver uma política pública exclusiva para o desenvolvimento da indústria audiovisual brasileira, principalmente produções independentes. “A fusão da Ancine com a Anatel – viabilidade, necessidade – reserva muita discussão ainda. O nosso papel, o papel do governo, e mais ainda, do Estado brasileiro é assegurar que a produção brasileira independente tenha seu lugar e sua importância, sua prioridade na política pública”, disse.


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AUDIOVISUAL EM NÚMEROS O estrangulamento da produção audiovisual por parte do governo federal também nega a participação do setor na economia brasileira. Dados da pesquisa O impacto econômico do setor audiovisual brasileiro, realizada antes da pandemia da Covid-19 pela Motion Picture Association na América Latina (MPA-AL), com apoio do Sindicato da Indústria do Audiovisual (Sicav), servem de parâmetro para se pensar a potência econômica do setor. O estudo mostra que a indústria de cinema e televisão injeta, por ano, R$ 25 bilhões na economia brasileira (valor de julho de 2016). O setor tem faturamento bruto estimado de R$ 55,4 bilhões (julho/2016), com quase R$ 3,5 bilhões de impostos diretos e indiretos, sendo responsável por 0,38% do Produto Interno Bruto nacional. Ainda de acordo com o levantamento, a área é responsável pela geração de 330 mil empregos. Portanto, o problema, segundo Leonardo Edde, não é de finanças e sim de gestão, pois há muito recursos em caixa. “Hoje existe um total de R$ 1,5 bilhão travado no governo que ainda não foi repassado ao fundo [FSA] – R$ 1,1 bilhão de restos a pagar e outros R$ 400 milhões que estão previstos para este ano [em financiamentos via bancos] que ainda não foram transferidos”, destaca Edde. Ele acrescenta: “A indústria audiovisual no Brasil chegou a crescer quase 9% ao ano, depois da Lei 1.2485 [novo marco legal para a TV por assinatura no Brasil]”.

DESMONTE DA CINEMATECA O risco imposto a um dos maiores acervos de imagens animadas da América Latina, a Cinemateca Brasileira, é um drama nacional que mobiliza setores sociais, parlamento, artistas e agentes culturais. No dia 27 de outubro, um ato marcou os 300 dias de fechamento da Cinemateca, 75 deles já sob orientação direta do governo de Jair Bolsonaro, que em 7 de agosto retomou as chaves da instituição, a qual tinha a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp) como mantenedora. Em meses de incertezas na gestão, disputas institucionais politizadas, suspensão de pagamentos e demissão de todos os funcionários, após a retomada do órgão o governo chegou a firmar diversos contratos para manter os serviços básicos das instalações, mas nenhum passo foi dado no sentido de restabelecer suas atividades. Só no final de novembro foi publicado um decreto que passa a gestão da Cinemateca para o Ministério do Turismo, deixando-a sob responsabilidade da Secretaria Nacional do Audiovisual até 5 de outubro de 2021. Porém, até o fechamento da edição, o governo ainda não havia divulgado nenhuma previsão sobre prazo para reabertura e volta ao trabalho dos profissionais. A preservação do acervo, que requer cuidado especializado, é a maior preocupação, uma vez que a entidade abriga 250 mil rolos de filmes e mais de 1 milhão de documentos. Os rolos de filmes, por exemplo, devem ser acondicionados em temperatura e umidade ideais. A situação de abandono da Cinemateca, que reúne mais de 100 anos de história do audiovisual, também sensibiliza personalidades internacionais, como o cineasta Martin Scorsese e o diretor do Festival de Cannes Thierry Frémaux, que publicamente declararam apoio à entidade.

foto: cinemateca brasileira/divulgação

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VOCÊ TEM MEDO DE QUÊ? O crescimento e a diversidade das produções do cinema de horror no Espírito Santo ganham destaque em festivais nacionais e internacionais

foto: divulgação

KAREN MANZOLI

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reportagens

Monstros, criaturas sobrenaturais, muito sangue e, principalmente, capacidade de se reinventar que só poderiam ser características de um gênero cinematográfico: o horror. Muito além de ser um nicho que desperta paixão e reações físicas de milhares de fãs e realizadores, o gênero se mostra extremamente comercial e atrativo, vivendo um ótimo momento para as produções capixabas e latino-americanas.

buscando novos territórios”, afirma o diretor. O professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e realizador, Klaus’Berg Bragança, destaca que o momento é de aproveitar esse pequeno reconhecimento para desenvolver mais essa cinematografia específica de horror do Estado, porque é justamente essa distinção cultural e nosso aspecto regionalista que chamam atenção de outras pessoas e abrem novos espaços.

O cemitério das almas perdidas, mais recente lançamento do diretor Rodrigo Aragão, já conquistou destaque da crítica nacional e foi o filme de abertura do Cine Fantasy, um dos principais da América Latina, além de abrir o 27º Festival de Cinema de Vitória. A maior parte da equipe é capixaba, e a película foi totalmente rodada em Guarapari, como ocorreu nas produções anteriores do cineasta. Segundo Aragão, este filme é um sonho muito antigo que ele começou a escrever há 18 anos, parte de um universo já construído com outras obras que fez. “Foi difícil viabilizar esse projeto porque ele era 80% feito em estúdio e tinha uma demanda muito grande de direção, efeitos visuais e cenografia. Então, uma das maneiras que encontramos foi por meio da realização de oficinas para a capacitação de equipe. Selecionamos atores, maquiadores, equipe de efeitos especiais e cenografia para conseguir o máximo possível de capixaba. Nós pegamos pessoas da construção civil e fizemos treinamento em cenografia, por exemplo”, detalha. Com custo de R$ 2,1 milhões, a obra teve um dos maiores orçamentos da história do cinema capixaba. Incentivos estes provenientes do Fundo Estadual de Cultura (Funcultura), da Secretaria de Estado da Cultura (Secult), em parceria com o Fundo Setor Audiovisual (FSA), da Agência Nacional de Cinema (Ancine).

O “UNIVERSO MÍSTICO” E PARTICULARIDADES DAS PRODUÇÕES CAPIXABAS Por ser considerado um gênero de nicho, o horror normalmente cativa um público fiel que vai de um extremo ao outro. De grandes produções que podem se transformar em sucessos de bilheteria a produções independentes, demonstrando que o gênero continua vivo e produtivo. No Estado, nos últimos anos é perceptível o aumento de produções de horror, sejam elas financiadas por meio de algum tipo de fomento público ou realizados totalmente independentes, isto é, produzidas com recursos próprios de sua equipe. Ambos tipos de produções vêm se destacando em festivais nacionais e internacionais. Para Rodrigo Aragão, o Espírito Santo é um terreno muito fértil ainda a ser explorado, com seu folclore, cultura e misticismo. “O terror é um gênero comercial e muito resistente, que mesmo em épocas difíceis está sempre

lançado em

2020,

o cemitério das almas perdidas, de rodrigo aragão,

teve um dos maiores orçamentos da história do cinema capixaba

“Você dilata um pouquinho suas fronteiras e modifica algumas coisas dentro do gênero, que de certa maneira ajudam com que ele evolua. Algumas distinções que vêm sendo colocadas dentro do gênero com a nossa cultura estão ajudando o gênero a dilatar suas fronteiras, evoluir e encontrar outras formas de desenvolver as emoções e sensações que são específicas e caras ao horror”, pontua. Klaus’Berg lançou o longa-metragem Destino das sombras (2018), também financiado pelo Fundo Estadual de Cultura (Funcultura), da Secretaria de Estado da Cultura (Secult), em parceria com Fundo Setor Audiovisual (FSA), da Agência Nacional de Cinema (Ancine). Nele, aborda uma questão social dentro deste tipo de gênero: o desaparecimento de crianças. Estima-se que no país a cada 15 minutos uma criança desaparece. O filme fez sua estreia no XVII Macabro Festival Internacional de Cine de Horror, da Cidade do México. Na outra ponta, temos a paixão desde a infância pelo cinema e o gênero terror dos irmãos Gabriel Nadipeh e Israel Costa. Cresceram fãs de franquias como A Hora do Pesadelo e o Sexta-feira 13. O primeiro, é músico e presidente da Central Única das Favelas do Espírito Santo (Cufa-ES), enquanto o segundo, é designer gráfico. Com recursos próprios, já produziram dois curtas-metragens: Distorção (2017) e Sob olhos, com lançamento previsto para 2021. “Certo dia o Israel surgiu na minha casa com uma história que envolvia ação, terror e uma tensão psicológica. Naquele momento percebi que tinha chegado a hora, e no final do bate-papo falei para ele: ‘Vamos produzir!’ Foi assim que nasceu o Distorção. Eu cuidei da produção e o Israel do roteiro e direção”, recorda Gabriel. Ele ressalta que foi uma experiência incrível, principalmente por trabalharem com os atores Markus Konká e Lílian Casotti, entre outros que 27


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admiravam no cinema capixaba. Distorção (2017) também chegou ao México, tendo sido selecionado para o III Incorto Film Festival 2018. Gabriel conta que o segundo filme, Sob olhos, já surgiu logo na sequência. O roteiro estava pronto e optou por gravá-lo investindo recursos próprios. “Não iria esperar conseguir verba pública para colocá-lo em ação. Eu tinha um dinheiro no banco e foi todo destinado para a produção desse curta. Cuidei do roteiro e direção e o Israel produziu”, explica o diretor. Geralmente, o tempo entre a escrita do roteiro até a conquista de um edital público que viabilize a transformação deste roteiro numa obra cinematográfica é penoso. Infelizmente, essa é a realidade do cinema brasileiro. Por isso, em todo território nacional, experiências como a dos irmãos Gabriel e Israel é cada vez mais comum entre jovens aspirantes a cineastas. Trabalho colaborativo, construções de parcerias, crowdfunding são algumas das soluções criativas que esses jovens têm encontrado para produzirem

seus filmes. “É ser criativo a ponto de subverter as dificuldades e, às vezes, trabalhar a escassez a favor de seu projeto”, como destaca o cineasta Adriano Monteiro, integrante do Coletivo Damballa. Live (2020), é a primeira produção do coletivo, foi realizada de forma colaborativa e com apoio de muitos amigos do grupo. “Iniciamos o ano de 2019 decididos a fazer um filme. A galera do coletivo gostou da minha ideia e viabilizamos uma vaquinha entre nós. O curta custou R$ 500,00. E contamos com a colaboração de vários amigos em funções técnicas e do meu parceiro Sagaz que emprestou sua casa para gravarmos”, conta Adriano, que escreveu e dirigiu a produção. O curta-metragem conta a história de um youtuber negro e gay que tem sua casa invadida durante uma live. O filme busca refletir o momento político atual de ressurgimento de discursos de ódio e atos violentos contras grupos minoritários. Live (2020) fez sua estreia em novembro deste ano, na Mostra Favela em Diáspora, em Fortaleza, no Ceará.

MULHERES NA CENA Estudante do curso de Cinema e Audiovisual da Ufes e pesquisadora de cinema de horror, Rafaela Germano, afirma que a representação feminina neste gênero foi construída desde o princípio pautada no machismo, mas que de uns tempos pra cá isso vem mudando, principalmente porque as mulheres passaram a ocupar um espaço maior por trás das câmeras. “Sempre teve uma representação de hipersexualização da mulher, com personagens muito rasos que serviam pro prazer do olhar masculino. Mas isso veio mudando. A partir dos anos 1970 e 1980, começamos a ter mais produções com uma representação feminina diferenciada, com personagens mais complexas e não estereotipadas”, ela explica. E prossegue citando que no Brasil, dos anos 2000 em diante, ganharam protagonismo diretoras como Anita Rocha da Silveira (Mate-me, por favor, 2015), Gabriela Amaral (O animal cordial, 2017) e Juliana Rojas (As boas maneiras, 2018). “As mulheres passaram a dirigir mais, a escrever. Então a representação feminina aumentou por trás das câmeras. Não só sendo representadas, mas também trazendo sua própria visão para o cinema de horror. A disparidade é imensa ainda hoje, o número de homens que dirigem e até de personagens é muito maior, mas é uma situação que vem melhorando ao longo dos anos”, ressalta a estudante.

ALGUMAS PRODUÇÕES DO CINEMA DE HORROR NO ESPÍRITO SANTO

◆ Cemitério das almas

◆ Live, de Adriano Monteiro

◆ Catrina, de Marcelo N. Reis

perdidas, de Rodrigo Aragão

(Coletivo Damballa)

◆ Vampsida, de Cloves

◆ A Mata negra, de Rodrigo

◆ Distorção, de Israel Costa e

Mendes

Aragão

Gabriel Nadipeh

◆ Loja de inconveniências:

◆ Mangue negro, de Rodrigo

◆ Sob olhos, de Gabriel

a maldição do caipora, de

Aragão

Nadipeh e Israel Costa

Juliano Enrico

◆ Destino das sombras, de

◆ Repolho, de Alexander S.

Klaus’Berg

Buck

fotos: divulgação

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FAÇA PARTE DA ABD! Vamos juntos lutar pelo audiovisual capixaba São 20 anos de muita luta e muita história. A ABD Capixaba esteve sempre presente e atuante nas principais conquistas por políticas e ações de valorização do setor audiovisual no Espírito Santo. Mas nossa força pode ficar ainda maior com a sua colaboração.

Gratuito até Dez.2020

abdcapixaba.com.br/registro


foto: imagem do filme isso não é um enterro, é uma ressurreição

(2020)/ divulgação

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UM CINEMA POSSÍVEL PELAS FRESTAS... ADRIANO MONTEIRO

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ensaios

Ao longo da história, de tempos em tempos, a humanidade se viu na iminência de um fim do mundo. Nos dias atuais, é bem comum, numa conversa no ônibus, na fila do supermercado ou na padaria do bairro, ouvirmos alguém comentar que vivemos o final dos tempos — e que Jesus está voltando. De certo mesmo, há um genocídio promovido pelo Governo Federal devido à sua negligência ao lidar com a pandemia da Covid-19, e o racismo estrutural continua sua rotina de exterminar vidas pretas; enquanto para o vice-presidente — e outros muitos — não existe racismo no Brasil. O sentimento ambivalente deste momento é que a revista Milímetros comemora dez anos. Estamos felizes pelo fato de a publicação manter-se presente ao longo desse tempo, pautando os grandes feitos do audiovisual capixaba. Nesta edição especial, inauguramos uma seção chamada Ensaios, em que intelectuais e críticos de cinema refletem sobre este cenário a partir da seguinte provocação: “Um cinema possível pós-pandêmico na realidade brasileira contemporânea”. São cinco ensaios críticos que buscaram pensar o cinema brasileiro e a cinefilia na sua contemporaneidade, lançando-se ao mar da escuridão, talvez sem esperança para alguns, atrás de alguma luz. Eu, particularmente, sou do grupo dos otimistas, porém ciente de que temos muito que lutar, principalmente, contra todo tipo de colonialidade do saber, poder e ser. No entanto, essa luz, ou seja, um cinema possível ao qual assistiremos nos próximos anos, será contemplada através das frestas, seguindo aqui a sábia perspectiva do historiador e escritor Luiz Antônio Simas. São desafios postos diante de uma das maiores crises sanitárias da humanidade e de um Governo que implementou uma caçada fantasiosa ao “marxismo cultural” e uma agenda negacionista. Nessa conjuntura observada, um filme africano como Isso não é um enterro, é uma ressurreição (Lemohang Jeremiah Mosese, 2020) pode muito nos inspirar: em que as condições de virarmos esse jogo estar na capacidade de re-existirmos. Agradeço aos autores e autoras: Aline Moschen, Bruno Galindo, Juliano Gomes, Fabio Carmarneiro, Gabriela Almeida e Dieison Marconi. Aos leitores, desejo uma deliciosa e engajada leitura!

Em memória de João Alberto Silveira Freitas1

ADRIANO MONTEIRO Mestre em Comunicação e Territorialidades pela Ufes, cineasta e membro da diretoria da ABD Capixaba.

1 Homem negro, assassinado em frente ao Carrefour, de Porto Alegre, pelos seguranças do próprio hipermercado, na noite do dia 19 de novembro de 2020, véspera do Dia da Consciência Negra.

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CARTAS AOS ÚLTIMOS ROMÂNTICOS DO MUNDO

foto: imagem do filme os últimos românticos do mundo

(2020)/ divulgação

DIEISON MARCONI E GABRIELA ALMEIDA

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ensaios

Querida Gabriela,

Deve haver um momento, quando atinamos que temos a capacidade de olhar a vida enquanto ela passa, em que compreendemos que o amor romântico só é capaz de sobreviver enquanto recurso e experiência estética. Entre ontem e hoje, assisti mais de uma vez Os últimos românticos do mundo e fiquei pensando que, talvez, Henrique Arruda, diretor e roteirista do filme, tenha compreendido exatamente isso. Pois, assim como ele, eu também gostaria de ter visto, quando mais jovem, na Sessão da Tarde, uma história de amor na qual duas bichas seguem juntas em meio ao fim do mundo. Curiosamente, só fui encontrar essa história de amor aos 28 anos de idade, em um ano no qual o mundo como o conheci parece, muitas vezes, ter realmente acabado. A nuvem rosa que dá fim ao mundo de Pedro e Miguel, protagonistas de Os últimos românticos do mundo, talvez fosse, de fato, um fim de mundo mais doce-, muito diferente deste que experimentamos agora. Pois, no apocalipse de vaporwave que o curta-metragem constrói, se encontra legível aquilo que Jacques Rancière (1988; 2012) chamou de “capacidade estética”, isto é, essa capacidade que alguns sujeitos queer possuem de imaginar outros mundos e criar outras formas de vida a partir de um inventário estético. Um inventário estético que reconfigura, a partir de experiências deslocadas e deslocantes, uma série de sensibilidades comumente atreladas a uma engenharia cultural normativa -, inclusive essa do ideal de amor romântico. Um road movie com temporalidade espiralada, um romantismo queer açucarado por vaporwave em tonalidades de roxo e rosa neon, tudo embebido em músicas românticas oitentistas, canções bregas, performances, gestos, poses e coreografias da cultura pop. Com essas sensibilidades, Os últimos românticos do mundo nos mostra o fim do planeta em um ano de 2050 com uma frívola e estetizada aparência dos anos 1980. Ao que indica haveria, então, uma existência posterior, em outro lugar, não apenas para o amor de Pedro e Miguel, mas também para nós, quando “tudo isso passar”? Suspeito disso pelas informações que chegam através do pequeno rádio portátil que os protagonistas levam consigo. Informações que chegam de outro mundo. Em seus 22 minutos de duração, Os últimos românticos do mundo me resgatou provisoriamente desse árido cotidiano, produziu um intervalo nessa engrenagem. Alguns minutos depois de assisti-lo, suas imagens e seus sons seguiram ressoando em meu peito aquecido. E imaginei você cantando, a plenos pulmões, Total eclipse of the heart, de Bonnie Tyler. Depois, provavelmente, eu e você fomos capturados novamente pelas contingências. Mas foi ali, naquela curta fração de minutos, no reino da estética, onde uma desmedida revolução aconteceu. O amor de Pedro e Miguel está salvo e nos salva, porque o filme arquiva essa pequena anedota amorosa que vem do passado (e do futuro), chega até nós e nos envolve, suspendendo e ao mesmo tempo recriando nosso presente. Por um lado, o filme nos diz: “Amem-se agora, pois o mundo está acabando”. E por outro, prenuncia: “A próxima geração que nascer será toda de sapatão, trava, trans. E tem mais: quando se cortar, não vai sair sangue, não. Vai jorrar glitter” -, vaticina Sharlene Esse, drag mother de Pedro/Magexy. Na última sequência, pouco antes de a nuvem rosa chegar com sabor de algodão-doce e colocar seu ponto-final em tudo, Miguel diz: “Sabe, Pedro, eu acho que um dia vão contar a nossa história: os últimos românticos do mundo”. Escrevo esta carta para você, Gabriela. Mas acho que também escrevo para Pedro e Miguel. Permito-me fabular, gostaria de confirmar para os dois que sua história virou filme. E que o filme chegou até nós nesse momento, num dia como hoje, onde muita coisa parece arruinada. E que, apesar dessa ruína, ainda há em nossas bocas um gosto de algodão-doce e em nossos ouvidos ainda ressoam canções de amor.

Te mando meu amor, Dieison

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Querido Dieison,

Em um tempo de fim dos mundos, a busca pela beleza é um gesto ético fundamental, uma forma de cuidar de si procurando na estética os rastros de um real que não é o deserto das notícias e das imagens de morte que nos acompanham neste 2020, e sim alguma coisa pendular entre o extremamente familiar e a surpresa possível com formas, cores, gestos, músicas e palavras que, a partir do clichê, fabulam visualidades e mundos inteiros sem fazer prestação de contas. Imagens como práticas reparativas (Sedgwick, 2003), como tanto temos falado nas tentativas de pensarmos juntas nossos repertórios teóricos e estéticos tão afins. Qual foi minha surpresa ao assistir em outubro pela primeira vez a Os últimos românticos do mundo, por sugestão sua, justamente durante essa pandemia que provocou uma mudança radical no meu consumo cinematográfico e literário. Como sabe, as narrativas e estéticas do real e de uma certa urgência sempre constituíram meu interesse primordial, mas o que sinto agora é que elas não são capazes de me oferecer a beleza que procuro e de que preciso nesse momento. Ou talvez eu tenha demorado demais para entender que a ficção é uma função da vida, como diz Rancière (2018) leitor de Guimarães Rosa, e que enxerguei corte e separação ali onde as experiências na verdade eram próximas, indissociáveis. De todo modo, nenhuma pergunta me é mais cara no momento do que essa: que imagens eu não quero ver mais? A beleza, agora, é o apesar de tudo, essa imagem/ideia de Georges Didi-Huberman (2012) que tanto nos ilumina e ajuda a crer que o dissenso se produz, ainda que em sua impermanência, e que nos faz pensar não nas grandes mudanças, mas na subversão contingenciada no regime do visível, como você disse uma vez. O apesar de tudo também é a experiência estética, a intensidade que tomou a nós dois no contato com esse filme que nos fez pensar em tantas coisas, e que me faz desde então cantar repetidas vezes Total eclipse of the heart, horrível, exagerada e emocionadamente. Enquanto canto, acho essa a melhor música já feita e me imagino novamente num karaokê sendo feliz. Assisti a Os últimos românticos do mundo mais de dez vezes desde que você me falou do curta, e cada uma delas me fez sentir muito viva, ainda que se trate de um filme que aciona de maneira muito evidente uma dimensão nostálgica e que fala do fim do mundo. Mas é um fim do mundo cor-de-rosa, brilhante, pop, espalhafatoso, cafona e viado, um fim de mundo certamente muito melhor do que esse que vivemos. É que, ao invés de produzir uma cena de fim de mundo, o filme me coloca diante do desejo de um mundo bom onde estou numa festa meio aleatória, com calor, tomando caipirinha em copo de plástico enquanto danço uma música bem brega me esfregando nas outras pessoas também suadas, dançantes e desejantes. Você iria nessa festa comigo, né? Como pode um filme de fim de mundo me transportar para o mundo em que eu gostaria de viver? Talvez seja porque, assim como você, desconfio que o filme imagina um porvir cheio de amor, tesão e glitter. Depois do fim desse mundo, há de existir algo melhor. Escrevo essa carta ouvindo e cantando Total ecplise of the heart, obviamente, e sinto o filme com a sugestão de Susan Sontag: “Em vez de uma hermenêutica, precisamos de uma erótica da arte”. Fabulo, junto com Os últimos românticos do mundo, os dias em que, além de ir à festa brega e assistir a filmes sobre o fim do mundo cheios de futuro, poderemos nós duas percorrer novamente Malasaña madrugada adentro, entrando e saindo de bares em busca dos rastros de Almodóvar e da Movida. Só não vai ter caipirinha.

Com amor e saudade, Gabriela P.S.: Amem-se! É o imperativo de Pedro e Miguel no filme, afinal o mundo deles estava acabando. Amem-se, dizemos nós duas, porque o nosso também está. Se puderem pendurar um unicórnio de lantejoula no retrovisor do carro, tanto melhor.

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ensaios

REFERÊNCIAS DIDI-HUBERMAN, Georges. Imagens apesar de tudo. Lisboa: KKYM, 2012. RANCIÈRE, Jacques. A noite dos proletários: arquivos do sonho operário. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012. RANCIÈRE, Jacques. O desmedido momento. Revista serrote. Rio de Janeiro: Instituto Moreira Salles, 2018, p. 76-97. SEDGWICK, Eve. Paranoid Reading and Reparative Reading, or, You’re So Paranoid, You Probably Think This Essay Is About You. In: SEDGWICK, Eve. Touching Feeling: Affect, Pedagogy, Performativity. Durham: Duke University Press, 2003, p. 124-151. SONTAG, Susan. Contra a interpretação. In: SONTAG, Susan. Contra a interpretação e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2020, p. 15-29.

AUTORES DIEISON MARCONI é doutor em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com período de estágio doutoral realizado na Universidad Complutense de Madrid (UCM). Atua como pós-doutorando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM-SP, onde integra o grupo de pesquisa em Comunicação, consumo, imagem e experiência. Como pesquisador, dedica-se ao estudo das relações entre imagem, estética, política e teorias queer. GABRIELA ALMEIDA é jornalista, professora universitária e pesquisadora. Soteropolitana, vive atualmente em São Paulo, após uma década em Porto Alegre. É doutora em Comunicação e Informação pela UFRGS e atua no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM-SP, onde coordena o grupo de pesquisa Sense – Comunicação, consumo, imagem e experiência. É autora do livro O ensaio fílmico ou o cinema à deriva (2018) e co-organizadora da coletânea Comunicação, estética e política: epistemologias, problemas e pesquisas (2020). Tem trabalhado com as relações entre estética, política e audiovisual. Gosta de Carnaval, de vida festiva, de música, de imagens e de viagens.

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DIÁLOGO POR UM CINEMA PÚBLICO DE APROXIMAÇÃO SOCIAL

foto: imagen do filme a velha a fiar

(1964)/ divulgação

JULIANO GOMES

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ensaios

— Que cinema você acha que seria possível depois da pandemia, hein? Você acha que vai ser como? — No Brasil? — É. — Cinema é uma coisa ampla, né? — Sim, sim. Mas você acha que pode algo melhorar no campo do cinema? — Então, em termos de incentivo público, a coisa tava ruim antes e tá caminhando pra pior, né? Os estados que não têm mecanismos estaduais ou municipais de estímulo estão ferrados, sendo que muitos poucos têm. — Sim. Na verdade, no nível das políticas públicas, seria importante implantar modelos de estímulos para pequenas produções, levando em conta a descentralização territorial, tanto em nível nacional, estadual e municipal e até dentro da própria cidade. — De certa forma, uma possível estratégia seria tentar oxigenar outros níveis da cadeia que não só a produção. E não custa tão caro. — Dê exemplos. — Política de cineclubes, por exemplo. O fortalecimento de uma cultura audiovisual não depende unicamente da produção de novos filmes. A cubana Coco Fusco1 escreveu outro dia: “Precisamos de novas instituições e não de nova arte”. Acredito nisso, como estabelecimento de prioridades. É claro que o ideal é sempre ter os dois. Mas é mais fácil ter nova arte com novas instituições do que o inverso. — Entendo. Se você coloca cinema brasileiro como política pública nas escolas, exibindo, convidando os profissionais na escola, você além de fomentar uma cultura, um hábito, você também estimula o cinema amador. — Cinema amador? — É. Não sei bem o nome disso, oficialmente. Mas eu falo do cinema que os alunos de escola podem fazer no celular, por exemplo. No Brasil, esse “cinema fora da sala do cinema” nunca foi tão forte. Acho que ações voltadas para formação dos jovens podem ter isso como foco. E nesse sentido, pensar na fertilização de um cinema radicalmente local. Tentando sonhar alto, penso num cinema de bairro. Um centro de cinema por bairro, com cineclube regular, pequenos filmes feitos no local, por gente do local, ações de pesquisa sobre a história dos locais, registro de outras manifestações. — O audiovisual, uma formação audiovisual é exigência ética hoje, né? Todo mundo, muito cedo, vai se ver pensando em enquadramento, corte, luz, cena. Isso faz parte da cidadania hoje. Só que estamos deixando as pessoas se educarem sozinhas. Isto é, estamos deixando as corporações do Vale do Silício fazerem isso – enquanto na casa dos donos dessas megaempresas, nem celular a doméstica pode usar2. Enfim, o que quero dizer é que o Estado pode estimular um audiovisual comunitário, em todos os níveis, e nesse também. A internet como janela não pode mais ser ignorada. Muitos projetos prontos hoje estão travados porque legalmente não podem seguir só o circuito on-line. — Sim. Acho que uma coisa que a vida pandêmica trouxe foi essa possibilidade do on-line como forma de aumentar o alcance de algumas coisas. Para produção de conhecimento, história, pra debates, palestras, me parece muito bom. Todo evento, mesmo quando o presencial voltar de algum jeito, não pode não ter algo voltado para esse ambiente on-line. Tem sido produzido um imenso volume de boas discussões e bons conteúdos de cinema durante a pandemia. — Seria isso então “novas instituições”? — Não sei, mas há aí algo que podemos aprender, essa possibilidade de criar redes, principalmente para quem não ocupa posições majoritárias. Mas, por exemplo, poderia haver uma aproximação entre eventos e escolas. Se alunos não estão podendo ter o currículo normal, me parece que, por exemplo, num festival on-line, você pode pensar atividades pedagógicas. Essa relação entre arte e educação é chave tanto para um lado quanto para o outro. 1 https://hyperallergic.com/596864/ford-foundation-creative-futures-coco-fusco/ 2 https://brasil.elpais.com/brasil/2019/03/20/actualidad/1553105010_527764.html 37


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— Verdade. Vejo a meninada fazendo imitações em vídeo, no celular, remontagens. Fiquei pensando numa política pública de estímulo a fazer isso com filmes brasileiros. Você imagina? Vários meninos refilmando e remontando A velha a fiar3, do Humberto Mauro? — Tudo a ver! — Memetizar o Humberto Mauro. — Isso. Mas, enfim, acho que a pandemia é rito de passagem de entrada geral no século XXI, com a internet concentrada nas redes sociais, enfim... Acho que é preciso fazer dessas práticas ferramentas de desenvolvimento de cidadania. E isso passará por criar ferramentas sociais de reflexão e apropriação desses meios, desde criança. Porque se não entrarmos, quem entram são as corporações americanas de streaming. E pergunta a elas qual o compromisso que elas têm com o cinema brasileiro e com a cidadania. — Zero, né? — Elas vão com a maré, defendendo o delas. Não tem compromisso com a memória, por exemplo. Nove em dez filmes que veiculam são deste ano ou do passado. Eles querem novos filmes, velhas instituições. Mesmo quando incorporam pautas políticas, é só por conveniência, por maior lucro. — A pandemia foi um acelerador de desigualdades. Portanto, acho que caberia uma conscientização maior sobre o lado mais fraco, economicamente. — Esse cinema, da internet, do celular, ele não vai parar mais, virou o cotidiano das pessoas ver e fazer vídeos. Então, acho que talvez haja maneiras de estreitar uma coisa com a outra. A produção e a reflexão mais formal e institucional do cinema, com essas imagens que a galera consome, que a molecada tá sendo educada por elas. E isso tem um lado ruim. Tem muita criança sendo educada por autoplay do YouTube, pra parar de encher o saco dos pais. — Mas imagina se você tem uma plataforma bem-feita, on-line, com filmes brasileiros, em alta, com informações, legendas, debates. Imagina se larga uma criança num autoplay em um ambiente desses? Imagina, junto a isso, bibliotecas com enorme acervo de livros e também com salas de vídeo e um centro de audiovisual comunitário, com equipamento de pós-produção que as pessoas podem pleitear finalização, que você pode relacionar com estúdios de gravação musical também, e aproveitar pro seu vizinho músico fazer uma trilha pro seu filme, entende? — Novas instituições mesmo. Radical. — Cara, porque o que faz cinema é infraestrutura. Em vários sentidos. Infra técnica, claro, isto é: ter equipamentos para realizar a finalizar. Mas há também outros tipos de infra. Isso diferencia muito as pessoas brancas das não brancas no audiovisual, por exemplo, e também as classes sociais. Muitas pessoas brancas, herdeiras, têm, além da infra técnica, infraestrutura econômica. Têm acesso e tempo para estudar. Como um estudante negro pobre pode constituir repertório pra se desenvolver? Mesmo que ganhe um edital de produção. Os brancos conseguem errar dez vezes, ter quem fale isso pra eles, indique o caminho, e aí podem se desenvolver. Os negros, os indígenas, é um tiro só. Acertou, é gênio. Errou, desiste.

3 A velha a fiar é um curta-metragem brasileiro de 1964 dirigido por Humberto Mauro, com a música popular homônima cantada pelo Trio Irakitan. Uma joia do cinema brasileiro, esse curta-metragem chegou a ser considerado pelos críticos como um dos primeiros videoclipes do mundo. Humberto Mauro é sem dúvida o nome mais destacado do cinema brasileiro na primeira década do século XX. Parte da sua notoriedade posterior provém também do papel de destaque que os historiadores vinculados ao Cinema Novo lhe deram, com um antecessor de um cinema genuinamente brasileiro em todas as suas dimensões.

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— Acho que não haverá um pós-pandemia, porque a doença vai ficar aí, como uma gripe entre outras. Mas enfim, se a pandemia aumentou o problema do distanciamento (que já é um fenômeno anterior, nas grandes cidades, todo mundo solitário, uma diminuição progressiva da vida comunitária), que ele possa ser, se necessário, mais espacial que social. Esse novo cenário mostra que podemos ser sociais mesmo em espaços diferentes. Isso é de fato interessante. — Verdade. Eu adorei acompanhar alguns festivais que eu sempre quis ir, vendo de casa, aqui do Espírito Santo mesmo. — Também curto muito. Coisa demais até, né? — Fico pensando se nessa biblioteca multimídia comunitária não tem um acervo de imagens do bairro, imagens locais. Você estimula pessoas a depositarem imagens do bairro lá. Seja filme, seja registro amador. E aí, você cria uma acervo para consulta e uso. A galera pira quando vê seu lugar em imagem, em outro tempo. Você imagina a criançada pegando imagem antiga, do próprio bairro, misturando com as novas, fazendo pequenos curtas, que a própria biblioteca poderia exibir. Enfim... — Bicho, vai ser uma loucura se pudermos ver filmes juntos a muita gente de novo. Por um lado, agora que estranhamos aglomeração, vamos sentir ainda mais a vibração coletiva, né? — Vai ser mais raro, mas talvez nós demos mais a valor a isso, já que será menos normal. — Mas filme brasileiro a sala sempre tá vazia, não é? — Então, por isso falei lá no começo da coisa de fomentar uma cultura, desde a escola. Nos EUA, cinema americano é cinema nacional. Na Índia... É tudo hábito. Precisamos mais de hábito, de cultura, de vivermos o cinema, do que de uma enxurrada de novos filmes, jogados aos tubarões. — Entendi. Pensei na situação aqui no Espírito Santo. Faria muito sentido ter muitas ações de restauro de cinema capixaba – que ainda hoje é um segredo mesmo para quem é daqui – e de disponibilização e mediação também. Seria legal se o Estado produzisse 15 longas por ano, mas, sem acompanhar políticas de formação e hábito, seria uma distorção. É igualmente importante fomentar um público para o cinema. Mesmo nos Estados Unidos, as pessoas não nascem com uma genética para gostar de filme americano. Elas aprendem. Penso que poderíamos aprender e curtir. — E no caso desse cinema de internet, dos virais, dos amadores, as pessoas já curtem. Então faria mesmo sentido estimular isso, pegar por aí. Imagina fazer um curso, de história das imagens, só pegando os materiais da Leona Vingativa4, por exemplo? — Pode crê. — Pensar na história do melodrama, da performance, do cinema queer... Daria para puxar por vários lados, sem ficar impondo tanto um repertório “externo”, pegando coisas que a galera já se amarra e dizendo que ali há mais relações possíveis, que há mais o que pensar, explorar os parentescos. — Um cinema social, mas não só de temas sociais, mas de relações sociais, né? Que gere e seja gerado por interações sociais, das mais variadas. — Inclusive a distância, né?

4 Este é o canal oficial de Leona Vingativa, onde está a maior parte de seus vídeos https://www.youtube.com/user/LeonaOficial

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foto: imagem do filme leona assassina vingativa

4 - atrack em paris (2017)/ reprodução: youtube

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— Sim. Acho que isso é algo que podemos levar para o futuro, do ambiente pandêmico. Essa abertura para outros territórios. É uma interessante possibilidade de interações. Que pode se dar em níveis variados, profissionais ou amador. — E penso que isso é estimulado por textos, videoensaio, videoaulas, né? — Sim. Quando falo interações, inclui isso demais. Há muito o que refletir sobre o cinema que já se fez. O cinema brasileiro é um segredo para o Brasil. Uma missão possível seria apresentar o cinema brasileiro para o Brasil. Não só o de agora, mas também o de sempre, numa plataforma on-line, por exemplo, onde tivesse os filmes produzidos com editais públicos. Isso sim seria um cinema preocupado com o público, que pensa o público, como os donos da grana gostam de dizer, para abocanhar a grana inteira dos mecanismos de fomento. É necessário trabalhar em direção a um cinema público. Em suas variadas faces. — Em Belo Horizonte, uma vez fui numa sala de cinema pública, Sala Humberto Mauro. É muito boa, tecnicamente perfeita, boa programação. — Poxa, imagina uma dessas no Centro de Vitória? Que luxo! Projetando película, vídeo, abrigando festivais, exibindo acervo local, sem pressão das distribuidoras majors... Imagina que sonho! — Junto com uma escola pública de audiovisual, como a que tem em Fortaleza, da Vila das Artes. Imagina? — É isso. Um cinema possível e desejável é um cinema do público, e não do privado. De interesse público, de acesso público, de reflexão pública. Não é tão caro, mas não sei se, hoje, são ideias que interessam mesmo ao próprio setor. Estamos viciados em uma mesma forma de imaginar o nosso campo, organizado quase todo em direção à produção de longas-metragens para cinema. É claro que eles são importantes. Mas só produzir longas, para depois jogá-los ao mar, é algo que talvez possamos fazer melhor. Porque tão importante como produzir é criar e fomentar espaços para recebê-los. — Cinema é mais do que só filmes, né? — Sim, cinema é, em todos os sentidos, coletividade. — O desafio de ontem e o de amanhã é esse. Atuar no sentido de radicalizar esse caráter coletivo e público e a atividade, voltada para a presença dela como um todo na vida das pessoas, e com isso, obviamente, gerando aquecimento econômico para o setor, mas um aquecimento que seja também cultural, social, comunitário. Não dá pra achar que cinema é só produzir novos produtos, né? — Exatamente — Assim seja.

AUTOR JULIANO GOMES é crítico e professor. Editor da revista Cinética, onde escreve desde 2010. Publicou na Filme&Cultura, Folha, Piauí e diversos catálogos de mostras e festivais. Foi júri do DocLisboa, Mostra Tiradentes, Cachoeira Doc e Fronteira. Leciona regularmente na AIC-Rio. Publicou sobre teatro na revista Horizonte da Cena e sobre música no catálogo do festival Novas Frequências, além de apresentar dois discos de Rômulo Fróes. Mestre em Comunicação pela UFRJ, com dissertação sobre Jonas Mekas. Dirigiu com Léo Bittencourt os curtas As ondas (2016) e “...” (2007). Site pessoal: juliano-gomes.com

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FICÇÃO E CINEMA INDÍGENA EM UM TEMPO SEM FUTURO

foto: alberto alvares/divulgação

ALINE MOSCHEN DE ANDRADE

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1. CONTEXTUALIZANDO O CINEMA INDÍGENA NO BRASIL A produção de cinema indígena é crescente na cena audiovisual brasileira desde a última década. Como um dos fatores de impulsionamento dessa produção, é possível destacar a realização de oficinas de formação de cineastas indígenas realizadas por diretores não indígenas, entre as quais o projeto Vídeo nas Aldeias, coordenado pelo antropólogo francês Vicent Carelli, é uma referência. Com expressiva abrangência temporal e territorial, o Vídeo nas Aldeias atua com esse foco desde o ano de 1997 até o presente, em terras indígenas que vão do Acre às aldeias de Misiones, na Argentina, reunindo cineastas indígenas de pelo menos 30 povos diferentes em mais de 70 filmes lançados, assim como No tempo das chuvas (Isaac Pinhata e Wewito Piyãko, 2000), Para nossos netos (Komoi Paraná, 2008) e Mbya Mirim (Patricia Ferreira Keretxu, 2013).

bastidores do filme para nossos netos (komoi paraná,

2008). divulgação.

Na contramão das práticas de objetificação da imagem indígena no cinema, projetos como esse costumam declarar que os seus objetivos são o de difundir as perspectivas dos povos indígenas sobre a realidade em que vivem e garantir as narrativas de diretores indígenas sobre o mundo, para “apoiar as lutas dos povos indígenas, fortalecer suas identidades e seus patrimônios territoriais e culturais”, conforme descreve a apresentação do site1 do projeto. Utilizando de outras abordagens estéticas e políticas para a produção fílmica, projetos não-indígenas que desenvolvem a formação de cineastas indígenas só se tornaram possíveis pelos processos de transformação nos modos de relação entre indígenas e não-indígenas interessados em produzir imagens cinematográficas e etnográficas. Isso se deve ao fato de que a produção de novas formas de relação entre indígenas e não-indígenas se coloca, cada vez mais, como uma demanda e um posicionamento articulado entre diferentes povos indígenas sobre as representações que dizem a seu respeito. Em resumo, pode-se considerar que a ampliação do debate contra colonial no Brasil, no sentido do enfrentamento a um colonialismo socialmente arraigado, ainda que continue a encontrar desafios, alcançou a cena audiovisual entendendo-a como um dos principais meios de produção de subjetividade pela difusão de imagens. Povos historicamente marcados étnica e racialmente enfrentam séculos de narrativas subalternizantes e imagens alegóricas sobre os seus modos de vida. Falando especificamente da frente indígena no cinema, uma das vertentes teóricas a qual esse movimento é relacionado trata do cinema como recurso político, nos termos em que Terence Turner (1991) utiliza do conceito para dizer das ferramentas não-indígenas incorporadas às técnicas da luta indígena em prol da garantia de direitos negados.

1 http://www.videonasaldeias.org.br/ 43


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A recente tomada indígena da direção das câmeras demarca um momento de extrema importância para a história do cinema e para a autonomia das lideranças indígenas, que utilizam dos recursos audiovisuais como ferramentas de visibilidade e diálogo com indígenas e não-indígenas, expondo as suas pautas e transmitindo saberes veiculados em vídeos. Trazem assim novas questões e agendas políticas ante as experiências anteriores de transformação dos modos de representação no cinema, debate com grande repercussão na década de 1980, no que se destacaram os filmes do cineasta francês Jean Rouch no continente africano. Para abrir um breve panorama, a proposta cinematográfica de Rouch era a de propiciar contextos fílmicos de improvisação em que pessoas negras tinham certo espaço de criação na representação de si, podendo alternar narrativas ficcionais e documentais diante de uma câmera. Como esses filmes fugiram à etnografia visual na forma até então conhecida, provocaram muitos debates à época sobre os limites entre as classificações de documentário e ficção, fazendo com que fosse cunhada uma nova categoria, a de etnoficção no cinema. Nos filmes de Rouch, a ideia de ficção se compõe junto das críticas da representatividade na antropologia visual, significando a construção intersubjetiva entre diretor e atores, “uma vez que não se trata mais de representar um ‘objeto’, mas de apresentar uma relação entre sujeitos” (GONÇALVES; HEAD, 2009, p.18). Voltando ao tema das imagens indígenas, em uma análise comparativa, a inovação do citado projeto encampado por Vicent Carelli consistiu em não apenas “representar as imagens de alteridade de outro modo” como fez Jean Rouch, mas também em incluir as pessoas indígenas na direção compartilhada dos filmes, em uma abordagem documental.

2. A FICÇÃO NÃO-INDÍGENA, NA PERSPECTIVA DE ALBERTO ALVARES Embora no trabalho de Rouch e Carelli haja importantes passagens que marcam novas formas de participação de pessoas negras e indígenas na produção cinematográfica, o objetivo deste breve ensaio é apresentar um contraponto às classificações de cinema suscitadas pelos trabalhos mencionados, ante as classificações de cinema levantadas pelo cineasta Alberto Alvares, do povo Guarani Nhandeva, na entrevista2 que eu e ele gravamos sobre o cinema indígena e as perspectivas contra coloniais, publicada em formato de áudio pelo canal do Serviço Social do Comércio (Sesc) em outubro deste ano. A entrevista partiu de perguntas disparadoras sobre a construção da carreira de Alvares, o lançamento do último filme “Sonho de Fogo” (Alberto Alvares, 2020) e as expectativas sobre continuar fazendo cinema no futuro. Com base nas respostas obtidas, eu almejo ainda apresentar a concepção desse cineasta sobre um cinema possível no período da pandemia, com relação ao momento atual e à percepção de um tempo cíclico, que se faz presente tanto na narrativa da entrevista quanto na estética desse último filme por ele produzido, lançado em plataforma on-line após as medidas de restrição sanitária. O título que eu escolhi para este ensaio supõe então uma oposição entre ficção e cinema indígena no pensamento de Alberto Alvares, que me apresentou a dimensão do cinema indígena em um tempo sem futuro, dizendo de uma temporalidade não linear na cosmologia guarani que se imprime nos modos de fazer e pensar o cinema. Apesar de sempre dar ênfase aos agradecimentos aos aliados e parcerias institucionais que em algum momento contribuíram para a sua carreira, Alberto Alvares pareceu valorizar a própria trajetória como cineasta independente, já que “o cinema independente a gente vai produzindo da forma como a gente pensa” (ALVARES, 2020, informação verbal). Em vários pontos da entrevista, ele buscou elucidar a mim as diferenças entre o cinema indígena e o cinema não-indígena, ou o cinema dos brancos, em palavras próprias. Houve um momento crucial da fala dele que me motivou a escrever este ensaio. Um trecho que está gravado apenas na versão do arquivo bruto, infelizmente não integralmente publicado pelos necessários cortes da edição.

2 https://www.youtube.com/watch?v=segzvS9Cub8&t=176s

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Nele, Alberto Alvares afirma que o cinema dirigido por não-indígenas sobre as populações indígenas é geralmente ficcional, porque se remete a um tempo passado no qual as pessoas indígenas vivas no presente não habitaram. “É como se a gente parasse no tempo, como se a gente não acompanhasse esse mundo moderno. O cinema e a televisão reforçam muito a imagem do índio parado no tempo” (ALVARES, 2020, informação verbal), disse em trecho publicado. A classificação de ficção proposta por Alberto Alvares sobre as imagens indígenas produzidas por não-indígenas trouxe questões que eu considerei importantes, principalmente porque ampliam as interpretações sobre o movimento de transformação da representação indígena no cinema que introduzi anteriormente. Para Alberto Alvares, é clara a ideia de que, mesmo em outra abordagem estética da representação, o cinema dos brancos continua a ser uma produção específica, não vinculada à imagem que os indígenas têm de si, como disse em suas palavras: As pessoas se confundem quando um diretor que não é indígena vai à nossa aldeia filmar e falam que é cinema indígena. Não é, é o cinema do branco também, que tem esse olhar sobre o indígena. Ao contrário do que nós, que fazemos filme, isso sim é cinema indígena. Isso é o cinema guarani porque a gente sabe contar o que é esse mundo, a gente se coloca dentro da palavra ou da fala dos mais velhos para poder gravar e montar os nossos filmes (ALVARES, 2020, informação verbal).

Na concepção do cineasta, o cinema indígena se caracteriza por uma capacidade de “se colocar dentro da palavra ou da fala dos mais velhos” para montar e gravar os filmes. Em uma rápida nota etnográfica, cabe dizer que a palavra é portadora de uma natureza metafísica para os Guarani, como propriedade xamânica propulsora de efeitos sobre os Outros. E que a fala é considerada uma importante capacidade, demonstrativa do amadurecimento de jovens do gênero masculino e do seu potencial de liderança, como apontam os estudos de Elizabeth Pissolato (2007). Nesse sentido, as imagens produzidas pelos brancos são ficções porque não perpassam pela dimensão da construção conjunta com a palavra e a fala guarani. Então passei a prestar atenção à mobilização das categorias de ficção e cinema indígena no pensamento de Alvares e se as levo a sério, tensionando para extrair o máximo de interpretações e reflexões possíveis, é por acreditar no rendimento que elas podem ter em diálogo com teorias contra coloniais nas representações cinematográficas. O sentido da categoria ficção mobilizada por Alvares se diferencia da ideia de ficção que orienta a obra de Jean Rouch, por exemplo. Da mesma forma é prudente questionar se ao termo documentário é atribuído o mesmo sentido nas obras de Vicent Carelli e Alberto Alvares. Levantei a hipótese de que não. O meu argumento é que, apesar de não se referir ao conceito de ficção como criação menos verdadeira e de não atribuir ao documentário um caráter de representação “idêntico” ao real, para Alberto Alvares a ficção dos brancos consiste em uma virtualidade do tempo (o passado), e o gênero documental no cinema indígena está associado a uma presentificação do tempo em registro e improviso. Entre muitos possíveis, um dos motivos pelo qual Alberto Alvares diz gostar de fazer cinema é “escrever o mundo com uma narrativa, poder capturar belas palavras com as imagens e interpretar os sonhos” (ALVARES, 2020, informação verbal). Em seguida ele relata o processo de montagem do curta-metragem Sonho de Fogo (2020), que teve início em um sonho profético com a queimada da terra, e explica que sonhar com o fogo é prenúncio de doenças.

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frame do filme sonho de fogo (alberto alvares,

2020). divulgação.

A dimensão do sonho, em que os Guarani se comunicam com Nhanderu (o Deus), é o meio principal por onde a percepção temporal se expressa. Como me disse Alberto Alvares, “antes de dormir você precisa pedir a Nhanderu para ter um sonho bom, para que possa caminhar no outro dia” (informação verbal). Não me é possível traduzir o significado do verbo caminhar nas profecias e na cosmologia guarani neste momento e não acredito que eu seja capaz de fazê-lo melhor do que Hélène Clastres (1978) fez. Nesta passagem busco apenas demonstrar como a relação entre tempo, sonho e imagem é estrita no cinema de Alberto Alvares, que gravou Sonho de Fogo (2020) para contar do seu sonho em relação com a infecção de parentes indígenas pelo vírus Covid-19. “Tenho medo de sonhar com fogo porque geralmente algum parente próximo adoece. Quando veio a pandemia, aí é que eu me toquei. Por isso que Nhanderu me fez ter aquele sonho, e por isso eu tinha feito aquelas imagens antes” (ALVARES, 2020, informação verbal).

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No final da entrevista, eu perguntei a ele o que pensava para o cinema indígena no futuro e qual a expectativa de continuar esse trabalho. Respondeu-me que gostaria que o cinema indígena fosse reconhecido com o certificado de produto brasileiro e que outros cineastas não mais contassem as suas histórias. Mas ponderou que pensar no amanhã não é um costume guarani. Do contrário, na perspectiva dele é importante atualizar as tradições e manter o modo de vida pelo conhecimento dos mais velhos para evitar que o mundo acabe. Assim, a iminência do fim do mundo coexiste na cosmologia dos Guarani junto à noção de repetição do tempo na qual não há o pensamento no futuro, conforme ele destaca: Eu não posso dizer o que estou esperando do futuro, eu não sei. Eu posso falar agora para você e de repente eu saio ali e aconteceu algo e acabou o mundo. Então é por isso que a gente vê muito essa questão do sonho, a gente pede pra sonhar. Pede para Nhanderu ao dormir, ao levantar e tomar o chimarrão e fumar o petynguá, tem essa conexão (...) porque você caminha, você acordou de novo. Isso tudo se repete, vai repetindo. Então, por exemplo, eu não peço pro amanhã “eu quero ser um juiz, um advogado, sei lá”. Se acontecer isso, acontece. Vai ser bem legal, né? Mas se não acontecer, é importante pra mim o que eu faço hoje (ALVARES, 2020, informação verbal).

REFERÊNCIAS ALVARES, Alberto. Cinema indígena, perspectivas contra coloniais. [Entrevista concedida a Aline Moschen de Andrade]. Canal Sesc Brasil no YouTube, 20 de outubro de 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=segzvS9Cub8&t=176s CLASTRES, Hélène. 1978. Terra sem Mal: o Profetismo Tupi Guarani. São Paulo: Brasiliense. GONÇALVES, Marco Antônio; HEAD, Scott. 2009. Confabulações da alteridade: Imagens dos outros (e) de si mesmos. In: GONÇALVES; HEAD (Orgs) Devires Imagéticos: a etnografia, o outro e suas imagens. Rio de Janeiro: 7Letras. PISSOLATO, Elizabeth. 2007. A duração da pessoa: mobilidade, parentesco e xamanismo mbya (guarani). São Paulo: Editora Unesp. TURNER, Terence. 1991. Representing, Resisting, Rethinking: Historical Transformations of Kayapo Culture and Anthropological Consciousness. In: G. Stocking (ed.), Colonial Situations: Essays on the Contextualization of Ethnographic Knowledge. Madison: The University of Wisconsin Press, pp. 285-313.

AUTORA ALINE MOSCHEN DE ANDRADE é doutoranda em Antropologia Social pelo Museu Nacional/ UFRJ, sob a orientação do Prof. Dr. Carlos Fausto. Atualmente é docente na Escola Latino-Americana de Altos Estudos em Cultura e membro do Laboratório de Antropologia da Arte, Ritual e Memória (LARMe). Concentra o foco das suas pesquisas sobre o tema do cinema indígena, atuando no território guarani de Aracruz, no Espírito Santo. Site: https://larme-ufrj.weebly.com/aline-moschen.html

foto: frame do filme sonho de fogo

(2020)/ divulgação

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ENTRE AS ECONOMIAS ESTÉTICAS E AS ESTESIAS ECONÔMICAS: um lugar de pensamento do cinema brasileiro numa nova década de crise(s)

foto: imagem do filme o trauma é brasileiro.doc

(2019)/ divulgação

BRUNO GALINDO

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Entre as mais variadas formas de classificar determinadas produções de cinema no Brasil, ao menos nos últimos cinco anos, muito me interessa a dimensão de que, como vilas postas na fronteira de um mundo em colapso, algumas obras/cineastas estejam hasteando suas bandeiras de modo a demarcar que, nesses filmes, criam-se outros mundos, outras vozes, outras frontes e, sobretudo, outros projetos de país. A chave para compreensão e mergulho na reflexão proposta por este texto se organiza, então, a partir da dimensão de que talvez, mais do que em qualquer momento da última década, as economias estéticas e as estesias econômicas farão parte dos ajustes e limites que a produção audiovisual brasileira, negra e indígena sobretudo, vivenciará. Antes, no entanto, convém traçar um panorama que denota traços deste cenário. Nos últimos meses, sobretudo no último trimestre de 2020, estive envolvido com trabalhos de curadoria que permitem já dizer, por meio da recepção dos filmes, que o cenário de alteração nos elementos de produção e narrativa denota mudanças que tendem a crescer nos anos de crise econômica, cultural e política que se acirrarão na pós-pandemia. Neste cenário de efeito primário da pandemia, é possível dividir o grosso da produção nacional entre filmes que se movimentam desde os registros da vida pandêmica até tentativas de narrar e filmar que se produzem apesar das relações alteradas pela pandemia. Nessas duas formas, que exploraremos melhor a seguir, a percepção é mesmo a de que, como diz o título que abre este texto, a balança produtiva do cinema pós-pandemia apresentar-se-á formada por procedimentos estéticos delimitados pelas restrições financeiras e/ ou delimitações financeiras que evocarão transformações no fazer fílmico. Ao falarmos de tais delimitações, desvelamos, é bom que se diga, um sistema que operava já de forma descompensada e precarizada no que tange à distribuição e acessibilidade às políticas de fomento e distribuição de renda para produção de filmes. A distribuição desnivelada agrava-se, na verdade, com a pandemia e passa a desmontar as poucas estruturas de segurança e equidade que possibilitaram, nos últimos anos, uma chegada menos tímida de pessoas e experiências que confrontam o elitismo herdeiro branco que monopoliza as formas e meios para realização audiovisual. Nesse sentido, é preciso rever os modelos de produção em curso, assim como seus meios de financiamentos, criando um balanço mais saudável em que seja possível, ainda que produzindo menos, seguir produzindo. A chegada da pandemia é prenúncio da necessidade de uma organização sistêmica, ampla e coletiva para que o setor audiovisual se mantenha como fronte de disputas sociais, culturais e políticas. Porque o novo cenário que se apresenta carregará sintomas de uma nova década que não serão sentidos apenas do ponto de vista narrativo e estético, mas também estrutural, que se não se faz comparável às outras décadas atravessadas por crises do cinema brasileiro, justamente por isso se enuncia como um contexto a ser tratado com o tamanho que possui: somos nós, cá entre um vírus mortal e um presidente delirante, mais uma geração que atravessa histórias de crise no cinema e no audiovisual do Brasil. Nesse sentido, arrisco cá em 2020 neste texto a pontuar que, talvez como poucas vezes se viu antes, o Brasil terá uma safra considerável de filmes que operarão entre os códigos da performances e de protagonistas solitárias, entre resoluções estéticas que reduzam a estrutura técnica em prol da possibilidade de construir narrativas. Ainda, filmes híbridos e de arquivos parecem carregar um DNA produtivo que responderá ao cenário que se aproxima no horizonte. Outra dimensão interessante desta conversa que se fará cada vez mais necessária nos movimentos da próxima está numa chave de imbricação interessante e complexa: uma vez que a vida na pandemia interfere/interferirá nas logísticas, estruturas e dimensões criativas do cinema e do audiovisual, como se portarão os procederes críticos e curatoriais diante desses efeitos? A dúvida ecoa na tentativa de compreender como se darão os sistemas de oportunidade e exibição das obras e, por consequência, como serão ou não reorganizadas as ordens e como serão ou não reorganizados os crivos de modo a entender que, sobretudo nas filmografias menos profissionalizadas, haverá sim uma interferência estética e fílmica que se percebe já agora. O condicionamento das narrativas ao tempo e ao evento que vivenciamos neste momento é chave crucial para a compreensão de que a estrutura cinematográfica brasileira precisará entender tal crise sanitária, potencializadora de crises outras que o cinema brasileiro já enfrenta como no caso da Cinemateca Brasileira, como talvez a última fronteira para reformulação do sistema econômico como um todo. Visto que, diante da impossibilidade de prever e controlar eventos como o da pandemia, é absolutamente necessária a existência de uma estrutura econômica e cultural sólida, com dinheiro em caixa em um modus operandi que dinamize as demandas insurgentes de modo a garantir que, sem arrudeios: pessoas não morram de fome tentando fazer filmes. Para além da discussão que repousa exclusivamente na economia estética, há também, por efeito, a continuidade e o aprofundamento de uma tradição cinematográfica brasileira que, sobretudo negra e indígena, há tempos 49


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promove como métrica de duas produções, o que chamo aqui de estesias econômicas, que se amplificam em formas capazes de, dentro das limitações, construir cinema a partir de escolhas que hoje nos colocam cada vez mais num caminho de produções híbridas, entre documentário e performance, entre gestos explosivos de política e de cinema que não precisam ser abarcados por grandes aportes financeiros. Embora seja sempre fundamental não perder de perspectiva que as grandes soluções encontradas na precariedade continuam sendo reveladoras, bem, da própria precariedade, uma geração de filmes recente evoca possibilidades narrativas e estéticas que, penso, serão as mais produzidas sobretudo durante os primeiros anos do que podemos chamar já, embora ainda não saibamos quando lá chegaremos, de Brasil pós-pandemia. Pensando então tal perspectiva, dois filmes recentes produzidos no Espírito Santo parecem sinalizar elementos que se repetirão ao lidar com sistemas produtivos limitados pelos efeitos da crise pandêmica nos próximos anos. Aliás: ainda mais limitados. São os filmes O trauma é brasileiro.doc (2019), de Castiel Vitorino Brasileiro, e Inabitáveis (2020), de Anderson Bardot. Embora não tenham sido produzidos sob os efeitos em tempo real pela pandemia, são essas duas obras capixabas que abrigam traços de produções que serão cada vez mais comuns nos próximos anos.

A PERFORMANCE EM INABITÁVEIS (2020)

Inabitáveis, dirigido por Anderson Bardot, é um filme de instabilidades evidentes, contando a história de personagens que se encontram entre si e com o mundo através dos abraços e confrontos de seus corpos. A dança como elemento-chave do filme promove a possibilidade de construções estéticas que não necessariamente carecem de um aporte econômico impossível de cogitar nos anos que virão. A estesia econômica que o filme produz ao usar a câmera e o corpo como dois códigos de uma dança que aos poucos revela camadas das personagens é uma solução que, se já utilizada em razão das precariedades econômicas, talvez se evidencie ainda mais de agora em diante. A sequência do encontro com a deusa ao som de Tincoãs está entre as formas de estesia econômicas que sinalizam alguma luz no breu pelo qual já cruzamos durante algum tempo, mas do qual em algum momento precisamos sair.

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O REGISTRO VIVO EM O TRAUMA É BRASILEIRO.DOC (2019) Filmado inicialmente como registro da estreia da exposição O trauma é brasileiro, da artista capixaba Castiel Vitorino Brasileiro, a obra utiliza de registro e captações muito simples para construir uma relação fílmica na qual as tensões do mundo em que se vive e as pulsões de vida de quem sobrevive se colidem para formar um filme de registro vivo. Construindo uma espécie de procissão autoenunciada pelas ruas da cidade, junto de seu bonde, Castiel anuncia a tomada das ruas por uma força de vida que de tal forma se alastra e contagia, não produz nada que não seja vida e luz para o breu que vivemos. Fazendo uso de câmeras simples, sem grandes elaborações técnicas, o filme se transforma num fluxo de disrupção que, ao fim, faz com que piamente acreditemos que este país chamado Brasil é na verdade o país de Castiel Vitorino Brasileiro. Brasil este que pode muito nos ajudar a sair desta crise que, por vezes se chama coronavírus; por vezes, no entanto, chama-se apenas Brasil mesmo.

SOBRE CAMINHAR PELO ABISMO É natural que os efeitos sentidos pós-pandemia tenham maiores feitos nos núcleos de produção atravessados por experiências de mundo negras e indígenas, experiências essas historicamente deslocadas dos monopólios econômicos e produtivos. No entanto, a condução desses cinemas (aqui genericamente classificados nos códigos de identidade “negro” e “indígena”) já trouxe soluções para crises outras, em outros tempos, e tais frontes seguirão fazendo tal exercício de criação de horizontes ao andar sobre os abismos, como diz Jota Mombaça (2018). O que fica de novo e como fonte de alguma curiosidade é a percepção de como tal contexto pandêmico interferirá na produção de pessoas e setores que sempre tiveram acesso a valores e estruturas que permitiram sistemáticas produções de filmes nos mais variados contextos de crise. Contudo, o contexto de uma crise de saúde pública tem tantas especificidades que parece desvelar, a partir de sua efetiva transformação da ordem do que chamávamos “normal” no Brasil, toda uma fragilidade da cadeia produtiva enquanto cadeia produtiva propriamente dita. É possível medir isso, seja pelo número de inscrições em editais emergenciais, seja pela quantidade de projetos interrompidos por conta das demandas de distanciamento. Se a pandemia aos olhos do mundo é um portal, como diz Arundhati Roy (2020), para o cinema brasileiro a pandemia é o agravamento de uma crise que mais cedo ou mais tarde retorna precarizando ainda mais o que já está precarizado, acirrando ainda mais disputas pelo mesmo prato de orçamento e criando desconexões que enfraquecem o conjunto produtivo do Brasil. A Cinemateca Brasileira, o desmonte da Ancine e a escassez de editais de fomento, desenvolvimento e produção; são sintomas anteriores, são parte de uma crise que tem carinha e cheiro de projeto.

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Como sugestão, já que este texto pretende muito mais perguntar do que responder, o que parece abrir os caminhos para a década que se aproxima, sob o ponto de vista da economia cinematográfica e dos arranjos de produção em seus mais variados níveis, parece ressoar a seguinte hipótese: quando uma crise retorna mais de uma vez, é porque, bem, ela nunca deixou de existir. Se uma crise nunca se encerra completamente, talvez seja um projeto. E o que a pandemia nos mostra é que um projeto econômico pautado por privilégios, de um lado, e informalidades, do outro, diante de uma crise sem precedentes está fadado a retroceder e a depender do impacto, desmoronar por ter em suas bases fundições sistematicamente enfraquecidas por dispositivos anti-culturais. Se há algo que se leva dessa tragédia chamada 2020 é uma lição básica, mas que as crises convocam ao não esquecimento: cinema é trabalho. Precisa ser sistematizado, pensado e estruturado como trabalho. Precisa gerar renda, não fazer com que pessoas se endividem. Precisa ter estabilidade, acesso, distribuição de renda. Já tanto sobrevivemos fora do cinema. Que as estruturas audiovisuais possibilitem também viver, sem sobre.

REFERÊNCIAS MOMBAÇA, Jota. “Veio o tempo em que por todos os lados as luzes desta época foram acendidas”, publicado em Buala, 2018. Acessar aqui: https://www.buala.org/pt/corpo/veio -o-tempo-em-que-por-todos-os-lados-as-luzes-desta-epoca-foram-acendidas. ROY, Arundhati. “A pandemia é um portal”, publicado em Financial Times, 2020. Acessar aqui: https://www.ft.com/ content/10d8f5e8-74eb-11ea-95fe-fcd274e920ca BRASILEIRO, Castiel Vitorino. “O trauma é brasileiro”, instalação e textos, 2019.

AUTOR BRUNO GALINDO é crítico de cinema, curador, roteirista e assistente de direção. Atualmente estuda Imagem e Som na Universidade Federal de São Carlos. Como crítico participou da oficina Janela Crítica no 9º Janela Internacional de Cinema de Recife, do Talent Press Rio 2019, das coberturas críticas (pelo site Cinefestivais e pelo blog Sessão Aberta) da Mostra de Cinema de Tiradentes, assim como do 7º Olhar de Cinema (Curitiba) e do 13º CineOP (Outro Preto). Trabalhou como Assistente de Direção nos filmes Luazul e Border (edital Cultura Inglesa).

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foto: imagem do filme o trauma ĂŠ brasileiro.doc

(2019)/ divulgação

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CINEFILIA NA UTI

foto: unsplash/divulgação

FABIO CAMARNEIRO

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2020 vai ser lembrado como o ano em que a pandemia de Covid-19 contaminou mais de 50 milhões de pessoas ao redor do mundo, deixou mais de um milhão de mortos e alterou consideravelmente a vida de muitos. Novas regras sanitárias e a necessidade de distanciamento social provocaram inúmeras mudanças, e o cinema não deixou de ser afetado. Com salas fechadas durante meses e lançamentos adiados, o consumo de filmes se transferiu para os serviços de streaming, e mesmo festivais importantes (nacionais e estrangeiros), num gesto inédito, optaram por migrar seus conteúdos para essas plataformas. O drive-in ressurgiu em algumas capitais do país, retomando uma prática comum nos EUA durante os anos 1950 e no Brasil ao menos desde o final dos anos 1960. No momento em que este texto está sendo escrito, as salas de exibição começam a reabrir suas portas, com restrições de ocupação e bastante incerteza sobre o retorno do público. De qualquer maneira, para quem estava acostumado a frequentar salas de cinema, 2020 foi certamente o pior momento desde muito tempo. Para o bem e para o mal, a pandemia colocou em questão a maneira como filmes são consumidos. E a cinefilia – nome um tanto pomposo que costuma designar o hábito de pessoas que se dedicam de maneira às vezes obsessiva a aprender sobre o mundo através das telas de cinema —, como ela será daqui para a frente?

MEMÓRIAS DE UM CINÉFILO Ao pensar a respeito desse problema, recordo minha própria trajetória, vivida com especial intensidade entre a metade dos anos 1990 e o final da segunda década do século XXI, época que coincide com um grande crescimento do cinema brasileiro, ao menos entre 1995 (ano de Terra estrangeira, de Walter Salles e Daniela Thomas) e 2019 (ano de Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles). O mais importante eixo de salas na cidade de São Paulo, outrora no centro da cidade, estava entre a Rua Augusta e a Avenida Paulista, com locais como o CineSesc (a sala favorita dos cinéfilos paulistanos), o Cine Belas Artes (um dos mais tradicionais) e o Espaço (que, durante o período citado, passou de Banco Nacional para Unibanco e, finalmente, Itaú). Muitos cinemas dessa época não existem mais, como o Astor, que virou a maior loja da Livraria Cultura no Conjunto Nacional (o chão da livraria ainda apresenta o mesmo desnível das cadeiras e não é difícil imaginar onde ficava a tela e a sala de projeção). Esta era apenas uma das cinco salas então em funcionamento no Conjunto Nacional. Outros centros comerciais também tinham seus locais de exibição, como o Center 3 (que ainda hoje possui salas) ou o Top Center (não tem mais cinema), este quase vizinho do Edifício Gazeta, onde hoje funciona o Reserva Cultural, e que à época tinha duas salas: o Gazeta e o Gazetinha. A programação era diversificada. Além dos lançamentos comerciais, muitos filmes brasileiros, os iranianos (Abbas Kiarostami era talvez o cineasta-sensação desse período, especialmente depois da Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1997 por Gosto de cereja) e também retrospectivas. O Filmes do Estação lançava cópias novas em 35 mm de Rohmer, Truffaut e Godard — uma escola para o cinema francês. O Cine Bijou (uma pequena sala na Praça Roosevelt) passava clássicos. Havia também a Sala Cinemateca no bairro de Pinheiros (antigo Cine Fiammetta), em condições precárias e fechada no final dos anos 1990 (a sala reabriria pouco depois e, conforme seus patrocinadores, ganharia vários nomes até a atual denominação de CineSala). A inauguração da nova Cinemateca Brasileira na Vila Clementino marcou um período de grande entusiasmo, primeiro com a Sala Petrobras e, mais recentemente, com a Sala BNDES. Nesse espaço, entre vários eventos importantes, é preciso destacar as Jornadas do Cinema Silencioso e também o curso Uma História do Cinema na Cinemateca, com o Prof. Eduardo Morettin e, depois, com o Prof. Rubens Machado Jr., ambos da USP. Havia também as mostras, os festivais e as retrospectivas. Em primeiro lugar, a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, comandada por Leon Cakoff (morto em 2011) e Renata de Almeida, com centenas de filmes exibidos em várias salas por duas semanas em outubro. Além disso, as retrospectivas na Cinemateca Brasileira e as concorridas mostras no Centro Cultural Banco do Brasil — retrospectivas completas de John Ford, Fritz Lang, Howard Hawks, Alfred Hitchcock, Douglas Sirk, Nicholas Ray, Pedro Costa, Jonas Mekas, entre outros... E as locadoras de DVD viviam uma época áurea, seja com a 2001 Vídeo — que ampliava sua rede para outros bairros da cidade (Jardins, Pinheiros, Perdizes, Chácara Flora) —, seja com casas mais ligadas a bairros específicos e que, pela qualidade de seus acervos, atraíam cinéfilos de toda a cidade, das quais um bom exemplo seria a HM Home Vídeo, em Higienópolis. A busca por filmes era constante, e havia uma comunidade de cinéfilos que, entre uma sessão e outra, trocava impressões sobre as produções. Um dos maiores padroeiros desse grupo de viciados por celuloide era o cineasta Carlos Reichenbach (morto em 2012), que comandava a lendária Sessão Comodoro, no CineSesc, com exemplares de “cinema extremo”, nome que Carlão usava nas apresentações e que parecia significar filmes que exigiam uma apreciação muito distinta daquela apregoada por um “gosto médio”. As exibições eram não raro 55


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feitas com cópias precárias, baixadas da internet, raridades que dificilmente seriam vistas de outra maneira em uma tela grande. Para lembrar de apenas dois, 200 Motels (de Frank Zappa) ou Paganini, único filme dirigido pelo ator alemão Klaus Kinski. Muita coisa poderia ser citada, mas o busílis não é esgotar as memórias de um período de formação e sim pensar como a cinefilia mudou de lá para cá e como a pandemia de Covid-19 acabou por acelerar algumas dessas transformações. As locadoras de DVD praticamente não existem mais. A prática de fazer downloads de filmes pela internet (uma das manias de Carlos Reichenbach) tornou-se uma constante, mas com raríssimas exibições públicas dessas cópias, inclusive por questões que envolvem direitos autorais. Aliás, grande parte do consumo de filmes migrou da sala de exibição para o espaço doméstico. Ao menos no contexto da indústria estadunidense, as séries substituíram o cinema como o lugar do entretenimento “adulto”. A reverência quase religiosa presente em uma sessão de cinema parece pouco a pouco coisa do passado. Mesmo a experiência coletiva de assistir a filmes (não com um grupo restrito de amigos, mas com plateia) parece fadada a terminar. Como será a cinefilia no século XXI? Durante os últimos meses, o consumo de filmes tem acontecido predominantemente on-line. As opções de serviços de streaming cresceram exponencialmente, ultrapassando o catálogo bastante limitado (em termos qualitativos) da Netflix e antecipando a já esperada “guerra” do setor. Se a Netflix dominou o mercado durante os últimos anos, o término da cessão de direitos de alguns importantes títulos de sua carteira levou várias companhias a planejar seus próprios serviços de assinatura. Uma delas é a Disney+, que passa a exibir os filmes do universo Marvel, as animações da Pixar, da série Star wars e, entre outras coisas, Os Simpsons. Disputando um espaço na banda larga dos consumidores estão também Amazon Prime Video, Apple TV, Google Play e YouTube, além de HBO e Paramount+, que prometem chegar ao Brasil em 2021. E aqueles que apostam em um catálogo mais enxuto, com curadoria bastante especializada, como o caso do Mubi. E ainda Claro TV, GloboPlay, Looke, NOW etc. Se parece irreversível que parte do público migre dos cinemas para as telas domésticas, algumas perguntas permanecem sem resposta: quem poderá pagar por mais de um serviço mensal de assinatura? (Sem falar, é claro, no serviço de internet de banda larga...) Veremos a criação de nichos especializados? (Pessoas que só assistem à Disney+ de um lado, fãs da Amazon Prime Video de outro etc.) O download não necessariamente legalizado voltará a fazer parte do cardápio de opções de quem não pode pagar por tantos serviços? E restará, dentro do orçamento dedicado a filmes, alguns trocados para uma sessão de cinema “à moda antiga”, incluindo, no caso dos multiplexes nos shopping centers, o valor do estacionamento (ou do aplicativo de mobilidade) e de um hiperinflacionado balde de pipoca?

ENQUANTO ISSO, NO ESPÍRITO SANTO... No contexto capixaba, o Cine Sesc Glória — duas salas pequenas, mas muito bem equipadas, com programação bem cuidada e preços populares —, ao que tudo indica, fechou definitivamente as portas durante a pandemia. O Cine Metrópolis, na Ufes, segue fechado e sem data prevista para sua reabertura, mas vem realizando eventos on-line sob a alcunha “Metrópolis Reconecta”. O Cine Jardins retomou suas atividades em outubro, com uma programação de filmes de arte dos anos 1980, 1990 e 2000. Os cinemas dos shopping centers também voltaram a funcionar, apostando em alguns dos filmes que ficaram represados durante os meses de isolamento social, como o blockbuster Tenet, de Christopher Nolan. Sim, as salas de cinema voltaram — mas grande parte do público parece não saber disso.

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Sob a terrível iminência de uma segunda onda de Covid-19, não será surpreendente se muito em breve os equipamentos culturais voltarem a fechar, dando início a mais um ciclo de isolamento social mais intenso e consumo on-line de filmes. Até que uma vacina seja testada e esteja à disposição de maneira ampla, tudo é incerto. Nesse contexto, como pensar a produção independente, foco da tradicional mostra da ABD Capixaba? Além disso, como imaginar maneiras para que cinéfilos de hoje e de amanhã possam acessar filmes e, tão importante quanto, acessar a experiência de uma exibição numa sala de cinema? Se a difusão da produção independente nacional (e regional) sempre foi restrita, a internet (sempre ela) pode ajudar a alterar esse quadro. Há muito que realizadores utilizam serviços de hospedagem como Vimeo, YouTube etc. para armazenar e divulgar seus filmes. Mas um passo importante para que essas obras possam circular com mais alcance seria a reunião de vários conteúdos em uma única plataforma. Apesar dos gigantes, o streaming pode beneficiar os pequenos, desde que haja alguma organização nesse sentido. Seria desejável que uma entidade com a força da ABD Nacional pudesse pensar, nestes tempos de consumo on-line, em reunir filmes de todas as partes do Brasil em um grande banco de conteúdo independente. Claro que falar é fácil. Mas, como tentamos demonstrar aqui, a possibilidade de uma cadeia exibidora forte é essencial para o fortalecimento de uma cultura cinematográfica (e da cadeia produtiva). Se em um ecossistema natural é cada vez mais desejável incentivar os produtores locais, não seria diferente com o negócio de cinema. Os futuros cinéfilos agradecem de antemão. É cada vez mais urgente estar atento à produção audiovisual em nosso entorno, aos equipamentos culturais mais próximos, aos gestores de cultura que ajudam a organizar saídas para que a classe artística siga trabalhando mesmo que durante esta dura época de pandemia. É preciso também estar atento ao descaso com a Cinemateca Brasileira, onde grande parte de nossa memória audiovisual está reunida. Criminosamente abandonada pelo Governo Federal — que tem por obrigação, ao menos em tese, cuidar do interesse da cultura nacional —, a Cinemateca pede socorro. Fechada desde agosto, ela espera pacientemente que nenhuma tragédia aconteça com seu acervo enquanto entraves legais atrasam sua reabertura, contra o que só podemos compreender como um desejo mórbido de nossas autoridades maiores. Além de mudar a maneira como consumimos filmes, a pandemia de Covid-19 criou novos desafios para o cinema. A cinefilia do futuro certamente se dará de maneiras bastante distintas daquelas do século XX, algumas talvez ainda inimagináveis para o ano de 2020. Ainda assim, é preciso olhar para a frente sem se esquecer de nosso passado e de nossa memória. É preciso salvar a Cinemateca Brasileira e apoiar as salas que insistem em uma programação distinta do grande circuito comercial. É importante lembrar, neste momento trágico, que o cinema sempre foi nada além de um facho de luz a iluminar a escuridão.

AUTOR FABIO CAMARNEIRO é professor adjunto na Universidade Federal do Espírito Santo – Ufes e doutor em Meios e Processos Audiovisuais pela Universidade de São Paulo – USP. Suas pesquisas atuais giram em torno da história e da teoria do cinema (principalmente o brasileiro), das relações entre cinema e outras artes e entre subjetividade e tecnologia. É também roteirista e crítico de cinema.

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OS MÚLTIPLOS FÔLEGOS DA IMAGEM ERLY VIEIRA JR E WALDIR SEGUNDO

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2020 foi um ano que, em suas imagens, nos relembrou a centralidade do respiro em nossas existências. Das máscaras que tentaram nos proteger de uma pandemia transmitida pelo ar aos inúmeros lockdowns em todo o planeta, com suas ruas silenciosas, em que um caminhante solitário podia ouvir a própria respiração. Do “não consigo respirar”, repetido mais de vinte vezes por George Floyd enquanto era assassinado pela polícia, à multidão que foi às ruas gritar, a plenos pulmões, que vidas negras importam – o que nos mostra que o uso do termo sufocamento para se referir ao racismo não é de jeito algum uma metáfora, mas sim uma sensação física bastante palpável de perigo real e cotidiano ao qual a população negra é submetida. Das imagens de incêndios na Amazônia (“pulmão do mundo”) à chegada dos respiradores nos hospitais de campanha, passando ainda pela sistemática asfixia das políticas e equipamentos culturais (e audiovisuais) em todo o país. Um mundo que, em determinado momento, parou pela impossibilidade de se seguir adiante, no ritmo em que se estava – para em seguida respirar, reavaliar tudo e tentar recomeçar (ou não), no ritmo que fosse possível. Num ano de pausas obrigatórias, muitas foram as tentativas de se buscar novo fôlego para poder continuar existindo. 2020 também é um ano fundamental para o audiovisual local: marca os 20 anos de atividade da ABD&C-ES – lutando pelo fomento, difusão, preservação e visibilidade de nossa filmografia. É o ano da 15ª Mostra Produção Independente, que a cada edição traça uma radiografia bastante precisa do estado das coisas no cinema capixaba. E é também o ano em que se completam 10º aniversário do curso de Cinema e Audiovisual da Ufes. Um ano de imagens tão marcantes que também nos convida a relembrar a potência das obras produzidas por nossos realizadores, recolocando-as em circulação, fazendo com que dialoguem entre si, e (re)apresentando às mais diversas gerações a riqueza de seus olhares e a urgência de seus discursos. Daí a proposta desta mostra, que busca apresentar, nos 18 títulos que compõem suas quatro horas de duração, um panorama das principais vertentes do audiovisual capixaba contemporâneo, numa retrospectiva que percorre o período de existência da Mostra Produção Independente, iniciada em 2004. Apresentamos aqui um breve recorte da cena local, levando em conta sua diversidade geracional e geográfica, bem como a sempre crescente participação das ditas minorias: negros, mulheres, LGBTs, indígenas e demais comunidades periféricas. Nosso ponto de partida é um filme que foi um marco histórico em termos de visibilidade e relevância, nacional e internacional, do cinema capixaba – o multipremiado No princípio era o verbo (2005), de Virgínia Jorge. Um bar de periferia, pessoas bebendo e narrando causos diversos, um garoto que perambula escondido numa caixa de papelão, tudo ao mesmo tempo tão longe e tão perto da agitação do carnaval. O olhar atento que Virgínia lança sobre seus personagens faz o espectador mergulhar num cotidiano

repleto de diálogos saborosos, movido pelo prazer de se contar e ouvir uma boa estória, vivida ou inventada. O olhar sensível ao cotidiano também atravessa Os lados da rua (2012), de Diego Zon, filme vencedor do Cine Ceará, que revelou ao país a força da produção ficcional do sul do Espírito Santo, com destaque para o uso expressivo do som em sua narrativa. Já 2 e meio (2010), de Alexandre Serafini, centra-se no universo suburbano para extrair, daquilo que parece corriqueiro, um denso thriller, tão labiríntico quanto as estreitas ruas que o protagonista tem que percorrer para resgatar seu carro roubado, tendo como fio de Ariadne as falas irônicas de uma misteriosa voz ouvida ao celular. O espaço-tempo periférico também embala os adolescentes de Vila Velha, que ressignificam de forma bastante lúdica um conjunto de containers instalado num areal na região do Vale Encantado, transformando-os num espaço de lazer, liberdade e aventura. Essa é a tônica do documentário Perto da minha casa (2013), de Carol Covre e Diego Locatelli, um marco da nascente produção universitária capixaba, que inseriu, pela primeira vez, o trabalho da geração surgida no curso de Cinema e Audiovisual da Ufes no circuito nacional de festivais. Ainda abordando o cotidiano suburbano, o documentário Meninos (2009), de Ursula Dart, acompanha os diversos microeventos vividos numa tarde por um garoto de 9 anos, registrado por uma câmera silenciosa, companheira que partilha um pouco de sua solidão. A câmera também é uma espécie de cúmplice da diversas performances empreendidas por Wagner, protagonista do documentário A cor do fogo e a cor da cinza (2014), de André Félix, seja em sua emissora de televisão feita de papel e lápis de cor, seja na dupla condição de ora estar à frente, ora detrás das câmeras, fazendo confundir os próprios limites da encenação. Uma outra partilha entre câmera e personagens se dá no documentário Transvivo (2017), de Tati W. Franklin, também egressa da faculdade de Cinema. O filme acompanha os processos de transição de gênero dos jovens Izah (que, anos depois, codirigiria Corpo Flor, filme premiado na Mostra Produção Independente) e Murilo, mesclando os registros da cineasta com os diários audiovisuais empreendidos pelos rapazes ao gravarem eles mesmos alguns momentos de seu cotidiano e intimidade. A performance também é o ponto de partida de Janela temporária. À luz das sombras (2016), um dos trabalhos em que a artista Rubiane Maia explora mais intensamente a dimensão coreográfica do próprio corpo, em movimentos longilíneos que criam um rico desenho com as sombras e demais elementos gráficos da paisagem. Aqui, o gesto não só redefine o enquadramento, mas também ativa a partilha sensória junto ao espectador. Coreografia, gesto e sensação também são palavras-chave em Beatitude (2015), de Dell Feire, trabalho de videodança que se baseia na fricção entre o cotidiano palpável e a dimensão espiritual 61


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das divindades afro-brasileiras e egípcias, num resultado que muitas vezes faz a própria câmera bailar. O filme tem como referências principais o cinema de Maya Deren, os trabalhos das coreógrafas Katherine Durham e Mercedes Baptista, a musicalidade do Afrobeat e do Manguebeat e a dança afro-capixaba. A dupla presença do corpo físico e da espiritualidade também é conjugada em Para todas as moças (2019), de Castiel Vitorino Brasileiro. A voz da artista entoa um cântico-encantamento, como quem está ao mesmo tempo aqui e em Aruanda, anunciando a cura travesti como possibilidade de sobreviver a um permanente processo de “fim do mundo” (especialmente o da cisheteronormatividade), tão necessário quanto inevitável. Outro enfrentamento direto com o mundo que nos cerca, desta vez encarando o racismo estrutural e o extermínio da população negra, surge do trabalho do artista Fredone Fone, Gravata (2015), cujas imagens foram originalmente captadas no Dia da Consciência Negra do ano anterior. Um aparelho de televisão, cuja tela foi atingida por um tiro, jaz num matagal à beira de uma estrada em Serra Dourada, local onde frequentemente são abandonados cadáveres. Na banda sonora, a frieza com que o noticiário jornalístico transforma essas mortes em meras estatísticas da violência urbana amplia os sentidos e o próprio choque estético e político presente na imagem. Já Confinópolis (2012), de Raphael Araújo, baseado nos quadrinhos do próprio realizador, originalmente publicados na revista Prego, apresenta uma afiada alegoria punk, dotada de forte teor irônico: uma cidade de pessoas-fechaduras desprovidas de chave. Postos lado a lado, Gravata e Confinópolis não só fazem um preciso diagnóstico das distopias do presente, como também lançam a provocação urgente acerca dos caminhos para os quais nossa sociedade está rumando – numa região do Brasil célebre por seu cinema de terror, essas obras nos lembram dos horrores vividos no próprio dia a dia. Mergulhando em outro tipo de horror, temos Eclipse solar (2016), de Rodrigo de Oliveira. Esse drama sobrenatural, de atmosfera densa e uma mise-en-scène meticulosa, transita sem cerimônias do registro realista à alegoria sensual e perturbadora, jogando ao mesmo tempo com o passado e o presente coloniais, seus fantasmas e opacidades, numa tensão crescente entre aquilo que se mostra e os segredos que se buscam ocultar. Ai de ti (2006), animação cachoeirense dirigida por João Moraes e conduzida pelo fascinante traço de Diego Scarparo, parte da crônica lida pelo próprio Rubem Braga para nos apresentar a metrópole carioca (para a qual muitos de nós, durante décadas, tiveram que migrar) à beira do apocalipse, prestes a ser engolida pelas águas revoltas, que trazem consigo criaturas fantásticas e anunciam a possibilidade de um recomeço, uma depuração.

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Já Reikwaapa (2013), documentário de Ricardo Sá e Werá Djekupé (Marcelo Guarani), com sua celebração à vida, retrata os ritos da passagem da infância para a adolescência nas tribos indígenas de Aracruz. É um encontro bastante frutífero entre dois nomes importantes do cinema capixaba: Ricardo, que durante décadas construiu uma vasta filmografia, marcada pelo profundo engajamento social, resgatando aspectos políticos e culturais das comunidades indígenas, quilombolas, questões ambientais e de memória e resgate cultural; e Marcelo, representante de uma das mais ricas vertentes do audiovisual brasileiro: o cinema indígena. Desse encontro, aflora uma pedagogia bastante própria, que atravessa textos, imagens e ações – um olhar arejado sobre como se dá o aprendizado dentro dos povos guaranis. Outra pedagogia de imagens, desta vez sob uma lente queerizante, vem da explosão de cores, texturas, grafismos e sensações presentes no videoclipe Onde está o grande tema? (2012), dirigido por Carol Covre para a banda Velho Scotch, cujo vocalista é o também cineasta Anderson Bardot. Aqui, artificialidade, androginia e tatilidade são categorias centrais nos modos como nós, espectadores, nos relacionamos com uma imagem que recusa o distanciamento voyeurístico e pede um contato de pura intimidade. A busca de novas possibilidades visuais e sonoras norteia a experimentação em Uma (2011), de Alexandre Barcelos, talvez a mais radical experiência sensorial realizada no cinema capixaba nesse período. O filme parte de uma visão do planeta como um macro-organismo vivo, no qual as pessoas seriam como células a participarem do equilíbrio energético desse sistema. Para criar imagens tão ricamente elaboradas, Barcelos chegou a criar adaptadores caseiros de lentes e estudar os efeitos de vibrações sonoras nas tintas, entre outras artesanias audiovisuais. O contato com a natureza também é um ponto de partida para a leveza e desejo de liberdade expressados no videoclipe CherryBlossom (2017), dirigido por Junior Batista para a banda Solveris. “Hoje é bem melhor do que ontem”, diz a letra da canção, que mescla R&B e hip-hop, enquanto o plano final, de uma caminhonete em contraluz (“Eu contemplo o pôr do sol que mais brilha”), já de partida, nos remete à busca de novos ares, novos afetos, novas sensações, deixando-nos levar para onde esse vento (sul) puder nos guiar.


mostra paralela

MOSTRA PARALELA

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NO PRINCÍPIO ERA O VERBO VIRGÍNIA JORGE

MENINOS URSULA DART

UMA ALEXANDRE BARCELOS

Ficção | PB | 35mm | 18min | Vitória | 2005

Documentário | Colorido | 35mm | 17min | Vitória | 2009

Experimental | Colorido | Digital | 14min | Vitória | 2011

Um dia na vida de um menino de 9 anos

Curta de 2011 com viés poético e imersivo que sugere a observação da realidade, seus ciclos e elementos fractais que a compõe, atravessando geometrias, ondulatórias, fluidos, gases, micro e macro. Dentre essas camadas, um diálogo.

“No Princípio Era o Verbo” é uma fábula composta de três estórias que se fundem num vai e vem lírico e bem humorado, procurando refletir sobre o conceito de verdade e nossa busca pelas explicações de fenômenos cotidianos. Roteiro: Virgínia Jorge Direção de Fotografia: Fernando Micelli Direção de Arte: Rosana Paste Figurino: Thaís Graciotti Som Direto: Alessandra Toledo Trilha Original: Marcel Dadalto e Zé Renato Edição de som: Eduardo Nunes Mixagem: José Cláudio Castanheira Montagem: Célia Freitas Produção: Virgínia Jorge, Verve Produções e Galpão Produções.

Roteiro e Produção Executiva: Ursula Dart Argumento: Ana Cristina Murta e Ursula Dart Direção de Fotografia: Alexandre Ramos Som Direto: Alessandra Toledo e Fernanda Camargo Direção de Produção: Bob Redins Montagem: Lizando Nunes Color-grading e Transfer: Link Digital Elenco: João Gabriel Nascimento, Bianca Zampirolli do Nascimento, Miriam Charpinel Borges e Newton Aparecido Ferreira.

Roteiro: Felipe Mattar, Huemerson Leal, Ivan Consenza, Raphael Gaspar, Werllen Castro Direção de Fotografia: Alexandre Barcelos, Francisco Neto, Tiago Rossmann, Reinaldo Guedes Trilha Sonora: AERIAL_MOBYGRATIS.COM, EXPURGACAO E GIULIANO DE LANDA Mixagem e desenho de som: Alexandre Barcelos, Arthur Navarro e Denilson Campos Montagem: Alexandre Barcelos, Felipe Mattar, Reinaldo Guedes Produção e Produção Executiva: Lorena Louzada Empresa produtora: Expurgação e Kalakuta.

Elenco: Emiliano Queiroz, Augusto Madeira, Markus Konká, Darcy do Espírito Santo, Fábio Matos, Carlos Roberto Jr. (Dadinho), Celsão Rodrigues.

2 E MEIO ALEXANDRE SERAFINI Ficção | Colorido | 35mm | 18min | Vitória | 2010 Hernani, um brasileiro, precisa recuperar seu carro de trabalho roubado. AI DE TI JOÃO MORAES Animação| Colorido | Digital | 6min | Cachoeiro de Itapemirim | 2009 Baseado na mais famosa crônica de Rubem Braga (“Ai de Ti, Copacabana”), é uma fábula irônica sobre Copacabana e seus pecados. Roteiro: João Moraes Arte e Desenho: Diego Scarparo Animação e Trilha Original: Leandro Baptista Narração: Rubem Braga

Roteiro: Alexandre Serafini e Saulo Ribeiro Direção de Fotografia: Ursula Dart Direção de Produção: Bob Redins Direção de Arte e Figurino: Rosana Paste Som Direto e Mixagem: Cons Buteri Montagem: Rafael Balducci Produção: Alexandre Serafini Elenco: Othoniel Cibien, Vanessa Biffon, Higor Campagnaro, Waltair de Souza Jr. e Márcio Miranda.

OS LADOS DA RUA DIEGO ZON Ficção | Colorido | Digital | 16min | Cidade | 2012 Carrão é um garoto que, apesar de seu comportamento excêntrico, vive livremente o ritmo de vida de uma típica cidade de interior. Ao ser surpreendido por um acontecimento que ameaça destruir seu mundo particular, precisará encontrar um caminho que o liberte Roteiro: Diego Zon Assistente de Direção: David Benincá Direção de Fotografia: Alexandre Barcelos Direção de Arte: Djanira Bravo Maquiagem: Wander Polati Som Direto: Eduardo Yep Edição de Som: Francisco Slade Trilha Sonora: José Luis Oliveira Mixagem e desenho de som: Francisco Slade Montagem: Marcelo Moll Produção: Djanira Bravo Elenco: Danilo Andrade, Carlos Henrique Dorrescan, Luiz Carlos Cardoso, Sara Passabon, Carol Areias, Tonny Campbell.

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mostra paralela

CONFINÓPOLIS RAPHAEL ARAÚJO

PERTO DA MINHA CASA CAROL COVRE E DIEGO LOCATELLI

A COR DO FOGO E A COR DA CINZA ANDRÉ FÉLIX

Ficção | PB | Digital | 16min | Cidade | 2012

Documentário | Colorido | Digital | 16min | Vila Velha | 2013

Documentário | Colorido | Digital | 25min | Vitória| 2014

Em meio a uniformidade dos centros urbanos, encontramos pequenos pontos de resistência a esta forma.

Wagner vive na favela e desde os 7 anos de idade é proprietário da Rede Metror, um canal de televisão feito de papel e lápis de cor. Após 11 anos e mais de 70 novelas transmitidas, Wagner dirige pela primeira vez atrizes reais.

Confinópolis é uma cidade, um país ou um lugar onde o totalitarismo reina e as pessoas são trancadas em seus próprios corpos que, no lugar de rostos, têm fechaduras sem chave. O clima de policiamento e violência dominam a narrativa. Contada em preto e branco, a história torna o absurdo do estado totalitário ainda mais contrastante, sem floreios ou discursos amistosos. Nesse cenário um sujeito sem nome começa a agir contra o patrulhamento imposto pelo totalitário Fechadura Hernandez, em suas buscas ele descobre que pode mudar a realidade do aprisionamento em Confinópolis, mas o caminho para isso é sombrio. Roteiro: Raphael Araújo Direção de Fotografia: Alexandre Barcelos e Raphael Araújo Direção de Arte: Camarão Filmes & Ideias Caóticas Maquiagem: Alexandre Brunoro Som Direto: Camarão Filmes, Alex Ferreira e Alexandre Barcelos Edição de Som: Alex Ferreira e Alexandre Barcelos Trilha Sonora: Alex Ferreira, Alexandre Barcelos, Fazinho e Felipe Mattar Mixagem e desenho de som: Alex Ferreira e Alexandre Barcelos Montagem: Alexandre Barcelos, Alexandre Brunoro e Raphael Araújo Animação: Filipe Mecenas Narração: Daniel Boone e Fonzo Squizzo Elenco: Daniel Boone, Tony Squizzo

Roteiro: Carol Covre e Diego Locatelli Direção de Fotografia e Montagem: Caian Viola Andrade Som direto e Edição de Som: Ana Oggioni e Flávio Bastos Trilha Sonora Original: Diego Locatelli Produção: Narayana Telles e Tharllen Fonseca

Elenco: Wagner Lombardi, Ana Cláudia Cristo, Milena Bessa

REIKWAAPA - RITOS DE PASSAGEM GUARANI MARCELO GUARANI E RICARDO SÁ Documentário | Colorido | Digital | 16min | Aldeias Indígenas de Santa Cruz | 2012 O confronto entre os ritos de passagem Guarani e a cultura fora da aldeia. Os ensinamentos sagrados dos idosos se chocam com os hábitos trazidos de fora, interferindo no modo de vida dos mais jovens, principalmente.

ONDE ESTÁ O GRANDE TEMA? CAROLINI COVRE Videoclipe | Colorido | Digital | 5min | Vila Velha | 2012 Videoclipe da banda Velho Scotch. Direção de Fotografia: Diego Locatelli Direção de Arte: Priscila Valadão Montagem: Diego Locatelli Equipe: Edson Ferreira, Eduardo Moura e Narayana Teles Produção Executiva: Anderson Bardot Elenco: Sara Pautz.

Roteiro: André Félix Assistente de Direção: Isabel Veiga Direção de Fotografia: Igor Pontini Maquiagem e Figurino: Ana Carolina Félix Som Direto: Vitor Graize Edição de Som: Cons Buteri Mixagem e desenho de som: Dionísio Ferreira Montagem: André Félix Correção de Cor: Igor Pontini Produção Executiva e Direção de Produção: Vitor Graize Produção/Empresa produtora: Pique-Bandeira Filmes

Ideia Original: Marcelo Guarani (Wera Djekupé) Roteiro: Marcelo Guarani e Ricardo Sá Direção de fotografia: Ricardo Sá Direção de Arte: Marcelo Guarani Som Direto: Fernanda Garcia Camargo Edição de Som e Mixagem: Matheus Costa Direção musical: Marcelo Guarani Trilha Sonora: habitantes da aldeia Trës Palmeiras Montagem e abertura: Bianca Sperandio Pós-produção: Thiago Moulin (Pai Grande Filmes) Produção Executiva: Ricardo Sá Elenco: Tupã Kwaray, Werá Kwaray, Para Txapya, Yry Mindua, Rete Ywoty, Karay Djekupe e grande elenco (indígenas Guarani das aldeias de Santa Cruz)

BEATITUDE DELL FREIRE Experimental | Colorido | Digital | 15min | Vitória | 2015 Releitura do mito de Anastácia, a escrava divinizada pela cultura afro-brasileira. A jovem Anastácia, uma das mulheres responsáveis pela confecção de panelas de barro em Goiabeiras (ES), é vista pelo orixá Ajalá. Apaixonam-se. O amor dos dois vai causar a alegria em uns deuses e a ira em outros. Esse amor perfeito irá resultar numa comunhão divina entre homens e deuses, mostrando que todo homem e toda mulher é uma divindade através da realização de seu trabalho no dia-a-dia. Roteiro: Dell Freire Direção de Fotografia: Alexandre Barcelos Maquiagem de Efeito: Alexandre Brunoro Direção de Produção: Edilamar Fogos Produção: Rafael Gaspar e Lorena Louzada Mixagem e desenho de som: Arthur Navarro Montagem e Correção de Cor: Francisco Neto Elenco: Gislene Bento, Elidio Netto, Patric Leris, Markus Konka, Suely Bispo, Lucciano Coelho, Andressa Felício e Jordan Fernandes

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x revista milímetros

GRAVATA FREDONE FONE

ECLIPSE SOLAR RODRIGO DE OLIVEIRA

CHERRYBLOSSOM JUNIOR BATISTA

Experimental | Colorido | Digital | 2min | Cidade | 2015

Ficção | Colorido | Digital | 28min | Vitória | 2016

Videoclipe | Colorido| Digital | 4min | Vila Velha | 2018

Rodovia Audifax Barcelos Neves, também conhecida como “Estradinha”, em Serra Dourada 2, Serra - Espírito Santo, Brasil. Antes uma estrada de terra, sem iluminação, a “Estradinha” passou por um processo de estruturação, asfaltamento e iluminação, e foi nomeada pelo então prefeito Audifax Barcelos, em homenagem ao pai. Desde muito tempo temida na região, por ser um local com alto índice de desova e de desmanche de veículos, a rodovia mantém a má fama e a má reputação constantemente noticiada por programas sensacionalistas. Roteiro, Direção de fotografia e montagem: Fredone Fone

Três trabalhadores se reúnem em torno da preparação de uma festa num museu. Aparentemente desconhecidos, os contatos entre os três revelarão implicações profundas no passado. No centro dos confrontos está uma criança. À espreita, o Diabo Roteiro: Rodrigo de Oliveira Direção de Fotografia: Lucas Barbi Direção de Arte: Manuela Curtiss Figurino: Harrison Medeiros e Jéssica Prates Maquiagem: Royce Luckessy Som Direto: Greco Nogueira Edição de Som: Marcus Neves Mixagem e desenho de som: Marcus Neves Direção de Produção: Maria Grijó Simonetti Montagem: Luiz Pretti Produção Executiva: Vitor Graize Empresa produtora: Pique-Bandeira Filmes co-produção Galpão Produções

Videoclipe realizado para música “CherryBlossom” do grupo SOLVERIS presente no álbum Coligações Expressivas 4. Direção de Fotografia: William Rubim Assis. Fotografia: Lucas Dornellas Maquiagem: Erika Almeida Figurino: Patrik Braga Montagem: Junior Batista Color grading: Willian Rubim

Elenco: Rejane Arruda, Erik Martíncues, Natália Hubner, Leonardo da Silva e Rômulo Braga

PARA TODAS AS MOÇAS CASTIEL VITORINO BRASILEIRO Experimental | Colorido | Digital | XXmin | Cidade | Ano JANELA TEMPORÁRIA - À LUZ DAS SOMBRAS RUBIANE MAIA

eu agora vou falar para todas as moças. Eu agora vou bater, para todas as moças. Para todas as travestis, para todas elas. Eu agora vou fazer macumba para todas as bixas. Para todos os testículos femininos, para todas elas.

Experimental | Colorido | Digital | 8min | Brasil/ México | 2016 O vídeo ‘Janela Temporária - À Luz das Sombras’ foi realizado durante uma residência artística de três semanas no Centro de las Artes de San Agustín, Oaxaca, México. Período em que a artista desenvolveu uma pesquisa baseada na observação da luz (solar e artificial). Considerando a forte incidência de sombras por todo o espaço ao redor, e usando o corpo como eixo central, a artista desloca-se com uma grade de madeira e cordas – de 2.5 x 2.5 metros – criada especialmente para a ação. Entre movimentos de ascensão e declínio, corpo e enquadramento se fundem com o propósito de redesenhar a paisagem. Produção e edição: Rubiane Maia Fotografia, câmera: Manuel Vason

TRANSVIVO TATI FRANKLIN Documentário| Colorido| Digital | 20min | Vila Velha | 2017 Transvivo é um documentário que conta as vivências de Izah e Murilo enquanto passam pelo seu processo de transição de gênero. Roteiro, Direção, Produção Executiva e Montagem: Tati Franklin Direção de produção e Assistência de direção: Suellen Vasconcelos Direção de Fotografia: Junior Batista e Shay Peled Trilha Sonora: Joana Bentes Edição de Som e Mixagem: Marcus Neves Som Direto: Gabriel Neves Produção: Wagner Vieira Colorização: Willian Rubim Produção e Realização: Filmes Fritos Distribuição: Pique Bandeira Filmes Elenco: Izah Candido Silva e Murilo Lopes Teixeira

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Roteiro: Castiel Vitorino Brasileiro Imagens: Castiel Vitorino Brasileiro, Rodrigo Jesus, Larissa Brasileiro Silva e NASA’s Goddard Space Flight Center Trilha Sonora: Batuque: CENTRO ESPÍRITA CABOCLO SETE ESTRELAS DO MAR/SANTÍSSIMO RJ Montagem: Castiel Vitorino Brasileiro Voz: Castiel Vitorino Brasileiro


mostra competitiva

MOSTRA COMPETITIVA

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SESSÃO 1

x revista milímetros

FOTOGRAFIA DAS RUAS FRANCIELLI NOYA, WOLMYR ALCANTARAE E FELIPE GAZE Videoclipe | Colorido | Digital | 4min | Serra | 2019 Videoclipe realizado com animações produzidas pelos alunos do projeto Oficina de Animação para a música “Fotografia das Ruas”, do Projeto JC. Roteiro: Francielli Noya, Wolmyr Alcantarae e Felipe Gaze Direção de Fotografia: Francielli Noya, Wolmyr Alcantarae e Felipe Gaze Edição de Som: DJ Estacado Trilha Sonora: Projeto JC: Rapper Jão, Junim El Lobo (15Nopente), Gabriel Macario(15Nopente), Zukri (Dogma Mc’s) e DJ Estacado Mixagem e desenho de som: DJ Estacado Montagem: Francielli Noya, Wolmyr Alcantarae e Felipe Gaze Produção Executiva: Francielli Noya, Wolmyr Alcantarae e Felipe Gaze Produção/Empresa produtora: Coletivo Quadro-a-quadro

VICTOR WOLMYR ALCANTARA, FELIPE GAZE E DARCY ALCANTARA Animação | Colorido | Digital | 1min | Vitória | 2016 Quando aquele homem misterioso caminha pela noite com seu velho surrão, poucos são capazes de imaginar o que faz em horas tão tardias e quais suas verdadeiras intenções... Roteiro: Felipe Gaze Direção de Fotografia: Felipe Gaze e Gilmar Gomes Produção Executiva: Wolmyr Alcantara, Felipe Gaze e Darcy Alcantara Trilha Sonora: Darcy Alcantara Mixagem e desenho de som: Darcy Alcantara Montagem: Wolmyr Alcantara, Felipe Gaze e Darcy Alcantara Direção de Arte: Felipe Gaze e Gilmar Gomes Ilustrações: Gilmar Gomes

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INSURGÊNCIAS PRODUÇÃO COLETIVA DO PROJETO DE EXTENSÃO CIRCUITO AUDIOVISUAL Documentário | Colorido | Digital | 27min | Serra | 2020 Em Insurgências, o trabalho escolar de uma jovem moradora e a história da rebelião de negros escravizados em Queimado são pano de fundo para abordar a questão da arte e do racismo. Roteiro: Produção coletiva do projeto de extensão Circuito Audiovisual Direção de Fotografia: Produção coletiva do projeto de extensão Circuito Audiovisual Assistente de fotografia: Iza Marcialina Meireles Rosemberg Maquiagem: Murilo Vizeu Direção de Produção: Produção coletiva do projeto de extensão Circuito Audiovisual Produção Executiva: Produção coletiva do projeto de extensão Circuito Audiovisual Assistente de som direto: Rhuan Magalhães Edição de som: Yago de Vargas Trilha Sonora: Banda Ógo, Manga, Preto Pensa, Toada para Nossa Senhora, , Mundo da Criação Mixagem e desenho de som: Produção coletiva do projeto de extensão Circuito Audiovisual Montagem: Produção coletiva do projeto de extensão Circuito Audiovisual Elenco: Entrevistados atriz e escritora Suely Bispo, o artista visual e MC Fredone Fone, o grupo musical Ogó, a artista plástica Keka Florêncio e integrantes da Banda de Congo Santo Expedito.

A VIAGEM DO SEU ARLINDO SHEILA ALTOÉ Ficção | Colorido | Digital | 16min | Vargem Alta | 2018 Na Comunidade Quilombola de Pedra Branca, nas montanhas capixabas, os mais velhos preservam a tradição de contar histórias para os mais jovens como a do dia em que o Seu Arlindo decide fazer uma misteriosa viagem, deixando intrigados os moradores da Roteiro: Sheila Altoé Direção de Fotografia: Rafael Mazza Still: Gustavo Louzada Direção de Arte: Sara Passabon Amorim Assistente de Arte: Hugo Amorim Som Direto: Greco Nogueira Edição de Som: Bernardo Gebara Mixagem e desenho de som: Bernardo Gebara Produção de set: Patrícia Cortes Montagem: Márcia Medeiros Assistente de edição: Felipe Gabriel Romero Correção de Cor: Rafael Mazza Produção Executiva: Beatriz Lindenberg

PRIMORDIOS WAYNER TRISTÃO Experimental | Colorido / PB | Digital | 1min | Vitória | 2020 cinema de atração ou gif? Roteiro, Direção de Fotografia e Montagem: Wayner Tristão Direção de Arte: Vanessa Malheiros Elenco: Wayner Tristão


mostra competitiva

AFOGADO WAYNER TRISTÃO

PRÁTICAS DO ABSURDO ALEXANDER S. BUCK

Animação | Colorido | Digital | 2min | Vitória | 2020

Ficção | Colorido | Digital | 16min | Vitória | 2019

Memórias líquidas Classificação: Livre Roteiro, Direção de Fotografia, Edição de Som, Trilha Sonora e Produção Executiva: Wayner Tristão Direção de Arte: Vanessa Malheiros Elenco: Wayner Tristão

A PROFUNDIDADE DA AREIA HUGO REIS

Cinco corpos negros vivenciam fenômenos que alteram a realidade de forma absurda e inesperada. Um experimento cinematográfico que busca desafiar a lógica, o senso comum e até a gravidade. Os protagonistas descobrirão que nem sempre serão compreendido Roteiro: Alexander S. Buck Assistente de direção: Adriano Monteiro Direção de Fotografia: Letícia Tambucci, Ingrid Rocha Direção de Produção: Eder Formigoni Produção Executiva: Magno Santos, Elisa Kobi Trilha Sonora: Fepaschoal Som Direto: Greco Nogueira Mixagem e desenho de som: Leo Molini Correção de Cor: Syã Fonseca Montagem: Alexander S. Buck Direção de Arte: Syã Fonseca Cenografia: Rodrigo Aréas, Bruno Correa Maquiagem: Isabella Ferreira Figurino: Priscilla Schimitt, Regina Schimitt Direção de Efeitos Práticos: Rodrigo Aragão Direção de Efeitos Visuais: André Rios Elenco: Carlos Rosado, Markus Konka, Welington Freitas, Edson Ferreira, Billy Soluelo, Sandra Chagas, Silmer Gonçalves, Vivian Cunha

DIA DO MANGUEZAL PONTO DE CULTURA ANIMAZUL / INSTITUTO MARLIN AZUL Híbrido | Colorido | Digital | 8min | Vitória | 2019 Do bairro de Goiabeiras, o CMEI Jacyntha Simões apresenta as belezas do manguezal. Roteiro: Crianças dos grupos 6A e 6B Direção de Fotografia: Crianças dos grupos 6A e 6B Stop Motion e Pixilation: Marinéia Anatório Som Direto: Irson Barbosa Edição de Som: Paulo César Trilha Sonora: Léo Caetano Mixagem e desenho de som: Paulo César Coordenação de produção: Fabíola Fraga, Márcia Dias, Andréia Ramos, Soler Gonzalez, Marinéia Anatório, Beatriz Lindenberg Montagem: Erica Valle Tratamento de imagem: Marinéia Anatório, Irson Barbosa, Érica Valle, Nildo Neves, Arthur Neves Produção Executiva: Beatriz Lindenberg Elenco: Crianças dos grupos 6A e 6B

Ficção | Colorido / Digital | 17min | Vitória | 2019 Num tempo impreciso, uma caminhada contínua e uma ameaça constante. Vestígios na areia revelam memórias que eles parecem desconhecer, mas não totalmente. Um grito de alerta frente ao histórico dos grupos de extermínio no país! Roteiro: Hugo Reis Direção de Fotografia: Igor Pontini Assistente de Fotografia: Tiago Barreto Produção de Arte: Jéssika Claudino Figurino: Yasmin Ferreira Som Direto: Matheus Noronha Edição de Som: Hugo Reis Mixagem e desenho de som: Alexandre Barcelos Direção de Produção: Maria Grijó Simonetti Produção de elenco e produção de set: Lívia Egger Diretor assistente e preparador de elenco: André Félix Logger, Still e Video assist: Milena Abreu Assistente de Direção: Isabela Reis Elétrica: Júnior Negão, Danilo Cabelo SteadyCam: Pedro Monteiro Montagem: Natália Dornelas Correção de Cor: Lucas Barbi Produção Executiva: Vitor Graize Assistente de Produção Executiva: Hégli Lotério, Victoria Brasil Produção/Empresa produtora: Pique-bandeira Filmes Elenco: Afari, Erick dos Santos Gomes, Jonathan Araújo, Rodrigo Jesus, Yann Araujo, Yasmim Ferreira, Ysaque Ferreira

CONVICTAS KAMI BARBOSA Documentário | Colorido | Digital | 16min | Vila Velha | 2019 Lésbicas caminhoneiras, fanchas, sapatonas: mulheres que amam outras mulheres e que rejeitam a feminilidade imposta a elas como algo inerente a mulher, buscando evidenciar a sua rotina como relação com o trabalho, amigos, família, amor e sociedade. Roteiro: Kami Barbosa e Brunna Rolim Assistente de direção: Brunna Rolim Direção de Fotografia: Daniel Justino Câmera: Brunna Rolim, Daniel Justino, Débora Reis Som Direto: Gabrielly Taffner, Lucas Lamas Montagem e Edição de Som: Brunna Rolim Produção: Débora Reis Assistente de produção: Carolayne Rocha, Gabriela Brasil, Lucas Lamas Produção Executiva: Gabrielly Taffner Elenco: Thie Patrocínio, Natalia Patrocínio e Lorena Bonna

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SESSÃO 2

x revista milímetros

Roteiro: Antônio Estevão Direção de Fotografia: Vitor Mateus Pinheiro Estevão Direção de Arte: Lucileia Pinheiro Estevão Maquiagem: Fernanda Cristyna Som Direto: Vitor Mateus Pinheiro Estevão Edição de Som: Vitor Mateus Pinheiro Estevão Trilha Sonora: “É amor, é paixão”, Washington José Mixagem e desenho de som: Vitor Mateus Pinheiro Estevão Direção de Produção: Thauane Martins Lima Montagem: Vitor Mateus Pinheiro Estevão Produção Executiva: Thauane Martins Lima Produção/Empresa produtora: MegaZaudiovisual

Elenco: Antônio Estevão ,Telmo de Souza,Vanda Caetano,Pedro dias Estevão,Carlos Jehovah Alves Fernandez, Rick Fabian,Washington José, Anilton Nunes Custódio,Adilson Fraga, José Vaz, Fábio Barbosa ,Jarbas Silva, Thauane Lima, Marilene Fernandes, Gilberto Andrade, Wemerson de Oliveira, José Santana, Welligton Santos, Ariano de Paula, Carlos André Fraga Judite Porto dos Santos, Juliete Maria de Souza, Mariana Karoline Estevam,Fabio Lima, Isnaldo Costa, Donizete Campos, Irandir Costa, Cláudio Marques, Douglas de Oliveira, Vicente Neto, Sebastião Lopes , Mariana Carolina, Paulo Roberto, Nilton Oliveira Edson Claudio, Gean Carlos, Elson Alves, Ronivon de Jesus, Arlindo Negrelle, Olair Amaral, Valdir Alves, José Carlos, Fernanda Cristina, José Luiz ,Teodorico Boa Morte, Sônia Cristina Miranda, Gilson Dias, Carlos Valdeir, Brendo Costa, Antônio Cláudio Oliveira, Antônio Cláudio Oliveira, Lourival de Jesus Moura, Alessandra da Costa Maia.

INTERVALO CONTÍNUO BÁRBARA BRAGATO

CHAMADA A COBRAR EDSON FERREIRA

UM MANOELZINHO É BOM, 2 É D+ MANOEL LORENO

Experimental | Colorido | Digital | 7min | Vitória | 2019

Ficção | Colorido | Digital | 19min | Vitória | 2020

Ficção | Colorido | Digital | 57min | Mantenópolis | 2011

COMANDO CENTRAL ANTÔNIO ESTEVÃO Ficção | Colorido | Digital | 103min | Serra | 2020

SESSÃO 3

Ao retornar de viagem, Grilo (Antônio Estevão), um poderoso mafioso que comanda o crime em sua região e descobre que está falido devido a um golpe aplicado por seu rival Macarino (Telmo Souza).

Intervalo contínuo é um trabalho que busca mapear o sonho pelas águas e a água pelos sonhos em uma travessia feita de barco, de Belém a Manaus, no final de 2019. Uma viagem de seis dias, num tempo em suspensão. Roteiro, Direção de Fotografia e Montagem: Bárbara Bragato Produção Executiva: Bruna Gomes Afonso

O TEMPO E A FALTA CLAUDIANA BRAGA Documentário | Colorido | Digital | 17min | Afonso Cláudio | 2019 O Tempo e a Falta acompanha idosos que revelam a solidão do seu cotidiano. Roteiro, Direção de Fotografia, Som Direto e Montagem: Claudiana Braga

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Segredos dos pais de Júlia são revelados quando eles tentam reverter a nota baixa da filha na escola. Roteiro: Edson Ferreira Assistência de Direção: Arthur Sampaio. Direção de Fotografia: Arthur Sampaio Direção de Arte: Arthur Sampaio Som Direto: Edson Ferreira, Jéssica Bragio, Lino Ribeiro, Nathalia Camporez e Thiara Téos. Montagem, Edição de Som e Mixagem: Edson Ferreira Trilha Sonora: Beto Dourah e Fernando Palau. Câmera: Edson Ferreira, Jéssica Bragio, Lino Ribeiro, Nathalia Camporez e Thiara Téos. Produção Executiva: Edson Ferreira Produção/Empresa produtora: Filmes da Ilha Elenco: Edson Ferreira, Jéssica Bragio, Nathalia Camporez, Thiara Téos e Lino Ribeiro.

Seu Manoelzinho compra uma fazenda em Mantenópolis no interior do ES, quando de repente aparece um sósia, ou melhor dizendo, o seu irmão gêmeo ‘Valtair’,ele começa a se passar pelo sr. Manoelzinho e acaba causando alguns problemas. Roteiro: Manoel Loreno Direção de Fotografia: Pereira Silva Direção de Arte: Pereira Silva Edição de Som: Pereira Silva Trilha Sonora: Manoel Loreno Montagem: Pereira Silva Produção Executiva: Manoel Loreno Produção/Empresa produtora: Pereira Filmes Elenco: professor j.Bamberg, Alice Fatima Martins,Ruth Dos Santos Martins, ivanito,Cachilepe,Vanirinho,lacir,marlene


SESSÃO 4

mostra competitiva

NA TERRA DOS PAPAGAIOS ADRIANA JACOBSEN

RÉPLICA BÁRBARA CAZÉ

O PÁSSARO SEM PLUMAS TATIANA ESTEVES RABELO

Experimental | Colorido | Digital | 1min | Guarapari | 2020

Documentário | Colorido | Digital | 2min | Vitória | 2020

Ficção | Colorido | Digital | 15min | Vitória | 2019

Um poema de quarentena:

Réplica é um mini-documentário sobre a rotina de mulheres durante a pandemia.

Na Terra dos Papagaios, se eu sobreviver, se eles sobreviverem, se nós sobrevivermos, ou se você sobreviver, para os papagaios, tanto faz

Roteiro, Direção de Fotografia, Montagem e Produção Executiva: Bárbara Cazé Elenco: Bárbara Cazé

Roteiro, Direção de Fotografia e Montagem: Adriana Jacobsen

As aventuras de uma criança na década de 80 que diariamente tem uma difícil escolha entre dois caminhos. O Pássaro sem Plumas é uma história de esperança e coragem Roteiro: Tati Rabelo & Rod Linhales Direção de Fotografia: Yury Aires Assistente de fotografia: Luiza Grillo, Marcus Supeletto Direção de Arte: Tati Rabelo & Rod Linhales Som Direto: Gisele Bernardes Edição de Som: Alexandre Barcelos & Cons Buteri Trilha Sonora: Cons Buteri Mixagem e desenho de som: Alexandre Barcelos Direção de Produção: Guilherme Rebêlo e Lara Toledo Montagem: Tati Rabelo & Rod Linhales Correção de Cor: Matheus Costa Produção Executiva: Mirabólica filmes Empresa produtora: Mirabólica filmes Elenco: Talita Patuzzo, Lara Sopeletto

ABRIGO REJANE ARRUDA Ficção | Colorido | Digital | 9min | Vila Velha | 2020 FAZ VINTE ANOS TATI FRANKLIN Experimental | Colorido | Digital | 6min | Vila Velha| 2020 Um presente de aniversário Roteiro e Montagem: Tati Franklin Produção/Empresa produtora: Filmes Fritos

Vitória completou dezoito anos e precisa deixar o abrigo onde vive. Roteiro: Everton Cuzzuol, Shalline Estanislau, Marina Castro, Larissa Rigo Tofoli Direção de Fotografia, Montagem e Produção Executiva: Rejane Arruda Trilha Sonora: Allan Maykson Produção: Associação Sociedade Cultura e Arte SOCA Elenco: Shalline Estanislau (Vitória), Pedro Rubens (irmão), Phyetra Braido (órfã), Rodolfo Braido Quadra (órfão), Larissa Rigo Tofoli (diretora do abrigo), Philippe Emanuel (funcionário do abrigo), Breno Oliosi (dono do bar), Marina Castro (avião).

NOSTALGIA RAPHAEL ARAÚJO Animação | Colorido | Digital | 1min | Vila Velha| 2020 Uma pálpebra se abre nos transportando para um fragmento de memória. Uma menina vaga em um deserto surreal em que peixes voadores plantam bombas que germinam olhos carnívoros. Uma lembrança nostálgica. Roteiro, Direção de Fotografia e Montagem: Raphael Araújo

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SESSÃO 4

x revista milímetros

SUPERPODEROSA MATHILDA JOÃO GIRY

JARDIM SECRETO SHAY PELED

Documentário | Colorido | Digital | 20min | Vila Velha | 2018

Documentário | Colorido | Digital | 19min | Vitória| 2019

O artista Wallace Breciani mostra alguns momentos do desenvolvimento de sua obra. Enquanto cria a personagem Mathilda, ele compartilha motivos pessoais que o levou a abraçar a arte de se montar e como isso se tornou parte de sua identidade.

O filme tem como protagonista Eugênio Martini, comerciante do centro de Vitória, que ao longo dos anos instalou em volta da sua loja e nas redondezas do bairro mais de 100 câmeras de vigilância.

Roteiro, Montagem, Som Direto, Edição de Som e Produção Executiva : João Giry Direção de Fotografia: Marcelo Mendes Gomes Direção de Arte: João Giry, Marcelo Mendes Gomes Câmera: João Giry, Laiza Saitt, Marcelo Mendes Gomes, Caio da Rocha

Roteiro, Montagem e Produção Executiva: Shay Peled Direção de Fotografia: Luiza Grillo Som Direto: Natália Dornelas e Matheus Noronha Edição de Som: Hugo Reis Trilha Sonora: Sann Gusmão Mixagem e desenho de som: Hugo Reis Empresa produtora: Pique Bandeira Filmes

Elenco: Wallace Breciani, Mathilda Elenco: Eugênio Martini

ROCHA MATRIZ CRISTAL LÍQUIDO (MIRO SOARES E GABRIEL MENOTTI) Documentário | Colorido | Digital | 25min | Vitória | 2020 Rocha Matriz é um curta documentário que examina a cadeia produtiva de rochas ornamentais a partir de uma consciência alienígena, que reimagina a matéria como informação. No percurso entre feiras, portos e pedreiras no Sudeste do Brasil, o filme traça conexões entre formas de trabalho cotidiano, o mercado global, tendências em design de interiores e o tempo profundo da Terra. Através de suas muitas vidas, a rocha oscila entre objeto sensível e substância simbólica – indústria e linguagem. Roteiro e Direção de Fotografia: Miro Soares e Gabriel Menotti Direção de Fotografia: Miro Soares e Gabriel Menotti Edição de Som, Mixagem e desenho de som: Hugo Reis Trilha Sonora: Gavin Singleto Montagem: Iuri Galindo Produção Executiva: Global Village e Cristal Líquido Produção: Gabriel Menotti e Miro Soares Narração: Wei-Chieh Huang

POLITICAGEM WAYNER TRISTÃO

SUPREMACIA DA FUMAÇA MARCELO MENDES GOMES

Experimental | Colorido | Digital | 1min | Vitória | 2020

Ficção | Colorido | Digital | 10min | Vila Velha

Blá blá blá de sempre Roteiro, Direção de Fotografia, Montagem, Edição de Som e Produção Executiva: Wayner Tristão Direção de Arte: Vanessa Malheiros

| 2019 Com a Grande Indústria no poder a fiscalização do descarte de toxinas no ar e no mar não acontece mais. Uma distopia que alerta sobre o futuro sem o controle necessário da emissão de poluentes no ar, mar e terra.

Elenco: Wayner Tristão Roteiro: Marcelo Mendes Gomes Direção de Fotografia: Marcelo Mendes Gomes Direção de Arte: André Ramos Figurino: Luísa Costa Trilha Sonora: Asset House e Temples por Six Umbrellas; Cerfeuille – Earthwork, Sednoseterces e Ende por Hinterheim; Poisonous por David Fesliyan Montagem: Marcelo Mendes Gomes e Caio Rocha Produção Executiva: Caio Rocha Produção/Empresa produtora: APNEIA Elenco: Luísa Costa

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SESSÃO 5

mostra competitiva

WHEN THE LIGHTS HITS HER FACE CASU

FANTASMAS TALVEZ DIEGO LOCATELLI E FELIPE AMARELO

TRÊS GRAÇAS LUANA LAUX

Videoclipe | Colorido | Digital | 3:54min | Vitória | 2020

Videoclipe | Colorido | Digital | 4min | Vitória | 2019

Ficção | Colorido | Digital | 19min | Muqui | 2020

Um grupo de jovens aspirantes a skatistas se reúnem em um condomínio suburbano para se divertirem e compartilhar de bons momentos.

Em um mesmo ambiente, os fantasmas dos personagens os fazem viver passado e presente. Classificação: Livre

Roteiro: Carlos Casula Direção de Fotografia: Nina Avancini Direção de Arte: Carlos Casula Figurino: Carlos Casula Trilha Sonora: Casu Mixagem e desenho de som: Bruno C. Hanstenreiter Direção de Produção: Carlos Casula, Mariah Friedrich Montagem: Nina Avancini, Carlos Casula Correção de Cor: Carlos Casula Produção Executiva: Carlos Casula Elenco: Bruno C. Hanstenreiter, Casu, Júlia Zumerle, Mariah Friedrich, Renan Dias

Roteiro: Diego locatelli, André Prando, Felipe Amarelo e Luara Zuculotto Assistente de Direção: Jorge Tran Jr Direção de Fotografia: Diego Locatelli e Felipe Amarelo Direção de Arte: Gabriela Christo Maquiagem: Isabella Reis Montagem: Diego Locatelli Correção de Cor: Felipe Amarelo Produção: Daniela Maia Produção Executiva: HERA Produção e Assessoria Cultural Produção/Empresa produtora: Lupino Filmes e Claraboia Imagem Elenco: André Prando, Nicolas Soares, Abou Mourad (ORAI Centro Flutuante) Cecília Minette (ORAI Centro Flutuante) Júlia Buffe (ORAI Centro Flutuante) Thiago Pindaíba (ORAI Centro Flutuante), Darlete Gomes Nascimento, Antônio Apolinário, Markus Konká, Malu Brust Costa, Pedro Gil Guimarães Ribeiro, Franciny Dias, Marcelo Castelo Rodrigues, Silvia Labuto

Numa fazenda, no interior do Brasil, que abriga uma antiga Casa-Grande e uma fábrica de cachaça, três irmãs vivem uma ciranda do destino: pedem a Virgem Maria a graça para um desejo que, ironicamente, é a outra quem realiza. Roteiro: Léo Alves Assistente de direção: Liliana MontSerrat Direção de Fotografia: Úrsula Dart Direção de Arte: Léo Alves, Paula Vieira e Wander Polati Figurino: Léo Alves, Paula Vieira Maquiagem: Wander Polati Som Direto, Edição de Som, Mixagem e Trilha Sonora: Fernando Paschoal e Expurgação Filmes Montagem: Mariana Duarte e Paula Sancier Correção de Cor: Willian Rubim Produção: Tânia Silva Produção Executiva: Sullivan Silva e Leandra Moreira Produção/Empresa produtora: Caju Produções e Lúdica Audiovisual Elenco: Elaine Vieira, Margareth Galvão, Nathalia Lima Verde e Simone Mazzer

AMARGO RIO DOCE RICARDO SÁ Documentário | Colorido | Digital | 20min | Vitória | 2019 A história da mineração no Rio Doce, narrada sob o ponto de vista de um indígena, desde a chegada dos portugueses até o desastre de Mariana. Roteiro: Monica Nitz e Ricardo Sá Direção de Fotografia: Leonardo Merçon Som Direto: Felipe Gama e Gessimar Medeiros Edição de Som e Mixagem: Lucas Bonini Trilha Sonora: Jaceguay Lins, Indígenas Maxacali e Krenak (Núcleo de Cultura Indígena) Montagem: Leonardo Merçon Produção Executiva: Ricardo Sá e Monica Nitz Produção/Empresa produtora: Interferências filmes e projetos Narração: Ailton Krenak Locução: Erlon J. Paschoal, Ilka Westermeyer Merçon, Jean Philippe Janvrin, Paulo Coelho, Richard Hoey, Pedro Hasse Baptista, Denis Karenkin

SEMPITERNA LUCAS CARVALHO CECRÓPIA COM CERCÓSPORA BRUNO CABÚS Animação | Colorido | Digital | 1min | Aracruz | 2020 Experimento em animação stop motion com fungos que habitam as folhas da árvore Embaúba. Roteiro, Direção de Fotografia, Montagem e Produção Execurtiva: Bruno Cabús Trilha Sonora: Hariton Nathanailidis

Ficção | Colorido | Digital | 6min | Piúma | 2020 Com a mãe desaparecida há meses e já sem esperanças de um reencontro, Danilo retorna a sua casa de infância, aparente abandonada desde o desaparecimento e descobre o algo que muda sua vida. Roteiro, Direção de Fotografia, Direção de Arte, Montagem Edição de Som, Trilha Sonora e Produção Executiva: Lucas Carvalho Som Direto: Débora Amana Produção/Empresa produtora: Lampejo Produtora Audiovisual Elenco: Danilo Curtiss, Débora Amana e Murillo Pompermayer

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SESSÃO 5

x revista milímetros

ATAQUE BINAURAL GRUPO DE PESQUISA POTÊNCIAS PARA IMERSÃO EM CINEMA COM ÊNFASE EM ANIMAÇÃO 2018 Animação | Colorido | Digital | 5min | Vitória | 2018 Um ser extraterrestre se apossa da mente das pessoas e lhes causam saborosas sensações audiovisuais. Filme resultado do Grupo de Pesquisa Potências para Imersão em Cinema com Ênfase em Animação - 2018 ocorrido no Sesc Glória - Vitória/ES. Roteiro, Direção de Fotografia, Direção de Arte, Montagem e Som Direto: Coletiva Trilha Sonora: Original - coletiva sob orientação de Hugo Reis Orientadores - animação: Alexandre Brunoro, Bruno Cabús, Raphael Araújo, Renato Pontello Orientador - som: Hugo Reis Grupo de Pesquisa - Animação: Ana Paula Ximenes Ferreira, Arthur Gomes de Castro,Caio Corrêa Cardoso, Eduarda Neves, Isabela Bimbatto dos Santos, Jessika de Oliveira Ferreira, Julia Pimentel Paternostro,Leonardo Agostinho Moreira, Paula Barbosa da Silva, Rodrigo Silva de Jesus e Rodrigo Stingnel Soares Grupo de Pesquisa - Som: Eduardo Helmes e Lucas Lourenço Santos Produção Executiva: Leonardo Almenara Elenco: Juane Vaillant , Raphael Schirmer

PEGASUS BRESIANA SALDANHA Experimental | Colorido | Digital | 2min | Vila Velha | 2019 Construído com a apropriação de vídeos de bancos gratuitos de imagens e de sites que transmitem ao vivo imagens de circuito de segurança. Pegasus dialoga com a realidade de que nossas imagens são confiscadas diariamente nos ônibus, ruas e casa. Roteiro, Direção de Fotografia, Montagem e Produção Executiva: Bresiana Saldanha

Ficção | Colorido | Digital | 13min | Vitória | 2020

Classificação: 16 anos

Animação | Colorido | Digital | 11min | Cariacica | 2009 Na solidão da noite, em seu barco, um pescador recebe a visita de um violeiro misterioso. Roteiro: Wolmyr Alcantara e Felipe Gaze Direção de Fotografia, Direção de Arte, Montagem e Produção Executiva: Wolmyr Alcantara, Felipe Gaze e Gilmar Gomes Edição de Som, Mixagem e Trilha Sonora: Darcy Alcantara Ilustrador: Gilmar Gomes Animadores: Felipe Gaze e Wolmyr Alcantara Produção/Empresa produtora: Travessia Filmes Elenco: Eleizer de Almeida

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Animação | Colorido | Digital | 2min | Vitória | 2020 O som da cidade pode ser perturbador. Roteiro: Francielli Noya e Wolmyr Alcantara Direção de Fotografia e Direção de Arte: Francielli Noya Montagem, Edição de Som, Mixagem e Trilha Sonora: Felipe Gaze Animação: Wolmyr Alcantara Produção Executiva: Wolmyr Alcantara, Francielli Noya e Felipe Gaze Produção: Coletivo Quadro-a-quadro

LIVE ADRIANO MONTEIRO

Romeu é um Youtuber que costuma ser polêmico em suas Lives. Um dia seu público assiste algo além das polêmicas.

ESTA NOITE TEM PELEJA WOLMYR ALCANTARA E FELIPE GAZE

PRAZER DA SOLIDÃO FRANCIELLI NOYA E WOLMYR ALCANTARA

Roteiro: Adriano Monteiro Assistente de direção: Dell Freire Direção de Fotografia e Montagem: Alexsander S. Buck Direção de Arte: Diego Nunes Maquiagem: Isabella do Rosário Som Direto: Lygia Machado Edição de Som: Leo Molini Trilha Sonora: Budah ; Caio Prado Produção de desenho de som: LW Gama Mixagem e desenho de som: Leo Molini Direção de Produção: Daiana Rocha Correção de Cor: André Rios Produção e Produção Executiva: Coletivo Damballa Elenco: Paulo Carvalho, Eddy Aragão, Rodolfo Birchler,Isabella do Rosário e Fabrício Fernandez

A HISTÓRIA DE PETRUS LUCIANO IRRTHUM Animação | PB | Digital | 9min | Jacaraípe | 2020 Uma animação em p/b contando a trajetória de nosso herói-Petrus. Roteiro, Direção de Fotografia, Direção de Arte, Mixagem e Produção Executiva: Luciano Irrthum Som Direto e Trilha Sonora: Luciano Irrthum e João Gabriel M. Passos


mostra competitiva

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vitĂłria, espĂ­rito santo, brasil

2020



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