sobre quase nada

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sobre quase nada on barely nothing

josĂŠ roberto bassul

brasĂ­lia 2020



ficar em silĂŞncio

sobre o nada

em nenhum lugar



























e caminhar

quer ver?

existe tempo algum





































sĂŁo hoje em dia duas formas

escuta

tudo ĂŠ um eco



































de resistĂŞncia polĂ­tica

do nada

eu tenho profundidades
























ficar em silêncio e caminhar são hoje em dia duas formas de resistência política remaining in silence and walking are currently two forms of political resistance

quer ver? escuta want to see? then listen

tudo é um eco do nada every something is an echo of nothing

em nenhum lugar existe tempo algum there is no time, anywhere

sobre o nada eu tenho profundidades about nothing, i have deepnesses


david le breton

francisco alvim

john cage

mรกrio peixoto

manoel de barros


por uma nova espacialidade: a fotografia de josé roberto bassul

a arquitetura tem sido um importante campo de interesse e investigação entre fotógrafos desde o século xix. de um viés documental a abordagens mais livres e interpretativas de espaços e formas, inúmeros fotógrafos especializaram-se nesse gênero artístico e notabilizaram-se em suas épocas. a densidade plástica dos volumes, a geometria das linhas, o encontro de novas perspectivas atraem o olhar experiente através das lentes, resultando em abordagens singulares que contribuem com novos parâmetros visuais diante das edificações retratadas. documentar, catalogar, interpretar são algumas das motivações que traçam uma rica e diversa trajetória da paisagem urbana por meio do registro de suas construções. arquiteto e fotógrafo, josé roberto bassul instituiu um ideário imagético próprio ao fotografar brasília, em 2015, dando início à série paisagem concretista. lançando-se numa linhagem construtiva com rigoroso controle da luz, bassul redefine os espaços em sintonia com suas intenções. geometriza volumes, desafia a perspectiva, valoriza vazios eliminando detalhes, explora os contrastes. a luz é seu verbo. com recursos técnicos e escolhas bem planejadas, traduz o silêncio. em trabalhos mais recentes, revê seu campo de atuação e inicia duas novas séries: poéticas mínimas e quase nada, que se entrecruzam neste livro. insiste na proposição de formas renovadas de experiência com o espaço, que ampliam os parâmetros visuais

márcia mello curadora e conservadora de fotografia

da fotografia de arquitetura. poeta concretista, bassul constrói sua obra com estrofes visuais e vocábulos de luz. busca – incessantemente – novas dimensões semânticas e ritmos sintáticos para as imagens que produz.

poéticas mínimas investe no olhar atento em face do objeto retratado, selecionando suas linhas básicas, sem excessos. o enquadramento obtido com luz difusa confere suavidade à paleta de cores. eliminando texturas e a dramaticidade dos volumes arquitetônicos, sua intenção fotográfica é atingida quase sem recursos posteriores ao registro. os delicados exemplares fotográficos da nova série resultam em verdadeiros refúgios ao bombardeio visual dos dias de hoje. quase nada radicaliza ainda mais a simplicidade das formas. como um retorno ao projeto arquitetônico, atém-se aos traços elementares da construção. ao reduzir prédios a linhas verticais e horizontais, traz nova plasticidade à arquitetura contemporânea despindo-a, por assim dizer, de qualquer afetação simbólica. as linhas básicas colocadas em evidência lidam com o imponderável, tornando impalpáveis o cimento, o aço, o vidro. em curta, mas expressiva e produtiva trajetória, bassul vem criando um repertório inusitado de formas poéticas. como todo artista que se perde nas sutilezas do real, extrai poesia do concreto. e entrega ao caminhante atento um novo olhar possível para a cidade que nos oprime.


certo olhar do arquiteto: sobre quase nada

deambulação... a cidade como objeto de estudo (de desejo). suas formas vistas como lugar onde o olhar se deposita (para subvertê-las). o que o escrutínio do fotógrafo nos propõe, em termos de (re)visão do cotidiano? o que a imaginação do arquiteto recorta da paisagem urbana? há aí certa reivindicação de um sublinhar a estranheza, o inusitado no espaço comum, como nos ensina walter benjamin, acerca da necessidade do olhar estrangeiro. a ideia da intervenção mínima nas superfícies da cidade, o caminhar silencioso, a atenção flutuante, mas aguçada para aquilo que é ângulo, que é reta, que é curva, que se oferece ao desenho da luz, que esculpe o horizonte sem almejar reproduzir as formas naturais, aquilo que é marca do humano, por diferença: essa é a imagem (re) criada por josé roberto bassul. na operação de “descarnamento” e de inserção da transparência e da cor sutil na materialidade do concreto, o que emerge é abstração. como o avesso do croqui do criador, aqui a recriação das formas porta imaginariamente as cicatrizes da vida das coisas que retrata. não mais ancorado na prospecção do desenho, este ato de exposição retrospectiva (como citação) gera a figura livre das marcas da concretude da vida na cidade. é, portanto, fantasmático, como que formado no fundo do olho, ou mais além dele, no espaço aberto da imagem onírica –

marília panitz curadora e pesquisadora

paradoxal, dentro da configuração limpa, equilibrada e geométrica que caracteriza as fotos do artista – de certa forma emulando o silêncio na pintura de um rothko ou na obra de agnès martin, precisão e arrebatamento... o que parece cálculo, racionalidade, execução rigorosa de projeto, captura-nos com sua incorporação do acaso, do non sense, de certo convite ao jogo na mais pura acepção duchampiana. nas séries poéticas mínimas – recorte operado pelo artista quando olha a arquitetura modernista que define a cidade onde vive – e quase nada – mergulho (para o alto) na arquitetura pós-moderna das grandes superfícies espelhadas, que apreende com seu olhar de viajante, as obras parecem criar duas possibilidades aparentemente opostas de abordagem. uma pressupõe deixar-se penetrar pela quase invisibilidade de cada imagem, absorvidos que somos por sua discreta veemência. outra, oferecida pela visão do conjunto, forma incidentalmente uma espécie de escrita pictográfica, que transforma a (quase) abstração da imagem em um (quase) tratado sobre o exercício de (re)ver a mesma paisagem urbana como descrição inusitada daquilo que, de tão visto, torna-se invisível aos nossos olhos. construção por subtração. pura vertigem...


for a new spatiality: josé roberto bassul’s photography

since the 19th century, architecture has been an important field of interest and study among photographers. countless of them – who were celebrated in their times – have specialized in this artistic genre: from documental views to freer and more interpretive approaches of spaces and forms. the volumes’ plastic density, the geometry of the lines, the meeting of new perspectives draws the experienced eye through the lenses, resulting in unique approaches that contribute with new visual parameters in the depicted buildings. to document, catalogue, interpret are some of the motivations that map out a rich and varied trajectory of the urban landscape through the recording of its constructions. architect and photographer, josé roberto bassul founded his own set of images and ideas when photographing brasília, in 2015, then opening the concretist cityscape series. with strict control of light, and walking the constructive line, bassul redefines spaces in harmony with his intentions. he geometrises volumes, challenges perspective, values voids by eliminating details, explores contrasts. light is his verb. with technical resources and well-planned choices, he translates silence. he reviews his field of activity – in more recent works – and begins two new series: minimal poetics and next to nothing, that intermingle in this book. he insists on proposing renewed forms of experience with space, which broaden the visual parameters

márcia mello curator and photography conservator

of architectural photography. a concretist poet, bassul builds his work with visual stanzas and words of light. he untiringly searches for new semantic dimensions and syntactical rhythms for the images he produces.

minimal poetics invests in the observant look when facing the portrayed object, selecting its basic lines, with no excesses. the framing obtained with the diffuse light conveys smoothness to the colour palette. eliminating textures and the drama of architectural volumes, his photographic purpose is achieved with almost no resources after the register. the delicate photographic copies of the new series result in true havens from today’s visual assault. next to nothing is even more radical concerning the simplicity of forms. as if revisiting the architectural project, he sticks to the construction’s fundamental features. by reducing buildings to vertical and horizontal lines, he grants contemporary architecture a new plasticity, shedding it, in a way, of any symbolic affectation. the basic lines in evidence deal with the unknown, making cement, steel, glass impalpable. in a short, but nevertheless significant and productive trajectory, bassul has been creating an unusual repertoire of poetic forms. like every artist who gets lost in the subtleties of reality, he extracts poetry from the concrete. and hands over to the rapt walker a new potential sight of the oppressing city.


a certain glance from the architect: on barely nothing

deambulation ... the city as an object of study (of desire). its forms seen as a place over which the eyes rest (to subvert them). what does the photographer’s scrutiny propose us in terms of (re)vision of everyday life? what does the architect’s imagination remove from the urban landscape? there is here a certain claim to emphasise strangeness, the unusual in the common space, as walter benjamin teaches us, regarding the need of a foreign look. the idea of minimal intervention on the city’s surfaces, the silent walk, the attention that drifts, but is sharpened by angles, straight lines, curves, which offers itself to the design of light, sculpting the horizon without aiming to reproduce the natural forms, that which is the mark of the human, by difference: this is the image (re) created by josé roberto bassul. in the “stripping” operation and the insertion of transparency and subtle colour into concrete’s materiality, what emerges is abstraction. like the back of the creator’s sketch, here the recreating of forms bears imaginary scars of the life of things by him portrayed. no longer anchored in the research of drawing, this act of retrospective exhibition (as a quote) generates a figure free of the marks of life’s concreteness in the city. it is, therefore, phantomatic, as if formed at the back of the eye, or beyond it, in the open space of the dream image - paradoxical, within the clean, balanced and geometric configuration that characterizes the artist’s photos - in a way mimicking the silence in a

marília panitz curator and researcher

rothko painting or in the work of agnès martin, precision and rapture... what seems like calculation, rationality, precision in project execution, takes us as it embraces chance, nonsense, a certain invitation to play in the purest duchampian sense. in the series minimal poetics – an outline drawn by the artist when he looks at the modernist architecture that defines the city where he lives – and next to nothing – an (upward) plunge into the postmodern architecture of the large mirrored surfaces, which he grasps with his traveller’s eyes, the works appear to create two apparently opposite possibilities of approach. one seems to allow itself to be penetrated by the almost invisibility of each image, absorbed as we are by its discreet vehemence. the other, in the view of the whole, incidentally forms a kind of pictographic text, which transforms the (almost) abstraction of the image into (almost) a treatise on the exercise of (re)viewing the same urban landscape as an unusual description of what, seen so many times, becomes invisible to our eyes. construction via subtraction. pure vertigo...


fotografias

photographs

e concepção

and editorial

editorial

conception

projeto gráfico

graphic design

josé roberto bassul

felipe cavalcante gabriel menezes molde.cc

textos

márcia mello

texts

marília panitz tradução

english version

ann perpétuo

impressão

printing

ipsis gráfica e editora

tiragem

edition

550 exemplares

fonte

typeface

neue hass grotesk

papel

paper

eurobulk 135g

dados internacionais de catalogação na publicação (cip) bassul, josé roberto. sobre quase nada / josé roberto bassul. — brasília : edição do autor, 2020. 128 p. : fotografias isbn 978-65-902200-0-4 textos de márcia mello e marília panitz em português e inglês. 1. fotografia. 2. arte contemporânea. 3. abstracionismo. minimalismo. i. mello, márcia. ii. panitz, marília. ii. título.

cdu 77

cdd 770

responsável: edilenice passos crb – 1/780

copyright @ 2020

todos os direitos reservados

josé roberto bassul

www.joserobertobassul.com



fotografo a arquitetura na tentativa de desenhar pensamentos, de projetar desejos, de construir espaços para a imaginação when photographing architecture, my endeavour is to draw thoughts, project desires, and build spaces for the imagination


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