09 domínios da imagem

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ISSN 1982-2766 (impresso) ISSN 2237-9126 (online)

ano V • n. 9 • novembro 2011


ISSN 1982-2766 (impresso) ISSN 2237-9126 (online)

Domínios da Imagem Revista do Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem na História (LEDI) do Departamento de História e vinculada ao Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade Estadual de Londrina

Domínios da Imagem, Londrina, ano V, n. 9,

novembro

2011


Universidade Estadual de Londrina REITORA: Nádina Aparecida Moreno VICE-REITORA: Berenice Quinzani Jordão DIRETORA DO CENTRO DE LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS: Mirian Donat CHEFE DO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA: Edméia Ribeiro COORDENADOR DO MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL: Silvia Cristina Martins de Souza EDITOR RESPONSÁVEL: Edméia Ribeiro – UEL • Alberto Gawryszewski – UEL COORDENADOR DO LEDI: Alberto Gawryszewski – UEL

CONSELHO CONSULTIVO Carlos Alberto Sampaio Barbosa – UNESP/Assis • Daniel Russo – Université de Borgnone • Darío Acevedo Carmona – Universidad Nacional de Colombia • Eddy Stols – Katholieke Universiteit Leuven – Bélgica • Francisco Alambert – USP • Mauro Guilherme Pinheiro Koury – UFPB • Patrice Olsen – Illinois State University • Renato Lemos – UFRJ • Rodrigo Patto Sá Motta – UFMG • Stella Maris Scatena Franco – UNIFESP • Terezinha Oliveira – UEM • Marcos González Pérez – Universidad Pedagógica Nacional, Bogotá CONSELHO EDITORIAL E CIENTÍFICO Adalberto Paranhos – UFU• Ailton José Morelli – UEM • Ana Maria Mauad – UFF • Annateresa Fabris – USP • Annie Duprat – Université de Versailles Saint-Quentin-en-Yvelines • Áureo Busetto – Unesp • Cláudia Musa Fay – PUC / RS • Kátia Paranhos – UFU• Luciene Lemkhul – UFU • Luis Felipe Viel Moreira – UEM • Luiz Guilherme Sodré Teixeira – Fundação Casa de Rui Barbosa / RJ • Manoel Dourado Bastos – UDESC • Maria Cristina Pereira – USP • Maria Paula Costa – UNICENTRO • Miriam Nogueira Seraphim – Unicamp • Jorge Luiz Bezerra Nóvoa – UFBA • Rejane Barreto Jardim – UFPEL • Renata Senna Garraffone – UFPR • Solange Lima Ferraz – Museu Paulista • Tânia Garcia Costa – UNESP/Franca • Vânia Carneiro Carvalho – Museu Paulista • Ana Cristina Teodoro da Silva – UEM• Miriam Paula Manini – UnB • Soleni Biscouto Fressato – UFBA

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Domínios da imagem / Universidade Estadual de Londrina. Centro de Letras e Ciências Humanas. Departamento de História. Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem na História. Programa de Pós-Graduação em História Social. Londrina, PR.

Ano I – n. 1 – nov. 2007 Semestral ISSN 1982-2766 (impresso) ISSN 2237-9126 (online)

1. Imagem – Estudos – Periódicos. 2. Imagem – História Periódicos. I. Universidade Estadual de Londrina. II. Centro de Letras e Ciências Humanas. III. Programa de Pós-Graduação em História Social. CDU 2 Todos os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores, não cabendo qualquer responsabilidade legal sobre seu conteúdo à revista. Pede-se permuta • Pédese canje • On demande échange • We wask for exchange • Si richiedle lo scambio


Sumário

La Fotografía y los Epitafios en Cementerios Brasileños como Fuentes Históricas (Siglos XIX, XX y XXI)..................................................................................................... 7 Alberto Gawryszewski O Desenho-Projeto e seu Avesso nas Poltronas de Luiz Henrique Schwanke....................... 23 Ana Carla de Brito; Rosângela Miranda Cherem Entre Cinema e Política: repensando a autoria de Viva Zapata!, de Elia Kazan...................... 33 Andréa Helena Puydinger De Fazio El Imaginario Demoniaco: de la Mesopotamia a America....................................................... 51 Beatriz Rossells Entre o Lápis e as Carabinas: arte revolucionária e propaganda política nas páginas de Regeneración.................................................................................................................................. 67 Fábio da Silva Sousa Dinafilmes e o Cineclubismo: a distribuição alternativa de curtas-metragem durante a década de 1970 no Brasil ............................................................................................................ 83 Flávio Rogério Rocha Galinhas Verdes ou Galos de Briga? Neointegralistas, memória militante e o uso da charge como estratégia política................................................................................................... 95 Odilon Caldeira Neto “Felizmente existem os restos”: Sobras de Geraldo de Barros e a autobiografia através da fotografia....................................................................................................................105 Priscila Miraz de Freitas Grecco


Imagem da capa

A imagem que ganha destaque na abertura dessa edição da Domínios da Imagem 9 tratase da pintura de uma mulher contornada por estrelas, de olhar compenetrado direcionado para o leitor e mandando-lhe um beijo. Essa imagem compõe a abertura do primeiro número da revista Cruzeiro, de 11 de novembro de 1928, que a partir de 1929, tornou-se o popular periódico O Cruzeiro. Desde o primeiro número de publicação, a revista aliava reportagens e matérias textuais ao uso constante de imagens. Desse modo, o subtítulo Primeira Revista Semanal Ilustrada fez jus ao seu conteúdo imagético, maciço de fotografias, ilustrações e desenhos do humor gráfico. Nesse e nos primeiros números, a revista promovia concursos de fotografia entre os seus leitores e contava também com desenhos de caricaturistas internacionais. Na década de 1940, impulsionada pelo desenvolvimento do fotojornalismo, a revista passa por uma reformulação editorial ganhando uma nova roupagem e contribuindo para o aumento de sua tiragem. Entre altos e baixos – muito mais altos que baixos – a revista O Cruzeiro foi publicada no Brasil até 1975. Durante mais de quarenta anos ditou moda e orientou seus consumidores a observarem padrões de beleza e comportamento por ela contemplados, propagandeou e fomentou a cultura de consumo, arraigando valores na sociedade de seu tempo. Ana Flávia Dias Zammataro


Apresentação

A Revista Domínios da Imagem, no seu nono número, traz uma mescla de produções de pesquisadores e pesquisadoras já consagrados e artigos provenientes de trabalhos de jovens estudiosos ou estudiosas. Assim, o leitor ou leitora vai encontrar pesquisas provenientes de mestres, doutores e doutorandos, dos mais diferentes domínios. Encontrará trabalhos do campo da historiografia assim como de áreas afins, evidenciando, mais uma vez, a interdisciplinaridade deste periódico. Neste volume publicamos um artigo da professora Beatriz Rossells, da Universidade Mayor de San Andrés/La Paz/Bolívia, rico em imagens sobre o El imaginario demoníaco: de la mesopotamia a america, trabalho que nos apresenta reflexões sobre figuras e representações que se integraram ao imaginário da América Hispânica Colonial. Cabe ressaltar que o mesmo fez parte da mesa redonda intitulada “Imagens Demoníacas”, apresentada no III ENEIMAGEM. Abarcando os séculos XIX, XX e XXI, Alberto Gawryszewski traz para os estudiosos e estudiosas da imagem uma análise acerca da Fotografía y los epitafios en cementerios brasileños como fuentes históricas (siglos XIX, XX e XXI), discutindo aspectos relacionados às imagens e aos textos presentes em cemitérios brasileiros, assim como o processo de defesa de uma memória. Presença constante em nossas publicações, o cinema ficou representando pelos trabalhos do estudioso do tema, Flávio Rogério Rocha, com o artigo Dinafilmes e o Cineclubismo: a distribuição alternativa de Curtas-metragem durante a década de 1970 no Brasil. No mesmo campo temático está inserida a pesquisa de Andréa Helena Puydinger De Fazio, de título Entre cinema e política: repensando a autoria de Viva Zapata!, de Elia Kazan, que narra a trajetória do revolucionário mexicano Emiliano Zapata, ao mesmo tempo em que empreende também uma reflexão sobre o próprio produtor. Tendência em muitos trabalhos no campo da História, a utilização de charges como documento nas pesquisas aparece nos trabalhos de Odilon Caldeira Neto, intitulado Galinhas Verdes ou Galos de Briga? Neointegralistas, memória militante e o uso da charge como estratégia política, e também no de Fábio da Silva Sousa que, trabalhando com a mídia impressa, propõe um estudo sobre charges e ilustrações políticas em Entre o lápis e as carabinas: arte revolucionária e propaganda política nas páginas de Regeneración. A fotografia como registro autobiográfico é retratada no artigo de Priscila Miraz de Freitas Grecco, que trabalha com a série Sobras de Geraldo de Barros em “Felizmente existem os restos”: Sobras de Geraldo de Barros e a autobiografia através da fotografia. Neste volume a interface com outros campos de conhecimento ficou com as Artes Visuais, através do artigo de Ana Carla de Brito e Rosângela Miranda Cherem, cujo título é O desenho-

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projeto e seu avesso nas poltronas de Luiz Henrique Schwanke. Nele, as autoras abordam uma série de desenhos do artista catarinense Luiz Henrique Schwanke, feitos entre 1978 a 1980. Desse modo, concluímos mais um volume de nossa revista. Esperamos agradar ao nosso público leitor, tanto quando nos agradou produzir e editar esse conjunto de textos. Boa leitura! Edméia Ribeiro

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DOI: 10.5433/2237-9126.2011anoVn9p7

La Fotografía y los Epitafios en Cementerios Brasileños como Fuentes Históricas (Siglos XIX, XX y XXI)* Alberto Gawryszewski Doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-doutorado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor Associado do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e do Programa de Pós-graduação em História Social da UEL. Coordenador do LEDI. Autor de, entre outros livros, Panela vazia: o cotidiano carioca e o fornecimento de gêneros alimentícios 1945/50 (vencedor do Prêmio Carioca de Pesquisa, 2001).

Resumo

Este texto busca discutir los aspectos relacionados a la imagen y a los textos en los cementerios brasileños y verificar cómo ocurre este proceso de la defensa de una memoria. El período abarca de aproximadamente la mitad del siglo XIX hasta los primeros años del siglo XXI. Palabras claves: Fotografía; cementerio; memoria; epitafios; imagen.

Abstract

This text seeks to discuss the aspects related to the image and for the texts in the Brazilian cemeteries and to verify how this process of the defense of a memory happens. The period hugs of approximately the half of the century of XIX to the first years of the century of XXI. Keywords: Pictures; cemetery; memory; epitaphs; image.

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Escrito originalmente en portugués y publicado en el libro Fiestas y Nación en América Latina, organizado por el prof. Marcos Pérez González y publicado por Intercultural, Bogotá. Revisado, es parte de la investigación actual en el post-doctorado en Historia en el Departamento de Historia de la Universidade Federal Fluminense, bajo la supervisión de la profesora Dra. Ana Mauad. Recebido em: 10/08/2011

Aprovado em: 15/10/2011

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La Fotografía y los Epitafios en Cementerios Brasileños como Fuentes Históricas (Siglos XIX, XX y XXI)

Cuestiones introductorias Este texto busca discutir los aspectos relacionados a la imagen y a los textos en los cementerios brasileños y verificar cómo ocurre este proceso de la defensa de una memoria. Se visitaron 18 cementerios, ubicados en ciudades de grande, mediano y de pequeño porte, cementerios al margen de carreteras y caminos, del extremo sur al extremo norte, pasando por el centro-oeste y llegando al noreste brasileño. Ciudades colonizadas por nacionalidades diferentes (alemanes, españoles, azorianos, polacos, portugueses, italianos, entre otras) y por personas provenientes de diversas regiones de Brasil. El período abarca de aproximadamente la mitad del siglo XIX hasta los primeros años del siglo XXI. Los estudios sobre cementerios no son nuevos en Brasil, donde hasta existe una Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais (ABEC) que promueve anualmente el Encontro da ABEC. En 2010 se realizó, en la ciudad de Niterói, el IV Congresso Latino-americano de Ciências Sociais e Humanidades, con el tema “Imagens da Morte”, con participantes de varios países latinoamericanos. Por lo tanto, tales estudios incluyen un buen número de investigadores. Sin embargo, la gran mayoría de estas investigaciones se ocupa de los mausoleos, en especial los suntuosos con sus estatuarias. Inventarios tipológicos se realizaron para los cementerios brasileños: arquitectura 8

funeraria, esculturas, adornos; yacijas, capillas, tumbas; ángeles, imágenes sacras y/o profanas; altos y/o bajo relieves, piras, rejas. (BORGES; 173) Alegorías se catalogaron igualmente: resurrección, nostalgia, desolación, esperanza, oración. A Cristo lo construyeron como a un hombre crucificado y/o elevado. Varios son los santos traídos por los devotos a las sepulturas: San Antonio, San Sebastián, Inmaculada Concepción, entre otros. Bustos de eméritos hacendados/ burgueses son acompañados o no de la imagen de la plañidera. Junto a las sepulturas tenemos los adornos: corderos, coronas de flores, ampolleta, nubes, trompetas, harpas, arabescos blasones, epitafios y festones, entre otros tantos. Relieves que dicen el oficio del muerto: militar, abogado, artista plástico, escultor, pintor, músico etc. El gran propulsor de las investigaciones sobre la muerte en Brasil, independientemente de todas las críticas advenidas, fue Philippe Áries (2000) con su estudio “El hombre ante la muerte”, en el cual analiza una gran gama de temas: yacijas, servicios funerarios, funerales públicos, ex-votos, epitafios, símbolos en cementerios, capillas, entre otros. Otro autor que mucho influyó sobre nuestros investigadores en los estudios sobre cementerios fue Michel Foucault, en especial el uso del discurso médico higienista, que propagaba la idea de la proliferación de enfermedades en las ciudades en función de las sepulturas dentro de la ciudad. Esta idea favoreció el traslado de los cementerios para las afueras de la urbe.

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La Fotografía y los Epitafios en Cemeterios Brasileños como Fuentes Históricas (Siglos XIX, XX y XXI)

Pa r t i m o s d e l o s c o n c e p t o s d e representación, narrativas, memoria y prácticas sociales elaborados por Chartier (1987), en especial el sentido público, o sea, la exhibición de una presencia en espacio público. Los vivos, en estrecha vinculación con los muertos, producen sus propios documentos, dando significados y sentido a la vida. Representan sus sentimientos, sensibilidades, aspiraciones sociales y colectivas, vinculadas a las relaciones humanas terrenas o “celestiales”. Según investigadores del área cementerial, las fotos y las esculturas buscan tornar presente lo ausente. Se trata, por lo tanto, de una memoria colectiva, en función de los valores expuestos, mas, también individual o familiar. En las sepulturas es posible encontrar la defensa de una identidad, de una historia familiar (datos personales, profesión, lazos afectivos y de parentesco etc.). El familiar del muerto desea hacer un homenaje, pero al mismo tiempo elaborar una memoria de los vínculos que construyó. Ésta es un hecho social, temporal y espacial. La mayor parte de las veces se da libertad de elección de las narrativas, de los signos y de las imágenes, que pueden traer impresiones sobre el muerto, sus relaciones sociales, profesionales y familiares. No es la intención de este artículo hacer un trabajo de investigación sobre las familias, de histórico familiar, ni de los mausoleos con su estatuaria. Se buscará, dentro del límite propuesto, presentar como se construyó la memoria, la búsqueda de la perennidad, de la infinitud del muerto. Al registrarse datos sobre el muerto, con escritos y/o imágenes, así como sobre el pensamiento de los vivos sobre la vida y la muerte, se demuestra una preocupación con marcar una presencia, marcar un posicionamiento ante la muerte y la vida del muerto. Narrativas largas o

una sencilla palabra “nostalgia” dan una perspectiva individual y colectiva de los valores vigentes o deseados. El familiar, al colocar la imagen y escribir una narrativa, no lo hace apenas para su familia, para los descendientes del fallecido, sino que habla también con la sociedad puesto que el cementerio es un espacio público. Peter Burke (2000) buscó demostrar como la fuente visual puede ser considerada evidencia histórica y como en los últimos años ella ha sido usada y ha sido importante en la construcción del conocimiento histórico. No dejó de llamar la atención para los peligros del análisis de las imágenes sin una base teórica consistente. Mostró, además, como las imágenes se constituyen guías para cambiar las ideas sobre enfermedades y salud, apariencia, padrones de belleza, para conocer la cultura material, soporte para a historia de las mentalidades etc. Estas cuestiones, como veremos, se pueden observar en las imágenes fotográficas cementeriales. Las imágenes no son consideradas como verdades, ellas deben ser analizadas en su contexto histórico, son visiones de un mundo pasado, construcciones de una memoria, cargada de valores. Siguiendo la misma tendencia, Ciro Flamarion y Ana Mauad (1997; 406) ya presentaban sus ideas sobre la importancia de la fotografía como fuente histórica y es interesante que nos fijemos cuan bien sus perspectivas se encuadran en este trabajo: Es indiscutible la importancia de la fotografía como marca cultural de una época, no sólo por el pasado al cual nos remite, y principalmente, por el pasado que emerge. Un pasado que revela, a través de la mirada fotográfica, un tiempo y un espacio que tiene sentido. Un sentido individual que implica en la elección efectivamente realizada; y otro, que remite al sujeto a su época.

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Boris Kossoy en su clásico estudio “Fotografía & Historia” afirma que la imagen poco o nada dice o emociona a aquellos que nada saben del contexto histórico particular en que se originó. Bueno, en el caso de las fotografías cementeriales una cosa el observador sabe: se trata de un muerto. A partir de eso, señalamos para una perspectiva distinta: ¿tiene sentido la emoción y/o lamento, aunque sea de sujetos no relacionados a la sepultura observada, en especial si se trata de un niño, adolescente o joven acompañado de un epitafio con frases igualmente emotivo. Se trata, tal vez, de un nuevo abordaje teórico de la fotografía. En la misma obra dijo Kossoy: Toda fotografía es un residuo del pasado. Un artefacto que contiene en si un fragmento determinado de la realidad registrada fotográficamente. Si, por un lado, este artefacto nos ofrece indicios cuanto a los elementos constitutivos (asunto, fotógrafo, tecnología) que le dieron origen, por otro el registro visual contenido en él reúne un inventario de informaciones acerca de aquel preciso fragmento tiempo/espacio retratado (2009; 46-7).

Nos interesa sobremanera la “segunda parte”, o sea, el inventario de informaciones contenidas. Es cierto que no despreciamos la primera perspectiva, puesto que el proceso de las imágenes cementeriales se está modificando: los viejos retratos en blanco y negro yuxtapuestos en medallones de porcelana y envueltos en bronce están cediendo espacio para imágenes coloridas en nuevos soportes, a partir de tecnologías nuevas. Se propone percibir la utilización de estudios sobre la imagen fotográfica como fuente histórica, mas también de un análisis que considera la relación entre vivos y muertos. Eso implica en una inserción de estos objetos, las fotografías cementeriales, 10

en su tiempo y condiciones de producción, y en la observación de su evolución, además del desarrollo de una tipología para estas imágenes tan particulares, considerándolas en diferentes localidades. Presentando las fuentes ¿Por qué se usan las fotografías y del epitafio en sepulturas? Seguramente se busca la construcción de una perennidad por el uso de palabras y de una imagen. Pero, ¿para quién fueron construidas esos mensajes? Las palabras traducen acciones en vida del muerto: buen padre, marido, funcionario, cristiano etc. La placa abajo es un ejemplo. La fotografía colorida, por lo tanto compatible con la fecha (2005), muestra al muerto y, al fondo, el cielo con nubes blancas, dando a entender el destino de su “alma”: el Paraíso. Las palabras lo describen como padre y esposo dedicado, mas, antes de más nada, como a un amigo. Éste dejó una legión de nostálgicos: esposa, hijos, nieto, los demás parientes y amigos.

A veces el epitafio trae palabras que serían escritas por el propio muerto. Tal vez lo haya o dejado escrito, o encomendado la placa aún vivo. Lo más correcto, sin embargo, es pensar que el pariente del muerto haya homenajeado al ente querido. Veamos el caso de Cidinha abajo: primeramente dice que no partió, pues vive ahora en las personas que comparten su presencia; segundo, que fue feliz y que, aun

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La Fotografía y los Epitafios en Cemeterios Brasileños como Fuentes Históricas (Siglos XIX, XX y XXI)

con la muerte, continúa feliz. Evidentemente son palabras reconfortantes para los que se quedaron, sea por la convivencia posibilitada sea por la seguridad de que la fallecida continúa feliz.

El epitafio no sólo se remite al muerto, mas, también a quien se quedó. Éste quiere demostrar su lazo afectivo y de parentesco. En el caso del escrito en un epitafio de 1883 podemos percibir esto: “El amor fraternal mandó a levantar esta campa como recuerdo de la acerba nostalgia”. A la madre la presentan como buena, como teniendo una deuda con el hijo, al cual amaba mucho. De la misma forma podemos encontrar muchas campas con la dedicatoria del “amor conyugal”. Jacques Le Goff (1995) estudió la importancia del Purgatorio en el imaginario social/ cultural/ religioso de la sociedad y su relación de los vivos con los muertos en el período Medieval. La existencia del Purgatorio, local de estancia provisoria antes del pasaje definitivo para el Paraíso, posibilitó una relación real, terrena, entre los vivos y los muertos. Cabe a los vivos, junto a las acciones y deseos del muerto, rezar para que el pasaje por el Purgatorio sea lo más breve posible, para que el muerto pueda gozar de las felicidades del Paraíso y tener el descanso eterno. La reza es una de las prácticas más visibles y concretas.

En un epitafio del siglo XIX encontramos el siguiente escrito: “¡Oh vosotros, que pasáis! Deteneos ante este fúnebre trofeo de la muerte: y, prestando homenaje a las virtudes de quien aquí reposa, elevad el corazón a los cielos. Dirigiendo por su alma angélica una oración al eterno y divino juez de los vivos y de los muertos”. El familiar dejó en la sepultura un aviso/pedido a los vivos que por allí pasasen: rezar. El pedido está basado en dos cuestiones básicas: la muerta poseía un alma angelical; todos serán juzgados por el Eterno Divino. En este último caso, es bueno precaverse. Veamos otro epitafio más, que en este caso se vincula a la actividad, o pasión musical, con su fe. En la placa encontrada vemos la figura en alto relieve de una lira, el nombre del fallecido, las fechas de nacimiento y muerte y, por fin, una frase donde deja claro que la música lo marcó en vida y usó la música para honrar a Dios, sea en la misa, sea en otro lugar. Partiéndose de la narrativa mitológica de la invención de la lira, Jean Servier afirma ésta ser un altar simbólico a unir al cielo y a la tierra. (CHEVALIER: 2009; 553).

Las imágenes de los muertos traen en su contenido muchos mensajes: su belleza física, juventud, relaciones afectivas, edad, felicidad, ocupación, formación profesional entre otras. Retomemos la placa de Cidinha. Allá podemos percibir su edad de 78 años cuando la sepultaron. Sin embargo, su foto muestra a una joven de cerca de veinte años. La foto puede haber sido escogida por ella o por otra persona. La motivación puede ser la vanidad de la fallecida o la necesidad de dejar

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marcada la belleza del ente querido. Como puede ser la única foto existente. Caso semejante fue el de Rosinha, al lado. Murió con 64 años, mas, la imagen es de una joven. Parece que está con el vestido de novia. Las afirmativas serían las mismas con relación al túmulo de Cidinha. En la placa las fechas de nacimiento y muerte y la palabra “Nostalgia”, apenas. Verificamos en nuestras colectas preliminares de datos la existencia de innumerables imágenes que en nada representan la edad del muerto. Otro caso semejante, mas incluyendo la formación/ocupación del muerto es el del Mayor Mendes. La imagen muestra a un militar joven, pero, él murió con 72 años. En esta placa está inscrito entre comillas “Mayor Mendes”. Esta debería ser la forma como era conocido en vida, aun después de abandonar la carrera militar. En otro caso de foto de militar, encontramos la fecha de nacimiento de éste, la foto con su uniforme, maduro y una frase: “Viví con alegría, luché con bravura”. En este caso podemos percibir que la frase tiene un doble sentido, pues su profesión es la de luchar/ guerrear, entonces él luchó en la profesión y en la vida. Pero com bravura, pues nunca se acobardaría. Deja clara la profesión del muerto es construir y mantener en la memoria de los herederos y de la comunidad que él fue un hombre (mujer) con una ocupación valorada por la sociedad en que vivía. Así son recurrentes las fotos con el muerto vistiendo 12

su toga de abogado, como profesora o, como en los casos en cuestión, el uniforme militar. La sepultura abajo, del siglo XIX, del interior del país, por lo tanto, distante del acceso la máquina fotográfica nos trae una imagen interesante que también demuestra la profesión del muerto: militar. Por su tiempo debe encuadrarse en el período próximo a la prohibición de la sepultura en el interior de las iglesias y ser uno de los primeros entierros del cementerio. Es semejante a las lápidas encontradas en los pisos de las antiguas iglesias, simples y sin pompa. El personaje era teniente de la Guardia Nacional, sin fecha de nacimiento, ni de muerte. En la lápida está inscrito el nombre del fallecido y la frase “Dios lo guarde”. La imagen en relieve es interesante, pues trae la figura de un militar con uniforme de gala mirando una sepultura. En la parte superior, que representa el cielo, pueden ser vistas nubes, lo que tal vez represente su futuro: el Paraíso. Vemos, por lo tanto, el propio difunto presente en su entierro.

La imagen a seguir es curiosa: se trata de Alice Gorda. Dice: “A nuestra eterna reina”. Como no vivimos en una monarquía,

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seguramente la realeza de Alice Gorda es otra. Es una sepultura reciente en una ciudad del extremo norte de Brasil: posee una protección de lona, y el escrito está sobre el vidrio que cubre la campa. Por ser una muerte reciente (2005) suponemos que muchas personas conozcan al personaje en esa ciudad, mas con el pasar del tiempo, quien visite el cementerio preguntará: ¿quién fue esta Alice Gorda? La fotografía muestra a una mujer que condice con el epitafio: gorda y colorada. Y lo más importante de todo es que ella está feliz, transmite alegría, haciendo que el paseante tenga una buena impresión de la figura. No sabemos quién fue, pero dejó marcado algo en la memoria de los vivos y permanecerá marcando.

En un país donde la mortalidad infantil siempre fue grande, aun en las capas sociales más altas, en especial al final del siglo XIX e inicio del XX, y por las diversas epidemias, narrativas e imágenes de niños y jóvenes muertos pueden ser encontradas en gran número.

Los primeros años de vida siempre fueron los más frágiles para el niño y, a veces ni daba tiempo para una fotografía. Cuando era posible, las tradiciones y los ritos de pasaje: bautismo, con las madrinas y padrinos o los padres, primera Comunión, con su traje de ocasión, cuando no, durmiendo o de bruces, sin ropa, despierto, entre otras clásicas. Cuando fallecía un bebé, si no hubiese ninguna fotografía, inmediatamente se buscaba hacerla. El último recuerdo o el recuerdo que se quiere dejar para los vivos debe ser promisora, redentora. Abajo tenemos tres tipos de fotos, en todas, los bebés están con los ojos cerrados. No se puede afirmar con seguridad que fueron tiradas después del óbito, pero no podemos descartar esa hipótesis. La foto del medio parece ser encomendada. Las demás, más modernas, fueron formateadas en programas de ordenador para imágenes. En la fotografía del medio el niño está con las manos atadas, con la cabeza elevada con el uso de una almohada. Fue tirada de arriba para abajo, frontalmente. La forma de construcción y la posición de las manos del niño nos dan a entender que la fotografía fue tirada después de su muerte. Puede ser la primera y última fotografía, la que fue a ilustrar la sepultura y la que, tal vez, pasó a formar parte del álbum de familia. Para los otros dos niños, se verifica que fueron recortadas y colocadas en un fondo celestial, o sea, más que representar el sueño eterno, es la garantía de la conquista del cielo, del Paraíso.

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En muchas regiones de Brasil las imágenes infantiles son colocadas en soportes de hierro que presentan un ángel al lado del nombre del fallecido. Tal creación está relacionada al sentido común de una época de que “el hijo se tornó un ángel”. Más que esto, la propia pérdida del hijo puede ser vista como algo positivo, puesto que la familia contará a partir de entonces con un ángel para protegerla. Es común, entonces, el encuentro en las salas de las casas de pequeños oratorios donde está colocada la imagen del bebé fallecido al lado de la imagen de Jesús o de otro santo querido de la familia, ambos a proteger el hogar.

Como en las imágenes de álbumes de familia, de donde la mayoría de las fotos cementeriales es retirada, los niños pueden ser presentados de varias formas, que varían de la clase social y del espacio temporal. En el caso del niño en la foto al lado, se percibe la miniaturización de un adulto, o sea, la perspectiva clásica del niño como pequeño adulto. Vistiendo traje y corbata y con un pañuelo en el bolsillo, cabellos bien peinados, el niño no esboza una sonrisa y posee una mirada sin rumbo. Con 11 años, con la muerte ocurrida el 1111-1929, en la lápida está escrito que allí el joven duerme el sueño eterno y que su madre era buena y lo extraña. Hecha por su tío, que, curiosamente, escribió a su amigo Hugo: su alma la entregó a Dios dejando las ingratitudes de este mundo de ilusiones. Nostalgia eterna de su tío. 14

Epitafios que describen el mundo terreno como cargado de negatividades o de ilusiones son siempre posibles de encontrarse. En una sepultura de 1867, sin foto, la nostálgica hija escribió que allí descansaba de la “jornada ilusoria” el alma de su padre. Pues, el mundo de “felicidad real” no es el terreno, esto es un consenso en casi todas las sepulturas, como veremos más adelante. La muerte o la Buena Muerte es un hecho, a pesar del dolor y la nostalgia no es negativa. En otra lápida está escrito que está sepultado allí la “envoltura carnal”, una expresión común a los espíritas kardecistas. En general se encuentra la expresión que en la sepultura están los “restos mortales” en contraposición al “alma”. Es el embate de lo terreno contra lo celeste, la polarización carne x espíritu, muerte (terrena) x vida (celestial). Es posible encontrar, mientras tanto, epitafios que contiene reclamaciones contundentes de la muerte imprevista. Adeláide, aún joven, fue “robada” de los cariños del marido, en primer lugar, y de los hijos, madre y hermanos. La muerte no fue vista como positiva, la vida era buena, ella era querida y feliz con los suyos. Ahora ella se fue y todos la extrañan.

Otras imágenes pueden mostrar a niños como tal, vestidos con los trajes infantiles de su tiempo. La ropa de marinero es

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La Fotografía y los Epitafios en Cemeterios Brasileños como Fuentes Históricas (Siglos XIX, XX y XXI)

clásica en la imaginación de una época. La imagen al lado, del inicio del siglo XX, muestra a un niño bien vestido, con un aire asustado. Su vestimenta recuerda la de un marinero que, tal como en fotografía anterior, representa una profesión reconocida por la población. En imágenes más modernas, la foto infanto-juvenil puede mostrar muy bien la marca de su tiempo. En la imagen al lado podemos ver que el joven de catorce años tenía el pelo largo, en 1975. La familia escogió una foto próxima al fallecimiento. Con una sonrisa amplia y ropa propia para su edad, la imagen de felicidad se suma al mensaje de su lápida donde está escrito un supuesto mensaje del joven: “Me cosecharon en plena infancia. Pero estoy feliz esperando por todos vosotros en el Paraíso”. A pesar de la reclamación hay palabras de paz y esperanza: felicidad y reencuentro. Pero no todos reclamaban, sea por el reencuentro en el plan celestial, sea aceptando los designios del Señor. A seguir vemos dos sepulturas correspondientes a la cuestión anterior: la primera, con foto de una señora fallecida a los 88 años, en cuya placa está escrito: “La tierra responde en silencio la voluntad de Dios”; la segunda, sin foto, de un “inocente” que falleció con 6 años, donde se lee: “Duerme en paz hasta el añorado día de la feliz eterna reunión.” Además de la diferencia de edad entre los muertos, hay un espacio temporal largo, 74 años, lo que demuestra una permanencia en la forma de pensar la muerte.

La sepultura puede abrigar más que un epitafio o un retrato, puede mostrar el cotidiano infantil. En el caso de la imagen a continuación (abajo) podemos verificar que, para la familia, la necesidad de mostrar las muñecas de la fallecida, más que un homenaje, es una forma de dejar claro que era una niña feliz. Allá está, junto a su foto, con el fondo celestial, sus muñecas rosadas, su conejito y una imagen de Nossa Senhora. Por lo tanto, al lado del juego está la fe.

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S i l a ro p a d e l a imagen anterior es la tradicional de un niño, muchas veces la imagen para la permanencia puede mostrar también un signo importante del cotidiano, del lugar, de las tradiciones. La niña de la imagen arriba (al lado), que murió con 10 años, con una mirada brillante y sonriente, usa una ropa y un sombrero que recuerda una vaquera. La imagen fue retirada de un cementerio localizado en la región central de Brasil, distante de la capital, donde la presencia del caballo era posible, aunque sea reciente (2002). El fondo azul, no se sabe si de la foto original o si fue colocado para recordar el mundo celestial de la post-mortem. En la misma tendencia de las tradiciones culturales de trajes y con el orgullo de su trabajo, la imagen al lado presenta a un individuo con su clásico sombrero, pañuelo en el cuello, camisa y con un instrumento de su trabajo en las manos (el cuerno). Éste sonríe para la foto, orgulloso, con la seguridad de que guarda un momento importante en su vida. De la misma manera, una serie de fotos de parejas se puede encontrar en los cementerios. Parejas en fotos separadas, o por opción, o porque fallecieron en fechas distantes. Parejas juntas, en fotos reunidas por el laboratorio fotográfico o en una foto en que estaban realmente juntos. Fotos en blanco y negro o en colores (aquí originales o foto-pintura).

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Fotos que transmiten amor entre los entes o apenas una compañía. A veces la propia foto de la boda, ocurrida hace mucho tiempo. Otras veces, la memoria es apenas para los que conocieron a los muertos. Tomemos la foto abajo, de una pequeña ciudad del interior del Estado de Rio Grande do Norte, noreste brasileño. La mujer murió a los 28 años de edad en 1928, el hombre con 92 en 1988. Sesenta años separan las fechas de sus fallecimientos. Están elegantemente vestidos. Poseen apellidos diferentes, sin embargo, está escrito en la placa: “nostalgia de sus familiares”. Podrían estar comprometidos cuando la mujer falleció. Podría haber sido el primer y gran amor del hombre, que nunca más se casó. Muchas serían las posibilidades de interpretación.

Dentro de las capillas de grandes mausoleos es posible encontrar portarretratos con una persona, o uno doble con la pareja. Se trata de la transposición de una pieza de la casa para una “extensión” de la familia: la sepultura. Antes ocupaba un espacio privilegiado, al lado de la cama de la pareja o en destaque en la sala, sobre un mueble. Aún hoy ocupa un espacio de destaque, pero fuera de la casa principal, de la casa de los vivos. El portarretratos está acompañado del crucifijo, una esperanza o la certeza de que la pareja está unida aún en el espacio celestial.

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sonrisa o contacto físico. Si en la foto anterior hay un corte del hombre, probablemente el artista, al tener dos fotos de los retratados, las juntó para una fotografía en la sala del hogar o quizás para la sepultura, ya que están ancianos.

La imagen abajo es de la década de 20, en que la foto-pintura era el padrón, como padrón era la ausencia de una sonrisa o contacto físico. Fotos distintas que se juntaron y se pintaron para atender el pedido del cliente. El destaque en los contornos labiales y del cuello de la camisa ayuda a enfatizar los rasgos de los retratados. Igualmente sombrear el rosto para dar un aspecto de vivacidad. La mujer murió en 1948 y el esposo mucho antes, en 1929. En la fotografía ambos están jóvenes dando a entender que la foto original se utilizó para adornar la sala de la casa. El fondo azul puede haber sido colocado después, para la finalidad específica del uso de la imagen en la sepultura.

La foto a seguir, con la pareja, es una foto-pintura en blanco y negro. Al hombre se le incorporó (con un dibujo) un traje con corbata; la mujer, más sobria, está sin joyas (collar o pendientes). Outra vez una foto sin

Es posible encontrar en los cementerios brasileños imágenes conjuntas de padre e hijo. En el caso abajo, se puede visualizar al padre, aparentando menos edad que la descrita en la placa, 86 años en 2002, al lado de su hijo, que falleció en fecha anterior a la del padre, en 1979 con 34 años. Fotografía en blanco y negro con imágenes superpuestas

Con el pasar del tiempo las formas de marcar la memoria pasan por modificaciones, como vimos: del surgimiento de la fotografía, pasando por la foto-pintura, al uso de programas de computadora. La imagen de Amélia es una mezcla de lo moderno con lo antiguo, puesto que a la vieja foto-pintura se le añadió una nueva técnica. En una misma imagen podemos encontrar tres elementos: el texto (el nombre de la fallecida, las fechas de nacimiento y muerte y un fragmento de la Biblia), la foto-pintura y otra imagen

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de fondo, simbolizando un lugar tranquilo, donde se puede vivir en paz, el Paraíso. La imagen de la fallecida fue tratada con la vieja técnica que utiliza una foto antigua, sin colores, en la cual el artista puede colocar joyas, ropas, remover defectos en la piel etc., pero que en este caso, la familia optó por una imagen sobria, más cercana a la imagen real.

Los cambios del soporte para las fotografías son perceptibles, de las fotos sobre porcelana que duraron décadas, recientemente se pasó al uso de placas de aluminio. La imagen de la sepultura a seguir es curiosa, puesto que trae simultáneamente los dos tipos de soporte. Sobre el nuevo existe la posibilidad de colocar todas las informaciones de la persona fallecida, un mensaje bíblico y una frase final “Descanse en paz”. Hay incluso espacio para la propaganda de la empresa que hizo la placa (en la parte inferior, con la marca y el teléfono). Posee tipos y tamaños de letras, cada una con su función. No se sabe con seguridad si es la misma imagen, puesto que poseen puntos divergentes, pero se asemejan bastante.

El cementerio es un importante componente de construcción de la memoria monumento de la ciudad. Dentro de los límites de posesión del muerto y de su familia esta permanencia de la memoria puede ser suntuosa o no. En el caso del personaje a seguir, se colocó dentro del mausoleo de la familia una placa con las narrativas de las andanzas del muerto y una placa en alto relieve retratando su actividad laboriosa. Antonio Christino Cortez, como buena parte de su familia, fue a vivir en la ciudad de Barra do Garças, en Mato Grosso. Aún joven, conforme lo que dice la placa, en busca de un futuro, o sea, riqueza y prestigio, no le faltó coraje para enfrentar los peligros de las montañas de los estados de Mato Grosso e Goiás (ríos, cobras etc.). No fueron olvidados sus compañeros de aventuras, garimpeiros1 y exploradores del sertão2 brasileño, reforzando aún más el valor de la epopeya. Además de ser uno de los pioneros de la región, fue uno de los fundadores de la ciudad de Barra do Garças y participó de la vida política y financiera de la ciudad.

En Brasil, un garimpeiro no puede ser clasificado como un minero, puesto que puede trabajar fuera de las minas, buscando metales y piedras preciosas. 2 Región agreste de Brasil. 1

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En otra placa, dorada, se pueden ver los garimpeiros en busca de diamantes de aluvión, con sus sombreros de grandes alas, piernas das pantalones remangados, con el cuerpo curvado y con bateas en las manos. Colinas y árboles representando parte de la vegetación de la región. Así, si el poder público no lo reconoció como importante para la ciudad, lo hizo dentro de los muros del cementerio, que a pesar de éstos es un espacio público.

Para concluir, en otro caso, tenemos la figura de un político de la región norte de Brasil, Adelino Gurjão. En el memento tradicional vemos el nombre y las fechas del fallecido así como su traje elegante: gafas, traje y corbata, una sonrisa y un sombrero de grandes alas, tradicional de personas exitosas en su localidad. En el mismo mausoleo tenemos un complemento de las informaciones del muerto: fue alcalde de la ciudad de Tartarugalzinho, donde realizó diversas obras en la ciudad en los 1.090 días en que ocupó el cargo. Probablemente un panel de campaña personal o política que mando a hacer en vida para sus compañeros munícipes. Fue, después de su muerte, transferido para el mausoleo. Es curioso que otro pariente que murió dos años después, probablemente su hermano, obstruyó una parte de la vista total de Adelino.

Consideraciones finales Una opción para que sea posible conocer la historia de una ciudad es el cementerio municipal. Éste refleja a la sociedad, a las capas sociales, a las creencias y a los valores culturales, morales, éticos y religiosos. A los más ricos les es dada la posibilidad de ocupar un espacio privilegiado en el cementerio, poseer un mausoleo imponente, y al pobre le es dado, al fondo, un espacio provisorio para su sepulcro, para que después caiga en el olvido. Se puede afirmar que casi todos los cambios que ocurren a lo largo del tiempo están contenidos entre los muros del cementerio. Por lo tanto, a los historiadores, y aun al ciudadano común, se le ofrece

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la oportunidad de disponer de fuentes de información en forma de imágenes y narrativas para reconstruir un pasado bajo varios aspectos de la localidad estudiada. Este texto buscó discutir los aspectos relacionados a las imágenes y los textos en los cementerios brasileños, además de verificar la defensa de una memoria. Se visitaron diversos cementerios, de diversas regiones y ciudades, abarcando de la mitad del siglo XIX hasta los primeros años del siglo XXI. Los estudios cementeriales son antiguos en Brasil, remontan a la década de 60, pero dan destaque a la arquitectura funeraria con sus estatuas y adornos. Foucault, con la cuestión del discurso del conocimiento médico, Ariés que analizó una vasta cantidad de temas sobre el estudio de la muerte, y Chartier con los conceptos de representación, narrativas, memorias y prácticas sociales, formaron el trípode de los estudios más recientes. Teníamos como objetivo mostrar que las imágenes y las narrativas de los epitafios pueden ser una importante fuente para las investigaciones que busquen comprender permanencias y cambios no sólo con relación a la vida o a la muerte, pero sobre la cultura material, padrones de belleza, relaciones humanas, de parentesco, valorización de determinadas carreras profesionales, entre otras, y, sin lugar a dudas, de valores e ideas socialmente prestigiadas. La elección de la imagen, de la frase colocada no es en vano. Ella trae una carga de afectividad que conmueve. Sin embargo, no es sólo una forma de amenizar el dolor, sino mantener la memoria para los próximos y distantes, basta ver que escribimos un texto sobre ellos. Cada vez más, se acepta la fuente visual como evidencia histórica, un importante instrumento en las manos de los historiadores 20

para la construcción del conocimiento histórico. Desde una perspectiva diversa de Boris Kossoy, procuramos mostrar que e n l a s f o t o g r a f í a s c e m e n t e r i a l e s, independientemente de un relacionamiento entre el observador de la imagen y la figura retratada, hay una razón para la emoción y el hecho de lamentar. Por último, se buscó mostrar, a pesar de los trabajos ya realizados, que aún hay mucho a ser estudiado, interpretado y que hay espacio para nuevas metodologías y perspectivas diferenciadas en los estudios cementeriales. Referências bibliográficas ARIÈS, Philippe O Homem perante a morte. Sintra: Europa-América, 2000. 2 Vols. BORGES, Maria Elizia (org.) Estudos Cemiteriais no Brasil (catalogo de livros, teses, dissertações e artigos), Goiânia: FUNAPE, 2010. ______. Arte funerária no Brasil (1890-1930). Belo Horizonte: Arte, 2002. BURKE, Peter. Variedades de história cultural. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 2000. ­­ ______. Testemunha ocular. História e Imagem, Bauru:SP:EDUSC, 2004. CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações. Rio de Janeiro: DIFEL, 1987. CHEVALIER & GHEERBRANT Dicionário de símbolos, Rio de Janeiro: José Olimpio, 2009, 24ª. Ed. GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas e sinais. São Paulo: Cia das Letras, 1989. GAWRYSZEWSKI, Alberto. “Cemitério São Pedro: espaço de vida, espaço de memória” in: Patrimônio histórico e cultural: cidade de Londrina-PR. Londrina: LEDI/UEL, 2011. P.59-88. GOFF, Jacques Le. Reflexões sobre a História. Lisboa: Edições 70, 1986. ______. O Nascimento do Purgatório. Lisboa: Estampa, 1995

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DOI: 10.5433/2237-9126.2011anoVn9p23

O Desenho-Projeto e seu Avesso nas Poltronas de Luiz Henrique Schwanke

Ana Carla de Brito Aluna do curso de Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Bolsista de iniciação científica do CNPq, participa do Grupo de Estudos de Percepções e Sensibilidades da mesma universidade.

Rosângela Miranda Cherem Doutora em História pela USP (1998) e Doutora em Literatura pela UFSC (2006); Profa. Associada de História e Teoria da Arte no Curso Artes Plásticas e Mestrado em Artes Visuais no CEART- UDESC; coordenadora do Grupo de Estudos de Percepções e Sensibilidades e do Grupo Imagem-acontecimento; orienta, possui pesquisas e publicações sobre História das Sensibilidades e Percepções Modernas e Contemporâneas; atualmente desenvolve pesquisa intitulada Imagem-acontecimento: uma história das persistências e consistências da arte moderna na atualidade.

Resumo

Este artigo aborda uma série de desenhos do artista catarinense Luiz Henrique Schwanke feitos de 1978 a 1980. Os desenhos figuram poltronas de maneira naturalista e referenciam, através de seus títulos, obras de arte renascentistas, barrocas e neoclássicas. A série foi pensada a partir da discussão teórica sobre o desenho no século XVI com o historiador da arte Giorgio Vasari e contemporaneamente com o crítico Agnaldo Farias, por meio da relação entre o desenho como projeto e o desenho criador de mundos. São utilizados os escritos do próprio artista, além de cartas, reportagens e artigos publicados sobre seus trabalhos. São feitas relações com obras de Joseph Kosuth, Julio González e Tamara Andrade. Conclui-se que o artista se utiliza do desenho naturalista para acessar um trabalho conceitual realizado pelo espectador; e que seu trabalho reconcilia desenho de projeto com o desenho inventivo, representação e criação conceitual. Palavras-chave: Desenho; arte conceitual; história da arte.

Abstract

This article deal with a serie of drawings by Luiz Henrique Schwanke, an artist from Santa Catarina. It was made since 1978 to 1980. The drawings are armchairs in a naturalistic way, and it refers to works of renaissance, baroque and neoclassical work of art through their titles. The though about this serie begins with the theoretical discussion about the drawing in the sixteenth century with the art historian Giorgio Vasari and nowadays with the critic Agnaldo Farias, through the relationship between drawing as project and drawing that create worlds. There are writings of the artist himself that are used, as well as letters, reports and articles of his work. Relationships are made with works by Joseph Kosuth, Julio Conzález and Tamara Andrade. This article concludes that the artist uses the naturalistic drawing to acess a conceptual work done by the viewer, and that his work reconciles drawing project with the inventive drawing, representation and conceptual creation. Keywords: Drawing; concept art; art history.

Recebido em: 10/06/2011

Aprovado em: 05/09/2011

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Em 1980 o artista catarinense Luiz Henrique Schwanke expôs três trabalhos na galeria Sérgio Milliet no Rio de Janeiro: “A casa tomada por desenhos que não deram certo”, “O apogeu do claro-escuro pós-Caravaggio” e “desenhos de 1978 a 1980”. O primeiro trabalho consistia em uma instalação com montes de papéis amassados. Papéis grandes que formavam pilhas e se esparramavam por parte considerável da sala. O segundo trazia a luz intensa de um arco voltaico que contrastava com a escuridão do ambiente. E o terceiro diferia bastante dos dois primeiros – tratava-se de vários desenhos produzidos pelo artista entre os anos de 1978 e 1980, dispostos nas paredes. Dentre eles há uma série de cadeiras. É sobre elas que falaremos neste trabalho. A fatura envolve um trabalho meticuloso. Copiadas de fotos e anúncios de revistas com lápis de cor, os desenhos chegavam a ser confundidos com fotografias, tamanho era o requinte técnico. Em entrevista a Adalice Araújo, Schwanke diz que naquele período produzira poucos trabalhos porque gastava um mês com cada um, dedicando-se todos os dias a eles. Sua maneira de desenhar, colando fita durex nas bordas para zelar pela limpeza do desenho, bem como sua minúcia, remetem ao universo da publicidade, área em que o artista trabalhou durante três anos. João Henrique do Amaral aponta para essa característica: “minha lembrança maior do

Luiz era vê-lo debruçado na prancheta em trabalhos minuciosos. Como as detalhistas obras que ele produziu” 1. Schwanke, no entanto, enfatiza que essa limpeza e zelo pelo acabamento não eram meramente formais, pois “todo processo que não leve a um processo mental da arte tende a ser superficial”2. Uma das características atribuídas ao desenho é o da racionalidade. Jacqueline Lichtenstein fala a respeito do debate entre os teóricos da pintura do século XVI em torno da dicotomia entre desenho e cor apontando que a cor na pintura era vista pelos partidários do desenho como um elemento emotivo, sendo que a reivindicação de alguns em prol de sua supremacia ameaçava a “posição que a pintura havia conquistado na cultura humanista graças ao primado do desenho” (LICHTENSTEIN, 2006, p. 12). Entre os defensores do desenho está Giorgio Vasari. Em “A vida dos mais excelentes pintores, escultores e arquitetos” aquele que é reconhecido como o primeiro historiador moderno da arte diz que o desenho é oriundo do intelecto, sendo que todas as artes visuais – arquitetura, escultura e pintura – procedem dele. A discussão acerca do lugar do desenho na pintura não se restringiu à época de Vasari, antes é bastante recorrente, como indica a seleção de textos feita por Lichtenstein, os quais passam por Roger de Piles e Denis

João Henrique do Amaral. Correspondência em 07/05/2010 Entrevista à Zilah Marchesini em Março de 1992.

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Diderot no século XVIII, Ingres e Baudelaire no século XIX, até Kandinsky e Matisse no século XX. Charles Baudelaire distinguia o desenho racional dos “puros desenhistas” do desenho dos coloristas, os quais, segundo ele, desenhavam como a natureza: “suas figuras são naturalmente delimitadas pela luta harmoniosa das massas coloridas” (BAUDELAIRE apud LICHTENSTEIN, 2006, p. 103). Após trazer como exemplos a descrição dos matizes que o céu figura no decorrer do percurso diário do sol, e os tons que compõem a pele da mão de uma mulher sanguínea e magra, o poeta defende que são, portanto, os tons e as sombras que produzem o modelado dos desenhistas coloristas. Também Henri Matisse, durante a década de 1940 discute a questão rememorando como desde a Renascença a cor foi apenas um complemento do desenho e colocando o que vinha sendo promovido de Delacroix a Van Gogh como “a reabilitação do papel da cor”. Para Matisse separar o desenho da cor constituía-se em uma impossibilidade, uma vez que a cor nunca seria aplicada a esmo. Recentemente, em 2008, Agnaldo Farias retoma o assunto no texto de apresentação da exposição “Leveza e Aspereza da Linha” realizada na Galeria Roesler. Segundo Farias, ainda que as Artes Visuais abranjam hoje

linguagens diversas – muito além da síntese vasariana “pintura, escultura e arquitetura” – o desenho continua como “grande matriz”. Ele está como sempre esteve, diz o crítico, indo da tentativa de retenção do visível até o desejo de se expelir uma ideia ou imagem, podendo tanto representar as coisas visíveis como “desamarrar-se do visível para se converter num território de sonhos e sortilégios” criando mundos. As cadeiras de Schwanke estão nesse lugar paradoxal, entre a re-apresentação e a criação de mundos; a História da Arte e o design; a pintura e o desenho. Schwanke utilizava-se da cópia como procedimento de criação e reproduzia com o desenho a imagem impressa em revistas porque estava justamente interessado na aparência de impresso que esse procedimento conferia a seus desenhos. À cópia realista se agregava o título de obras de arte barrocas ou renascentistas, além de, ocasionalmente, outros elementos visuais, assim, uma poltrona alaranjada sisuda ao lado da imagem de dedos segurando um palito de fósforo aceso sobre o fundo negro recebe como título “José Carpinteiro de La Tour” e uma poltrona chaise long ao lado de uma maçã do mesmo tamanho da imagem da poltrona é “A Vênus triunfante Pauline Borghese Bonaparte de Canova”.

Figura 1. Schwanke. José Carpinteiro de La Tour. Fonte: CD Room À Luz de Schwanke. Editora Contraponto.

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Figura 2. Schwanke. A Vênus triunfante Pauline Borghese Bonaparte de Canova. Fonte: CD Room À Luz de Schwanke. Editora Contraponto.

O intento do artista é claramente diverso da simples representação realista de móveis – Schwanke faz através de seus desenhos comentários da História da Arte, como ele próprio afirmou durante entrevista com Zilah Marchesini. Enquanto a escultura do italiano Antonio Canova apresenta Pauline Borghese com uma maçã semi-oculta na mão esquerda, no desenho de Schwanke lá está a fruta viçosamente explícita, quase da mesma altura que a poltrona. O que em Canova é sutil, em Schwanke torna-se evidente. No livro “La originalidad de la vanguardia y otros mitos modernos” Rosalind Krauss chama atenção para o desdobramento do trabalho do artista espanhol Julio González. Tendo trabalhado com ourivesaria a maior parte de sua vida, González dominava a manipulação de metais. Suas esculturas de ferro partiam de esboços no papel e eram compostas de elementos retilíneos, como hastes, lembrando linhas. O desenho espacializado em metal, entretanto, suscitava uma apreensão da figura de maneira diferente daquela do desenho no papel. A transcrição de meios conferia ambiguidade à figura, aproximando-a, desse modo, da abstração. Segundo relato do artista, ele pretendia a junção de “formas reais” com “formas imaginadas”, o que era obtido ou sugerido 26

Figura 3. Julio González. Mulher penteando-se. 1931. Ferro. 170,2 x 55,2 x 18,1 cm Museu Nacional de Arte Moderna Centro Georges Pompidou, Paris. Fonte: disponível em site <http://faculty-staff.ou.edu/ L/A-Robert.R.Lauer-1/span4313cap13.html> Acesso 31/08/2011 às 07:47.

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por “pontos estabelecidos ou perfurações”. De acordo com Krauss a transcrição feita por Julio González em meados do século XX operava da mesma forma que a composição de uma constelação, pois as estrelas (os ditos “pontos estabelecidos”) são efetivamente instituídas enquanto desenho ritual. Somente mediante uma tradição cultural tais figuras tomam configuração e são transcritas para o espaço. As esculturas de González são como as constelações – nem miméticas, nem abstratas, não imitam o esboço do papel, nem se alienam dele – mas transcrevem o

desenho para o espaço. Nesse sentido se constituem em cópias que não se limitam à imitação. É, pois, por essa característica que podemos aproximar Schwanke e González: seus desenhos são cópias inventivas. Ao transcrever poltronas constantes em anúncios e revistas de design, Schwanke ultrapassou a cópia de tal modo que formulou uma nova significação sobre as obras referenciadas e as imagens de que se utiliza. Semelhantemente, González, ao transpor o desenho para a escultura de metal, criou uma forma de desenhar no espaço.

Figura 4. Schwanke. A anunciação de Leonardo Fonte: CD Room À Luz de Schwanke. Editora Contraponto.

Outro elemento importante para Schwanke é a luz. Nos desenhos desta série ela aparece não somente através do fósforo aceso, como também no tratamento do colorido das poltronas. Em “A anunciação de Leonardo”, a poltrona espaçosa, disposta no canto direito, tem sua parte interna iluminada, o que remete à tradição iconográfica que associa a manifestação divina à luz, bem como ao tema do quadro de Leonardo Da Vinci, que é da manifestação angélica à Virgem. O que Charles Narloch (2002) denomina como “luz narrativa” pode ser relacionado à concepção de Frederico Morais (1980), o qual associa a iluminação da folha pelo fósforo à iluminação da memória dos espectadores em relação à obra de La Tour, referenciada pelo desenho.

Nessa associação com a cenografia pictórica pode-se relacionar o trabalho de Schwanke à luz do Barroco, presente na exposição pela dramaticidade do arco voltaico e no gesto dispendioso dos papéis que tomavam conta do espaço. Os três trabalhos dividiam o ambiente da galeria e a luz do arco voltaico era a que permitia enxergar os desenhos fixados na parede. Ainda que os desenhos se situem dentro da clave da racionalidade do projeto, eles entram em coesão com os outros dois trabalhos pelo viés barroco. Como luz narrativa ou referência a obras consagradas da História da Arte, Schwanke estabelece um trabalho conceitual – os desenhos são referências a serem desenvolvidas pelo receptor, tomando assim

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o caráter de novas criações, e fazendo do receptor um criador na medida em que ele continua o processo da cópia. Para o artista seu desenho é o inverso e pode servir como “módulo-imagem do verso”, que é a obra do receptor em nível mental3. Em clave semelhante, o artista norteamericano Joseph Kosuth também apresenta um trabalho conceitual com cadeiras: Uma e três cadeiras, de 1965, o qual consistia em uma cadeira de madeira, uma grande fotografia em preto-e-branco de uma cadeira e uma fotocópia da definição dicionarizada da palavra “cadeira”. Michael Archer aponta para o fato de que usualmente a fotografia

e a fotocópia seriam vistos como elementos secundários que apenas apóiam e descrevem o objeto principal, que é a cadeira. No entanto, segundo Archer, o que o trabalho pergunta é “se podemos nos dar por satisfeitos com isso, ou se, de fato, a fotografia e o texto fotocopiado não existem, como cadeiras” (ARCHER, 2001, p. 82). Trata-se, como ele mesmo coloca, de um “jogo recíproco entre realidade, ideia e representação”. Nas cadeiras de Schwanke percebemos um jogo semelhante na reciprocidade entre ideia e representação e na ênfase em um trabalho que acontece em nível mental.

Figura 5. Joseph Kosuth. Uma e três cadeiras. 1965. Site disponível em <http://sunkyungoh.wordpress.com/tag/conceptual-art/> Acesso em 31/08/2011 às 07:53.

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Verso e Inverso é um texto de autoria de Luiz Henrique Schwanke, sem data.

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O Desenho-Projeto e seu Avesso nas Poltronas de Luiz Henrique Schwanke

Em oficina teórica ministrada em Florianópolis, Santa Catarina, no Museu Vitor Meireles no dia 6 de dezembro de 2010, Ana Lucia Vilela comparou o desenho racional ou de projeto a um bordado construído cuidadosamente com a linha de costura, enquanto o lado oposto do tecido comportaria o emaranhado que se forma concomitantemente e é o avesso do projeto. Para o filósofo Walter Benjamim – citado por Vilela na ocasião – era justamente o avesso do bordado que lhe despertava interesse: E à medida que o papel abria caminho à agulha com um leve estalo, eu cedia à tentação de me apaixonar pelo reticulado do avesso que ia ficando mais confuso a cada ponto dado, com o qual, no direito, me aproximava da meta”(BENJAMIM, 1995, p. 127).

As poltronas de Schwanke situam-se nessa ordem do projeto, caracterizado pela limpeza, método e racionalidade; contudo, trata-se apenas do inverso da obra, o qual contém o germe para o seu verso – o desenho virtual criado em um processo mental pelo receptor, o qual, por ser uma criação deste, foge ao controle do artista, tais como as linhas do avesso do abordado, ou seja, como avesso do projeto. Linhas emaranhadas compõem também os desenhos de Tamara Andrade. Em seu Projeto Entreparedes, desenvolvido entre os anos de 2007 e 2010, ela se utiliza da figura da cadeira tecendo um comentário a respeito do desenho e seus elementos: a linha e o plano. A artista desenha cadeiras nas paredes do local de exposição, juntando ao grafite a linha de costura de tal forma

que o desenho deixa a parede plana e se projeta para o espaço. Como as poltronas de Schwanke, as cadeiras de Tamara Andrade apresentam certa fidedignidade com o real, como um desenho de representação, o que se acentua, inclusive, pelo uso de estruturas de madeira em alguns dos trabalhos. No entanto, diferentemente do artista catarinense, as cadeiras de Tamara Andrade não exibem a austeridade de um desenho limpo, livre da denúncia do gesto. Pelo contrário, suas cadeiras são atravessadas por linhas hora divergindo para fora da figura, como em um estudo de perspectiva; hora confluindo, interceptando-se e preenchendo a figura do móvel sem uma ordem aparente. Suas linhas efusivas sobre o branco da parede e do teto estão mais para os desenhos que ocupam despreocupadamente os cadernos dos artistas, fazendo com que o traço firme e o rabisco convivam sem hierarquia. De um modo diferente de Schwanke, Tamara Andrade mostra a potencialidade do desenho em apresentar o mundo visível e desamarrarse dele, fundando outros mundos. Nos desenhos de Schwanke comparecem tanto o desenho de projeto como o desenho inventivo, que comenta a História da Arte com perspicácia e permite a elaboração do avesso polissêmico nas mentes dos receptores. Trata-se de uma convivência dos usos do desenho que ultrapassa concepções dualistas e reconcilia a representação realista e a criação conceitual, verso e avesso, pois, como Schwanke afirmara repetidas vezes em entrevistas e textos, “é necessário transformar e inverter o existente para que o novo seja total”.

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Ana Carla de Brito, Rosângela Miranda Cherem

Figuras 6, 7 e 8. Tamara Andrade ENTREPAREDES no. 5. Projeto Estúdio da Galeria Baró Cruz, 2008. Linha de costura, grafite e pregos sobre parede. Fonte: Portfólio digital cedido pela artista.

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O Desenho-Projeto e seu Avesso nas Poltronas de Luiz Henrique Schwanke

Referências Bibliográficas ARCHER, Michael. Arte Contemporânea: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2001. BENJAMIM, Walter. A caixa de costura in Rua de Mão Única. 5ª. Ed. São Paulo: Brasiliense, 1995.

KRAUSS, Rosalind. La originalidad de La vanguardia y otros mitos modernos. 1ª reimpressão.Madri: Alianza Editorial, 2002. LICHTENSTEIN, Jacqueline (org). A pintura – vol. 9: O desenho e a cor. São Paulo: Ed. 34, 2006.

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DOI: 10.5433/2237-9126.2011anoVn9p33

Entre Cinema e Política: repensando a autoria de Viva Zapata!, de Elia Kazan Andréa Helena Puydinger De Fazio Mestrado (2010) e graduação (2006) em História na UNESP, Campus de Assis. Pesquisadora nas áreas de História da América, com ênfase em História dos Estados Unidos e cinema norte-americano. Professora no Colégio Objetivo de Catanduva e no Colégio e Faculdade Eduvale de Olímpia

Resumo

Marcada pelas tensões da Guerra Fria e pela presença da House Un-American Activities Committe, a Hollywood dos anos cinqüenta conta, por meio de suas produções, histórias de resistência e submissão ao clima de caça às bruxas. O filme Viva Zapata! (1952), que narra a trajetória do revolucionário Emiliano Zapata durante a Revolução Mexicana, dialoga com questões políticas e culturais da época. Foi o primeiro filme de Elia Kazan lançado após sua delação perante a HUAC, tornando-se, assim, marcado por esse fato – que direciona suas interpretações a posicionamentos políticos ou justificativas do diretor. Este artigo propõe outra leitura de Viva Zapata!, por acreditarmos tratar-se de uma obra de arte coletiva, na qual tanto Kazan, quanto o roteirista John Steinbeck, assim como os atores principais Marlon Brando e Anthony Quinn, tem participação direta. Pretendemos discutir, portanto, a questão da autoria na produção da obra cinematográfica em questão, em contraponto ao debate político que marcou sua leitura. Palavras-chave: Viva Zapata!; Elia Kazan; Macartismo.

Abstract

Characterized by Cold War tensions and the presence of House Un-American Activities Committe, the Hollywood from fifties tell, in its productions, stories of resistance and submission through a witch hunt atmosphere. The film Viva Zapata! (1952), which chronicles the history of the revolutionary Emiliano Zapata during the Mexican Revolution, dialogues with political and cultural issues from that moment. It was the first film by Elia Kazan released after his impeachment before the HUAC, becoming influenced by this fact – which directs their interpretations and political positioning, or even justifications from the director. This article proposes a different reading of Viva Zapata!, because we believe that this is a collective work of art, in which both Kazan, the writer John Steinbeck, as well as the main actors Marlon Brando and Anthony Quinn, have a direct participation. Therefore, we intend to discuss the question of authorship in the production of the cinematographic work in question in contrast to the political debate which marked his reading. Keywords: Viva Zapata!; Elia Kazan; McCarthyism Recebido em: 22/08/2011

Aprovado em: 05/10/2011

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Este artigo se insere nos esforços de uma nova história cultural, preocupada em valorizar manifestações sociais, tais como imagens, músicas e testemunhos orais, na realização da pesquisa histórica. O interesse dos historiadores em abordar a história das mentalidades, da vida cotidiana, dos costumes, leva a um distanciamento da exclusividade dos documentos oficiais e à aproximação das imagens, textos literários e testemunhos orais – fontes sobre as quais Peter Burke procura “advertir usuários em potencial a respeito de possíveis perigos”. (BURKE, 2004, p.11) Muitas vezes utilizadas como ilustração das fontes escritas, ou para confirmação de determinado contexto, as imagens desafiam os historiadores, que apenas começam a ter o olhar educado para ler e interpretar esse tipo de fonte. A partir do movimento renovador da historiografia, denominado Nova História, foi ampliado o conteúdo do termo documento – “há que tomar a palavra documento no sentido mais amplo, documento escrito, ilustrado, transmitido pelo som, a imagem ou qualquer outra maneira” (LeGOFF, 1990, p.540) – e a imagem adquiriu o estatuto de fonte preciosa para a compreensão dos comportamentos, visões de mundo, valores, identidades e ideologias de uma sociedade ou momento histórico. Isso significa que o filme pode tornar-se um documento para a

pesquisa histórica na medida em que articula o contexto histórico e social a um conjunto de elementos intrínsecos à própria expressão cinematográfica. (KORNIS, 1992) Embora os textos também ofereçam indícios valiosos, imagens constituem-se no melhor guia para o poder de representações visuais na vida religiosa e política de culturas passadas. (BURKE, 2004, p.17) A imagem cinematográfica apresenta, entretanto, uma própria linguagem, que apesar de complexa pode ser dividida essencialmente em dois grupos: a plástica da imagem e os recursos de montagem. No primeiro grupo, estão inseridos o estilo do cenário, iluminação, maquiagem e interpretação, os quais são captados pelas escolhas de enquadramento. A montagem – organização das imagens no tempo – é o que leva o espectador a adotar o ponto de vista que o diretor propõe, já que as imagens são organizadas de acordo com sua lógica ou interesses dramáticos. (BAZIN, 1991, p.67) O recurso da montagem torna a imagem cinematográfica mais verossímil ao espectador do que a fotografia – que já apresenta uma ilusão de autenticidade. Segundo Ismail Xavier, a sucessão de imagens criada pela montagem produz relações novas a todo instante e somos sempre levados a estabelecer ligações propriamente não existentes na tela. A

Este artigo faz parte da dissertação de mestrado Cultura, política e representações do México no cinema norte-americano: “Viva Zapata”!, de Elia Kazan, resultado de pesquisa financiada pela FAPESP e defendida na Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Assis, em 2010.

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Entre Cinema e Política: repensando a autoria de Viva Zapata!, de Elias Kazan montagem sugere, nós deduzimos.” (XAVIER, 2006, p.368).

Assim, a associação das imagens cria significados que não existem em cada uma de forma isolada, por isso sua leitura se mostra complexa: resulta de um processo onde estão presentes o olhar que produz a imagem – olhar atento às circunstancias de recepção desta imagem, e aos códigos em jogo durante sua criação –, e o olhar de quem recebe o produto da criação: “este não é inerte, pois, armado, participa do jogo” (Idem, Ibidem, p. 369). A simulação da imagem pelo olhar do produtor não se mostra, portanto, na própria imagem, mas sim em sua relação com o espectador. Assim, resultado de operações que o tornam detentor de uma linguagem própria – linguagem que surgiu a partir da relação invisível entre uma cena e outra, a edição, que criou um vocabulário e gramática particular do cinema (CARRIÈRE, 1995) – detentor de intenções que são reveladas a partir da escolha do conteúdo e da forma como ele deve ser mostrado, o cinema entrou para o rol de fontes valorizadas pelo historiador, fonte que servirá de guia para as discussões propostas neste artigo. O filme Viva Zapata! é produto de seu tempo, onde convivem a complexidade artística e dualidade política de Elia Kazan e de John Steinbeck, a atuação de Anthony Quinn e Marlon Brando, e que traz à tona as relações entre cultura e política de uma época conturbada. Quando lançado, foi atacado pela direita e pela esquerda, pelos mexicanos e pelos

americanos. Tem a capacidade de, assim como seus realizadores, gerar debates acalorados e apaixonados. Faz parte dos projetos de Kazan e Steinbeck desde a década de 1930, porém só teve sua produção finalizada no início dos anos cinqüenta, pouco antes do testemunho do diretor perante a House Un-American Activities Comitee2. Como conseqüência, é visto como um posicionamento político. A conjuntura política da época mudou o foco do filme, e os olhares passaram a buscar as dualidades ideológicas predominantes no contexto da Guerra Fria. As críticas mexicanas se voltam para as imprecisões históricas; às referências ao sangue espanhol de Zapata; ao estilo romântico de seu namoro e casamento; à inicial indecisão em relação à luta armada e, principalmente, a renúncia de Zapata ao poder quando a Revolução finalmente havia triunfado. Ironicamente, enquanto a esquerda criticava o Zapata de Kazan e Steinbeck, a direita também se recusou a aceitá-lo, alegando que o revolucionário era um rebelde comunista. (WOLL, 1980) Existem ainda, segundo as críticas, anacronismos ideológicos no filme de Kazan, o que levou à presença de clichês sobre democracia e ditadura, e de diálogos explicitamente pró-americanos. (ROCHE, 1952) O cineasta Howard Hawks, realizador de Viva Villa! (1934), acredita que Viva Zapata! não mostra a verdadeira face do assassino e criminoso que Zapata era, e o converteram em um tipo de santo, preocupado em ajudar os camponeses 3. (RIERA, 1988) Para o diretor Samuel Fuller, o personagem retratado no filme nunca existiu.

House Un-American Activities Committe, ou Comitê para Investigação de Atividades Anti-Americanas. Para mais informações sobre a caça aos comunistas em Hollywood ver: FERREIRA, Argemiro. Caça às bruxas. Macartismo: uma tragédia americana. Porto Alegre: L&PM, 1989; HELLMAN, Lillian. A caça às bruxas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981; NAVASKY, Victor. Naming Names. New York: The Viking Press, 1980; PEIXOTO, Fernando. Hollywood: episódios da histeria anti-comunista. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. 3 Afirmações feitas em entrevista à revista Cahiers du Cinema n. 56 de fevereiro de 1956. 2

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Zapata era um comunista, e quando a Fox se deu conta das implicações disso, reescreveu a história e misturou a figura de Zapata com a de Pancho Villa. Assim, Viva Zapata! não é mais que uma cópia de Viva Villa4 (Idem, ibidem). Ciente destas críticas, Kazan ironiza: “Meu Deus! Claro! Fuller é uma espécie de autoridade em matéria de idealismo, e Hawks é um entendido em matéria de bandidos!” (CIMENT, 1998, p.150) Brian Garfield, autor do livro Western Films (1982) também acredita que Kazan dá um tratamento idealizador a um homem que era, de fato, sanguinário, brutal, analfabeto e mais interessado no poder do que em ajudar os camponeses com quem lutou na Revolução. Segundo Emilio Garcia Riera, as críticas de Howard Hawks, Samuel Fuller e Brian Garfield mostram a total ignorância norte-americana sobre Emiliano Zapata. No entanto, considera Viva Zapata! fraco e falso, já que Kazan inventou um Zapata satisfatório aos liberais norte-americanos da época e às necessidades do glamour Hollywoodiano. Temos como objetivo neste artigo analisar Viva Zapata! nos distanciando das análises puramente políticas e ideológicas – sem, no entanto, desconsiderá-las. Acreditamos que Viva Zapata! está intimamente ligada à obra não só de Kazan, mas também de John Steinbeck, que tem o México como cenário para diversos outros trabalhos, e nos mexicanos muitos de seus personagens.

Produzindo Viva Zapata! Propomos uma análise do filme Viva Zapata! com ênfase em algumas cenas chaves, além de considerações gerais sobre o desenrolar da produção, que se articulam com o objetivo proposto. Durante da década de 1930, tanto Kazan quanto Steinbeck iniciavam seus contatos com o México. Kazan através de sua primeira viagem ao país (YOUNG, 2000, p. 125) e Steinbeck através de projetos que envolviam o país. Foi, no entanto, na década seguinte que Viva Zapata! começaria a ser idealizado. Em 1945, Steinbeck, quando trabalhava no roteiro cinematográfico de A Pérola, foi procurado pela Pan-American Films para a realização de um roteiro sobre Zapata. Zapata pode ser um dos melhores filmes de todos os tempos [...] por uma torção ou uma concessão, poderia ser uma traição total das coisas pelas quais Zapata viveu e morreu (STEINBECK, 1975, p.282).

Não finalizou este projeto, e três anos depois renovou o interesse em escrever um roteiro sobre Zapata – instigado, agora, por Elia Kazan. Em parceria com o diretor, faz diversas viagens ao México pesquisando em bibliotecas, visitando vilarejos onde ainda viviam seguidores do movimento zapatista, entrevistando os veteranos e sobreviventes da Revolução (MORSBERGER, 1993).5

Depoimento publicado na revista Présence du Cinema n. 20, de 1964. MORSBERGER, Robert E. “Emiliano Zapata: the man, the myth, and the mexican revolution”. In: Morsberger, R.E. (org.) John Steinbeck: Zapata. New York: Penguin Books, 1993. Esta rara obra contem a narrativa original escrita por John Steinbeck, intitulada Zapata, the little Tiger, sobre a Revolução Mexicana e a vida de Emiliano Zapata, resultado de pesquisas realizadas no México. Ainda contem o roteiro adaptado para o filme, também escrito por Steinbeck. O roteiro final de Viva Zapata! foi publicado em 1975 pela Viking Compass, mas logo saiu de edição. A narrativa original foi considerada perdida por muito tempo, e depois de ser encontrado nos arquivos da UCLA foi publicada em 1991 pela Yolla Bolly Press, em edição limitada. Pela primeira vez, as duas versões foram publicadas juntas, no volume citado.

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Planejando rodar o filme no México, Kazan e Steinbeck procuraram o fotógrafo Gabriel Figueroa 6 , propondo que este trabalhasse na direção de fotografia. Figueroa, que se considera uma autoridade em Zapata, teria passado dias tentando convencer Steinbeck de que seu roteiro estava totalmente equivocado, absurdo e ridículo, e não explica os reais motivos da luta de Zapata na Revolução Mexicana: Nem ele [Steinbeck] nem Kazan sabiam nada de Zapata e da história mexicana. E eu de Zapata era uma autoridade. Era zapatista desde criança, quando tinha quatro anos. Os zapatistas vinham comer na minha casa, um tio meu fazia discursos zapatistas nas praças e teve até um primo meu que partiu com eles. Assim é que eu estava muito bem envolvido com a história de Zapata. Por isso não quis fazer o filme (CAKOFF, 1995, p. 38).

Sem conseguir rodar o filme no México, foi escolhido um pequeno povoado localizado a norte do Rio Grande chamado Roma, no Texas. Alex North7, responsável pela trilha sonora, reuniu músicos locais com instrumentos da época da Revolução, para que cantassem e tocassem tradicionais canções mexicanas. Foram escolhidos cerca de doze músicos, que sem muitos ensaios reproduziam as velhas canções da Revolução, as clássicas músicas mexicanas. (CIMENT, 1998, p. 147) Como resultado, muito da trilha sonora presente em Viva Zapata! é utilizada como parte da narrativa – com bandas de mariachi, paradas militares, serenatas, cânticos religiosos – acentuando o realismo e a qualidade musical do filme. 8

A legenda “Cidade do México, 1909. Uma delegação de índios do Estado de Morelos foi ao Capitólio para uma audiência com seu presidente Porfírio Diaz” dá início o filme Viva Zapata! Vemos um grupo de camponeses que entram pelo portão do Palácio Nacional e são levados por guardas até a sala do presidente, seus documentos são pedidos e os nomes anotados em uma lista. Acreditamos que essa lista, onde Zapata terá seu nome marcado por ser considerado uma ameaça, faz uma referência direta às listas negras produzidas pelo macartismo. O grande quadro de Porfírio Diaz pendurado na parede é observado pelos camponeses. Interessante notar que este quadro simboliza as trocas de governo durante a Revolução: a imagem de Diaz será substituída por Francisco Madero após a queda daquele; por um quadro do General Huerta após o assassinato de Madero, e derrubado da parede quando Pancho Villa se torna presidente. A imagem de Porfírio Díaz (Fay Roope) apresentada pelo filme Viva Zapata! é diretamente ligada à forma que o presidente foi representado nos álbuns História Grafica de la Revolución Mexicana, produzidos pela família de fotógrafos Casasola9. Para o diretor, os Casasola eram excelentes fotógrafos, que sabiam captar o que CartierBresson chamava “o momento decisivo”, o instante preciso, o ponto mais significante. (CIMENT, 1998, p.146)

Para maiores informações sobre Gabriel Figueroa, consultar FIGUEROA, Gabriel. Memorias. Ciudad de México: UNAM/Equilibrista, 2005; CAETANO, Maria do Rosário. Cineastas latino-americanos: entrevistas e filmes. São Paulo: Estação Liberdade, 1997; CAKOFF, Leon. Gabriel Figueroa: o mestre do olhar. São Paulo: ABMIC, 1995. 7 Alex North foi indicado ao Oscar por seu trabalho em Viva Zapata! Além disso, North foi o único músico que já recebeu um Oscar honorário – pelo conjunto de sua obra – prêmio geralmente dedicado a atores e diretores. 8 Durante o filme são cantadas músicas tradicionais mexicanas, como Soy un pobre venadito, La rielera, Alevántate, La Adelita, Pájarito barranqueño e Las mañanitas. 9 Os álbuns Historia Gráfica de la Revolución Mexicana foram organizados por Gustavo Casasola e lançados em dez fascículos na década de 1940. Para mais informações ver BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. A fotografia a serviço de Clio: uma interpretação da história visual da Revolução Mexicana (1900-1940). São Paulo: Ed. UNESP, 2006. 6

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Segundo Carlos Alberto Sampaio Barbosa (2006), os Casasola acreditavam que Diaz havia sido um grande estadista, por isso produziram uma imagem positiva. O trecho abaixo descreve o Porfírio Diaz que vemos em Viva Zapata!, tanto no quadro pendurado no Palácio Nacional, quanto no personagem de Fay Roope, seus trajes e postura. De pé, inescrutável, a mão aferrada às luvas brancas, com o uniforme e o espadim e as condecorações que se somam ao desejo de mostrar humildade de quem só cumpriu o seu dever; [...] Porfírio Diaz inicia o Arquivo Casasola, a Historia gráfica de la Revolución Mexicana (CARLOS MONSIVAIS apud BARBOSA, 2006, p.30).

Outras cenas trazem referências claras ao álbum dos Casasola. Ao cortejar Josefa, depois de se tornar um General, Zapata veste um traje de charro, vestimenta que difere bastante de suas usuais. Esta representação iconográfica de Emiliano Zapata faz referência

a uma fotografia de Hugo Brehme pertencente ao acervo dos Casasola. A fotografia de Brehme serve de exemplo contrário à maioria das imagens do movimento zapatista 10, por mostrar Zapata sozinho – quando a maioria de suas fotografias são em grupo – e vestido com roupas do exército profissional do Norte. Essa fotografia11 foi retirada quando os zapatistas tomaram a cidade de Cuernavaca por volta de maio de 1911. Segundo Arnal (1988), a preparação da cena responderia à intenção de Zapata se mostrar para a imprensa não somente como líder dos movimentos camponeses do sul, visto que se apropria de elementos iconográficos de um profissional da luta revolucionária: usa uma carabina, cananas cruzadas no peito, o sabre embainhado, a faixa com as cores nacionais, a banda de general. Essa apropriação dos símbolos inimigos indica uma necessidade de legitimação do movimento por parte de seu líder.

Carlos Alberto Sampaio Barbosa esclarece que, por motivos de localização e de prestígio social, Emiliano Zapata foi pouco registrado nos primeiros quatro volumes do álbum. Já nas primeiras referências à Zapata e seus seguidores, são destacadas ações consideradas abusivas contra a população do Estado de Puebla, onde teriam atacado uma estação ferroviária e um trem militar, além de combates contra forças federais. Há referências também ao desarmamento da guarnição do pueblo e cortes dos fios de telefone e telégrafo como umas de suas primeiras ações – que fazem parte do filme Viva Zapata! também como as primeiras ações do movimento zapatista. 11 Emiliano Zapata junto a una escalera. Fotografia de Hugo Brehme. Fototeca del INAH, Fondo Casasola, 63464. 10

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Ao percorrer os significados dessa fotografia podemos traçar paralelos com o filme. Em Viva Zapata!, quando o líder vai até a casa dos Espejo para pedir Josefa em casamento, está vestido com roupas muito similares às mostradas pela fotografia. O revolucionário também se apropria de símbolos externos à sua própria realidade de camponês, visando transmitir uma imagem de seriedade, sucesso e estabilidade – tão bem vistos pela família de Josefa. Encontraremos, durante o filme, cenas de batalha, representações do coletivo, das paisagens e de outros personagens muito semelhantes às fotografias dos Casasola. Cabe aqui mostrar as principais ocorrências, a fim de mostrar o esforço de pesquisa por parte dos realizadores de Viva Zapata!, além de uma busca pela fidelidade da Revolução. Como exemplo máximo, vemos a reprodução exata da fotografia dos Casasola “Villa en la silla presidencial” depois que Villa e Zapata conseguem vencer o General Huerta.

Zapata e seu exército entram no Salão Presidencial do Palácio Nacional por uma porta, e pelo lado o posto entra Francisco Villa (Alan Reed) acompanhado de seus homens. Villa derruba o grande quadro do General Huerta, segue em direção a Zapata, e todos se posicionam para tirar um retrato. Seus homens estão em pé, na sua frente a grande cadeira presidencial e quatro menores, duas de cada lado. Villa insiste para que Zapata sente-se na cadeira presidencial, mas ele se recusa12. A fotografia é tomada. Kazan afirma que nunca havia trabalhado tanto com fotografias como para a realização de Viva Zapata!, o que foi importante para dar mais realidade e autenticidade ao filme. Sobre essa cena, conta que deu a fotografia a seu ajudante e diretor de elenco e pediu para que buscassem pessoas exatamente iguais e vestimentas similares. Coube a Kazan colocar duas portas, uma para Zapata entrar com seus homens e outra para Villa e seus homens.

No documentário Los ultimos Zapatistas: heroes olvidados, vemos o depoimento dos últimos homens e mulheres que lutaram ao lado de Zapata. Eles contam o cotidiano da Revolução e lembram sua convivência com o líder. Don Antonio estava presente no Palácio Nacional no momento do encontro entre os Generais, e saiu na fotografia – está ao fundo, na direção de Pancho Villa, vestindo camisa branca, chapéu marrom e um grande lenço escuro no pescoço amarrado em forma de laço. Don Antonio conta que Villa ofereceu a Zapata a cadeira presidencial, “Sente-se Zapata”, dizia. E Zapata recusou, “Não general, isso não, isso não posso fazer”.

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Tal imagem, na visão de Barbosa, tornouse emblemática. Além dos dois personagens, está presente na fotografia um “painel do povo mexicano”, uma síntese do auge da revolução camponesa. Villa traz um sorriso no rosto e um ar alegre, satisfeito, mas Zapata não parece à vontade13, tanto na foto quanto no filme. Em busca da fidelidade, além de usar as fotografias dos Casasola, Kazan aceitou alguns conselhos de Anthony Quinn, cujo pai mexicano participou da Revolução. Na cena em que Zapata sai da casa de Josefa e é capturado por dois rurales, e ao mesmo tempo os camponeses trazem ao vilarejo um homem que havia sido morto injustamente, todos os moradores se calam e param para observar. Eufemio se agacha no chão e pega duas pedras, uma em cada mão. Começa a batê-las, numa espécie de código, e seu som chama a atenção das pessoas na rua, que começam a repetir o gesto. Assim, ao som das pedras batendo, Zapata, com as mãos amarradas e uma corda no pescoço, é carregado pelos rurales – como havia sido outro camponês.

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Essa seqüência das pedras não faz parte do roteiro de Steinbeck, foi sugestão de Anthony Quinn durante as filmagens. Segundo o ator, Elia Kazan era um “artesão muito peculiar”, e procurava autenticidade no filme, então passou a inventar situações que faziam parte do cotidiano de seu pai na Revolução. E e u m e n t i a . Q u e m e i m p o r t ava a autenticidade? Isso era problema de Kazan. Eu só queria representar a melhor cena possível, me dar a chance de fazer um bom trabalho. Inventei uma história, dizendo que meu pai e outros revolucionários carregavam sempre duas pedras que batiam e esfregavam uma na outra para trocar mensagens entre eles, numa espécie de código Morse. Isso nunca tinha acontecido, mas daria uma boa cena. A partir daí, foi um passo para dizer que os soldados usavam assobios como outro meio de comunicação. [...] E passamos a assobiar, contribuindo para um dos momentos mais memoráveis do filme. Kazan foi tão crédulo que me fez ensinar aos outros atores o jeito “especial” do meu pai! (QUINN, 1995, p.180)

Elia Kazan esclarece que pesquisou sobre a vida e hábito dos camponeses, e que eles de fato usavam meios de comunicação primitivos – pedras, assobios, barulhos –

Essas imagens foram inseridas no álbum no capítulo que retrata o ápice do movimento camponês, no capítulo intitulado Entrada triunfal del Ejercito Convencionista a la capital.

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por estarem constantemente vigiados e ameaçados. Fica claro que, durante toda a narrativa, são utilizados tais meios de comunicação sugeridos pelo ator Anthony Quinn. Sendo “até o cerne, um homem do Método”14, Elia Kazan se preocupava com as relações entre Anthony Quinn e Marlon Brando, cujos personagens deveriam passar tensão e rivalidade, ao mesmo tempo emoção e amor fraterno. Kazan manipulava uma rivalidade entre os atores: “Ele me puxava a um canto e cochichava que Marlon me achara horrível numa cena e depois dizia a Marlon que eu achara a mesma coisa dele. (QUINN, 1995, p. 179) “Gadge [apelido de Kazan] era ótimo para inspirar os atores a atuarem bem, mas pagávamos um preço alto por isso.” (BRANDO, 1994, p. 164) Somente anos depois os atores descobririam as armações de Kazan. Em relação às principais mensagens presentes no filme, podemos destacar algumas mensagens pró-americanas; uma forte crítica à corrupção que a Revolução gera – corrupção de pessoas e de ideais –, personificada pelo personagem Fernando Aguirre; e a forte relação entre Zapata e seu povo, assim como a unidade dos camponeses enquanto grupo. A carta que Francisco Madero entrega a Zapata por meio de Fernando Aguirre nos servirá de ilustração para as mensagens sobre democracia e liberdade norte-americana. O despotismo de Porfírio Diaz é insuportável. Por trinta e quatro anos, ele reina com as mãos de um tirano. O significado da democracia há muito foi esquecido. As eleições são uma farsa. O povo não tem voz. O controle está nas mãos

de um homem e seus eleitos. Se quisermos devolver ao México liberdade e democracia, devemos nos unir para derrubar esse tirano.

Algumas palavras merecem destaque, como tirano, democracia e liberdade. Elas deixam clara a oposição entre ditadura mexicana e democracia norte-americana. Algumas seqüências adiante o governo norteamericano volta a ser exaltado, mostrado como um representante do povo, que governa apenas através de seu consentimento. Essas oposições são bastante recorrentes nos filmes norte-americanos sobre o México e a América Latina em geral. Nesse sentido, Viva Zapata! não se mostra uma exceção. Se o foco de crítica não é o México, mas sim os governos ditatoriais em geral, ainda fica clara a exaltação à política norte-americana. Além da exaltação da democracia, Viva Zapata! mostra o preconceito em relação aos indígenas enraizado na sociedade. Zapata parte em defesa de seu povo, e aos poucos se torna um líder reconhecido por todos os camponeses. Para defender seus direitos faz o uso da violência e é por vezes intransigente. A cena em que agride o administrador da fazenda de Don Nacio de la Torre para defender um menino, que comia a ração de um cavalo, é importante por mostrar a ligação de Zapata com seu povo, sua indignação e revolta perante as injustiças e seu interesse em combatê-las. Ainda, é essencial para desmistificar a figura de Zapata como um exemplar representante da democracia e justiça norte-americanas (como vêem as análises baseadas nas dicotomias ideológicas de Zapata e Aguirre, ou do capitalismo norte-americano e comunismo

Palavras de Anthony Quinn sobre Elia Kazan. Refere-se ao Método Stanislavisky de atuação utilizado por Kazan desde o início de sua carreira e no Actors’ Studio. Para maiores informações sobre o método, consultar HETHMON, Robert H. El método del Actor’s Studio. Madrid: Fundamentos, 1986.

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soviético). Emiliano Zapata é ambíguo, utiliza a violência para atingir seus objetivos, se mostra radical ao executar seu amigo Pablo Gomez, insensível ao ignorar as opiniões e pedidos de Josefa. Enfim, Zapata é humano, e não um personagem idealizado como um estereótipo do “mocinho” hollywoodiano. Apesar do combate à injustiça estar muito presente nas atitudes de Zapata, o personagem demora a se entregar à Revolução. Ao ser feito prisioneiro e depois morto, o camponês Inocente (Pedro Regas) aproxima mais ainda Zapata de suas raízes e sua luta. Chama a atenção o jogo de palavras com o nome do personagem: Inocente coloca em contradição a sua situação de prisioneiro da ditadura porfirista. Zapata se transforma definitivamente em líder da Revolução após uma grande

manifestação de união dos camponeses e apoio àquele que já consideram um líder. Ao sair da casa do Señor Espejo, após ser ofendido pelo pai de Josefa e responder violentamente, Zapata é capturado por rurales que, a cavalo, o carregam por uma corda amarrada ao pescoço. Na seqüência, começa a ser seguido por camponeses que surgem do meio da vegetação, das montanhas. Eles parecem surgir do nada, é como se fossem a própria vegetação ou mesmo as rochas e pedras do terreno. Essa cena lembra a idéia do mimetismo do mexicano encontrado em autores como Octavio Paz e Juan Rulfo. O mimetismo está relacionado ao fenômeno de, tanto homens como animais, tomarem o aspecto, cor e configuração da terra e da paisagem em que vivem. 15

A figura emblemática de Fernando Aguirre permeia a maioria das discussões sobre o filme. Cabem, sobre o personagem, algumas considerações. Desde o início do filme ele se apresenta de forma racional e fria, destoando dos demais personagens. Nestas cenas fica claro que ele não está lutando pelos mesmos ideais que os zapatistas. Aquelas

que consideram Viva Zapata! uma crítica de Kazan ao comunismo, vêem Aguirre como um revolucionário comunista que busca somente o poder, a qualquer custo e a despeito de todos. Na cena em que encontra Zapata em meio às montanhas, carregando uma carta de Francisco Madero, Aguirre veste roupas da

Para maiores detalhes ver BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. “Escritura em chamas – fotografia de fogo: Juan Rulfo, escritor e fotógrafo” in Anais Eletrônicos do VII Encontro Internacional da Anphlac. Campinas, Anphlac, 2006.

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cidade, bota e chapéu, carrega um casaco e uma máquina de escrever modelo American de 1892 – segundo especificações de John Steinbeck, ao descrever o personagem. Observamos que, ao se apresentar fisicamente diferenciado dos camponeses, Aguirre destoa do meio, não se encaixa. É possível atribuir esta disparidade física à disparidade de ideais junto aos camponeses. Segundo o próprio diretor, Aguirre é um revolucionário profissional, interessado no poder, o que busca sem escrúpulos. No entanto, é importante ter em mente que esta fala de Elia Kazan remete a uma construção, à intenção de dar ao filme um significado anticomunista na época em que era perseguido pelo macartismo. Assim, devemos ter cuidado ao direcionar nossa interpretação pelas palavras de Kazan. Fernando Aguirre representa a corrupção da Revolução, a busca incessante pelo poder, presente em qualquer local e período, em qualquer classe social, e que fada ao fracasso as tentativas de mudanças sociais. De fato, diversos personagens de Viva Zapata! acabam se corrompendo uma vez que alcançam o poder: Porfírio Diaz, Victoriano Herta, e até Eufemio Zapata. Este, insatisfeito com a miséria em que continuavam vivendo, apesar das vitórias na Revolução, toma terras e casas de camponeses. A fala de Pablo Gomez, antes de ser morto por Zapata, segue essa linha de crítica à idéia de Revolução e se refere à destruição e a corrupção que ela gera.

Nossa causa era a terra, e não uma idéia. Terras com milho plantado para alimentar as famílias. Liberdade não é uma palavra, mas um homem sentado tranqüilo em frente de casa, à noite. Paz não é um sonho! Descanso, bondade. Uma pergunta não para de me atormentar. Algo de bom pode decorrer de uma má ação? Pode a paz decorrer de tanta matança? Pode a bondade advir de tanta violência? Pode um homem cujo pensamento nasce da raiva e do ódio, nos levar à paz? Pode ele governar em paz? Eu não sei. Deve ter pensado nisso, Emiliano. Você sabe?

Segundo o discurso de Pablo Gomez, a Revolução estava caminhando por uma trilha diferente do seu início, quando se lutava pelas terras, pela justiça16. O próprio Zapata quase se deixa corromper pelo poder e pela Revolução. Quando assume o cargo de presidente, recebe um grupo de camponeses de Morelos, que acusa Eufemio de abuso de poder. É como se a audiência com Porfírio Diaz se repetisse, e Zapata faz um círculo ao redor do nome de um camponês contestador. Repentinamente pára, encara o papel, o rasga e quebra o lápis na mesa. O rosto de Zapata fica muito próximo à câmera, em seus olhos há luz, e o rosto de Aguirre, ao seu lado, aparece pouco iluminado. Este coloca a mão sobre o ombro de Zapata, como se entendesse o que aconteceu e tentasse trazê-lo de volta para seu lado. Emiliano sai, bruscamente. Note-se o recurso de iluminação usado em diferentes momentos do filme – a oposição entre Zapata e Aguirre mostra-se, além das atitudes e ideologias, na própria linguagem cinematográfica.

No roteiro de Steinbeck, as falas de um velho General reforçam a idéia da revolução como algo destruidor e interminável, caso o objetivo não seja único e grandioso: a paz. “Estou velho e posso ser tolo. Eu matei muitos homens que divergiam das minhas opiniões. Me esqueci porque fiz isso, a não ser pelo fato de serem da oposição. E me esqueci porque eles eram da oposição também. Meus amigos, em algum momento nós precisamos começar a construir a paz. Como um velho soldado, eu aprendi que há momentos em que precisamos lutar. Mas ao menos que o fim seja a paz, a estrada não tem fim e a jornada é vazia.”

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Segundo Elia Kazan, os acontecimentos foram dramatizados para a realização do filme, mas essa situação realmente aconteceu. Ele se encontrava com Villa para decidirem o destino do México, e Zapata tornouse administrador. A partir daí percebeu que estava se convertendo em uma força repressiva que dominava e sufocava a população. Não se sabe exatamente quando, mas um dia reuniu os amigos, montou num cavalo e voltou à Morelos. (YOUNG, 2000, p. 129) Assim, ao deixar o Salão Presidencial – e conseqüentemente seu cargo – Zapata recusa a corrupção do governo, e se distancia de Fernando Aguirre, um personagem ficcional que representa todos os que traíram ideais justos e democráticos com a repressão e corrupção. Outra grande mensagem do filme, além da corrupção pelo poder e da distorção da idéia de Revolução, é a manutenção de um grupo unido e coeso para lutar por reformas. Em sua fala aos camponeses, Zapata os incentiva a lutar unidos, mas sem depender de um líder – que acaba se corrompendo, mudando de foco.

Estas terras são suas. Devem protegê-las. Não serão suas por muito tempo se não as protegerem. Se necessário com suas vidas, seus filhos e as vidas deles. Não subestimem seus inimigos, eles voltarão. E se queimarem sua casa, construam-na novamente. Se destruírem seu milho, replantem. Se seus filhos morrerem, tenham mais. Se os tirarem do vale, vivam nas montanhas. Vocês procuram por líderes fortes e sem defeitos. Eles não existem. Só há homens como vocês. Eles mudam [faz um gesto se referindo a Eufemio]. Eles desertam. Eles morrem. Os únicos líderes são vocês mesmos. Um povo forte é a única força duradoura.

E assim os camponeses passam a agir de uma forma que intriga seus inimigos, aqueles que tentam destruir suas vilas e plantações. Refazem tudo o que perderam, saem das propriedades e vilarejos sem deixar rastros, passam a ser um inimigo que não se pode ver, tornam-se homens de “outra raça”.17 Zapata acaba morto em uma emboscada, fuzilado por diversos soldados. Tem o corpo exposto na praça, para que todos vejam que está morto 18. Os camponeses não acreditam que aquele homem morto seja seu líder, e ao verem Blanco (seu cavalo) nas montanhas, confirmam sua crença de que Zapata também está ali, e que retornará caso o grupo precise dele novamente.

Novamente aqui a idéia do mimetismo, muito provavelmente Steimbeck conhecia o livro O Labirinto da Solidão de Octavio Paz publicado pela primeira vez em 1949. Os textos de Rulfo foram publicados em livro somente em 1953 embora como fossem contos deviam circular anteriormente em revistas culturais. Em seguida os oficiais colocam fogo na plantação e destroem o vilarejo. 18 Sabemos que para suprimir qualquer dúvida sobre a veracidade da morte de Zapata, o governador de Morelos Pablo González, expôs o corpo na sede da polícia da cidade de Cuatla aos fotógrafos, e filmou o enterro de Zapata. 17

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A participação de Darryl Zanuck no filme se revela nesta cena. Foi idéia sua; não sei de onde havia tirado, de um velho western, suponho. E na época senti muito ter aceitado, mas agora não sinto. Penso que o cavalo branco é maravilhoso no final, [...] um momento muito bonito no filme. (CIMENT, 1998, p. 153)

Elia Kazan, em carta escrita a Robert Morsberger, afirma que o roteiro de Viva Zapata! é inteiramente resultado do trabalho de Steinbeck. “Quando a imagem diz algo, você corta as palavras. Mas todas as palavras e pensamentos importantes de John estão fielmente reproduzidos no filme”.19 Durante as filmagens, Kazan fez alguns cortes, mas fica claro que o diretor foi bastante fiel ao roteiro. Importante ressaltar que, apesar de nosso trabalho ter sido realizado em conjunto, consideramos o roteiro e o filme obras distintos, portadores de linguagens e características próprias. Ainda, não baseamos nossas conclusões nas palavras de Elia Kazan, que sempre se mostra contraditório em suas declarações. No entanto, ao analisar o roteiro lado a lado com o filme, fica claro que, de fato,

as filmagens são muito fiéis ao texto. Desde os planos indicados por Steinbeck – geral, médio, close –, as paisagens descritas por ele, os cenários, a iluminação, o posicionamento dos personagens nas cenas, sua vestimenta, atitudes, expressões, gestos. Durante as filmagens, há cortes de algumas cenas, diálogos, e em alguns casos seqüências inteiras. Além destas seqüências, alguns diálogos foram cortados ou levemente alterados, que os deixam mais funcionais e significativos. É, ainda, importante saber que Steinbeck teve acesso ao livro de Edgcumb Pinchon, Zapata the Unconquerable (1941). Um grande estudo sobre Zapata que, apesar de apresentar elementos ficcionais, resulta de uma longa pesquisa no México sobre a vida de Zapata. Desta narrativa, Steinbeck “emprestou” algumas cenas: a audiência com Porfírio Diaz, o retorno de Pablo ao México, o encontro de Zapata com Francisco Madero, e um dos diálogos entre Villa e Zapata – todas as cenas devidamente adaptadas ao estudo de Steinbeck, e escritas de forma mais dramática, segundo afirma Robert Morsberger.

Elia Kazan em carta escrita à Robert E. Morsberger, 29 de março de 1973.

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Viva Zapata!: uma obra de arte coletiva C i n e a s t a c o n s i d e ra d o a m b í g u o , controvertido, atual, Kazan é analisado sob diversos prismas. O mais comum é o prisma da delação. Há um esforço, por parte de alguns pesquisadores, em buscar aspectos da sua vida e obra anteriores que permitam a compreensão do seu ato. “A reconstituição do seu passado pode servir tanto para afirmar a formação e pertinência política com questões sociais e uma atividade artística conseqüente com esses valores, quanto para afirmar que ele os traiu – por oportunismo, anticomunismo, ou covardia”. (SCHVARZMAN, 1994, p. 128) Sobre o episódio da delação, a historiadora Sheila Schvarzman defende que Kazan não o fez por pressões externas. Ao contrário, a visão de seus filmes fornece inúmeros elementos para acreditar que Kazan preparou-se detidamente para a colaboração. (SCHVARZMAN, 1999, p.141) Em Viva Zapata!, Schvarzman vê um Emiliano Zapata impotente para realizar o que considera justo, e por isso renuncia à presidência, e torna-se perigoso para os que permanecem no poder, acaba sendo assassinado. Antes disso, porém, mata seu próprio irmão, Eufêmio (Anthony Quinn), quando este se apossa de terras dos camponeses, da mesma terra de onde eles haviam saído para combater o ditador Porfírio Diaz. Zapata deixa a presidência, e faz questão de matar Eufêmio, a quem considera um traidor, por aceitar essas regras. O assassinato pode ser visto, aqui, como o análogo da delação: se existe um mal, é preciso que ele seja extirpado, por maior que seja a dor que isso provoca. No caso, os camponeses encarregam-se de delatar Eufêmio. A Emiliano, cabe executá-lo.

É importante lembrar que o verdadeiro Zapata não assassinou irmão algum. (SCHVARZMAN, 1999, p.140) 20

Fernando Aguirre se torna uma figura chave para sustentar essa interpretação. Um revolucionário profissional, que oportunamente se alia a Zapata, e de quem tira a vida com uma traição. Suas ações mostram que o poder é a única ambição. Suas vestimentas, que o fazem destoar do cenário, sobrepõe o personagem à paisagem e aos acontecimentos, porém sem afetalos. Segundo Schvarzman, essa dicotomia enfatiza a artificialidade de sua função, a de revolucionário. Sobre a delação de Kazan, compartilhamos da opinião do cineasta e crítico de cinema Gustavo Dahl, (1958) para quem a pena aplicada ao diretor é demasiado severa. Não é lícito ignorar o comportamento moral de um artista, no entanto deve-se compreender que este comportamento, por si só, não é suficiente para notabilizar ou diminuir o valor artístico de sua obra. A elevada expressão artística de Kazan e a principal beleza de sua obra, que é estar atento ao mundo moderno através de suas faltas e erros, não deveriam ser relativizadas em relação a seu ato. As obras dos anos quarenta marcam sua evolução de diretor do social para o individual, do real para o psicológico, das atenções universais para um universo pessoal. E assim, em Viva Zapata!, retomou essa contraposição entre as ações individuais sobre as ações coletivas: Então a revolta dos camponeses mexicanos [...] fenômenos que deveriam possuir um caráter eminentemente coletivo, eram realizados por apenas um homem, que, sozinho, modificava o destino, dominava a massa e a impelia para a frente (DAHL, sem data).

O Zapata de Kazan também não assassinou irmão algum. Eufemio foi claramente morto por um dos camponeses de quem o General havia roubado terras e sua mulher.

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Por termos a intenção de relativizar o posicionamento político de Kazan em Viva Zapata!, voltamos nosso olhar a John Steinbeck, que é outra peça-chave para o entendimento mais profundo do filme. O interesse de Steinbeck pelo México e sua sensibilidade social se mostram desde o roteiro de The Forgotten Village, em 1941, sobre um vilarejo mexicano; também em La Perla, (obra que deu origem a um filme, cujo roteiro foi escrito pelo próprio autor), além de Viva Zapata! (1952). Além da temática mexicana, um de seus grandes interesses é estudar a maneira como os indivíduos agem em grupo e em resposta às influências externas, tradições, economia, características regionais, clima, sublevações sociais. Steinbeck procurava analisar o grupo, observar como o indivíduo se liga a uma unidade maior. Interessava-se, como artista, em mediar entre o grupo e o indivíduo. Ao contrário da maioria dos escritores deste século, Steinbeck foi, no fundo, um cientista, e via os seres humanos como parte de um grupo que tinha de ser considerado, em última análise, dentro de uma perspectiva ecológica geral. Alguns de seus críticos não podiam entender o que ele fazia e o criticavam por tratar, como disse Edmund Wilson numa influente crítica a As vinhas da ira, ‘ou de animais inferiores, ou de seres tão rudimentares que estão quase no nível animal’. Wilson simplesmente não admirava

a originalidade da perspectiva ‘ecológica’ de Steinbeck, contrária à tendência dominante da literatura modernista, onde (como Lawrence ou Joyce), em geral se festeja o indivíduo por sua separação da multidão (PARINI, 1998, p.61).

Foi na década de 1930 que Steinbeck passou a analisar como os fatores ambientais atingem os personagens. Em sua grande obra The grapes of wrath (1939, publicado no Brasil com o título As vinhas da ira) o destino individual é visto no contexto de pressões geopolíticas como a seca, a fome, a ganância. Sob orientação de Edward Ricketts21, Steinbeck escreveu uma monografia intitulada Argumento of Phalanx. Sempre pensamos na humanidade em termos de homens individuais. Tentamos estudar os homens e os movimentos dos homens pela minuciosa investigação de homensunidades individuais. É o mesmo que tentar racionalmente entender a natureza do homem pela investigação das células de seu corpo. Talvez se observarmos a falange, sabendo que ela é um novo indivíduo, que não deve ser confundido com as unidades que o compõem, se olharmos em retrospecto as coisas que ele faz numa tentativa de correlacionar e analisar seus hábitos sob vários estímulos, talvez possamos acabar conhecendo alguma coisa da falange, de sua natureza, de suas motivações e fins, talvez possamos até mesmo dirigir seus movimentos onde agora temos apenas enormes quantidades de fenômenos desconexos e destrutivos sem sentido. 22

Edward Ricketts foi proprietário de um laboratório de biologia chamado Pacific Biological, localizado na rua Cannery Row, cidade de Monterey, na região de Salinas. Além da influência intelectual, se tornaram grandes amigos e sócios no laboratório. Edward Ricketts serviu de inspiração para personagens de romances como Cannery Row (1945, A rua das ilusões perdidas) e Sweet Thursday (1954, Doce quinta-feira), além de ter sido co-autor na publicação Sea of Cortez: A Leirurely journal of travel and resesearch with a scientific appendiz, resultado de uma excursão feita no litoral de São Francisco e Golfo do México (Mar de Cortez), cujo objetivo era escrever um guia ecológico da região. Susan Shillinglaw, diretora do Center for Steinbeck Studies, na Universidade Estadual de San Jose, considera o livro uma rica mescla de observações científicas, meditações filosóficas e incidentes bem-humorados, complementada por uma compilação, efetuada por Ricketts, dos espécimes descobertos na viagem. 22 Segundo Parini, o termo falange é usado por Steinbeck de uma maneira quase científica, e refere-se ao comportamento grupal de qualquer tipo. Oriundo da palavra latina para tartaruga, refere-se às legiões romanas que, ao erguerem os escudos acima das cabeças ao mesmo tempo, pareciam tartarugas. A tese central de Steinbeck é de que os homens em grupo, como todas as unidades compostas de partes individuais, se relacionam, são funcionais umas às outras e contribuem para a estrutura do todo. Importante observar que, quando falamos na teoria de Steinbeck aplicada ao “comportamento grupal de qualquer tipo”, sabemos que ele diferenciava o comportamento humano, individual ou grupal, do comportamento animal, individual ou grupal. Steinbeck se utilizava de analogias para trabalhar e expor seu pensamento. A monografia Argumento f Phalanx foi escrita por Steinbeck em 1934, está disponível no arquivo da Universidade de Stanford. O trecho reproduzido no corpo do texto foi citado por PARINI, Jay. John Steinbeck: Uma biografia. Rio de Janeiro: Record, 1998. p. 132. 21

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Ainda nos anos trinta, a obra Tortilla Flat (1935, Boêmios Errantes) traz a reflexão sobre a falange, mostra nos personagens um comportamento individual avaliado de acordo com o código grupal. “A sagrada confiança da amizade seria, e tinha de ser, mantida”, analisa Parini (1998). Assim, no momento em que é abalada a confiança, a punição deve ser severa, “código é código”. Percebemos que seu pensamento em relação ao comportamento e fidelidade grupal, já presente nas obras dos anos trinta, nos remete a seu Emiliano Zapata, criado quase duas décadas mais tarde. O revolucionário, em Viva Zapata!, se mostra fiel aos códigos de comportamento do grupo de camponeses que lutam pela recuperação de suas terras, e pune severamente os desvios de seu amigo Pablo Gomez, que havia sido considerado traidor após ser visto com Francisco Madero, que se tornara um inimigo da Revolução Mexicana. Sobre Tortilla Flat, Parini analisa: O romance transcende o estudo da agitação social e da opressão dos pobres, chegando a um estudo do [...] ‘homem escatológico’, uma criatura com uma terrível dualidade de motivações: um violento ressentimento contra as forças sociais que o espoliaram de seus direitos; e um apaixonado apego à esplêndida visão de uma era futura, quando se houver transformado para sempre na paz de uma comunidade sem classes o furioso conflito gerado pela injustiça. (PARINI, 1998, p. 201)

Podemos, no mínimo, traçar diversos paralelos entre o comportamento dos grupos e do indivíduo nas duas obras – Tortilla Flat e Viva Zapata!. Ao analisar mais profundamente suas obras de semelhante temática, a inserção de Viva Zapata! em um rol de trabalhos voltados para a análise sociológica fica bastante clara. Sua “teoria da falange” se insere em Viva Zapata! – o comportamento do homem 48

grupal, o papel do indivíduo em meio ao todo. Zapata encontra sua força e motivação para lutar com os camponeses através de seu apoio e dedicação como grupo. Ensinaos a manterem-se unidos para combater as injustiças sem a necessidade de um líder. Quando ele é morto, os camponeses já aprenderam a fazê-lo – tornam-se uma “raça superior”, que cuida de sua terra a despeito da opressão. Podemos concluir, através desta breve análise de Viva Zapata!, que a obra traz inúmeras possibilidades de análise e diversos caminhos a serem ainda percorridos. Como resposta às análises que observam ao filme como um posicionamento político de Kazan, tivemos como objetivo mostrar a riqueza de sua produção, além da intimidade que existe entre a formação e amadurecimento de Kazan e Steinbeck e suas obras com as temáticas presentes em Viva Zapata!. É, de fato, inevitável perceber as oposições entre o jornalista Fernando Aguirre e o revolucionário mexicano Emiliano Zapata: mostram diferentes ideais, interesses, formas de agir, de se posicionar, até de se vestir. Aguirre não se encaixa entre os camponeses e não manifesta igual simplicidade. Se interpretarmos Aguirre a partir da recorrente dualidade bem/mal ou capitalismo/ comunismo, ele será uma personificação do comunismo claramente oposto – e pior – ao idealismo democrático de Zapata. Porém, devemos enxergar as complexidades existentes no filme lembrando que o roteiro foi escrito por John Steinbeck, e nesse momento Fernando já é um personagem sedento de poder e propício a traições. Como diretor, certamente Kazan tem a liberdade e condições para reforçar a oposição entre os personagens durante as filmagens, através de elementos fílmicos. No entanto, nem o Zapata de Steinbeck nem o de Kazan são idealizados – tal como acreditam

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as críticas que associam Zapata a uma representação do idealismo norte-americano. Muito pelo contrário, o revolucionário é humano, cheio de dúvidas, e tem na violência sua arma para lutar contra as injustiças sociais. Aguirre busca o poder, assim como os outros Generais a quem acaba aliado. Talvez a crítica do filme, tanto de Kazan como de Steinbeck, se direcione à Revolução, à forma que ela corrompe, ao ódio que traz, às perdas – por vezes sem ganhos. Assim, acreditamos ser reducionista considerar Viva Zapata! portador de uma mensagem anti-comunista, proferida por seu diretor Elia Kazan, quando na verdade todos os envolvidos podem ser vistos neste filme. Por outro lado, seria imprudente ignorar a delação de Elia Kazan e a importância do personagem fictício Fernando Aguirre. Ele é alguém que vem de fora, que destoa da luta dos camponeses desde as vestimentas até os ideais, finge alianças, trai e muda de lados, não está preocupado com os homens do campo e utiliza-se de sua luta para alcançar o poder. Representa algo oposto à Zapata, algo que não faz parte da justiça visada pelo líder camponês. Referências bibliográficas e fílmicas ARNAL, Ariel. Construyendo símbolos – fotografía política em México: 1865-1911. Estudios Interdisciplinares de América Latina y el Caribe – EIAL, Tel Aviv, v.9, n.1, ene-jun., 1988. AUGUSTO, Sérgio. Kazan humaniza Zapata em versão trotskista. Folha de São Paulo, 13 de agosto de 1990, Caderno Ilustrada, página E-4. BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. A fotografia a serviço de Clio: uma interpretação da história visual da Revolução Mexicana (1900-1940). São Paulo: Ed. UNESP, 2006. ______. “Escritura em chamas – fotografia de fogo: Juan Rulfo, escritor e fotógrafo” in Anais Eletrônicos do VII Encontro Internacional da Anphlac. Campinas, Anphlac, 2006.

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DOI: 10.5433/2237-9126.2011anoVn9p51

El Imaginario Demoniaco: de la Mesopotamia a America

Beatriz Rossells Estudios en París VIII, Vincennes; Universidad de Cambridge, Inglaterra y en la Escuela de Altos Estudios en Ciencias Sociales (París). Profesora e investigadora en el Instituto de Estudios Bolivianos de la Universidad Mayor de San Andrés, La Paz. Ha publicado “Caymari vida”. La emergencia de la música popular en Charcas; La gastronomía en Potosí y Charcas siglos XVIII al XX; El carnaval de la Paz (siglo XX).

Resumen

Frente a la persistencia subyacente de las creencias paganas o su influencia en las grandes religiones históricas (judaísmo, critianismo, islamismo), este artículo analiza algunas figuras y representaciones importantes desde el imaginario mesopotámico y el Medievo europeo que se han integrado en el complejo imaginario de la América hispana colonial principalmente en la pintura religiosa y danzas mestizas. En Bolivia se encuentra estas huellas especialmente en las ricas pinturas de las iglesias rurales de Caquiaviri y Corocoro (La Paz) pertenecientes al barroco americano de los siglos XVII y XVII. Asimismo en la presencia del diablo, Satanás, los demonios y ángeles en una de las más importantes danzas de este país, la Diablada, que tiene vigencia en el siglo XXI con varias modificaciones: La paternidad de esta majestuosa danza es disputada por Chile y Perú. Palabras clave: imaginario demoniaco; dioses mesopotámicos; diablos medievales; diablos barrocos americanos; Bolivia.

Abstract

In the context of pagan religious beliefs that have survived in the main religions (judaism, cristianism, islamism), this article analizes some important representations from de imaginary of Mesopotamia and the european Medieval period integrated in the complex imaginary of arts, mainly religious painting, and “mestizo” dances in Colonial Hispanic America. In Bolivia, this traces are represented specially in the astonishing paintings in Caquiaviri and Corocoro rural temples (La Paz). They belong to the american Baroque style between the seventeenth and eighteenth centuries. Satanás, demons and angels are almost alive in XXIth century in one of the most important dances in this country, La Diablada, certainly modified. The neighbors, Chile and Peru claime as well the paternity of this majestic dance.

Recebido em: 15/09/2011

Aprovado em: 10/10/2011

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Beatriz Rossells

El Imaginario Demoniaco: de la Mesopotamia a America

Es valioso el aporte de Carlos Arboleda. Recuerda que “la religión pagana subyace a las grandes religiones históricas (judaísmo, cristianismo, islamismo)”. La importancia de esta recurrencia al pasado tiene relación con la crisis de la teoría de la secularización y la crisis de las religiones de la historia, renace o reaparece la religión del cosmos, de la naturaleza <que> había sido sepultada con los racionalismos, la concepción lineal de la historia y el sentido del desarrollo del poder civil (ARBOLEDA, 2011, p. 253).

Este conocimiento no es nuevo pero es un insumo directo para lograr una mirada de largo plazo de la historia que hace posible vincular el pasado y el presente, y pese al peligro de ser un tanto subversiva permite las interpelaciones pertinentes y desata los límites generalmente herméticos de la historia del arte religioso del período colonial. Esta parte del patrimonio artístico barroco de Bolivia y de muchos países de América Latina suele ser una base monumental. Paradójicamente forman parte del mismo preciado patrimonio cultural las actuales danzas folklóricas, muchas de ellas basadas en el período colonial y las tempranas mezclas con las culturas nativas. En algunos lugares de América Latina, varios países conservan entre sus danzas principales las figuras de ángeles y diablos. En Bolivia, Perú y Chile existe una disputa por la originalidad de la danza de la Diablada lo que resulta un tanto asombroso en el siglo XXI, dado el predominio de la tecnología, la globalización y el imperio de 52

otros valores distintos a los que se incubaron en el período medieval del cual el Diablo es un personaje por excelencia. Este es el interés del presente trabajo elaborado con metodologías de la Antropología y la Historia. Los antiguos dioses mesopotámicos Es necesaria por lo tanto, la mirada contemporánea y de la historia retrospectiva en cuanto a la fascinante figura del Diablo y su permanencia hasta el siglo XXI en forma de creencias y representaciones en América Latina, aunque conociendo su antigüedad es pertinente retrotraer el interés hacia un pasado remoto. No solo se trata de los rastros de la religión pagana más próximos a la aparición del Cristianismo, la romana, sino de civilizaciones anteriores desde la Mesopotamia que comprende las mitologías sumeria, asiria y babilónica. Un reconocimiento comparativo de los principios y sistemas religiosos de los antiguos nos enseña cuan cercanas pueden verse religiones tan distantes en la historia. Belcebú o Beelzebub, derivado de Baal Zebub que era el nombre de una divinidad filistea (Deidad de los ejércitos), posteriormente asimilada a la tradición cristiana. Los sumerios construyeron una religión politeísta y dioses antropomórficos; buena parte de las historias y mitos de la religión sumeria son similares a las religiones de Medio Oriente, tal como la civilización griega. Todas ellas, con el zoroastrismo ario y el cristianismo,

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imaginaron los dioses del bien, constructores positivos del mundo y responsables del orden, incluidos los ángeles. Y los dioses del mal, monstruosas, esperpénticas figuras zoomorfas o antropomórficas, algunas confunden ambos reinos: leones con cabeza humana, seres alados de varias cabezas y patas de reptiles. Hay una gran relación entre las creencias etruscas y las griegas. Hades y Perséfone son Eita y Phersipnai. Las pinturas constituyen toda una demonología etrusca. El personaje de Charun, es una muestra de esta mitología: Si su nariz ganchuda hace pensar en un ave de presa, y sus orejas en un caballo, sus dientes rechinantes, en los monumentos en que el rictus cruel de sus labios los deja al descubierto, evocan la imagen de un animal de presa, dispuesto a devorar a sus víctimas (F. DE RUYT, 1999).

Baal, Belcebú o Beelzebub, divinidad filistea, fechada entre los siglos XIX y XVIII a.C.

Charun posee además garras, ojos fieros, enormes alas negras, piel descolorida y serpientes en torno del brazo. En el imaginario mesopotámico se configuraron los primeros demonios, guiados por la diosa Tismat o Tiamat, diosa/monstruo primitivo y maléfico de la mitología babilónica, principio femenino, representado por el mar (ELIADE, 1999). Las alas son atributo indiscriminado de los dioses. La imagen del relieve asirio con genio alado, 883-859 a.C., (Museo Barracco. Roma), las posee al igual que Lilith, la primera mujer de la creación, de complejo significado perteneciente a la Antigua Babilonia, Sur de Irak (1800-1750 a.C). Es una bella mujer con alas, garras, acompañada de lechuzas y grandes felinos.

Lilith (Babilónico-hebrea) Terracota con restos de policromía Período de Isin-Larsa y Babilonia o Babilónico Antiguo, British Museum, Londres.

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Numerosos términos y conceptos de Oriente son heredados por Occidente entre ellos el de los ángeles caídos. Asimismo la religión y cultura hebreas reciben la influencia de egipcios y babilonios por el contacto producido durante los períodos de cautividad (GIORGI, 2004). El demonio y el infierno en el imaginario europeo Es en la Edad Media cuando se configura la representación más característica de Lucifer, que arrojado hacia el hemisferio austral, se encuentra en el subsuelo de la tierra. La iglesia impuso el pensamiento aristotélico con las precisiones de Santo Tomás durante el siglo XII, un Infierno subterráneo horrible interpretado por los artistas. Una temprana representación muestra un oscuro demonio en la clásica escena de La primera tentación de Cristo, h, 1222. El demonio tiene rasgos bestiales, cuernos, cola y pies palmeados, señala con el dedo una piedras pidiendo a Jesus que las transforme en panes. En la otra mano lleva un instrumento de tortura. Por su pertenencia a la Edad Media sigue la extendida iconografía del demonio de piel oscura, cubierto con un faldellín. Otro demonio de piel oscura, en realidad negra, es el de Duccio di Buoninsegna, Tentación en el monte (1308-1311), situado frente a un espacio urbano encima de unas rocas, el diablo ofrece a Cristo poder sobre todos los reinos de la tierra en caso de adorarlo. El demonio es representado a menudo por bestias como el dragón, feroz y venenoso, cuyo aliento pestífero puede matar a poblaciones paganas, éstas aterrorizadas al ser derrotada la bestia por el legendario San Jorge, se convierten al cristianismo (GIORGI, 2004). En un frontal temprano de Santa Margarita

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de Vilaseca (1160-1190) el dragón de varias cabezas aparece ante la santa, encarcelada por defender su fe. En La batalla entre los ángeles y el dragón ilustración del Apocalipsis, del siglo XIV, tres diablos cabalgan sobre el dragón. Son horribles, de cuerpo peludo, patas de cabra y cuernos, pero tienen una sonrisa ridícula. El dragón tiene solo dos patas, siete cabezas y una larga cola. Entre el siglo X y XI, en Conques, Aveyron, un pequeño pueblo de Francia, luce en su monasterio de Sainte Foy, el Juicio Universal, en el que se representa todos los pecados como seres demoniacos con forma de animales. A la derecha, se encuentra un reptil gigante tratando de devorar a los seres humanos. Esta figura la encontraremos más tarde en la iconografía del barroco mestizo en territorio del Alto Perú. Otro detalle del tallado en piedra del monasterio es Satanás, señor del Infierno, sentado sobre un trono, según el modelo iconográfico del siglo IX, rodeado de otras bestias, aplasta con los pies a un pecador y lleva serpientes enroscadas. La obra de Dante Alighieri (1265-1321), La Divina Comedia, epopeya alegórica escrita entre 1304 y 1320, es considerada una de las obras maestras de la literatura italiana y mundial, una de sus virtudes es que está situada en la transición del pensamiento medieval al renacentista. Los versos de Dante tendrán una influencia decisiva en la configuración posterior de las características del infierno y del demonio, describen a éste como un ser mostruoso. Su guía, el poeta Virgilio, le dice: “He ahí Lucifer....y he aquí el lugar donde es preciso que te armes de fortaleza“, Dante “helado y atónito“ responde: ¡Que asombro tan enorme me produjo cuando vi su cabeza con tres caras! Una delante, que era toda roja:

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El Imaginario Demoniaco: de la Mesopotamia a America Las otras eran dos1, a aquella unidas Por encima del uno y otro hombro, y uníanse en el sitio de la cresta; ................................................... Bajo las tres salía un gran par de alas, tal como convenía a tanto pájaro: velas de barco no vi nunca iguales. No eran plumosas, sino de murciélago Su aspecto; y de tal forma aleteaban, .............................................................. que tres vientos2 de aquello se movían: En cada boca hería con los dientes ..................................................... Entre pelambre hirsuta y costra helada. ......................................................

Los demonios imaginados por Dante comparten rasgos bestiales y humanos, lo que los hace más temibles y misteriosos, faunos poderosos con múltiples alas de murciélago, cuernos y orejas de animal, colas y garras, seres barbudos y velludos, con gruesas pieles escamosas de batracios y colmillos de jabalí. Los temas en los que aparece el demonio en el arte de la época son imaginativos. Giotto en su lienzo del Juicio Universal (h. 13031306, concibe un gigantesco demonio de grandes cuernos, devorando las almas de los condenados, colabora en la tarea un enorme saurio. Otro Satanás, señor de los Infiernos, de grandes proporciones con corona en la cabeza, tendido sobre una parrilla de fuego, devuelve al mismo a las minúsculas almas que intentan huir, varios demonios más oscuros ayudan en la tarea. Se trata de La parrilla infernal de los Hermanos Limbourg h. 1416, los demonios son una mezcla de murcielágos y caprinos. Michael Pacher, en el lienzo El diablo sostiene el misal a san Agustín (detalle del altar de los Padres de la Iglesia), h. 1480, pinta un diablo verde, rasgos antropomorfos,

delgados brazos y cuerpo, pero las patas, la cola y cuernos son zoomorfos, el cuadro lleva aún los rasgos de la tradición medieval, alas de dragón y piel anfibia. Lo más curioso es que tiene un segundo rostro en el trasero. Todavía el San Miguel y el dragón de Rafael, 1505, presenta caracteres zoomorfos en la escena de la lucha del arcangel con un dragón de cabeza canina y cuernos, de grandes alas plumadas y varias bestias que intentan defenderlo. De la segunda mitad del siglo XV, es Políptico de san Miguel arcángel de Francesco Pagano, aquí el dragón del Apocalipsis se ha transformado en el demonio: imagen de facciones mitad humanas con un gesto de maldad aunque el resto del cuerpo es zoomorfo, sus miembros llevan garras, el cuerpo alas espinosas de dragón y una larga cola. El arcángel lleva armadura como comandante de las huestes celestiales. Esta es la iconografía occidental más extendida, derivada del texto del Apocalipsis (GIORGI, 2004, p. 165). Del mismo período es San Miguel expulsa a Lucifer de Lorenzo Lotto, 1550. En esta representación hay varias innovaciones, la figura de Lucifer, sorprendentemente es la semihumana de un ángel en su vergonzosa desnudez, cayendo del cielo. Su rostro es parecido al del arcángel como si fuera el otro rostro de Miguel, éste ataca al demonio con una larga espada y se encuentra en posición de volar, lo que es una innovación en cuanto a otras posturas acostumbradas (Ibid, 2004, p. 248-249). Un ejemplo más de la representación del demonio vencido por Miguel: aquí lleva rasgos semihumanos, mezcla de fauno, orejas de animal, cuernos,

Los colores de las tres cabezas eran roja, amarilla y negra, entendida la metáfora de muy diversas maneras: unos autores consideran una parodia de la Trinidad; otros, las tres partes conocidas del mundo en esa época: el rojo los europeos; el amarillo, los asiáticos y el negro, los africanos. 2 Los tres vientos podían simbolizar los tres vicios generadores de todo mal: la soberbia, la envidia y la avaricia en La Divina Comedia, Dante Alighieri. Versión directa del italiano por M. Aranda Sanjuan. Editorial Vosgos, S.A. Barcelona, 1978. 1

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barba de cabra y grandes patas con garras y gigantesca cola. Es San Miguel atraviesa al demonio de Perin del Vaga, 1540. En Las tentaciones de San Antonio, Mathias Grünewald (1512-1516) trata el primordial tema del diablo tentador que aparece en en el lienzo en dos situaciones, como un supervisor de la acción acometida por varios monstruos y en otra, con cuernos y alas de murciélago, además, están otras bestias, un enorme pájaro del bestiario medieval y un basilisco con cuerpo de gallo que clava los dientes en la mano del santo, todos empeñados en vencer al virtuoso anciano. En el siglo XV, los famosos pintores del Quattrocento, primera fase del Renacimiento, ilustran con magnificencia la figura del demonio. Las ilustraciones realizadas por Giovanni Stradano3 de La Divina Comedia de Dante, especialmente las del Infierno son particularmente tenebrosas. Corresponden recién al siglo XVI, entre ellas está la escena protagonizada por el poeta romano Virgilio

mostrando el infierno a Dante. El fuego rodea las murallas del recinto y los demonios están apretados entre sí, mientras los condenados se hunden en una especie de mazamorra con solo los ojos elevados hacia la imposible salvación. El poeta llega al sitio donde las sombras se hallaban completamente cubiertas de hielo, pero se podía ver a esas criaturas espantosas. Bestias peludas, aladas, con barba, cuernos y cola, erguidas en dos patas en actitud de reclamo (Canto12). En otra escena hay tres diablos de cuatro patas, especie de perros de mirada humana, rodeados por miles de cuerpos desnudos amontonados uno sobre otro condenados por el pecado de lascivia (Canto 5). Una siguiente escena muestra las riñas entre demonios (Canto 22). Finalmente aparece el Maligno:.. El emperador del doloroso reino salía fuera del hielo desde la mitad del pecho...de cuerpo robusto, tres pares de alas, barbado y con cuernos. El rostro casi humano (Canto 34).

El Infierno, ilustraciones de Giovanni Stradano de la Divina Comedia de Dante (Canto 12) 1587. 3

Jan Van der Straet (llamado Giovanni Stradano o Stradanus) (Brujas, 1523 – Florencia, 1605)

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El Maligno en el Infierno, ilustraciones de Giovanni Stradano de la Divina Comedia de Dante, (Canto 34) 1587.

El diablo en el Nuevo Mundo Mientras en Europa, el Renacimiento y la cultura ilustrada pondrían en crisis el orden religioso hasta el siglo XVIII, éste es trasladado a América. La llegada y Conquista del Nuevo Mundo por los españoles vendría a causar una hecatombe para las civilizaciones americanas, en todos los campos, la economía y organización política, pero no fue menor el daño en el campo de la cultura y la religión, las creencias, mitos y prácticas rituales, pues la administración colonial pretendía eliminar lo existente para imponer lo propio. El rechazo español a los componentes culturales americanos venía precedido de sus triunfos, después de siglos, con la expulsión de los árabes y los judíos de territorio hispánico y la correspondiente hegemonía de las creencias cristiano romanas. Ya se había dado en décadas anteriores la persecución a quienes no abrazaran la misma fe y creencias y las exigencias de limpieza de sangre en una combinación de racismo e intolerancia religiosa extrema. En la Conquista de América,

la angurria por los metales preciosos era acompañada por la convicción de que había que salvar las almas de los indígenas. No había que exterminarlos sino convertirlos al cristianismo para explotar la mano de obra en minas y encomiendas. Al ejercer esta cruzada de evangelización, España se convierte en el baluarte inexpugnable del catolicismo europeo y con la espada y la cruz abre brecha en el extenso territorio americano encontrado como un gran enemigo a vencer, las religiones nativas son consideradas inmediatamente como demoníacas. Es conocido todo el proceso de destrucción de templos y de objetos de la religiosidad en valiosa platería, joyas de oro y piedras preciosas, además de elaborada alfarería, conocido como la “extirpación de las idolatrías”. Estos personajes – los demonios – se convirtieron en una especie de obsesión re p re s e n t a t i va d e l o p e c a m i n o s o y condenable, de ahí que su presencia sea tan fuerte en los tres siglos de colonia y hayan pasado a la historia del arte por medio de la gran producción de pintura barroca en las iglesias urbanas y rurales. A la larga, en su fanatismo religioso los españoles crearon el mito del diablo-héroe, según Carvalho Neto, pues su figura y su nombre encarnó la resistencia desde los diferentes frentes que actuaban, las actividades de los hechiceros, el significado de las huacas (símbolos sagrados), los rituales, música fiestas y bailes y toda clase de actos incluso secretos que intentaban frenar la destrucción total de sus valores religiosos en una especie de movimiento contracultural (CARVALHO NETO, 1964). Es fundamental conocer que la transferencia del imaginario europeo relativo al más allá, a los misterios de la vida y la muerte, los pecados, castigos, cielo e infierno a las colonias americanas se realizó bajo los

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fundamentos ideológicos de los concilios de la iglesia católica (Concilio de Trento 15451563 y Limense 1582.-1583) que pretendían la evangelización de la población nativa. Las dificultades reales existentes llevaron a los administradores a plantearse la transmisión de los conceptos cristianos por la vía de las imágenes que resultaron eficaces en primer lugar por el analfabetismo de los indígenas y buena parte de la población en general. Esto significó la llegada y amplia difusión de la pintura religiosa europea principalmente en los templos y poblaciones de indígenas y en las ciudades, en las parroquias destinadas a esta parte de la población. Las temáticas del Juicio Final y las Postrimerías del hombre o Novísimos fueron objeto de numerosas reproducciones como paradigma de la palabra divina sobre el problema del bien y el mal transmitidas como mensajes en las técnicas de la pintura andina del fresco o la pintura sobre lienzo para servir de comunicación visual masiva (GISBERT, 2010). La temática de las Postrimerías se refiere al desenlace de la vida humana. El origen de su representación se encuentra en la obra de Dante Alighieri La Divina Comedia del siglo XIII que realiza una relación literaria sobre el Infierno, el Purgatorio y el Paraíso. Desde el campo de lo pictórico no hay duda de la influencia del Bosco (14501516) donde aparecen los cuatro motivos de las postrimerías (muerte, juicio, infierno y paraíso) puerto final de la vida humana.

Bajo esta influencia se realizan en pueblos y ciudades de la actual Bolivia, extraordinarias obras de arte. La pintura creada en estas tierras adquiere una expresión propia que permite revisar los cambios con relación a los originales europeos. Es muy probable que esa enorme difusión pictórica con el mensaje de la nueva fe hubiera generado curiosidad e incluso fascinación entre los indígenas adoctrinados, convirtiéndose de esa manera la obra pictórica en un eficaz medio de explicación didáctica (LANDA, 2005). Entre todas ellas, las iglesias de Carabuco (1684) y Caquiviri (1739) sobresalen por las extraordinarias series de cuadros que poseen, pues cubren toda la nave del templo. El maestro pintor de Carabuco es Joseph de los Ríos. Por la temática de este trabajo, nos interesa el tratamiento de los diablos, por lo tanto, el cuadro de mayor interés es el del “Infierno” de la serie las “Postrimerías”4. El cuadro, como los otros símiles mencionados, es una aglomeración de cuerpos desnudos sometidos al suplicio por un ejército de demonios con distintas características: todos llevan cuernos, algunos además orejas enormes y alas de murciélago, narices picudas, enormes fauces de bestia. Está dirigido a transmitir el “horror sempiterno” de los adoctrinados Pero, tiene una interesante especificación cultural, en la parte superior aparecen diablos indígenas o indígenas y criollos siendo tentados por demonios.

Sorprendentemente, según las investigaciones de Teresa Gisbert, es igual a un mural del Juicio Final situado en otro continente, en una iglesia de Ispahán (Irán) y similar a una pintura de una iglesia de Ledesma, España. Esto se debe a la existencia de estampas como fuentes gráficas de los principales “Juicios Finales”, con textos alusivos a la temática, distribuidos desde Europa en este caso hacia América y Asia, lo que indica la existencia de políticas de distribución de estos grabados con fines de catequización y enseñanza religiosa entre los siglos XVII al XIX (GISBERT, 2010).

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El infierno de la serie de las Postrimerías, (detalle) Iglesia de Caquiaviri, 1739, Autor anónimo, La Paz, Bolivia

Indígenas diablos e indígenas tentados. El infierno de la serie de las Postrimerías, (detalle) Iglesia de Caquiaviri, pintado en 1739, Autor anónimo, La Paz, Bolivia

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La serie de las “Postrimerías” de la Iglesia de Caquiaviri es también una espléndida obra de autor anónimo, realizada en 1739. Está compuesta por cinco lienzos: Muerte, Juicio, Infierno y Gloria además de otro sobre el Anticristo”. Es notable la asimilación de las representaciones por los pintores locales, específicamente de ciertos elementos que corresponden a la iconografía medieval como la boca del gran monstruo tragando a los pecadores (GISBERT, 1997, p. 91) y diversos personajes representando a demonios de

variadísima especie y de bestias espantosas de tierra, aire o mar en forma de perros, insectos, monstruos marinos como Leviatán y otros. En su obra El primer nueva crónica y buen gobierno (1600-1615), Felipe Guamán Poma de Ayala dibuja a Leviatán o boca del infierno devorando pecadores, tanto criollos como indígenas y mestizos recibidos por un diablo, y otros que tocan cuernos además del Príncipe de las Tinieblas con hocico, garras, cuernos y orejas, están anotados en la propia boca los pecados principales.

El infierno de la serie de las Postrimerías, (detalle) Iglesia de Caquiaviri, pintado en 1739, Autor anónimo, La Paz, Bolivia.

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Felipe Guamán Poma de Ayala, Leviatán o boca del infierno en El primer nueva crónica y buen gobierno (1600-1615)

En la pintura de la Muerte de Caquiaviri, opuesto al lecho del hombre ”justo” está el del “pecador”, rodeado de diez diablos que representan los siete pecados capitales y portan los símbolos relacionados con ellos: los del poder, de la vanidad, la lujuria, mientras el Ángel huye. Un diablo volador brinda en un “kero”. Esta misma visión está representada en un detalle de Guamán Poma de Ayala. La figura de Capac Yupanqui Ynga enseñando a brindar en honor de su padre el sol, de la misma forma en que le habían enseñado los demonios y por encima el demonio volador realizando esta ofrenda. Aparecen en la pintura dos indios de Pacajes cometiendo el pecado de idolatría al adorar a un macho cabrío brindándole coca y chicha destacando de esa manera a quienes se dirigían estas imágenes.

Las bestias demoníacas, de la Muerte de Caquiaviri son mitad diablo, mitad animal tienen patas equinas, grandes cuernos, orejas, garras, colas y picos. Algunos diablos tienen un rojo encendido al igual que los de la parte superior derecha. En el lienzo del Juicio Final de la misma iglesia de Caquiaviri, debajo del cielo con la efigie de Dios, Cristo y ángeles triunfales, está la del Arcángel sometiendo al diablo. A la derecha es el pleno reino del infierno con la boca de Leviatán engullendo gentes con la ayuda de diablos de alas negras. Otra fuente importantísima en relación al demonio es Guamán Poma de Ayala, lo representa adorado por un hechicero inca, un demonio con los atributos europeos, alas, cuernos, orejas, garras y cola, sentado sobre el fuego. La pintura de Pérez de Holguín en Potosí sobre la misma temática es otra extraordinaria obra de arte con la influencia medieval y flamenca de la composición matizada por un toque barroco. En la parte superior siguiendo la normativa se encuentra Cristo, y a la izquierda todas las legiones de ángeles, santos y órdenes religiosas. En medio el purgatorio, y no faltan algunos indígenas con vestimenta propia. Debajo se encuentra el infierno con las conocidas escenas de Leviatán-Lucifer y los pecadores con sus penas correspondientes. Los engendros con cabeza de animales domésticos, cerdos, asnos pero dotados de colmillos y representando pecados y vicios, más el macho cabrío, un horroroso sapo, y un demonio dotado de una gigantesca cabeza de gallo, arranca la lengua de un condenado mientras lleva una serpiente –el orgullo- arrollada en el cuello. Sobresalen dos dragones que despedazan un hombre. Es notable esta presencia que probablemente quedó en el imaginario colonial también presente en otras pinturas.

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Los diablos danzantes de América En la desigual lucha por el poderío militar y político planteado durante el periodo colonial, los indígenas fueron aparentemente vencidos, pues todos los mecanismos se pusieron al servicio de la ideología y cultura dominantes. Las ceremonias y fiestas con motivos fastos o nefastos de la península, las fechas religiosas católicas principalmente el Corpus Christi, máximo esplendor del cristianismo fueron tomados como excelentes espacios para la consagración del orden reinante con estrategias que comprometían a la población entera, desfiles por las calles, procesiones religiosas que debían contar con el engalanamiento de la ciudad con arcos y arreglos florales, alfombrados, espectáculos de luces, carros triunfales, todo ello a cargo de las diferentes organizaciones y gremios de la ciudad. Criollos, mestizos e indígenas, autoridades, órdenes religiosas, funcionarios administrativos, gremios, tropa militar, participaban en su debido espacio, con vestimentas músicas e instrumentos propios, creándose la ilusión de una integración general cuando se trataba de la legitimación del poder. Esas fiestas y todas las actividades eclesiásticas fueron espacios válidos para albergar la dialéctica confrontación entre el bien y el mal, temática fundamental que los misioneros buscaban incluir en las ceremonias del proceso de aculturación que se llevaba adelante: L a re p re s e n t a c i ó n p ú b l i c a d e a u t o s sacramentales en los días de fiesta era una costumbre especialmente para Corpus. Se levantaban tablados para tal propósito. Los espectáculos teatrales sobre los misterios, farsas y moralidades eran un momento especial para contemporizar con Dios y el Diablo. En el escenario actuaban un conjunto de personificaciones, abstractas como las 62

virtudes, los vicios, como misteriosas como los santos y apóstoles, ángeles y demonios, dragones, y muchos otros, junto con los actores de piel y hueso que personificaban a seres vivos, en alegres bufonadas con ampulosos diálogos clericales y exaltaciones a la Divina Eucaristía (GUERRA, 2008, p. 187).

Y fue esta la celebración sin duda más propicia para ser trasplantada a América como liturgia de carácter popular capaz de arrastrar con su brillante magia la imaginación del indígena, haciéndole además partícipe enmascarado de esos personajes que quería el cristianismo subrayar como enemigos de la iglesia (GUERRA, 2000, p. 188).

Es fundamental la argumentación de Ramiro Guerra en relación a la transferencia de costumbres ya establecidas en España en torno a la celebración del Corpus y la actuación de diablos y ángeles. En América, el paganismo de los infieles fue el contexto ideal para aplicar esta figura del diablo medieval que en la España renacentista ya no estaba en vigencia, salvo entre los evangelizadores, creándose una nueva tradición popular que se gestaba en los procesos transculturantes. Los diablos del Corpus, con sus maravillosas danzas, inauguraron un capítulo de la cultura popular que aún se mantiene en vigor en toda América Latina y el Caribe, impulsado por la dominación fundamentalmente española sobre los estratos indígenas y africanos sometidos a la metrópoli (Ibid, p. 188).

En las capitales de las ciudades iberoamericanas empezaron a celebrarse regocijos, danzas y comedias en las fiestas del Corpus que se convierten en escenarios “de diablos, diablitos y diabladas donde la danza ocupa un primordial valor dentro del contexto cultural a que nos referimos”; la región del Caribe fue prácticamente inundada de enmascarados. Las calles coloniales de las

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ciudades de Cuba vieron danzar a hechiceros africanos en la fiesta de Reyes, con el nombre de “diablitos”. Diversos autores nombran las ciudades más antiguas en celebrar el Corpus en América: Santiago de Cuba en 1520, México en 1526. En diferentes lugares de Cuba los negros hacen su aparición en calidad de diablitos. Ellos usaban tambor y bailaban a la manera africana, tanto en Trinidad como en las calles de San Juan, San Pedro y San Pablo. En el pueblo de Chuao, costa central de Venezuela, fundado en el siglo XVI, se celebraba el Corpus Christi con danzas de diablos enmascarados. En los rituales se mezclan dramatizaciones y creencias del medioevo español con aspectos de la medicina mágica de África Occidental Central. Según Carmen Elena Alemán El vigor de la festividad de Corpus reposa en la ambivalencia, en la ambigüedad [...] La fe en esa fuerte y peligrosa religión en la cual Satanás es domesticado a través de su sumisión a Jesucristo…proporciona a la comunidad instrumentos de socialización, educación, crítica y establecimiento de un consenso moral5.

Hoy, los diablos del Yare de Venezuela mantienen máscaras muy vistosas y se realizan encuentros nacionales de Diablos Danzantes en el país. Los diablos bailan en la actualidad en diversos estados de Venezuela, entre ellos, los de NaiGuatá. Los diablos del Yare llevan máscaras de papier maché, y actualmente su vestimenta es de color rojo, están organizados como promesantes y el aspecto religioso es central. La música de acompañamiento es solo instrumental con caja y tambor. En muchos otros países de Hispanoamérica aparecían los diablos durante sus fiestas, en

la Lima colonial. En Ecuador, durante los carnavales de Quito, los diablillos, desde el siglo XVII echaban agua a los transeúntes, mientras que en Guayaquil se realizaban representaciones del Auto del Angel y del Diablo durante las Navidades. En Panamá durante el Día de Corpus salían los llamados “diablos limpios” en grupos de a diez al son del pito o flauta y la caja. En Guatemala, Nicaragua, la zona andina de Colombia, en Tolima y Huila se conserva la danza mejor estructurada, con melodías de bambuco. Los diablos danzantes se mantienen con vida en América del Sur, Bolivia, Argentina, Chile y Perú. En Bolivia, se ha desarrollado la fiesta del Carnaval de Oruro con la participación central de las Diabladas compuestas por varios personajes, Lucifer y el Arcángel Miguel son los principales, acompañados por Satanás, Diablos, la China Supay, Diablesas, Diablillos, Hukumaris, Osos y Cóndores. Esta fuerte tradición ha dado lugar a una importante artesanía de la máscara y la vestimenta diabólicas, cuyos rasgos han ido cambiando en el tiempo desde características más apegadas a la figuración del rostro humano y animal, cuernos largos, grandes orejas, colmillos Llevaban los símbolos andinos de mitos imbricados en animales como la serpiente, el sapo, las hormigas. Hacia fines del siglo XX se han sofisticado las máscaras, añadiendo y alargando los cuernos, agrandando los ojos y los propios símbolos nativos. Cambiando el material en busca del brillo y innovación. En el camino se han incorporado también dragones de varias cabezas cuya procedencia parece ser el Asia. Los cambios son atribuidos al deseo de llamar la atención y mostrar diferencias entre los participantes.

Se trata de una tesis doctoral en la Universidad de Londres, de la cual, este artículo es parte: Carmen Elena Alemán. Corpus Christi: fiesta de diablos danzantes en la población de Chuao, Venezuela.

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Beatriz Rossells

Danza de la Diablada, Oruro, Bolivia.

En general se ha dado un gran cambio de la imagen horrenda y perversa del diablo del Antiguo Testamento, encargado de condenar al ser humano. Los diablos del siglo XXI en América Latina tienen diversos significados relacionados con la identidad social y cultural en las ciudades, campo y minas, incluso con sentidos de contracultura y lucha política. En Oruro danzan siguiendo una elaborada coreografía y una música más alegre que una marcha. Se podría decir que actualmente el diablo en Bolivia sirve principalmente para bailar. Referencias bibliográficas ALIGHIERI, Dante La Divina Comedia, Barcelona, Editorial Vosgos, S.A. 1978. ARBOLEDA, Carlos “El estudio del diablo” en Fiestas y Nación en América Latina. Las complejidades en algunos ceremoniales de Brasil, Bolivia, Colombia, México y Venezuela. Bogotá. Intercultura. 2011. BELTRAN, Augusto, El Carnaval de Oruro. Bolivia. Oruro, FUNDESCO, 2004. Bolivia (Estado Plurinacional de) Información sobre el Patrimonio Cultural Inmaterial. UNESCO, 2001.

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DOI: 10.5433/2237-9126.2011anoVn9p67

Entre o Lápis e as Carabinas: arte revolucionária e propaganda política nas páginas de Regeneración Fábio da Silva Sousa Doutorando em História e Sociedade pela Faculdade de Ciências e Letras, UNESP –Univ. Estadual Paulista e autor da dissertação “Operários e Camponeses. A repercussão da Revolução Mexicana na Imprensa Operária Brasileira (1910 – 1920)”. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, FAPESP.

Resumo

O Regeneración foi um jornal fundado em agosto de 1900, pelos irmãos Ricardo e Jesús Flores Magón, na Cidade do México. Em 1905 tornou-se publicação oficial do Partido Liberal Mexicano (PLM), e, durante o período armado da Revolução Mexicana (1910 – 1920) foi editado na fronteira dos Estados Unidos com o México, até outubro de 1918. Apesar de ter sido objeto e tema de várias pesquisas, esse artigo pretende trabalhar um aspecto importante, porém pouco pesquisado de Regeneración: suas charges e ilustrações políticas. Por meio de uma análise do significado de tais imagens, esse texto tem como objetivo demonstrar que o Regeneración também utilizou a arte como uma forma de propaganda política, ao criticar os rumos da Revolução Mexicana e promover o anarquismo como a principal alternativa de governo político e social. Palavras-chaves: Regeneración, Imagens políticas, México.

Abstract

The Regeneración is a newspaper founded in August 1900, by brothers Jesus and Ricardo Flores Magón, in Mexico City. In 1905 it became the official publication of the Mexican Liberal Party (PLM), and during the violent period of the Mexican Revolution (1910-1920) it was published from the U.S. border with Mexico until October 1918. Despite the fact that Regeneración has been the object and subject of many academic researches, this article intends to focus on an important aspect of it that is not very studied: its political cartoons and illustrations. Through an analysis of the meaning of such images, this paper aims to demonstrate that Regeneración used art as a form of political propaganda also, criticizing the way taken by the Mexican Revolution and promoting anarchism as the main alternative for social and political government. Keywords: Regeneración, Political images, Mexico.

Recebido em: 25/08/2011

Aprovado em: 15/10/2011

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Imprensa, imprensa libertária e propaganda política Os jornais impressos foram um dos principais produtos de comunicação em larga do final do Século XVII até a primeira metade do Século XX. Contudo, sua origem data de muito antes e está intrinsecamente ligada com a fabricação do livro. A origem dos impressos data de 1430 a 1440, com a invenção da tipografia por Gutenberg. A tipografia teve como principal resultado o estabelecimento de um processo gráfico de produção e reprodução de grandes quantidades de livros. Tal processo, ao acabar com a hegemonia do latim e introduzir as línguas nacionais nas obras literárias, conseguiu atingir um grande público leitor e constituiu o que poderíamos denominar de Capitalismo Literário. A leitura se tornou uma importante distinção social e as bibliotecas se consolidaram como símbolos de cultura e de prestígio entre os seus proprietários (Cf. CHARTIER, 1992). Com essa maciça reprodutibilidade, poderíamos levantar a hipótese de que foram os impressos, e não os produtos têxteis, que alavancaram o sistema capitalista. No caso dos jornais, sua origem se situa no início do século XVII. A consolidação dos jornais impressos modificou o mundo da comunicação. Por meio do suporte das palavras nas páginas de papel, uma nova concepção de mediação e transmissão de opiniões e/ou ideias, passou a circular pela sociedade, com vantagem 68

aos indivíduos letrados. Contudo, esse novo produto cultural esteve sob o domínio da ascendente burguesia capitalista, e, os jornais foram bastante úteis em propagar a sua legitimação social (BENJAMIN, 1992, p.33). Apesar desse controle do mundo dos impressos, com a crescente divisão da pirâmide social, entre a burguesia e o proletariado industrial, os indivíduos que se situavam a margem da sociedade, e, não se sentiam representados pelos jornais de larga circulação, começaram a publicar os seus próprios veículos de comunicação impressa, os jornais operários. Tais impressos dos e para os operários se diferenciavam tanto no conteúdo, quanto na forma dos impressos de larga circulação, pejorativamente, denominados de burgueses ou da grande imprensa. Referente ao conteúdo, os jornais operários operavam com uma linguagem explicitamente política. Isso se evidencia, quando se percebe que os jornais burgueses se afirmavam como o “quarto poder”, e, por meio de um discurso liberal, se colocavam como fiscalizadores da sociedade e orientadores da opinião pública. Esse caráter de fiscalização assumida por essas folhas liberais se tornou na prática uma forma de manipulação: “Os representantes dos jornais se definiam como orientadores, formadores e modeladores de opinião pública para controlar a capacidade de pressão da mesma” (CAPELATO, 1991/1992, p.64). Os jornais operários faziam questão de

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expressar a sua orientação ideológica e não estavam preocupados em atingir a opinião pública. Esses periódicos seduziam os seus leitores, ao denunciar a exploração capitalista da sociedade e defender uma alternativa de organização social, com mais ênfase no socialismo e no anarquismo. Também se torna relevante destacar que essas folhas impressas não possuíam interesses econômicos, o que era uma preocupação latente dos jornais enquadrados na categoria de grande imprensa. Na forma, os jornais operários, em sua maioria, enfrentaram grandes dificuldades financeiras. A maioria dos títulos desses impressos apresentava quatro páginas, praticamente ausentes de anúncios, e, em virtude da repressão, eles não possuíam uma circulação definida. Muitos títulos enfrentaram diversos intervalos de tempo, entre a publicação de um número para o outro, enquanto outros periódicos, simplesmente eram cancelados e deixavam de existir. Além dos textos, as páginas operárias também foram bastante utilizadas como suporte de propaganda política, que consiste numa fusão entre arte visual e discurso político. Historicamente, alguns indícios do uso da arte na política podem ser localizados em manifestações artísticas no período do Império Romano, com as celebrações arquitetônicas para a glorificação das vitórias das guerras; e na Idade Média, com as representações cristãs largamente difundidas pelos eclesiásticos. Contudo, foi na Revolução Francesa que o uso da arte como propaganda política forneceu as características bases,

que foram utilizadas posteriormente por anarquistas, comunistas, e também nos regimes autoritários (CLARK, 2000, p.7-10). A partir desse quadro apresentado, o presente texto abordará como o periódico operário e anarquista Regeneración, por meio de suas charges e ilustrações, realizaram uma propaganda política da Revolução Mexicana. Um jornal de combate: vida e morte de Regeneración O periódico mexicano Regeneración foi fundado em agosto de 1900, na cidade do México pelos irmãos Ricardo e Jesús Flores Magón. O primeiro número de Regeneración foi publicado em 07 de agosto de 1900 e saiu com um total de 16 páginas. Nessa época, o periódico tinha uma postura e um discurso liberal. Dos seus fundadores e colaboradores, como Enrique Flores Magón, Librado Rivera, Juan Sarabia, Antonio Villareal, Anselmo L. Figueroa, entre outros, a figura principal de Regeneración foi Ricardo Flores Magón1. Também em agosto de 1900, foi fundado em São Luis Potosí o Partido Liberal Mexicano, PLM, que depois se tornaria importante tanto para o Regeneración, quanto para Ricardo Flores Magón. Em maio, ocorreu à primeira repressão contra o periódico, que teve a sua oficina fechada pelas forças policiais de Porfirio Díaz. Em outubro, os irmãos Flores Magón foram ameaçados de morte e presos, o que interrompeu a publicação de Regeneración. Nessa primeira fase, foram publicadas semanalmente 57 edições do periódico.

Ricardo Flores Magón. Flores Magón nasceu em San Antonio Eloxochitlán, no estado mexicano de Oaxaca, em 1874 e faleceu no cárcere de Fort Leavenworth, EUA, em 1922. Notável intelectual e defensor do liberalismo, Flores Magón aderiu às doutrinas libertárias após a leitura do livro A Conquista do Pão, escrito pelo lendário anarquista russo Piotr Kropotkin em 1862. Sua liderança no PLM marcou a radicalização da organização e o início de uma intensa propaganda contra o regime de Porfírio Díaz, que o obrigou a exilar-se nos EUA em 1904, e da fronteira acompanhou o desenrolar da Revolução Mexicana até os seus últimos dias (Cf. ABAD DE SANTILLÁN, 2006).

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Como consequência da intensa repressão de Porfirio Díaz, os irmãos Flores Magón se exilaram nos Estados Unidos, EUA, em novembro de 1904. Nessa segunda fase, o Regeneración se tornou a publicação oficial do PLM, que reunia em seus quadros intelectuais mexicanos opositores ao regime de Díaz. Ricardo Flores Magón também tornou-se presidente do PLM e radicalizou a posição política do grupo. Torna-se relevante citar, que nesse momento o periódico mudou de orientação política, e do liberalismo passou a adotar um discurso radical e anarquista, advinda da adesão de Ricardo Flores Magón ao pensamento libertário. Mesmo nos EUA, a perseguição ao Regeneración continuou, e, em 12 de outubro de 1905, sua oficina de impressão foi destruída. Nessa segunda fase, de novembro de 1904 até outubro de 1905, foram publicadas 49 edições. Regeneración voltou a ser publicado em 1906, entre os meses de fevereiro a agosto, totalizando 13 edições. Apesar da pouca quantidade, nesses anos o periódico do PLM teve uma atuação mais densa em sua propaganda política, ao incentivar e participar das greves violentas que ocorreram em Cananea, e depois, em Rio Branco. Mesmo em solo estadunidense, por meio clandestinos, Regeneración conseguiu atravessar a fronteira e chegar ao México, o que acabou se tornando uma prática corriqueira em sua trajetória. A quarta e mais intensa fase do Regeneración começou em setembro de 1910, ano da Revolução Mexicana2. Nesse período, o periódico foi editado em Los Angeles, Califórnia, e possuía uma estrutura

bilingue, ao ter uma página, a quarta e última, totalmente escrita em inglês. No decênio revolucionário mexicano de 1910 a 1920, o Regeneración fez uma interpretação libertária da Revolução Mexicana, e por meio de uma rede intercontinental de informações, propagou e circulou essa leitura nos EUA, Europa e na América Latina (Cf. SOUSA, 2010). Ricardo Flores Magón e Librado Rivera, outro membro importante do PLM, foram presos em 21 de março de 1918, e condenados a 20 anos de prisão. Rivera conseguiu sobreviver ao confinamento, mas, Ricardo Flores Magón acabou perecendo na prisão em 20 de novembro de 1922. A última edição do Regeneración, de n° 262, saiu cinco dias antes dessa prisão, em 16 de março de 1918. Em seu auge, o Regeneración chegou a ter 30.000 exemplares distribuídos3. No total, de março de 1900 até março de 1918, a coleção de Regeneración abrange 381 edições, que foram publicadas em quatro fases. Sempre contestador, esse periódico foi objeto de diversos estudos e pesquisas. Contudo, a maioria dessas análises se centrou nos artigos políticos, e, principalmente nos escritos assinados por Ricardo Flores Magón. Todavia, a propaganda política do periódico do PLM não ficou restrita apenas nas palavras, e, desenhos também foram utilizados como suporte de veiculação de opiniões e mensagens políticas. Da pólvora ao lápis: os desenhos políticos de Regeneración De sua coleção completa, 90 edições de Regeneración trouxeram em suas páginas

O processo revolucionário mexicano eclodiu em novembro de 1910 e mudou definitivamente a história do México. Essa Revolução que tinha, primeiramente, como objetivo derrubar Porfirio Díaz, se tornou uma intensa guerra civil, e, até 1920, vitimou praticamente 1 milhão de pessoas (Cf. BARBOSA, 2010). 3 Para reconstruir a trajetória de Regeneración, utilizei o importante trabalho de Amando Bartra (1977). 2

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desenhos, charges, logotipos e/ou fotos. Um levantamento desse material visual foi realizado no interessante trabalho de Ávila Meléndez (2008), que o dividiu em forma e conteúdo. Na parte de forma, o material visual de Regeneración pode ser dividido nas seguintes categorias: caricatura, ilustração, retrato e fotografia. De conteúdo, a autora dividiu esse produto visual em cinco categorias: publicitário, homenagem, testemunhal, crítica política e discurso pedagógico. Contudo, além dessa catalogação, é necessário realizar uma análise desse material imagético, no intento de decifrar o seu discurso visual e a mensagem que tais imagens procuraram passar ao seu público leitor. No presente texto, será realizada uma análise do material gráfico presente nas páginas de Regeneración, que serão as caricaturas e ilustrações, que, de uma forma geral, definiremos como charges. Antes da primeira edição de Regeneración sair das às ruas, charges políticas já haviam se inserido no debate político da sociedade mexicana. Na segunda metade do século XIX, charges circularam em diversos periódicos que criticaram a política mexicana sob o domínio de Porfirio Díaz. Essa contestação gráfica possuía um forte humor negro sobre a realidade e as personalidades do poder político, como demonstra Gantús (2009, p.14): [...] la caricatura política es una forma satírica simbólica de interpretación y de construcción de la realidad, una estrategia de acción – de personas y grupos – en las luchas por la producción y el control de imaginarios colectivos.

Apesar de ter trabalhado com as charges produzidas entre 1876 e 1888, essas

características apontadas por Gantús, também podem ser encontradas no material de Regeneración. Ao estabelecer um diálogo com o trabalho de Ávila Meléndez, as charges que serão analisadas nesse texto, se encontram nos volumes publicados na quarta fase de Regeneración e se enquadram nas categorias de crítica política e discurso pedagógico definido pela autora. Contudo, dentro dessas duas categorias, iremos propor uma divisão mais especifica e realizar uma conexão entre elas: esse produto gráfico será definido também como uma forma de propaganda política, que dividiremos em duas temáticas: uma sobre a situação do México no período revolucionário, na imagem de Francisco Madero, e outra de exaltação ao ideal anarquista. Não há condições, no espaço desse texto, de trabalhar com todo esse material gráfico, contudo, as charges selecionadas apresentam um quadro panorâmico do discurso visual e imagético de Regeneración. Francisco Madero e o México revolucionário A personalidade política mais atacada nas páginas de Regeneración foi Francisco Madero. Autor do Plano de San Luis Potosí – documento que convocou a Revolução no México a ser realizada no dia 20 de novembro de 1910, as 18:00 hrs – Madero sempre foi tachado nas páginas de Regeneración como um continuador da ditadura porfirista. Após tomar posse em outubro de 1911, considerada historicamente como uma das eleições mais limpas já ocorridas no México, Madero não conseguiu apaziguar as diversas facções revolucionárias que derrubaram Díaz (BARBOSA, 2010, p.59-70) e Regeneración satirizou a instabilidade de seu governo:

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Figuras 1 e 2. Publicadas nas primeiras páginas das edições de n° 108 e 118 de Regeneración, publicadas respectivamente em 21 de setembro e 30 de novembro de 1912. Hemeroteca Nacional de México/UNAM

Na primeira charge, “La situación de Madero” foi retirada do Daily Tribune de Los Angeles e assinada por um desenhista estadunidense chamado Barnett. Nesse desenho, Madero está representado com uma expressão de preocupação, e está encurralado, sem saída, em cima da cadeira presidencial e rodeado de baionetas, literalmente, sem saber o que fazer. O interessante dessa primeira charge, é que ela foi publicada originalmente em um jornal de Los Angeles, o que comprova a preocupação que a Revolução Mexicana incitou nos EUA. Já a segunda charge, “Futuro próximo” é mais ofensiva, de autoria de Ludovico Caminita 4, e foi desenhada exclusivamente para o Regeneración. Nela,

Madero é literalmente chutado, por um revolucionário, da fronteira do México para os EUA, com a figura do Tio Sam o esperando do outro lado. Essa era a solução que Regeneración interpretou da situação de Madero nesses anos de instabilidade política. Ele deveria ser derrubado pelos mesmos revolucionários que haviam deposto Díaz. Assim como o antigo ditador que se exilou em Paris, Madero deveria sair do México e ir para os EUA. Ao aumentar suas críticas a Madero, as charges de Regeneración o metamorfoseou com animais, no intuito de demonstrar caricaturalmente a sua debilidade política e humana, como podemos visualizar na charge “Jardín zoológico mexicano”:

Artista anarquista italiano, Ludovico Caminita emigrou aos Estados Unidos em 1902, e instalou-se na cidade de Paterson, localizada no Estado de New Jersey. Llogo se filiou à organização anarco-sindicalista Industrial Workers of the World, IWW, na qual possivelmente estabeleceu seus primeiros contatos com Ricardo Flores Magón (ANTLIFF, 2001, p.194-195).

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Figura 3. Publicada na primeira página da edição 122 de Regeneración, de 01 de janeiro de 1913. Hemeroteca Nacional de México/UNAM

O desenho, também de autoria de Caminita, representa a burguesia na figura de um porco, Francisco Madero na de um macaco, e o clero na de um corvo. Esses três animais também possuem uma simbologia consonante com a leitura da sociedade realizada pelos anarquistas. Em sua definição simbólica, o porco “é geralmente o símbolo das tendências obscuras, sob todas as suas formas, da ignorância, da gula, da luxúria e do egoísmo” (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2009, p. 734), e essas características do animal suíno se encaixam na visão dos ácratas sobre a burguesia em nível mundial. O macaco possui diversas correntes interpretativas. Contudo, para a psicanálise: Quando um macaco aparece nos sonhos, a psicanálise vê, primeiramente, uma imagem de indecência, de lascívia, de agitação, de insolência e de vaidade; vê também um efeito de irritação que vem da semelhança entre o macaco e o homem, o ancestral peludo, a caricatura do ego, brutal, cúpida e lasciva; o macaco do sonho é a imagem desprezível do que o homem deve evitar em si mesmo (Ibidem).

O macaco com a fisionomia de Madero representa essa leitura apresentada pela psicanálise. O animal símio também pode representar a imitação superficial, uma cópia ou paródia. A crítica a Madero parece se dirigir a uma idéia de falsidade, um “macaquear”, uma atitude política sem base social. Ou seja, na crítica de Regeneración, mudar para permanecer o status quo da realidade mexicana. No caso do corvo, ao colocar o clero metamorfoseado – os padres possuem roupas pretas, que no caso do desenho, faz uma alusão visual perfeita ao corpo da ave – o periódico passa a mensagem de que eles são devoradores da humanidade, que usam o céu, a crença e a religião para enganar e exaurir ao máximo suas vítimas, deixando-as apenas como carcaça para o seu deleite. Mesmo após a morte de Francisco Madero, e seu vice, José Maria Pino Suaréz, em 22 de fevereiro de 1913, no evento conhecido como Dezena Tragica, por ordem do general Victoriano Huerta, que depois assumiu a presidência mexicana, Regeneración

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continuou com sua crítica ao autor do Plano de San Luis Potosi. Salta aos olhos, percebermos que essa visão depreciativa de Madero e preocupada da situação mexicana não foi uma particularidade apenas de Regeneración.

Outros periódicos, com ênfase nos diários estadunidenses, também esboçaram uma crítica dos caminhos da Revolução Mexicana, após a morte de Madero:

Figuras 4 e 5. Publicadas nas primeiras páginas das edições de n° 130 e 154 de Regeneración, publicadas respectivamente em 01 de março e 16 de agosto de 1913. Hemeroteca Nacional de México/UNAM

A m b a s a s c h a rg e s a c i m a , f o ra m publicadas em periódicos estadunidenses. A primeira, originalmente publicada no The Tribune, de Los Angeles, e de autoria de Barnett – o mesmo caricaturista da primeira charge analisada nesse texto – há a figura de um camponês observando a fumaça que se ergue pelos escombros, oriunda de batalhas, provavelmente, uma representação dos confrontos da Dezena Trágica na capital mexicana. Das nuvens aparecem os nomes de Madero, Huerta e

Díaz com as siglas de “Gov’T” – destacamos como o nome de Huerta está praticamente encoberto pela fumaça – possivelmente uma referência a “Government Tyranny” (tirania governamental). Para o peão escravizado, preso por uma bola de aço com a palavra “peonage”5, e para a outra personagem, uma mulher que nem sequer está atenta ao que ocorre abaixo, não há esperança de justiça e de liberdade em qualquer regime político estatal guiado pelos três que desejam dominá-lo. Como descreve a

O termo “peonage” possui um significado interessante, pois, de acordo com o dicionário Longman, designa trabalhadores mexicanos ou sul-americanos, que laboram em uma condição semi-escrava para pagar dívidas (LONGMAN, 1995. p.1047).

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legenda “¡Todo ha sido cambiado! Pero la situación de los trabajadores caundo...?”, em suma, o desenho passa a mensagem de que a mudança deve vir de baixo, pelo povo, senão essa exploração demonstrada pelo homem preso a uma bola de aço, praticamente um escravo, não cessará, seja com Madero, Huerta ou Díaz sentados na cadeira presidencial do México. A segunda charge, “Next?”, foi publicada no The Garland tribune cartoonist, de autoria de MET, e apresenta dois coveiros mexicanos, abrindo uma cova ao lado dos túmulos de Madero e Suarez e ao fundo, temos uma fumaça, que representa as batalhas em solo mexicano. Abaixo do desenho, temos a legenda “¿El próximo?”, uma crítica a intensa violência do México, que sentenciou não apenas os combatentes revolucionários, como também seus líderes. Todavia, uma ressalva importante tem de ser exposta. As duas charges foram apropriadas pelo Regeneración de dois periódicos estadunidenses. Apesar das críticas acentuadas a Madero e as rumos da Revolução Mexicana, não se pode afirmar que os autores dessas ilustrações, e suas respectivas publicações, compartilhavam das mesmas opiniões que os editores do Regeneración sobre os caminhos que o México poderia percorrer. Deve-se ter em mente, que o Regeneración, em suas páginas, realizou uma propaganda da Revolução, mesmo que ela fosse realizada por meio da violência, como o único caminho de

derrubar o status quo, e, enfim, se chegar a uma sociedade igualitária e libertária. A Revolução Mexicana foi lida como um evento que poderia se propagar pelo restante do Mundo, o que era um temor para boa parte da opinião pública estadunidense. As críticas das charges foram direcionadas contra a violência e a falta de ordem no México, efeitos da própria Revolução Mexicana. Ou seja, a Revolução também estava sendo criticada nesses desenhos. Outros líderes revolucionários, como Venustiano Carranza e Francisco “Pancho” Villa, também foram satirizados em charges publicadas nas páginas do periódico oficial do PLM. O único líder popular da Revolução Mexicana que ficou aquém dessas representações, foi Emiliano Zapata. A arte de Regeneración não ficou apenas nas críticas sociais. A posição ideológica do periódico também foi divulgada e representada por charges alusivas a Anarquia e ao pensamento libertário. O caminho do anarquismo Os membros do PLM se auto intitulavam anarquistas e sempre tiveram como objetivo divulgar e propagar o ideal ácrata em seus escritos. Por meio desse ideal, o Regeneración se tornou o principal veículo de difusão do pensamento libertário no México. A história do anarquismo mexicano é indissociável da trajetória de Regeneración. Essa propaganda politica ao anarquismo não ficou apenas nas palavras:

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Figuras 6 e 7. Publicadas respectivamente na primeira e na quarta página das edições de n° 142 e 192 de Regeneración, publicadas em 24 de maio e 13 de junho de 1913. Hemeroteca Nacional de México/UNAM

O sentido de luta pelo anarquismo e contra a tirania se expressa com bastante ênfase nas charges acima. A primeira ilustração, “Revolución Social”, de autoria de L. Villegas Jr.6, mostra um trabalhador, empunhando uma bandeira negra com a frase “Tierra y Libertad”, prestes a desferir um golpe numa serpente. Em primeiro lugar, a bandeira negra é bastante alusiva ao anarquismo. O símbolo dos piratas era a bandeira negra, e posteriormente, intelectuais anarquistas encontraram na pirataria, elementos de união com o pensamento libertário, pois, esses errantes dos mares não possuíam nacionalidade e se rebelavam contra o status quo marítimo (Cf. NORTE, 1994). A frase “Tierra y Libertad”, era o lema do

PLM, e identifica a personagem como um membro de tal grupo. Torna-se relevante citar que essa frase posteriormente foi apropriada pelos revolucionários camponeses de Emiliano Zapata. Outro ponto de destaque nessa charge está na imagem da serpente, considerada uma criatura vil pelo cristianismo, tanto por ter manipulado Eva com a maçã, quanto, por ter sido enviada por Deus para castigar o povo de Israel (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2009, p. 823). Ao considerar a serpente como um ser maléfico que deve ser decapitado, essa charge dialoga com essa tradição cristã, mesmo, o anarquismo e eventualmente seus adeptos, terem uma postura ateísta.

Luís Villegas Jr., provavelmente foi um dos primeiros desenhistas de origem mexicana, a publicar ilustrações sobre a Revolução Mexicana nos EUA. Além dessa charge, Villegas Jr. Publicou outros trabalhos nas páginas de Regeneración.

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A segunda charge, “Abriéndose caminho”, outro trabalho de Ludovico Caminita, visualmente tem uma qualidade gráfica mais definida que o trabalho de Villegas Jr. Nela, temos um homem empunhando uma espada, prestes a atacar mortiferamente um dragão. O homem está com um pano na cintura com sigla PLM e sua espada está grifada com o nome de Regeneración. Ele deve derrotar o dragão, cujas asas estão o capitalismo, o autoritarismo, o militarismo, a religião, a moral e o patriotismo, para chegar ao anarquismo, que está nascendo junto ao sol. A espada com o nome Regeneración mostra que o periódico do PLM é mais do um simples jornal, é um objeto de combate, cuja leitura é sua arma. Já o dragão, é uma espécie de serpente, guardião de tesoures, que deve ser derrotado para que a humanidade possa ter acesso a grandes riquezas. No caso da imagem, a riqueza buscada pela personagem é a Anarquia. O dragão também é uma personificação do mal e representa as legiões de Lúcifer, que na tradição cristã, foi derrotado por São Jorge, na eterna luta do bem contra o mal:

Mesmo com objetivos discursivos diferentes, há um elemento do imaginário cristão nessas charges ácratas, e podemos abrir a hipótese que Caminita realizou uma atualização do trabalho de Villegas Jr., uma vez que possuí os mesmos elementos narrativos. A próxima ilustração é uma das mais clássicas de Regeneración e do PLM. De autoria de Fermín Sagristá7, apareceu como uma forma de pôster central na edição especial 122 de Regeneracion. O desenho central realizado por Sagristá e “aluzivo à revolução dos trabalhadores mexicanos” é bastante relevante e representa o significado que a Revolução Mexicana possuía para os membros do PLM:

Figura 9. Página nº 04 da 122ª edição do Regeneración, de 13 de janeiro de 1913. Centro de Documentação e Memória da UNESP/CEDEM

Figura 8, imagem clássica da luta de São Jorge contra o Dragão.

Na ilustração, detectamos algumas informações interessantes. Na parte superior do desenho, em quadros separados, temos a figura de Piotr Kropotkin (na legenda como Pedro Kropotkine). Ao seu lado direito,

“Sagristá, Fermín. A veces Sagristá. Dibujante, condenado tras la Semana Trágica (1909) a nueve años por tres litografías a la memoria de Ferrer. En 1927 vivía en Gracia y donó un cuadro por presos sociales. Colabora con ilustraciones en publicaciones anarquistas: Almanaque de Tierra y Libertad en 1912, Floreal (1928), La Huelga General (1903), El Productor, Revista Única (1928), Tierra y Libertad.” (IÑIGUEZ, 2001, p.542).

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encontram-se os retratos desenhados do patriarca do anarquismo espanhol, Anselmo Lorenzo, e do intelectual Tarrida del Mármol, importante defensor de Flores Magón e do caráter libertário da Revolução Mexicana. Do lado esquerdo, temos os rostos dos anarquistas italianos Enrique Malatesta e Carlos Malato. Abaixo, encontra-se o retrato da Junta Organizadora do PLM. Ressaltamos que Ricardo Flores Magón ficou logo abaixo da caricatura de Kropotkin, tendo ao seu lado direito as imagens do seu irmão Enrique e de Antonio de P. Araújo, e, do seu lado esquerdo, os desenhos de Librado Rivera e de Anselmo L. Figueroa. O livro aberto, que fica atrás dos retratos da parte superior do desenho, possui frases soltas, mas bastante alusivas ao anarquismo, como La Conquista del Pan (considerado o principal livro escrito por Kropotkin e leitura fundamental da filosofia libertária), El proletariado Militante, El pueblo, entre outras.

A disposição dos personagens desenhados é bastante significativa. Pela ilustração, podemos afirmar que Ricardo Flores Magón assumiu um papel de líder, razão que explica a posição do seu retrato no centro e logo abaixo da imagem de Kropotkin, o que passa a mensagem visual de que o dirigente do PLM seria o herdeiro do anarquista russo, ao exercer uma posição peremptória na orientação da Revolução em curso no México. Esse atributo de prócere conferido ao principal redator do Regeneración contrasta com o conceito iconoclasta das doutrinas anarquistas, e biógrafos de Ricardo Flores Magón, como Diego Abad de Santillán, defendem que o mesmo sempre rejeitou essa qualificação que o diferenciava em comparação aos outros revolucionários liberais. A segunda parte da ilustração de Fermín Sagristá, a seguir, reforça tais representações artísticas dos dirigentes do PLM:

Figura 10. Página nº 05 da 122ª edição do Regeneración, de 13 de janeiro de 1913. Centro de Documentação e Memória da UNESP/CEDEM

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Entre o Lápis e as Carabinas: arte revolucionária e propaganda política nas páginas de regeneración

As três amazonas na ilustração acima representa o conceito revolucionário formulado pelos magonistas para a Revolução Mexicana. A primeira empunha uma bandeira com o lema do PLM, “¡TIERRA Y LIBERTAD!”, e, com a mão direita, segura uma corrente rompida. A segunda, com trajes indígenas, empunha uma bandeira com os dizeres “Paso à La Revolución”, e, com o braço direito, segura uma tocha. Finalizando, a terceira, empunha uma bandeira onde se lê a palavra “Ideal”, segura um ramo de oliveira com o braço direito, e, em contraste com as outras personagens, está praticamente desnuda. Ressaltamos que as três personagens femininas estão com o olhar para cima, voltado as suas bandeiras, o que indica a confiança nas três mensagens expressas, de que tais frases seriam guias dessa cavalgada revolucionária. Ao olharmos o desenho das amazonas da esquerda para a direita, ficamos diante da representação sequencial do conceito de evolução social, segundo a tese defendida pelos libertários liberais mexicanos. Primeiramente, os oprimidos deveriam tomar consciência da sua exploração, quebrar os grilhões aos quais estavam acorrentados, e seguir para a transformação social, obtida somente por meio da Revolução, ou seja, da chama; e, finalmente, com o encerramento do processo de destruição da antiga ordem social, uma nova comunidade se ergueria, por meio da paz, do apoio mútuo e do retorno às relações comunais. Esses três estágios estão bem representados simbolicamente no desenho.

A corrente representa a escravidão humana. A chama ou o fogo representa a purificação, como definido do verbete do dicionário de símbolos: “[...] o fogo, na qualidade de elemento que queima e consome, é também símbolo de purificação e de regeneração. Reencontra-se, pois, o aspecto positivo da destruição: nova inversão do símbolo” (CHEVALIER, & GHEERBRANT, 2009. p.442). E no ramo de oliveira, encontramos a simbologia da “paz, fecundidade, purificação, força, vitória e recompensa” (Ibidem. p.656), que, no desenho, representa o fim do ciclo revolucionário com o advento de um novo mundo, planificado e justo. A cavalgada, da Europa em direção à América, representa a circulação do anarquismo, que guiaria essa transformação e que teve suas bases formuladas no Velho Mundo, sendo depois transportado para o Novo Mundo, o continente americano, da Revolução Mexicana. Na moldura da parte inferior do desenho, essa mensagem fica bem explícita, pois, envolta em adornos e entre as fotos de E. Reclus e P.G. Guerrero8, temos as palavras “Evolución” e “Revolución”. Ou seja, a evolução só viria por meio da revolução, e o México estaria na fase da segunda amazona, em chamas e lutando para alcançar o nirvana do “Ideal” anárquico. Unidas, as duas páginas desenhadas por Fermín Sagristá formam um quadro, cuja moldura possui diversas imagens de conotação ao anarquismo, como os retratos de Bakunin, E. Ibsen9, na parte superior, e de Reclus e Guerrero, na parte inferior. Além

Élisée Reclus foi um importante geógrafo francês cujos livros tiveram bastante influência no desenvolvimento da filosofia libertária dos magonistas do PLM. O poeta Práxedis G. Guerrero, um dos mais importantes companheiros de Ricardo Flores Magón, editou diversos periódicos anti-porfiristas, como Alba Roja (1905), Revolución (1908) e Punto Rojo (1909). Faleceu na região de Chihuahua, em 30 de dezembro de 1910, em plena campanha armada do PLM. 9 Henrik Ibsen foi um dramaturgo norueguês, cuja produção literária enquadra-se na categoria de realismo moderno. Apesar de não se considerar anarquista, Ibsen participou de diversos coletivos socialistas na Noruega e também colaborou em alguns jornais operários. Sua produção literária aborda diversas questões sociais. 8

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dos retratos, as laterais também apresentam frases libertárias, como “La igualdad libre es la fraternidad”, “La tierra es fecunda para todos”, “Las razon es la fuerza” e “la verdade es de todos”. Considerações finais O Regeneración foi um dos principais periódicos publicados no México no final do século XIX e começo do XX. Além de ter sido um dos primeiros periódicos de oposição a ditadura de Porfirio Díaz, esse periódico foi peremptório na divulgação do anarquismo no México, e, significativo na defesa de um caminho social e igualitário para a Revolução Mexicana. Além dos artigos densos, em sua maioria escritos por Ricardo Flores Magón, o Regeneración também utilizou imagens em sua crítica da situação mexicana e de apologia ao anarquismo, ideologia predominante dos membros do Partido Liberal Mexicano, PLM. As charges e ilustrações analisadas aqui demonstraram que as imagens presentes nas páginas de Regeneración foram representadas por símbolos contestatórios de uma tradição anarquista, ao colocar os personagens do Estado em situações vexatórias ou metamorfoseados com animais. Há uma predominância da presença masculina nessas imagens. Sempre é a figura masculina que está enfrentando o Estado, que seria a serpente, enquanto para a mulher, ficou o papel de gestar um novo mundo. Não devemos esquecer que as mulheres tiveram uma forte presença no cotidiano da Revolução Mexicana, as soldaderas. Mesmo com uma postura ateísta e de crítica as religiões, algumas imagens trouxeram símbolos do imaginário coletivo cristã, que foi apropriado pelos autores em seu

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ataque visual ao sistema capitalista. Contudo, ao invés de afirmar prematuramente que isso foi uma contradição consciente dos artistas, preferimos utilizar o conceito de circulação de ideias ou de cultura. Ou seja, símbolos ou ideias circulam entre os vários atores sociais e podem ser apropriados de várias maneiras diferentes, perdendo o seu sentido original. As imagens analisadas aqui são um exemplo panorâmico dessa propaganda política de Regeneración, que não teve apenas nas letras ácidas de Ricardo Flores Magón a sua forma de expressão, como também no lápis de artistas, que deram um caráter revolucionário para sua arte, ao exaltar o anarquismo, ou, ao criticar os rumos incertos e violentos da Revolução Mexicana. Referências ABAD DE SANTILLÁN, Diego. Ricardo Flores Magón. O apóstolo da Revolução Mexicana. Trad. Jaguanharõ. São Paulo/Rio de Janeiro: Achiamé/ Faísca/FARJ, 2006. ANTLIFF, A. Anarchist Modernis. Art, politics and the first American avant-grade. Chicago: The University of Chicago Press, 2001. ÁVILA MELÉNDEZ, Liliana Paola. La gráfica en el periódico Regeneración 1900 – 1918. Tesis, Escuela Nacional de Artes Plásticas, UNAM, 2008. BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. A Revolução Mexicana. São Paulo: Editora UNESP, 2010. BARTRA, Armando. (Prólogo, recopilación y notas). Regeneración (1900-1918). La corriente más radical de la Revolución de 1910 a través de su periódico de combate. México: Ediciones Era S.A., 1977. BENJAMIN, Walter. Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Trad. Maria Luz Moita (et al.). Lisboa: Relógio d’Água, 1992. CAPELATO, Maria Helena Rolim. “O Controle da Opinião e os Limites da Liberdade: Imprensa Paulista (1920 – 1945)”. In: Revista Brasileira de História, São Paulo: ANPUH/Marco Zero, vol 12, nº 23/24, setembro 1991/agosto 1992, p.55-75.

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DOI: 10.5433/2237-9126.2011anoVn9p83

Dinafilmes e o Cineclubismo: a distribuição alternativa de curtas-metragem durante a década de 1970 no Brasil Flávio Rogério Rocha Possui graduação em História pela Universidade Federal do Paraná (2001), e especialização em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2005). É professor de História (Secretaria de Estado da Educação do Paraná) e tem experiência com ensino de terceiro grau, lecionando em cursos de Comunicação e afins. Trabalhou durante cinco anos no projeto especial TV Paulo Freire, canal de televisão educacional voltado ao alunos e professores da rede estadual de ensino do Paraná, atuando como editor de vídeo e câmeraman. É pesquisador na área de cinema experimental, tendo como tema os desdobramentos da produção de filmes na bitola Super 8 no Brasil durante a década de 1970. É fotógrafo, videomaker e documentarista, tendo realizado diversos projetos relacionados a cultura popular e a música.

Resumo

Este artigo discorre a respeito da organização do cineclubismo durante a década de 1970 no Brasil. Suas bandeiras, suas controvérsias e disputas internas de poder. Vislumbra o circuito cineclubista e sua relação com a produção de curtas-metragem à época, bem como discute, também, uma das principais iniciativas desse movimento social organizado: a criação de sua própria distribuidora independente de filmes, a Dinafilmes. Palavras-chave: Audiovisual; Política cultural; Cineclubismo; Curta-metragem.

Abstract

This article talks about the film clubs organization during the 1970’s in Braszil. Their flags, their controversies and internal power disputes. Sees the film clubs circuit and their relationship with the production of short films at the time, and also discusses one of the main initiatives of organized social movement: the creation of his own independent film distributor, the Dinafilmes. Keywords: Audio-visual; Cultural policy; Film clubs; Short film.

Recebido em: 13/08/2011

Aprovado em: 24/10/2011

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Flávio Rogério Rocha

Dinafilmes e o Cineclubismo: a distribuição alternativa de curtas-metragem durante a década de 1970 no Brasil

O cineclubismo teve um papel muito importante no desenvolvimento do cinema brasileiro, tanto na formação cinematográfica de vários cineastas, quanto na aglutinação e organização dos mesmos. Isto pelo menos desde a década de 1950, quando alguns dos futuros realizadores que, posteriormente teriam destaque, eram estudantes e encontravam-se em tais espaços, ligados a instituições de ensino, agremiações estudantis etc., para: assistir, discutir e realizar seus próprios filmes. Prova disto era o cineclube ligado ao Diretório acadêmico da Faculdade Nacional de Filosofia (FNFI – RJ), local de grande agitação cultural e movimentação estudantil, donde vieram alguns dos cineastas que posteriormente formariam os quadros do Cinema Novo, como: Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman e Marco Farias. Eles dirigiram alguns dos episódios curtos de um dos filmes mais representativos da época, no que tange ao engajamento político e estético, o tão comentado Cinco Vezes Favela (1961/62), produzido pelo Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE) (FERNANDEZ, 1998.). Além destas contribuições isoladas, os cineclubes formavam uma rede, aglutinados em torno de um Conselho Nacional de Cineclubes (CNC) que, teve uma atuação importante nas décadas de 1960 e 1970 do século XX. Uma das principais facetas do movimento foi reunir diversas estruturas de organização, como associações de bairros, igrejas, escolas, sindicados, universidades,

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etc. No entanto, após o golpe militar de 1964, suas atividades foram paulatinamente sendo tolhidas pelo Estado até que, em 1968, a prática dos encontros nacionais foi interrompida, voltando somente em 1974 (TORNAGHI , 1977). Esta retomada se deu em Curitiba, e sobre isto escreveu Francisco Alves dos Santos, um dos principais comentaristas e críticos do cinema paranaense: [...] a ditadura não conseguiu destruir a capacidade cineclubista de dinamização cultural, formação de consciência e de liderança. Em 1974, o movimento cineclubista no Brasil, reagindo à ditadura militar, retoma sua dinâmica, para o que foi decisiva a Jornada Nacional de Cineclubes realizada em fevereiro em Curitiba [...] que deu origem a um célebre documento [...] batizado de ‘Carta de Curitiba’, no qual se definiu a diretriz do movimento para aquela década, e em que se bateu firme contra o arbítrio da ditadura militar e sua prepotência. (SANTOS, 1996, p. 28)

Umas das principais bandeiras levantadas por este documento (“Carta de Curitiba”) e que marcaria toda ação dos cineclubes durante a década foi a defesa do cinema brasileiro. Assim sendo, “[...] o dever principal do cineclubismo brasileiro é o aperfeiçoamento de formas de divulgação do cinema nacional[...]”, além de “uma clara e definida posição em defesa de nosso cinema[...]”. Da mesma forma, o movimento deveria ter: “[...] participação no trabalho de desenvolvimento do projeto cultural brasileiro[...]”. Contudo, este nacionalismo herdado do discurso dos membros do Cinema

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Dinafilmes e o Cineclubismo: a distribuição alternativa de curtas-metragem durante a décadade 1970 no Brasil

Novo geraria uma série de contradições e divergências no interior do movimento cineclubista, ainda mais com a apropriação deste mesmo discurso por parte do Estado ditatorial e sua crescente interferência nos meios culturais no mesmo período. Entretanto, deveremos abordar isto com mais detalhes no decorrer do texto. A s d i f i c u l d a d e s s e m p re f o ra m a realidade para o cineclubismo. Problemas financeiros, de espaço físico, com a censura e, principalmente, com a locação de filmes, estiveram entre as preocupações desta atividade, realizada, quase sempre, por pessoas realmente interessadas em cinema. A obtenção de filmes para a programação dos cineclubes esbarrava ou na falta de títulos na bitola 16mm (‘bitola consagrada nos cineclubes’) ou na falta de um projetor 35mm por parte das associações, além, claro, da falta de dinheiro para pagar a locação dos filmes que, em boa parte, eram alugados junto a distribuidoras comerciais. Algo que ilustra bem esta situação é um trecho de um relatório entregue na VIII Jornada Nacional de Cineclubes1, do Cineclube Glauber Rocha do Rio de Janeiro, a respeito deste assunto: A experiência com as distribuidoras: O mercado consumidor de 16mm, como o de 35mm, está voltado essencialmente para a produção comercial. Por opção do consumidor ou imposição das distribuidoras, o fato é que apenas os filmes com sucesso de bilheteria são copiados em 16mm. Isto garante o ridículo investimento que a copiagem representa para as distribuidoras, e também ridículas opções para os cineclubes. Filmes nacionais, nem pensar – se não rendem em 35mm, imaginem em 16mm. Graças a essa extraordinária visão empresarial das distribuidoras, que também é responsável pelo péssimo estado de algumas cópias e o mau estado da maioria, pelos preços flutuantes e absurdos, pelos ‘furos’ na reserva

de filmes, qualquer cineclube pode ter certeza de que não conseguirá uma programação decente (VIII JORNADA NACIONAL DE CINECLUBES, 1974, p. 2).

Além desta constatação, analisa-se as saídas que já vinham sendo tomadas pelas associações: Esta situação leva os cineclubes localizados fora do eixo Rio/São Paulo a deparar-se com duas alternativas principais: Estabelecer informalmente acordos com os exibidores comerciais locais. Desse modo, o cineclube passa a trabalhar com o 35mm, abandonando suas projeções em 16mm. Estes acordos, de um modo geral, tendem a tornar o cineclube dependente da sala comercial, passando a aceitar determinadas exigências do exibidor, que após um período de institucionalização das sessões promovidas pelo cineclube, aproveita o prestígio conquistado para impor a programação que lhe interesse ou criar obstáculos fictícios para que os filmes do seu interesse possam ser programados (VIII JORNADA NACIONAL DE CINECLUBES, 1974, p. 2).

Não são poucos os cineclubes brasileiros que adotaram este tipo de organização para sobreviver, o que acabou por acarretar em uma acomodação que ‘descaracteriza a atividade cineclubista’, já que havia pouca possibilidade de decisão dos filmes a serem projetados, além do cinema brasileiro ficar relegado a pouquíssimas exibições. Além disso, a outra saída possível era: “Realizar uma programação exclusiva ou paralela ao do ‘cinema de arte’, de filmes emprestados por embaixadas e consulados, sempre na bitola 16mm.” Mesmo sendo gratuita, e muito bem organizada, em contraposição as distribuidoras comerciais dessa bitola, as filmotecas de legações estrangeiras tem o interesse em

A VIII Jornada Nacional de Cineclubes foi realizada em Curitiba, e marca a retomada desta prática no meio cineclubista.

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Flávio Rogério Rocha divulgar filmes que em geral veiculam propaganda dos países de origem, ou em divulgar institucionalmente o país onde o filme é produzido (VIII JORNADA NACIONAL DE CINECLUBES, 1974, p. 3).

O que, muitas vezes, acaba por fazer do cineclube um instrumento de propaganda estrangeira. Muitos dos consulados que desempenham este papel tem em suas filmotecas produções de “real interesse fílmico” mas, no todo, essas produções são uma parcela mínima dos filmes. Por estes motivos, desde a retomada dos encontros nacionais de cineclubes se pensou em criar uma distribuidora independe e centralizada para o movimento. Apontavase para isso em documento (item 2 – Distribuidora Nacional de Filmes em 16mm) produzido no mesmo encontro: Os participantes da 9º Jornada Nacional de Cineclubes concordam unanimemente que sejam reunidos os esforços para o estabelecimento de uma distribuidora de filmes predominantemente brasileiros, ligada ao Conselho Nacional de Cineclubes, como medida inadiável para que surjam uma opção concreta para os cineclubes, principalmente aqueles localizados fora dos centros de distribuição e produção (VIII JORNADA NACIONAL DE CINECLUBES, 1974, p. 3).

Sendo que, segundo o documento, esta distribuidora não poderia ter características ‘amadoras’, nem um ‘espírito paternalista’ que, desta forma, frustraria a tentativa dos cineclubes brasileiros em sanar seu principal problema: a falta de filmes. Então, na X Jornada Nacional de Cineclubes, em 1976, foi ratificada a criação da Dinafilme, distribuidora do movimento. Nesse mesmo contexto, em São Paulo, havia a Fundação Cinemateca Brasileira (FCB), que na época era um pólo importante do movimento cineclubista, e que já distribuía 86

parte de seu acervo em 16mm, para os cineclubes. A idéia inicial era criar essa distribuidora possivelmente com base nesta Cinemateca. No entanto, de 1975 para 1976 a FCB deixou o movimento, cedendo seu acervo em 16mm para a Federação Paulista de Cineclubes. Por ter esse acervo em mãos, a Federação Paulista ficou encarregada de montar a sede da distribuidora (FILME CULTURA, maio 1983, p. 54). No mesmo ano ela começou a funcionar em caráter experimental, somente em São Paulo, e no resto do país até o final do mesmo. Os objetivos da distribuidora seriam, principalmente, “garantir o acesso dos cineclubes aos filmes em escala nacional, e livre de injunções de caráter comercial e da censura.” Além, claro, de se caracterizar como um canal “alternativo de distribuição de filmes.” (FILME CULTURA, maio 1983, p. 54). O curta-metragem seria, também, uma grande preocupação da Dinafilme. Pois sendo este um produto cultural quase sempre independente e fora dos círculos oficiais, encontraria nos cineclubes um circuito para sua divulgação. Ou seja, transformar o cineclube em mercado consumidor de curtas, de modo a fazer com que este processo se auto-gerisse. Algo que não se concretizou por uma série de motivos, além de gerar polêmica e protestos por parte de alguns, o que veremos mais detalhadamente na sequência. O filme curto caracteriza-se como um espaço de invenção, de aprendizado, de autoria, que por estes motivos ganha fácil do grande cinema no que diz respeito à pesquisa de linguagem e ao impacto de seus temas. Todavia, fica relegado a um gueto cultural, tanto pela falta de incentivo das entidades privadas, quanto pelos órgãos oficiais. No final da década de 1960 e durante a década de 1970, leis e incentivos foram criados, mas não o suficiente para que o curta-metragem

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Dinafilmes e o Cineclubismo: a distribuição alternativa de curtas-metragem durante a décadade 1970 no Brasil

se desenvolvesse ao nível esperado por seus realizadores. Havia por parte do Estado, em seu discurso pelo menos, uma política de incentivo a produção desse tipo de filmes, o que podemos observar no pronunciamento do presidente do INC (Instituto Nacional de Cinema), (Carlos Guimarães de Matos Júnior), por ocasião do I Congresso da Indústria Cinematográfica Brasileira, realizado em 1972: No setor de curta-metragem importante sob o prisma cultural, o INC atua sobretudo através da obrigatoriedade de exibição dos filmes merecedores do Certificado Especial[2]. Atenta aos problemas que persistem na produção de curtos, a Autarquia constituiu recentemente um Grupo de Trabalho com a missão de estudar tanto o aperfeiçoamento dos estímulos já existentes, quanto a criação de novos incentivos. O INC tem adquirido para seu acervo as mais expressivas produções de curta-metragem e tem contribuído com prêmios em dinheiro para a premiação dos melhores realizadores de curtos em festivais. (FILME CULTURA, dez. 1973, p. 10)

No início dos anos 70, um dos únicos festivais dedicados ao formato era o Festival Brasileiro de Curta Metragem, no Rio de Janeiro, uma realização do Jornal do Brasil, com premiação oferecida pelo INC, que vigorou durante boa parte da década, começando em 1971. No entanto, se ouvirmos os depoimentos de alguns dos realizadores que ganharam prêmios no III Festival, realizado em 1973, poderemos constatar seus descontentamentos em relação ao filme curto, e seus incentivos oficiais. Depoimentos, estes, dados à revista da Embrafilme, Filme Cultura. Joaquim Assis, curtametragista que conquistou o primeiro lugar do Festival, nesta

edição, com duas realizações: Dom Orione – Uma pequena Obra e Ô Xente, Pois não, deu as seguintes declarações, na ocasião: Quanto ao problema do curta-metragem, especificamente, acho que ele não existe, na prática, no Brasil. Ou melhor, existe pelo esforço das pessoas que fazem filmes curtos, mas como fenômeno cultural e social não existe. Curta metragem, oficialmente, é uma ficção. Há leis que o protegem, discussões, comunicados de que vai ser feito aquilo, mas de fato, esta proteção até hoje não foi efetivada. [...] Como cineasta de curta-metragem sintome inteiramente marginalizado, apesar de ter ganho um prêmio e ter conseguido mostrar meus filmes[...] (ASSIS, mar. 1974, p. 45)

O que podemos observar na declaração é a forma pela qual o realizador de curtasmetragens encarava a situação deste tipo de produção. Falando da falta de distribuição e da falta de um apoio mais contundente por parte do Estado, deixa claro sua indignação. As reivindicações que nos chamam mais a atenção são as com relação à criação de um mercado para o curta, evocando a Embrafilme para a distribuição dos filmes. Além disso, o apontamento da reunião dos realizadores em torno de associações, como a Associação Brasileira de Documentaristas, e do próprio cineclubismo são muito elucidativas. Já em 1975 foi criado pelo INC uma nova lei, a lei nº 6.281, que determinava a exibição compulsória para o filme curto brasileiro de cunho cultural. A chamada ‘lei do curta’ que, no entanto, só foi regulamentada após o desmantelamento do Instituto Nacional de Cinema e suas funções passadas ao novo órgão regulador, o CONCINE. Este, por sua vez, aprovou a resolução nº 18 em 24 de agosto de 1977 que, entre outras coisas, estabeleceu:

RESOLUÇÃO INC Nº 04, de 12 de maio de 1967. (MELLO, Alcino Teixeira de; Legislação do Cinema Brasileiro: atualizada e comentada: Resoluções do INC, Convênios, Acordos[...] Vol. II – Embrafilme, Rio de Janeiro, 1978. Pg. 309) Obrigatoriedade de exibição em salas de cinema comerciais.

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Flávio Rogério Rocha a) que o curta-metragem teria a duração superior a cinco e inferior a 30 minutos; b) criou o CPB (Certificado de Produto Brasileiro) que, entre outras coisas, seria restrito a filmes de natureza técnica, científica ou cultural, sem poder apresentar matéria publicitária de qualquer natureza; c) que o curta-metragem nacional seria exibido acompanhando todo e qualquer longa estrangeiro, e a ele caberia 5% da renda bruta arrecada; d) que durante um ano, esta exibição seria restrita aos estados do Rio de Janeiro e São Paulo (mais de 2/3 do mercado total), salvo nos cinemas que exibissem em programa duplo um longa brasileiro ao lado do longa estrangeiro. Findo este período, a obrigatoriedade se ampliaria para todo território nacional; e) que o filme vendido a preço fixo teria cassado o CPB; f) que cada produtora não poderia receber CPBs relativos a mais de cinco curtasmetragens. (CURTA-METRAGEM, maio 1983, p. 37)

Após sua regulação, e ter sido posta em prática, a ‘lei do curta’ passou por diversas modificações, como, por exemplo: a isenção dos cinemas em 16mm da obrigatoriedade, restringindo a concessão dos CPBs somente a filmes em 35mm (o que foi uma enorme contradição, pois a bitola 16mm sempre foi muito utilizada para produções de curtas); as várias modificações dos membros da comissão fornecedora dos CPBs, visando um aprimoramento maior dos critérios de seleção (fenômeno que só ocorreu pela enorme quantidade de filme curtos de má qualidade que receberam os CPBs) etc. Todavia, uma das falhas que nem se procurou solucionar foi a exibição de curtos somente com longas estrangeiros, isentando as produções brasileiras. Esta lei criou uma reserva de mercado para o filme curto que teria, em tese, sua distribuição e uma remuneração garantida. Isto geraria uma auto-manutenção deste mesmo circuito. Mas, na verdade, o que 88

ocorre é que por suas diversas falhas, e pela falta de fiscalização dos órgãos competentes, os exibidores descobriram formas do não cumprimento da lei. Pois, como Sergio Santeiro, realizador e presidente da ABD em 1983, disse: O descaminho da lei do curta permitiu a florecência de uma área predatória de produção que causou um xeque-mate à produção cultural e realizadores independentes. [...] com a precária distribuição do curta cultural, os exibidores passaram não só a determinar o mercado, como em pouco tempo descobriram como burlar a lei de duas maneiras. Uma, não respeitando [...], a distribuição eqüitativa da receita por todos os filmes habilitados ao mercado; outra, comprando filmes diretamente aos produtores com recibos ‘frios’ e passando diretamente a produzir filmes para cumprir a lei (SANTEIRO , maio 1983, p. 42).

Além destas questões, outra constatação importante, em relação a esta nova legislação a respeito da produção mais alternativa, fora do ‘ mercado’ ligados ao curta-metragem – encontrada na revista Cine Olho, (que demonstrava um caráter contestador, feita por alunos de cinema da PUC do Rio de Janeiro): [...] o CONCINE não reconheceu o filme curta-metragem produzido pelo autor fora dos esquemas tradicionais de produção, na base do ‘fulano descola uma camera, outro tem o negativo e entre trancos, barrancos, e dívidas, vamos lá’, apesar deste esquema ser muito comum no Brasil. Isso obriga a que o autor independente, que deseje atingir o mercado tradicional e alternativo produza os seus filmes em esquemas não usuais, transe com uma produtora para a obtenção do Certificado, o que pode gerar alguma distorção ou picaretagem (SANTOS, jun. 1977, p. 7).

Em relação ao mercado alternativo para o curta-metragem, que seria a rede de cineclubes ligados ao Conselho Nacional de Cineclubes com a distribuição da Dinafime, podemos verificar que o que acontecia

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Dinafilmes e o Cineclubismo: a distribuição alternativa de curtas-metragem durante a décadade 1970 no Brasil

não era muito diferente. Na verdade, o que ocorria era uma situação em que havia a um público ávido por produções e uma rede interligada de cineclubes, mas que funcionava em condições precárias por não ter recursos suficientes. No entanto, havia a consciência de que este esquema poderia dar certo. Em entrevista dada na mesma revista acima citada, Cacá Diegues – figura importante na discussão do cinema na época – inquirido a respeito do ‘circuito paralelo para o filme 16mm’, se pronunciou da seguinte maneira (falando somente do ambiente universitário) : [...] acho que o circuito universitário brasileiro está maduro para um circuito cinematográfico. Existem universidades, cine-clubes suficientes pelo Brasil afora que comportam já a existência dessa rêde. Acho que as pessoas interessadas por isso tem que exigir o cumprimento deste programa. Como você vai fazer um circuito universitário num país grande como esse, se você não tem nenhuma colaboração do poder oficial, ou de um poder qualquer, de alguém que tenha dinheiro que pague suas viagens, que compre suas cópias? Cinema não é poesia. Cinema custa dinheiro (DIEGUES, jun. 1977, p. 13).

Além disso, ele incitava a cobrança, por parte dos interessados, junto aos órgãos estatais, dizendo que: “[...] a primeira coisa que precisa é ter meios para efetivar este circuito paralelo. E quem tem meios para que isso aconteça é a Embrafilme.” (DIEGUES, jun. 1977, p. 13). No número seguinte desta mesma revista há o relato de um episódio de censura a filmes ocorrido no Festival de Brasília de 1977. É interessante, para nós, prestar atenção à censura de um filme, mais especificamente o de Luiz Rosemberg, ‘Assuntina das Américas’, muito elucidativo no que diz respeito à

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Embrafilme e sua orientação comercial, com relação ao dito ‘mercado paralelo’: [ . . . ] a c e n s u ra b re c o u b r u s c a m e n t e os descaminhos do filme ‘Assuntina das Américas’, [...], um alívio para a Embrafilme, que não se manifestou na ocasião[...] Aliás isto vem deixar cada vez mais claro a conivência de uma área cultural pátria com a cesura. Afinal o filme de Rosemberg, [...], abre um debate na área da produção cultural cinematográfica, que é exatamente um incomodo para os cinemanovistas que se apossaram da Embrafilme. [Pois] No segmento final do filme o que está em questão é a relação do cinema empresarial e a Embrafilme. [...] Assuntina descansava nas prateleiras da Embrafilme há 2 anos, sem ter distribuição nem ampliação. Foi feito num momento em que a Embrafilme começava. Nessa época falava-se muito de um mercado paralelo para o 16mm nas Universidades e cineclubes. O copião do filme 16mm estava pronto, mas faltava montar e sonorizar. A Embrafilme autorizou a verba ficar com os direitos de distribuição. Nessa mesma época completou a filmagem de 3 outros 16mm, [...] Chegou-se a pensar seriamente que o mercado paralelo daria certo. Mas a coisa parou aí. Ela ficou com os direitos de distribuição e guardou os filmes na prateleira. Ao invés de incentivar a produção de 16mm, passou a produzir os filmes de 35mm de diretores cinemanovistas, que não tinham rendido no mercado, e a distribui-los para cineclubes. Ao mesmo tempo passou a investir em caras e bem cuidadas produções em 35mm (ANTOUN, dez. 1977, p. 10).

Além destas discussões entre os realizares e os órgãos estatais, encontramos divergências entre os próprios grupos cineclubistas, estes, também, interessados na criação do circuito paralelo para filmes alternativos. A revista Cine Olho, em edição especial dedicada à cobertura da XI Jornada Nacional de Cineclubes3, da qual tiramos as últimas citações, narra o ponto de vista do

XI JORNADA NACIONAL DE CINECLUBES, realizada em 1977 na cidade Campina Grande, no Estado da Paraíba.

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grupo que se auto-intitulava de oposição, ou seja, contrários às atitudes da diretoria da Dinafilme e, por conseqüência, do Conselho Nacional de Cineclubes (na época sob o comando da Federação dos Cineclubes do Rio de Janeiro) e a orientação que davam à distribuidora do movimento. A distribuidora, desde a sua fundação até aquele momento, 1977, estava sob o julgo da Federação Paulista de Cineclubes (FPC). Este grupo, de oposição, reivindicava uma maior democracia e transparência em relação à distribuidora e uma participação mais ativa de todos os cineclubes nos processos de decisão. Podemos observar isto em um trecho do documento ‘Dinafilmes: O milagre do Cineclubismo’, transcrito nesta edição. O desenvolvimento da Dinafilmes vincula-se estreitamente aos interesses e ao trabalho dos cineclubes, exigindo dele participação concreta, que deve influir decisivamente na fixação da política e atuação, discutindo os contratos e acordos a serem firmados, estabelecendo critérios para a aquisição de filmes e redução de cópias. [...] É momento dos cineclubes assumirem o trabalho que lhes cabe na sua distribuidora, quebrando a relação de passividade que lhes tem sido imposta conseqüência evidente de um entendimento mercadológico do cineclubismo (clientela), resultando na aplicação de uma política economicista, que coloca como prioridade o fortalecimento da infra-estrutura econômica, apesar de importantes questões políticas e de organização emergirem. Esta perspectiva de mercado tem levado a uma flagrante inversão, limitando os cineclubes ao estreito papel de consumidores de cópias, das quais, não participam em nenhum momento ou de alguma maneira (TORNAGHI, jun 1977, p. 4).

Pois, [...] sob uma argumentação ‘nacionalista’ e com um palavrório que inclui até mesmo a defesa do cinema independente de fato ela defende os interesses do cinema industrial brasileiro[...] mais grave [...] [é a utilização

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dos] cineclubes, [...] rebaixados a função de exibidores[...] [servindo como] mão de obra barata [...] dos interesses industriais. [Revelando assim] [...] o comprometimento da direção deste movimento, que transiciona os quadros cineclubistas com o governo e a indústria[...] (CINE – OLHO, dez. 1977, p. 3)

Outro fato que concorre para observarmos as divergências dentro do movimento durante aquele momento foi: A aprovação do novo estatuto proposto pela [...] Diretoria do CNC, [sendo] [...] bastante difícil pois um bloco de cineclubes identificados por posições comuns reivindicou maiores poderes para a Comissão Fiscal, que deveria passar a ter poder de veto (CINE – OLHO, dez. 1977, p. 3).

No entanto, o estatuto foi finalmente aprovado na jornada, mediante assembléia. Para combater as críticas a orientação da Dinafilme, os membros da diretoria se pronunciaram da seguinte forma na revista da Embrafilme: Na verdade, a Dinafilme está no meio de uma incompreensão que está generalizada tanto entre os cineastas quanto os cineclubes, ou outro tipo de entidades, porque a Dinafilme trabalha só com cineclubes. Há alguns filmes cujos contratos são só para cineclubes. [Além disto], [...] os cineastas, talvez pressionados pelas dificuldades que existem hoje: o mercado do longa-metragem tomado por uma produção pequena, e a decepção generalizada com a lei do curta, tudo isso fez com que eles jogassem uma esperança desmesurada no ‘mercado’ alternativo. Então eles pressionam para que o filme tenha a maior rentabilidade possível. O papel educativo da Dinafilme é, por um lado, convencer as entidades que alugam os filmes a dar importância a esse trabalho, a compreender o problema do cineasta e remunerá-lo o melhor possível; e dos cineastas entenderem que a nossa iniciativa é pioneira, num país que não tem um mercado alternativo, que esta sistematizando e, conforme vai crescendo, o custo de produção do filme cresce a uma velocidade dez vezes maior.

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Dinafilmes e o Cineclubismo: a distribuição alternativa de curtas-metragem durante a décadade 1970 no Brasil

Por isso nunca chega a ser um mercado . [Mas] [...] se não existe um mercado, como a Dinafilme sobrevive? Sobrevive porque ela não é uma empresa comum, porque ela paga mal às pessoas, por que quem trabalha na Dinafilme são militantes cineclubistas, quer dizer, trabalham por idealismo [...]. Por isso é que ela sobrevive: não tem condição realista de sobrevivência (FILME CULTURA, maio 1983, p. 54).

Paralelamente à distribuição de filmes existe, também, desde a retomada do movimento cineclubista em meados do início da década de 1970, a idéia de incentivo à produção dos próprios cineclubes. Isto se deu, muito, por causa da entrada no mercado de artigos cinematográficos de uma nova tecnologia: a bitola Super-8. Esta bitola, entre outras coisas, barateava o custo da produção em conseqüência dos preços de seus equipamentos como câmeras, projetores, filmes, etc., em relação a outros suportes de cinema (16mm, 35mm). Isto fez com que um número bem maior de pessoas tivesse acesso à produção cinematográfica. Podemos detectar as perspectivas que esta bitola proporcionou ao movimento cineclubista em documento da IX Jornada Nacional de Cineclubes, de 1975, em Campinas (São Paulo): Hoje deparamos com uma perspectiva inédita: a difusão do cinema amador, resultante da larga aceitação do Super 8, ocorre num momento em que o cineclubismo é retomado como proposta de ação em prol da cultura cinematográfica e em defesa do cinema brasileiro em particular, o que permite entrever uma conjugação fértil das duas manifestações. Se, por um lado, as oportunidades de veiculação assim mesmo restrita do Super 8 estiveram, até agora, inevitavelmente condicionadas às mostras e festivais esporádicos, por outro já se presencia a articulação, em escala nacional, dos cineclubes como mercado alternativo para filmes marginalizados pelas vias tradicionais de exibição. O Mercado Paralelo, como foi denominado, já obtém

resultados concretos na bitola de 16mm e não parece inviável uma variante em Super 8, levadas em consideração todas as características e restrições desta bitola. Em face da necessidade de transmitir o conhecimento básico de cinema, no que tange à expressão através de sua linguagem e aos aspectos técnicos e econômicos da sua realização, os cineclubes podem e devem atuar como núcleos geradores, desse conhecimento. Se efetivadas essas possibilidades de distribuição, nada poderá impedir que os cineclubes possam exercer também uma função de realização, ajudando a transformar o Super 8 de simples aparato tecnológico em instrumento a serviço da comunicação e expressão humanas. A Jornada recomenda aos cineclubes que encarem a possibilidade de substituir os cursos tradicionais de cinema por formas ativas de transmissão de conhecimento, que incorporam a utilização do Super 8 [...]. (IX JORNADA NACIONAL DE CINECLUBES, 1975)

Como podemos constatar, os cineclubistas já estavam interessados em implantar a tecnologia e as possibilidades da bitola às práticas dos cineclubes, tendo em vista, até sua incorporação, em tese, ao pretendido ‘mercado alternativo’ de filmes, juntamente à bitola 16mm. No item dois, “A função do Cineclubismo”, do documento “Avançar com o trabalho Cineclubista” da XII Jornada Nacional de Cineclubes (Caxias do Sul – RS), datado de 1978, podemos averiguar os mesmos apontamentos, nestes seguintes artigos: 6 – Incentivo à produção cinematográfica dos cineclubes através da organização de centros de produção, junto às federações, procurando reunir equipamento a ser utilizado pelos cineclubes. 7 – Lutar por meios que permitam a obtenção de financiamento para a produção cinematográfica dos cineclubes, realizada de forma independente pelos cineclubistas. 8 – Promover a circulação da produção em filmes Super 8, tanto no âmbito regional de funcionamento da Dinafilme, como também em nível nacional (XII JORNADA NACIONAL DE CINECLUBES, 1978).

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Contudo, nas palavras do mesmo documento, este “[...] texto foi elaborado, numa tentativa de exprimir a posição da maioria dos cineclubes paulistas e cariocas, junto com outros cineclubes do resto do país, com vistas à eleição da diretoria do CNC.”, que aconteceria em breve. Ou seja, deve ter sido redigido como forma de ‘atender’, pelo menos em teoria, às reivindicações dos grupos cineclubistas descontentes como o movimento vinha sendo gerido, pois: “[...] este trabalho [...] [representava] a expressão programática da posição que [...] [sustentava] a [...] diretoria do CNC. [na época], [...] [e encontrava-se] inteiramente em aberto a sugestões e críticas que [...] [poderiam] surgir em relação à sua orientação e às suas propostas.” (XII JORNADA NACIONAL DE CINECLUBES, 1978). Como vimos, haviam muitas críticas à diretoria do CNC, que na época era administrada pela Federação dos Cineclubes do Rio de Janeiro. Esta, por sua vez, era acusada, em artigo na revista Cine Olho, de ter um projeto que era “uma defesa do antigo projeto de cinema popular dos tempos do Cinema Novo”, e que, no entanto: [...] o que se vê é um aproveitamento da rede cineclubista como um meio barato de divulgação, sob o pretexto de compromisso cineclubista com o cinema brasileiro. [...] Na verdade, este projeto [...] vem defender interesses econômicos, atuando como mão de obra barata a serviço da divulgação/promoção dos filmes, a serviço dos interesses dos produtores. [...] a estreita ligação Embrafilme – cúpula do movimento cineclubista é um fato por demais revelador[...] (SEIXAS p. 6, dez. 1977).

Em contraponto a estas críticas feitas à diretoria do CNC, fazem-se as seguintes proposta: [...] um cineclubismo [...] [que interfira] 92

de forma efetiva na produção e discussão cinematográfica vem exigir uma reformulação das atividades que se destinam aos cineclubes, vem exigir um projeto que venha defender um cinema independente, [...] com um atuação aguda, inquieta e descomprometida dos interesses econômicos [...]; a definir uma atuação que permita romper com a divisão cineclubista-realizador (SEIXAS p. 6, dez. 1977).

E mais especificamente em relação à realização de filmes: Como projeto de realização propomos a utilização do Super –8, dada as facilidades de acesso econômico que proporciona. Entende-se como uma necessidade orgânica o avanço da atuação do S-8 na produção cinematográfica, como um exigência vital a sua efetiva participação na produção cultural. [ E assim] À Dinafilme, como distribuidora do movimento cineclubista, se exige assumir o compromisso de distribuição desta produção. É uma contradição clara o cineclubismo, enquanto circuito paralelo, se negar a distribuir o S-8. Na verdade tal negativa é mais uma faceta do envelhecimento da proposta atual do movimento. [...] Seria uma proposta estatutária que a Dinafilme encampasse a distribuição destas produções, para efetivar o seu compromisso com o cinema independente (SEIXAS p. 6, dez. 1977).

Então, como podemos observar, depois deste quadro de fatos, acontecimentos, discordâncias, etc., podemos dizer que a produção independente sempre sofreu. Desde a retomada do movimento cineclubista, e do maior interesse do Estado ditatorial no campo do cinema, houveram diversas discussões, apontamentos, atitudes, mas não o suficiente para deixar todos ou pelo menos boa parte dos interessados contentes. No entanto, podemos observar que em torno desta área cultural aconteceu, durante a década de 1970, uma intensa movimentação, sujeita em grande parte a injunções de mercado e a divergências ideológicas. A Dinafilme é

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mostra deste impulso; da tentativa de um ‘mercado paralelo’ também é, e a produção em Super – 8 é mais um fator que traz novas possibilidades e também desavenças dentro desse processo. Referências bibliográficas ASSIS, Joaquim. Filme Cultura. Rio de Janeiro – RJ: Embrafilme, ano 8, nº25, mar. 1974. p. 45. Entrevista. ANTOUN, Henrique. Censura Retém Filmes em Brasília. Cine-Olho: Jornal bimensal do Centro de Artes Cinematográficas – PUC-RJ, Rio de Janeiro, ano I, nº3, p. 10, dez. 1977. BERNADET, Jean-Claude. Cine-Olho: Jornal bimensal do Centro de Artes Cinematográficas – PUC –RJ, Rio de Janeiro – RJ , pg. 6, jun. 1977. Entrevista. ______. Cinema Brasileiro: Proposta para uma História. Editora Paz e Terra S.A. Rio de Janeiro. 1979. CINE – OLHO: JORNAL DO CENTRO DE ARTES CINEMATOGRÁFICAS – PUC-RJ. Iris. Rio de Janeiro – RJ, ano I, nº 3, dez. 1977. CURTA-METRAGEM. Filme Cultura, Rio de Janeiro – RJ: Embrafilme, ano 8, nº25 , maio 1983. p. 37. DIEGUES, Cacá. Cine-Olho: Jornal bimensal do Centro de Artes Cinematográficas – PUC-RJ, Rio de Janeiro, p. 13-15, jun. 1977. Entrevista. FERNANDES, Ana Lúcia Cunha. Cinema e Política: O movimento estudantil a Faculdade Nacional de Filosofia nos anos 60. Cinemais: Revista de Cinema e outras questões audiovisuais. Rio de Janeiro – RJ, n. 10, p. 111-119, abr. 1998. FILME CULTURA. I Congresso da Indústria Cinematográfica Brasileira. Rio de Janeiro – RJ: Embrafilme, ano 6, nº22, nov./ dez. 1973. p. 10.

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DOI: 10.5433/2237-9126.2011anoVn9p95

Galinhas Verdes ou Galos de Briga? Neointegralistas, memória militante e o uso da charge como estratégia política Odilon Caldeira Neto Possui graduação em História pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e mestrado em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Atualmente, é doutorando em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É pesquisador associado ao Grupo de Pesquisa “Integralismo e outros movimentos nacionalistas” (UFF/CNPq) e ao GT “Estudos Políticos e Militares Contemporâneos” (UEL/ ANPUH).

Resumo

Após a morte de Plínio Salgado, principal liderança do integralismo desde os anos 1930, os atuais militantes (neointegralistas) buscam rearticular o movimento político de inspiração fascista, levando em conta não somente a tradição histórica do movimento, mas também os limites impostos – inclusive endógenos – pelo contexto histórico aos chamados camisas-verdes. Desta maneira, estes militantes almejam retomar o movimento de uma maneira crítica, ao mesmo tempo em que celebram o passado considerado pujante. Objetiva-se, neste trabalho, analisar o papel da mascote de um grupo neointegralista específico – Galo Tupã, símbolo do MIL-B – neste embate entre história e memória, sobretudo no aspecto militante da causa. Palavras-chave: Neointegralismo; Memória; História.

Abstract

After the death of Plinio Salgado, leader of integralism movement since early 1930, today’s activists (neointegralists) search to rearticulate the political movement of fascist inspiration, taking into account not only the historical tradition of the movement, but also the limits – including endogenous – the historical context of the “green Shirts”. Thus, these aims militants resume movement in a critical manner, while in the past which conclude vigorous considered. Objective, in this work was to analyze the function of the mascot of a specific neointegralist group – “Galo Tupã”, a symbol of the MIL-B – in this dispute between history and memory, especially in the aspect of the militant cause. Keywords: Neointegralism, Memory, History.

Recebido em: 23/09/2011

Aprovado em: 25/10/2011

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Odilon Caldeira Neto

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No âmbito da história política brasileira, o integralismo teve um período de maior destaque e relevância institucional, justamente durante a existência legal e trajetória da Acção Integralista Brasileira (AIB), isto é, entre os anos de 1932 e 1937. Fundada oficialmente em 07 de outubro de 1932, a AIB teve como órgão precedente a Sociedade de Estudos Políticos (SEP), movimento cívico e cultural organizado por algumas lideranças – muitas das quais emergentes – da direita brasileira do período, tanto alguns representantes de círculos do conservadorismo católico, ou mesmo entusiastas do fascismo, uma então nova “onda” que despertava anseios políticos e iniciativas diversas ao redor do mundo. A SEP tinha por objetivo congregar diversos intelectuais em uma causa comum: a discussão, sob a ótica do grupo, do que julgavam os mais urgentes problemas nacionais e, sobretudo, as possíveis resoluções que a SEP poderia propor à sociedade brasileira. Ainda em 1932, durante a terceira reunião do grupo, foi proposta a criação de um movimento de âmbito político institucionalizado, iniciativa esta preconizada pelo próprio fundador e líder da SEP, que mais adiante seria também chefe nacional da AIB e dos demais grupos e organizações integralistas: Plínio Salgado. Salgado havia sido, até dado momento, indivíduo de baixa relevância no cenário político nacional (ex-deputado estadual pelo Partido Republicano Paulista – 1928) e um emergente jornalista e romancista do período.

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Havia, ainda, participado do movimento modernista (Semana de Arte Moderna), sobretudo por meio da obra intitulada “O Estrangeiro”. Quando da formalização do surgimento da Acção Integralista Brasileira, o movimento contava com um baixo número de militantes, tanto que a primeira aparição pública dos camisas-verdes (referente ao uniforme que utilizavam) contou com aproximadamente quarenta militantes, no ano de 1933. Neste primeiro momento, a AIB conseguiu aglutinar, ainda que sob um contingente numericamente limitado, importantes nomes da direita fascista e protofascista em atuação no Brasil, inclusive de grupos mais antigos, como a Legião Cearense do Trabalho e a Ação Imperial Patrionovista, além de membros de outros movimentos diversos, como o Centro Dom Vital. Ainda durante o ano de 1933, a AIB contou com a adesão de – entre tantos outros – dois importantes nomes que, juntos ao chefe nacional Plínio Salgado, formariam a tríade chefia dos camisas-verdes: Gustavo Barroso (comandante-geral das milícias integralistas, setor de fundamentação paramilitar do grupo) e Miguel Reale (chefe de doutrina da AIB). Após as chamadas “bandeiras integralistas”, viagens efetuadas pelos maiores líderes da AIB, aos rincões do país afim de divulgação do ideal movimento, a AIB notabilizou um crescimento considerável, sendo que até o período final de atuação legal do movimento em 1937, números

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oficiais propagandeavam cerca de um milhão de camisas e blusas-verdes, ao passo que estimativas historiográficas sinalizam com a metade deste número, valor ainda assim significativo para o padrão da época. Independentemente da disparidade existente entre o montante oficial de membros da AIB e os possíveis levantamentos e estimativas atuais (ou futuras) da historiografia e áreas afins, o fato é que a AIB tornou-se um movimento e partido político de amplitude e relevância nacional, algo até então raro, sobretudo para os chamados movimentos de direita. Diante desta perspectiva, inclusive, torna-se evidente a pertinência da proposição de Cavalari (1999), para quem a AIB foi, no âmbito da direita, o primeiro partido político de massa no Brasil. Esta conquista do integralismo no decorrer de sua atuação nos anos 1930 (AIB), foi determinada não somente por conta das condições propícias do contexto histórico do período, isto é, o fim da chamada República Velha e o surgimento de novos atores políticos e, sobretudo, a possibilidade da inserção de agremiações políticas distantes do então modelo tradicional. Além desta abertura de um campo propício para a atuação de novas instituições, a Acção Integralista Brasileira construiu um complexo e elaborado sistema de representações e máquina simbólica, que auxiliavam a atuação mais tradicional do movimento frente aos militantes e inclusive na conquista de novas adesões. Além de um grande arcabouço de obras doutrinárias, que eram (re)elaboradas e disseminadas por meio de um grande conglomerado de jornais e periódicos do movimento – a cargo da Sigma Jornaes Reunidos, a AIB contava com elementos estéticos de grande importância, como estandartes, uniformes e o símbolo Sigma (∑), que resumia, representava e caracterizava

a essência do integralismo, além de rituais e festividades que incorporavam e aglutinavam a militância e as mais altas patentes da hierarquia integralista em uma condição comum, um corpus totalitário e totalizante. É possível, portanto, compreender como peças gráficas das mais variadas configurações e instâncias foram importantes para a criação, formação, manutenção e disseminação deste movimento político de massa dos anos 1930. Esta condição – grandiosa à época – não significou, no entanto, a conquista plena do poder pelos integralistas, ao menos não conforme suas pretensões. Com o golpe do Estado Novo, que contou inclusive com a participação e anuência da alta hierarquia integralista, o movimento/partido foi posto na ilegalidade, da qual só retornou efetivamente após 1945, quando da formalização da criação do Partido de Representação Popular (PRP), principal órgão integralista do pós-guerra, também liderado por Salgado. Uma condição esteve inserida no integralismo em diversos momentos, fosse ao início da década de 1930, até o período do pós-guerra e ainda no tempo presente: a incisiva crítica e práticas anticomunistas. Do mesmo modo que o integralismo usou (e, certo modo, abusou) da construção de um imaginário e de um mito de um grande complô e perigo comunista por sobre o Brasil, os movimentos, partidos e intelectuais contrários ao integralismo também elaboraram diversas estratégias críticas aos camisas-verdes, muitas das quais depreciativas e que buscavam desconstruir as condições conquistadas pelo movimento durante sua atuação, sobretudo na fase da AIB. Provavelmente, um dos maiores exemplos desta disputa entre integralistas e antiintegralistas, que envolvia tanto disputas

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políticas institucionais, quanto níveis subalternos e do próprio imaginário social da época, foi o caso da criação da alcunha “galinhas verdes”, aplicada aos integralistas. Esta alcunha, que procurava ridicularizar o discurso de força e bravura dos militantes integralistas foi – e é – empregada de um modo geral e irrestrito aos militantes de diversas épocas, embora tenha sido construída a partir de um evento específico, conhecido como a “Batalha da Praça da Sé”. Em meados de 1934, a atuação e disputa entre organizações políticas fascistas e antifascistas (assim como novos atores do cenário político nacional, como forças liberais, ou mesmo agentes governamentais), geraram diversos conflitos de rua entre militantes destas agremiações, sobretudo os defensores do fascismo (no caso, evidentemente, os integralistas) e seus adversários, como a Frente Única Antifascista e, principalmente, a Aliança Nacional Libertadora. Durante visita de Plínio Salgado à cidade de Bauru (interior de São Paulo) em 03 de outubro de 1934, uma confusão que supostamente envolveu militantes comunistas e camisas-verdes, resultou no assassinato de Nicola Rosica, militante integralista local, que fora alvejado por um tiro. Deste episódio, houve o surgimento dos chamados mártires integralistas (diversos militantes integralistas que morreram em “batalha” pela defesa dos ideais dos camisasverdes), além do acirramento das disputas entre militantes integralistas e antifascistas de variadas matizes. Quando da morte de Rosica, já estava agendada previamente a realização de uma manifestação integralista na Praça da Sé, região central da capital paulista, em ocasião da comemoração de dois anos da AIB – 07 de outubro de 1934. Tal evento formalizaria mais uma manifestação pública, que serviria tanto para afirmar as 98

principais reivindicações dos integralistas, quanto demonstrar sua força e contingente. Como o prelúdio já havia sinalizado, o episódio tornou-se palco de uma intensa batalha entre membros da AIB e militantes antifascistas. De acordo com Castro (2002), membros de diversas organizações (e não somente a ANL, conforme versão propagada durante anos) encurralaram membros da AIB, que não tiveram outra escapatória, senão a fuga. Deste episódio, além de quatro integralistas mortos e dezenas de feridos, nasceu a alcunha “galinha verde”, pois os antifascistas julgavam que a fuga dos integralistas seria exemplo síntese da suposta frouxidão moral dos camisas-verdes, tidos então como medrosos tal qual galinhas em fuga. A representação jocosa de galinhas verdes para com os militantes integralistas tornouse, então, uma arma na luta antifascista. Esta prática persistiu inclusive após o fim do AIB. De acordo com Alves (1981), durante reunião entre Plínio Salgado e integralistas membros do PRP, manifestantes soltaram galinhas pintadas de verde em frente ao Teatro Municipal do Rio de Janeiro, para constranger e inviabilizar o encontro. Isto demonstra, portanto, que havia ainda a necessidade do integralismo em desvencilhar desta suposta covardia que passou a figurar no imaginário da época, marcando não somente o evento específico, mas também toda a atuação dos integralistas, em diversos momentos históricos. O PRP, segunda organização integralista mais importante após a AIB, buscou articular esta e outras questões caras à trajetória do integralismo, sobretudo no contexto do pós-guerra e da resignificação atribuída aos movimentos fascistas. Conforme apresenta Christofoletti (2011), este foi um aspecto estratégico

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para o PRP, justamente para não ocorrer o esvaziamento da militância integralista do partido. Esta dinâmica se deu, portanto, principalmente a partir da segunda metade da década de 1950, quando o partido passou a retomar algumas simbologias da AIB – tal qual o Sigma, e buscou, ainda, rearticular outros pressupostos integralistas dos anos 1930, como festividades, entre outros elementos emocionalmente caros a uma parcela significativa do PRP, que estavam em crescente descontentamento até dado momento. Neste aspecto, a questão das galinhas verdes também mereceu atenção. Em 1952, Plínio Salgado inaugurou a Confederação dos Centros Culturais da Juventude (CCJ), espaços destinados à formação contínua da juventude nos moldes integralistas da década de 1930. Desta maneira, os membros dos CCJ eram considerados autênticos integralistas, ao passo que no PRP estavam presentes tanto políticos de carreira, quanto remanescentes e entusiastas integralistas1. Para apagar a questão das galinhas verdes, os membros dos CCJ eram chamados de águias brancas, em contraposição à alcunha depreciativa de outrora. Os caminhos do integralismo e, consequentemente, as estratégias evidentes de construção da memória do movimento em seus diversos momentos, estiveram ligadas desde o início às deliberações do chefe nacional Plínio Salgado, de modo que a herança do integralismo em sua fase principal sempre esteve agregada junto à imagem e estratégias políticas de Salgado, fosse ao momento de fundação do PRP (1945), até a participação de alguns militantes integralistas

e de Plínio Salgado na ditadura civil-militar pós 1964 (TRINDADE, 1994). Desta maneira, é plausível supor que a forma que o integralismo lidava com sua própria história (mitos fundadores, máculas, atos de heroísmo etc.) era basicamente a expressão máxima das deliberações de Plínio Salgado nesse sentido. Esta dinâmica permaneceu, portanto, até 1975, momento da morte de Salgado. Após o falecimento do líder integralista, teve início o fenômeno e as disputas entre grupos neointegralistas, diminutas organizações que reivindicam a condição de legítimos herdeiros do integralismo e que, cada qual à sua maneira, busca lidar com o passado e a memória militante, sobretudo do período da AIB. Até o início do Século XXI, os grupos neointegralistas eram extremamente dispersos e as poucas iniciativas de busca por institucionalização política foram marcadas pela efemeridade. Como observa Carneiro (2007), muitas destas disputas envolveram desde o relacionamento de algumas coletividades neointegralistas com grupos neonazistas e de skinheads (sobretudo os Carecas do ABC), até divergências relacionadas a estratégias políticas (principalmente a questão da possibilidade de organização partidária) e de compreensões e possibilidades de atualização e visão crítica sobre a doutrina integralista dos anos 1930. A última iniciativa no âmbito de criação de um movimento coeso e uniforme se deu no ano de 2001, quando da realização do I Congresso Integralista para o Século XXI, na cidade de São Paulo. Divergências internas e questões jurídicas2 impossibilitaram tal

Isto, evidentemente, não significava que os membros integralistas do PRP fossem menos integralistas que os águias brancas. O nome escolhido para o grupo – Movimento Integralista Brasileiro – já havia sido registrado anteriormente por um militante integralista, impossibilitando a efetivação do grupo. Sobre esta questão específica, cf. CARNEIRO (2007).

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iniciativa e tornaram ainda mais evidente as cisões existentes entre as correntes neointegralistas. Deste episódio, surgiram os três principais grupos neointegralistas em atividade: Frente Integralista Brasileira (FIB), Movimento Integralista e Linearista Brasileiro (MIL-B) e Ação Integralista Revolucionária (AIR), sendo que os dois primeiros são os mais ativos – ainda que em moldes tímidos. Enquanto a FIB e a AIR buscam manter as tradições integralistas dos anos 1930 (embora a AIR considere a iniciativa partidária da AIB pós-1935 um equívoco), o MIL-B postula a necessidade de atualização de alguns elementos do integralismo dos tempos da AIB, não por conta de supostas falhas da AIB,

mas devido ao desenvolvimento científico e filosófico das últimas décadas. Desta maneira, o grupo defende a compreensão do grupo como o integralismo do Século XXI, uma atualização natural do Sigma no tempo presente – o linearismo. Este aspecto de atualização do integralismo para o Século XXI se dá também no âmbito da memória integralista, inclusive no caso particular da questão das galinhas verdes. Fazendo referência ao integralismo histórico da AIB, mas também projetando atuação no tempo presente e rearticulando a memória militante, o MIL-B utiliza do Galo Tupã como mascote, representando, portanto, os laços entre o integralismo dos anos 1930 e as ambições do neointegralismo.

Figura 1. – Galo Tupã. Disponível em: <http://www.integralismolinear.org.br/site/imagens/tupa.jpg> (Acesso em 13 nov. 2011).

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O Galo Tupã surge, portanto, como uma antítese à galinha verde. O aspecto físico forte, peito estufado e feições ríspidas conferem a Tupã a condição de um galo de briga que, na ótica dos membros do MIL-B, representaria os anseios do grupo, prontos para destruir os inimigos do Brasil. O nome do galo é, evidentemente, uma estratégia de outorgar um sentido nacionalista ao mascote, uma representação do verdadeiro sentimento patriótico que seria encontrado somente no integralismo linearista. Tupã é representado trajando uma camisa polo de cor verde e calções pretos, referência às camisas verdes e calças pretas da AIB. Há ainda, na camisa, o símbolo Sigma (AIB) e o elo estilizado, símbolo do linearismo, buscando a determinação, portanto, do suposto caráter indissociável entre o integralismo histórico e o linearismo na atualidade. A charge do Galo Tupã é veiculada principalmente por meio dos sites oficiais do MIL-B3 o que, ao invés de determinar importância secundária ao mascote do movimento, cumpre função diametralmente oposta, tendo em vista que o principal meio de comunicação, divulgação e debates do MIL-B e demais grupos neointegralistas ocorrem justamente na internet. Desta maneira, o mascote é apresentado na página inicial do site do MIL-B, sob a seguinte legenda: “Tupã, o Galo Verde Integralista e Linearista, esmaga o Verme Comunista-Liberal, gerado no ventre do Grande Capital Financeiro Internacional”. A charge e a respectiva legenda podem ser encaradas, ainda, como indícios das afinidades do grupo com determinada parcela doutrinária da AIB.

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Dentre os ideólogos da AIB, os principais foram justamente os três grandes líderes do movimento – Plínio Salgado, Miguel Reale e Gustavo Barroso (ainda que outros como Olbiano de Mello tenham desempenhado importa função nesse sentido). Cada um destes autores abordou questões específicas em suas obras doutrinárias, de modo que Plínio Salgado dedicou-se mais profundamente à elaboração geral sobre as fundamentações espirituais e morais do integralismo, ao passo que Miguel Reale, fazendo jus ao cargo ocupado (chefe de doutrina), buscou formular as bases essenciais para o Estado Integral, adaptando e articulando a doutrina do Sigma aos preceitos do corporativismo fascista, sobretudo do caso italiano. Gustavo Barroso, por sua vez, dedicouse sobretudo à denúncia dos supostos inimigos do integralismo. Na visão de Barroso, o integralismo estava destinado a ser o único movimento capaz de barrar as obras de um complô histórico por sobre o Brasil. Este complô, segundo Barroso, seria uma obra diabólica engendrada por uma elite judaica que, em diversas frentes de batalha – comunismo, judaísmo, maçonaria e liberalismo – desarticulavam a nação e escravizava o povo brasileiro desde os primeiros momentos da colonização portuguesa. Obras como “História Secreta do Brasil”, “O Integralismo e o mundo”, “O que o integralista deve saber” etc., eram destinadas a denunciar e “comprovar” aspectos deste complô subalterno. O teor discursivo destas obras, apesar de pautadas na suposta realidade nacional, dialogava constantemente com a literatura antissemita em então evidência na época,

Cf. http://www.integralismolinear.org.br (MIL-B) e http://www.sene.org.br (SENE – Sociedade de Estudos do Nacionalista Espiritualista, que funciona como um órgão complementar ao MIL-B, local de debates e discussões de cunho intelectual).

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sobretudo na Europa. Barroso foi tradutor e comentador da primeira versão lançada no Brasil de “Os Protocolos dos Sábios de Sião” (1937), obra apócrifa que, embora publicamente desconstruída (Cohn, 1976), serviu de inspiração para inúmeros autores antissemitas por todo o mundo. Um destes autores foi o francês León de Poncins, autor de “As forças secretas de Revolução” (1937), em que denunciava um suposto complô envolvendo principalmente os judeus nas agitações revolucionárias. Poncins tornou-se uma grande referência para Barroso, de modo que o autor integralista reproduziu e incorporou a seguinte frase em obras de sua autoria, como “Brasil: Colônia de Banqueiros” (1936): “Trotsky e Rotschild marcam a amplitude do espírito judaico; estes dois extremos abrangem toda a sociedade, toda a civilização do Século XX.”. Esta frase sintetiza diversos elementos presentes na obra de Gustavo Barroso, sobretudo a denúncia das facetas que o suposto complô judaico de dominação mundial assumiria, apresentando elementos contrastantes e divergentes, de modo a ludibriar a população do país em relação aos efetivos interesses de uma pequena elite judaica por sobre a população. Desta maneira, o comunismo e o capitalismo eram, para Barroso, nada além do que duas facetas de uma mesma moeda, ambas com ações determinadas por tal “espírito judaico”. O radicalismo do discurso antissemita de Barroso, embora possa ser tomado como uma estratégia de disputa de poder com outros nomes da alta hierarquia da AIB, acabou por gerar uma corrente interna dentro

da própria AIB, corrente esta caracterizada justamente por este discurso antissemita, com devidas variações e gradações. Além de Barroso, integralistas como Anor Butler Maciel (“Nacionalismo – O problema judaico e o nacional-socialismo”) e Oswaldo Gouvêa (“Os judeus no cinema”) tinham um discurso com forte antissemitismo, inclusive com aproximações com o nacional-socialismo alemão. Levando em conta esta questão, ao atentarmos novamente para a charge do Galo Tupã (e sua respectiva legenda), é possível traçar um paralelo entre a imagem e a frase de Poncins, utilizada por Gustavo Barroso. O verme antropozoomórfico atacado pelo Galo Tupã é bicefálico, sendo que na cabeça da esquerda há o símbolo comunista (foice e martelo) e na cabeça da direita o cifrão, em referência ao capitalismo. Além disto, a similaridade entre o “comunista” e León Trotsky é evidente. Não por acaso, a figura do capitalista por sua vez é facilmente identificável com a representação do judeu historicamente existente em representações artísticas antissemitas: nariz adunco (representação étnica) e cartola, fazendo referência à usurpação e ao banqueirismo (“argentarismo”), compreendidas enquanto práticas genuinamente judaicas, discurso presente de modo praticamente perene em todas as obras integralistas de Gustavo Barroso e autores afins. Esta questão sinaliza, portanto, a predileção do MIL-B por uma parcela da doutrina integralista, ainda que isto não signifique necessariamente o abandono do arcabouço doutrinário de outros autores4.

Sobre a relação dos grupos neointegralistas com a questão do antissemitismo, cf. CALDEIRA NETO, Odilon. 2011.

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Figura 2. Trotsky. Disponível em: < http:// www.marxismo.org/files/trotsky2.jpg> (Acesso em 13 nov. 2011).

Figura 3. Detalhe “verme”. Recorte do autor sobre imagem. Disponível em: <http://www.integralismolinear. org.br/site/imagens/tupa.jpg> (Acesso em 13 nov. 2011).

É possível observar, portanto, os usos políticos de determinada charge, em diversas instâncias. De modo imediato, a representação do integralismo como um galo de briga articula a memória militante, buscando tornar um aspecto problemático do movimento como um princípio de louvor, de orgulho. Estando o problema resolvido, o MIL-B conseguiria articular suas propostas de modo mais efetivo. Além disto, nota-se a predileção dos linearistas por determinados autores integralistas, o que, embora não configure uma depreciação de outros ideólogos dos camisas-verdes, corrobora a hipótese que o MIL-B está posicionado numa perspectiva mais crítica ao integralismo, tanto do ponto de vista histórico quanto sobre as possibilidades estratégicas. A partir do momento em que o MIL-B almeja solucionar um problema do integralismo histórico, ele também demonstra

uma iniciativa em apresentar um integralismo repaginado, não necessariamente do ponto de vista ideológico (embora esta prerrogativa possa estar subentendida na perspectiva do grupo), mas sobretudo na estratégia de posicionamento frente os problemas encontrados pelo grupo. Esta posição de “combate” deve ser compreendida, portanto, não somente contra os inimigos enunciados (no caso, o capitalismo e o comunismo), mas também em referência ao suposto complô subalterno citado. Além disso, há ainda a questão da existência dos grupos neointegralistas em atuação (principalmente a Frente Integralista Brasileira). Ao caracterizar o Galo Tupã com o Sigma e o Elo, o integralismo linearista busca agregar significado e legitimar a sua proposição em frente à disputa pela herança integralista. A disputa política se dá, portanto, não somente com os inimigos

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dos integralistas (os evidentes e os não tão evidentes, sob a ótica e pressupostos militantes), mas também aos que almejam a herança dos camisas-verdes no Século XXI. Apesar desta disputa e atuação dos grupos neointegralistas estarem reduzidas na internet em sua quase totalidade, é importante observar como o processo político e a constante transformação – ativa e passiva – da memória auxiliam a compreensão do ritmo histórico, evidenciados, neste caso, por meio da produção de uma charge permeada de significados históricos e estratégias políticas.

CASTRO, Ricardo Figueiredo de. A Frente Única Antifascista (FUA) e o antifascismo no Brasil (1933-1934). Topoi, Rio de Janeiro, dezembro 2002. CAVALARI, Rosa Maria Feiteiro. Integralismo: ideologia e organização de um partido de massa no Brasil (1932 – 1937). Bauru: EDUSC, 1999. CHRISTOFOLETTI, Rodrigo. Rapsódia verde: as comemorações do jubileu de prata integralista e a manutenção de seu passado/presente (19571958). Revista Brasileira de História. São Paulo. V. 31, n.61, p. 145-165, 2011. COHN, Norman. A conspiração mundial dos judeus: mito ou realidade? (Análise dos Protocolos e Outros Documentos). São Paulo: IBRASA, 1969. PONCINS, Léon de. As forças secretas da Revolução: Maçonaria, Judaísmo. 2ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1937.

Bibliografia ALVES, Ivan. Guerras: As duas grandes para não falar das outras. Rio de Janeiro: Otto Pierre Editores, 1981. BARROSO, Gustavo. Brasil – Colônia de Banqueiros (História dos empréstimos de 1824 a 1934). 5. Ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1936.

TRINDADE, Hélgio. O radicalismo militar em 64 e a nova tentação fascista. In: SOARES, Gláucio Ary Dillon; D’ARAÚJO, Maria Celina (Orgs.). 21 anos de regime militar: balanços e perspectivas. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 1994.

CALDEIRA NETO, Odilon. Integralismo, Neointegralismo e Antissemitismo: entre a relativização e o esquecimento. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2011.

Sites Consultados

CARNEIRO, Márcia Regina da Silva Ramos. Do sigma ao sigma – entre a anta, a águia, o leão e o galo – a construção de memórias integralistas. Tese de doutorado (História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007.

SENE (Sociedade de Estudos do Nacionalismo Espiritualista)-http://sene.org.br

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Marxism – http://marxism.org MIL-B (Movimento Integralista e Linearista Brasileiro)-http://integralismolinear.org.br;

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DOI: 10.5433/2237-9126.2011anoVn9p105

“Felizmente existem os restos”: Sobras de Geraldo de Barros e a autobiografia através da fotografia Priscila Miraz de Freitas Grecco Doutoranda do Programa de Pós-graduação da UNESP – Assis, em História, com trabalho voltado para a pesquisa em fotografia moderna no Brasil e no México. Mestre em História da América com a dissertação “De uma máscara a outra: a questão da identidade em El laberinto de la soledad, de Octavio Paz”. Tem experiência docente em História do Brasil Republicano e Prática de Ensino e Estágio Supervisionado I.

Resumo

Geraldo de Barros foi um artista extremamente frutífero, grande divulgador da arte brasileira pelo mundo. Neste artigo pretendemos tratar de sua obra fotográfica, mais especificamente sua última produção, a série Sobras. Neste trabalho Geraldo retoma fotografias de familiares, de viagens, e realiza intervenções como recortes, inclusão e exclusão e sobreposição de fundos, pessoas e objetos, espaços que passam a ser preenchidos por recortes em branco ou preto. Nossa proposta é apresentar essa série de Geraldo como uma maneira de fazer autobiografia. Em Sobras, Geraldo reinventa sua relação com o tempo, com a memória. Quando trata os espaços das fotografias pessoais como espaços construtores, no mesmo ato constrói sua memória, sua autobiografia. Palavras-chave: fotografia; autobiografia; memória.

Abstract

Geraldo de Barros was an extremely fruitful artist, great popularizer of the Brazilian art world. In this article we intend to deal with his photographic work, specifically his latest production, the series on. In this paper Geraldo takes photographs of family, travel, and performs interventions like indentations, inclusion and exclusion and rollover funds, people and objects, spaces that become filled with clippings in white or black. Our proposal is to present this series of Gerard as a way to make autobiography. About Geraldo reinvent their relationship with time, with the memory. When treats spaces as spaces of personal photographs builders, simultaneously builds his memory, his autobiography. Keyword: photography; autobiography; memory.

Recebido em: 25/08/2011

Aprovado em: 05/10/11

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Priscila Miraz de Freitas Grecco

“Felizmente existem os restos”: sobras de Geraldo de Barros e a autobiografia através da fotografia

Introdução Geraldo de Barros (1923-1998) foi pintor, designer, fotógrafo. Nasceu no interior de São Paulo, em Xavantes, mudando-se com a família para a capital em 1930, depois da crise do café. No ano de 1946 começa seus estudos de desenho pintura e fotografia. Seu nome aparece ligado à modernização da arte brasileira. E para além do desenvolvimento de uma atividade artística em particular, sem qualquer tentativa de identificação, mais como uma forma de insistência e ressonância em nós quando lemos sobre ele, quando encontramos com sua obra, temos o eco de sentidos (mais do que as palavras como definidoras), como inquieto, curioso e criativo e toda a gama de sinônimos que possam ter. Segundo Rubens Fernandes Júnior, antes de a fotografia ser vista como a expressão que reúne tendências diversas das artes visuais, há mais de cinqüenta anos Geraldo de Barros entendeu que a fotografia era uma possibilidade para a transição de suportes expressivos: Foi o primeiro artista brasileiro que teve a coragem de desafiar os cânones estabelecidos até então pela fotografia ao inaugurar um novo momento, reverenciando criativamente a mais popular das manifestações visuais. Criou uma espécie de ‘síntese inquieta’, onde exercitou

formas elaboradas a partir de um projeto construtivo coerente e conciso que rompeu com o imobilismo da fotografia brasileira no final dos anos 1940 (FERNANDES JÚNIO in: BARROS, 2006, p. 15)

Encontramos em Geraldo uma trajetória intelectual muito distinta das de seus contemporâneos, sempre marcada pela inquietude, pela procura incessante de novos meios de expressão para sua arte, e para o que prezava acima de tudo no fazer artístico: a liberdade do artista para experimentar além dos cânones estabelecidos. Geraldo participou ativamente dos movimentos artísticos de São Paulo. Acompanhou a fundação do Museu de Arte de São Paulo, marco da modernização do pensamento e da cultura. Em 1949 foi convidado por Pietro Maria Bardi, fundador e diretor do MASP, para montar, junto com Tomaz Farkas e German Lorca1 o laboratório de fotografia do museu, que funcionou no prédio dos Diários Associados, introduzindo pela primeira vez a fotografia no âmbito das Belas Artes (FERNANDES JUNIOR in: BARROS, p. 15). A década de 1950 foi intensa na produção de Geraldo: participou do movimento Ruptura, com Waldemar Cordeiro, Luiz Sacilotto e outros, que se manifestou por

Rubens Fernandes Junior em dois textos cita apenas Tomaz Farkas como associado de Geraldo de Barros na fundação do laboratório da fotografia do MASP. Já Helouise Costa cita além deles, German Lorca. Optamos por manter os dados de Helouise. As obras mencionadas são: BARROS, Geraldo de. Sobras. Texto e organização de Rubens Fernandes Júnior. São Paulo: Cosac Naify, 2006, p. 15; FERNADES JR.,Rubens. A fotografia expandida. Tese de doutoramento apresentada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2002, p. 176; COSTA, Helouise & SILVA, Renato Rodriguez da. A fotografia moderna no Brasil. São Paulo: Cosac Naif, 2004, p. 43.

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“Felizmente existem os restos”: Sobras de Geraldo de Barros e a autobiografia através da fotografia

uma arte que fosse liberada do “hedonismo figurativo” anunciando o movimento da arte concreta no Brasil; recebe o prêmio pelo cartaz comemorativo do IV Centenário da Cidade de São Paulo; participa da primeira Exposição Nacional de Arte Concreta; funda o grupo Forminform, primeiro ateliê de grafismo do país; abandona o construtivismo geométrico e se interessa pela arte pop como projeto de crítica social; associa-se a Nelson Leinier e Wesley Duke Lee e funda a galeria Rex Gallery and Sons, precursora do movimento de pop arte brasileiro e dos primeiros happenings de São Paulo. Paralelamente desenvolveu seu trabalho como designer: em 1954, junto com o padre dominicano Frei João Batista Pereira dos Santos funda a comunidade de trabalho Unilabor, fábrica de móveis com regras coletivas de gestão, no qual se mantém até 1964, quando se une a Aluísio Bioni, marceneiro com o qual havia trabalhado na Unilabor e juntos criam a fábrica de móveis Hobjeto que logo será uma das mais importantes do país (FAVRE in: BARROS, p. 162 – 174). Sempre imaginativo, inconformado com limites e regras duras, sempre questionador e experimentador, até o fim de sua vida Geraldo de Barros produziu e sempre de novas formas. Sua última produção foi a reconstrução de sua própria vida, de seu trabalho: Sobras.

Fotoformas: nem sujeito, nem objeto O trabalho de Geraldo de Barros com a fotografia começou por volta do ano de 1946. Nesse ano já havia freqüentado como aluno o ateliê de Clóvis Graciano2 e mais tarde o de Takaoka3. Foi o amigo e também artista plástico Athaide de Barros, que o apresentou à fotografia, como um meio de ganhar algum dinheiro fotografando times de futebol amador nas periferias de São Paulo. Geraldo aceita o convite, a sua primeira câmera fotográfica será uma construída por ele mesmo, seguindo instruções de uma manual de ofícios. Assim começa sua descoberta das técnicas fotográficas. Alguns anos mais tarde, também com Athaide, Takaoka (com quem havia aprendido rudimentos de pintura) e Antonio Carelli e outros artistas que procuravam um lugar para pintar, criou o Grupo XV, um ateliê no centro de São Paulo. Uma das salas do Grupo XV foi adaptada e nela construído um pequeno laboratório fotográfico. Nesse momento Geraldo já havia comprado sua Rolleiflex 1939 (FAVRE in: BARROS, 2006, p. 162). Fotografando as ferragens da Estação da Luz descobre as possibilidades da fotografia fazendo superposições de imagens. Quando resolve se dedicar à fotografia, busca o único lugar em São Paulo dos anos de 1940 que reunia amadores de fotografia: o Foto Cine Club Bandeirantes, do qual se torna associado em 1947.

Clóvis Graciano (1907-1988) foi pintor, desenhista, cenógrafo, figurinista, gravador e ilustrador brasileiro. Foi integrante do Grupo Santa Helena ao lado de outros artistas da época, como Francisco Rebolo, Mario Zanini, Aldo Bonadei, Fúlvio Pennacchi, Além de Alfredo Volpi, inspiração para Clóvis. Amigo de Portinari, foi estudar em Paris onde aprendeu técnicas para pinturas murais. De volta ao país realizou diversos painéis como o mural Armistício de Iperoig, ma FAAP, em 1962. Foi diretor da Pinacoteca do Estado de São Paulo. Suas obras estão em museus do Brasil e outros países do mundo. 3 Yoshiya Takaoka (Tóquio, 1909 – São Paulo, 1978) imigrante japonês, chegou ao Brasil em 1925 para trabalhar na lavoura cafeeira em Cafelândia. Em 1929 muda-se para a cidade de São Paulo, onde para se manter trabalha como caricaturista, pintor de parede e vendedor de pastéis. Estudou na Escola Profissional Masculina do Brás. Aos poucos foi fazendo amizades com artistas brasileiros. Estudou mosaico em Paris. Expôs na Bienal de São Paulo, no Salão Paulista e no Salão Nacional de Belas Artes. 2

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Sua posição no Bandeirante não foi muito confortável. Suas experiências com riscos nos negativos, as múltiplas exposições de imagens e a reivindicação de integrar o aleatório em sua percepção da fotografia provocam violentos debates nas reuniões do clube. Quando foi criticado por não se preocupar o bastante com a técnica pura, retrucou: “Todo artista deve ser completamente livre, ter compromisso apenas consigo próprio” (FAVRE in: BARROS, 2006, p. 163). Rubens Fernandes Júnior em seu texto (As) Simetrias que compõe o volume Sobras: Geraldo de Barros exemplifica a relação conflituosa de Geraldo no Bandeirante. Segundo ele, no Boletim do Foto Cine Clube Bandeirante de janeiro de 1950, encontramos uma discussão sobre o conteúdo de uma fotografia de Geraldo submetida ao critério de avaliação do clube. A discussão se mostra interessante porque se trata de uma avaliação pública de uma fotografia com tema dado pelo fotoclube, Marginal, Marginal. A fotografia apresentada por Geraldo foi um auto-retrato que contém a idéia de movimento através da maneira ruidosa com que os dedos da mão foram retratados. Jacob Polacow, que orientou a avaliação do concurso, conclui que o grande mérito da fotografia foi apresentar recursos que permitiram dentro de uma arte estática, conseguir traduzir o movimento com propriedade. Eduardo Salvatore, presidente do Bandeirante, chegou a pedir explicações a Geraldo quanto à correlação entre o tema dado e a fotografia apresentada, já que para ele ficou muito mais a idéia de uma pessoa querendo entrar em um lugar ou mesmo chamar a atenção de alguém dentro da casa. Para Fernandes Júnior o julgamento dessa fotografia de Geraldo não conseguir alcançar o que ela tinha de transformador. A descrição técnica que acompanhou a fotografia na 108

avaliação dizia: Aparelho Rolleiflex, Filme Plus – X, 8 minutos de exposição, filtro vermelho. Diafragma feito com cartão perfurado com alfinete, segundo técnica já adotada em trabalho anterior (APUD FERNANDES JUNIOR in: BARROS, 2006, p. 17).

Usando um cartão perfurado para substituir o obturador e o longo tempo de exposição, Geraldo já estava experimentando com a fotografia, não em seu tema, mas em sua linguagem. Nas observações, tanto de Polacow quanto de Salvatore, o que podemos entender é que naquele momento no Bandeirante, o que interessava era o tema, mais do que inovação técnica, a experimentação com a linguagem fotográfica. Essa mesma fotografia será avaliada ainda no ano de 1950, para compor a exposição individual de Geraldo, Fotoforma, e ganha o título de “Thalassa... Thalassa (Auto-retrato/ homenagem a E. Pound) (FERNANDES JUNIOR in: BARROS, 2006, p. 16 – 18).

Thalassa....Thalassa (auto-retrato/homenagem a E. Pound).

Em seu trabalho sobre o Foto Cine Clube Bandeirante, Helouise Costa e Renato Silva afirmam que Geraldo de Barros foi o primeiro fotógrafo moderno do Bandeirante. Até

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então o processo fotográfico tradicional que se constitui em fotografar, revelar e ampliar, havia se mantido sem alterações. Geraldo foi o primeiro integrante do clube a realizar intervenções neste processo, questionando profundamente os limites da linguagem fotográfica (COSTA & SILVA, 2004, p. 43). Desenvolveu uma intensa pesquisa com o abstracionismo, expandindo as fronteiras da fotografia, diluindo as limites que a separavam convencionalmente das artes plásticas: Partindo de imagens captadas da natureza, Geraldo de Barros transgredia a realidade da cena fotografada através de inúmeras intervenções. Múltiplas exposições de uma mesma chapa, recortes, superposições e desenhos executados diretamente sobre o negativo, montagens fotográficas, cortes nas cópias já prontas, enfim, procedimentos que denotavam sua vontade de criar uma ordem autônoma para a fotografia (COSTA & SILVA, 2004, p. 43).

A exposição individual de Geraldo de Barros, Fotoformas apresentou ao público brasileiro um trabalho considerado precursor da arte de vanguarda no Brasil. Nas fotos dessa exposição, segundo Costa & Silva (2004), predominou o construtivismo, apesar de seu autor não ter um projeto teórico que o norteasse formalmente em sua pesquisa.

Fotoformas

Fotoformas

Mas, nos apoiando em Fernandes Júnior (2006) não podemos esquecer que Geraldo tinha entrado em contato com o trabalho de Mário Pedrosa, sua tese defendida em 1949 na Faculdade Nacional de Arquitetura do Rio de Janeiro, intitulada Da natureza afetiva da forma na obra de arte, sobre a teoria da Gestalt 4. Essa aproximação conceitual, mesmo que de forma intuitiva, representou uma nova direção para o trabalho Geraldo de Barros. Mas não só a Gestalt pode ser sentida em Fotoformas. Nos anos de 1950 aconteciam em São Paulo numerosos encontros e debates com intelectuais europeus exilados no Brasil durante e após a Segunda Guerra Mundial, contribuindo para que se criasse um vínculo entre as problemáticas artísticas internacionais, seus gostos, sua experiência profissional e sua cultura: o Brasil moderno do pós-guerra (GIRARDIN in: BARROS, 2000, 17). As experiências feitas pelas vanguardas dos anos de 1920 e 1930 pelos fotógrafos europeus e americanos certamente foram descobertas por Geraldo. O concretismo de suas fotografias pode ser identificado com as tendências abstracionistas encontrada na Europa desses anos de 1920 e 1930, como podemos ver, por exemplo, nos trabalhos de Man Ray, Moholy – Nagy, Brassai e Mondrian.

Fotoformas

A Teoria da Gestalt ou Teoria da Forma surgiu na Alemanha e se desenvolveu nos anos de 1920 no contexto das grandes reviravoltas nas ciências e na filosofia Gestalt é a palavra alemã para configuração, organização, ou ainda, em tradução mais livre, forma, padrão referindo-se a um todo. Privilegia em suas investigações fenômenos de inter-relação, ordenação e organização das formas (FERNANDES JUNIOR in: BARROS, 2006, p. 18).

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Sua fotografia provocou espanto por trazer um olhar totalmente distante do automatismo da câmera fotográfica associada a visão e identificação quase instantânea do objeto, a uma visão que de certa forma se pode anteceder os resultados. Em Fotoformas Geraldo usa sobreposições, intervenções nos negativos, riscando-os com buril, pintando-os com nanquim, recortando-os, prensando-os em placas de vidro, solarizando as imagens, “retirando da fotografia toda sua ‘veracidade’ e valorizando e explicitando a idéia elaborada a partir de um projeto pré-visualizado”. No catálogo da exposição, Pietro Maria Bardi escreveu sobre as fotografias de Fotoformas: Geraldo vê, em certos aspectos os elementos do real, especialmente nos detalhes, geralmente escondidos, sinais abstratos fantasiosos, olímpicos: linhas que gosta de entrelaçar com outras linhas numa alquimia de combinações mais ou menos imprevistas e, às vezes, ocasionais, que acabam sempre compondo harmonias formais agradáveis. A composição é, para Geraldo, um dever, ele a organiza escolhendo no milhão de segmentos lineares que percebe, sobrepondo negativo sobre negativo, modulando os tons de suas únicas cores que são o branco e o preto, reforçando as tintas naquele seu trabalho de laboratório tão cuidadoso e agradável (APUD: FERNANDES JUNIOR, 2002, p. 177).

Seu processo de criação tinha como princípio entender a fotografia como construção. Em Fotoformas vemos que Geraldo retira quase que totalmente os traços que poderiam identificar o objeto fotografado, criando um espaço com formas e linhas que se harmonizam quando o olhar do observador intui entre eles algum movimento. Existe em suas fotografias

abstratas, construtivas uma criação de formar através de uma articulação plástica entre linhas e espaços esvaziados. O catálogo da exposição Geraldo de Barros, fotógrafo, no Museu da Imagem e do Som (MIS), em 1994, publicou um texto do próprio Geraldo falando sobre seus procedimentos em fotografia: A fotografia é para mim um processo de gravura. Defendi esse pensamento quando tentei introduzi-la como categoria artística na 2ª Bienal de São Paulo. Acredito também que é no “erro”, na exploração do acaso, que reside a criação fotográfica. Me preocupei em conhecer a técnica apenas o suficiente para me expressar, sem me deixar levar por excessivos virtuosismos. Sempre trabalhei com uma câmera Rolleiflex 1939, que me possibilita duplas ou mais exposições do filme, o que me permite compor quando fotógrafo. Acredito que a exagerada sofisticação técnica, leva a um empobrecimento dos resultados, da imaginação e da criatividade, o que é negativo para a arte fotográfica (APUD FERNANDES JUNIOR, 2002, p. 177).

Depois de Fotoformas Geraldo se afasta da fotografia. Sua exposição fez muito sucesso e rendeu a ele uma bolsa para estudar fotografia no exterior. Geraldo não a aceitou e escolheu ir à Paris estudar pintura por um ano no qual, apesar de não estar mais filiado ao FCCB5, trabalhou como correspondente de Boletim (BFC – fev. a nov. de 1951). Quando retornou ao Brasil, sua atuação nos meios artísticos foi bastante grande, compondo o núcleo de artistas concretistas brasileiros. Podemos acompanhar através do Boletim Foto Clube, por exemplo, a participação de Geraldo como articulador na inclusão do FCCB na II Bienal de São Paulo em 1954 (COSTA & SILVA, 2004, p. 45).

Abreviação que usaremos para nos referir ao Foto Cine Clube Bandeirantes.

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“Se só guardamos lembranças dos momentos tristes ou alegres: enlouquecemos. Felizmente existem os restos” 6 Em 1975, quando sua filha Fabiana de Barros lhe entregou as caixas de negativos esquecidos, contatos nunca ampliados, cópias já um pouco apagadas de fotografias familiares e de viagem das décadas de 1940 e 1950, Geraldo de Barros se animou a fazer uma nova série fotográfica depois de um longo período sem trabalhar com fotografia. No entanto essas fotografias ainda permaneceram guardadas (salvo uma parte delas, exposta na Bienal de Veneza de 1979), até o ano de 1988, quando Geraldo já estava sofrendo com as limitações motoras decorrentes de quatro isquemias. Vivia em uma cadeira de rodas e comunicava-se com dificuldade. Com a ajuda da fotógrafa e sua assistente naqueles anos, Ana Moraes, realizou então mais de 250 recortes em minúsculos negativos selecionados entre as fotografias encontradas. A caixa trazida pela filha depois de muito tempo perdida no armário colocou à sua frente imagens de uma vida, de sua vida, e lhe deu a possibilidade de criar a partir das fotografias classicamente entendidas como memória, a vida possível em suas condições físicas. Selecionou, organizou, recortou, colou usando suas técnicas criadas no começo de sua carreira, para respirar outros ares, para fazer o que sabia bem: inventar. A série que Geraldo de Barros criou a partir das fotografias dos anos de 1940-1950 o manteve ocupado até o ano de sua morte, em 1998. O título escolhido para as série resultante desse trabalho foi Sobras.

Quando olhamos as fotografias da série nos toca uma fina melancolia, mas também alguma coisa que não deixa de se aproximar de certo júbilo. Podemos dizer mesmo que estão cheias de humor. Isso se deve ao que Rubens Fernandes Júnior traduziu como correspondente a um duplo requisito: a produção da subjetividade e a recusa de submeter a fotografia aos limites de sua própria linguagem (BARROS, 2006, p. 31). Seria uma tensão entre a câmera e sua suposta objetividade, e a intervenção plástica apontando para a reconstrução do tempo da memória, alheio ao tempo cronológico.

Sobras

Em Sobras encontramos espaços em branco ou preto ocupando o lugar do que antes estava preenchido por corpos, árvores, casas, céus, montanhas. Uma fotografia de um campo com uma árvore à esquerda e duas pessoas próximas à direita tem as figuras humanas retiradas e em seu lugar o preto colocado formando as siluetas das pessoas que estavam ali. Em outra, um fundo preto e duas crianças, uma em pé com as mãos na cintura em primeiro plano, e outra no canto

“Se só guardamos lembranças dos momentos tristes ou alegres: enlouquecemos. Felizmente existem os restos”. Frase de Geraldo de Barros reproduzida no livro BARROS, Geraldo de. Sobras. Texto e organização de Rubens Fernandes Júnior. São Paulo: Cosac Naify, 2006, p. 40 – 42.

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esquerdo, um pouco afastada, sentada de costas. Vemos montanhas retiradas dos fundos da paisagem, árvores contornadas pela tesoura, ziguezagues nos campos de neve entre esquiadores, esquiadores que se tornaram siluetas negras curvadas, teleféricos recortados e colados sobre um fundo preto, de ponta cabeça, invertidos, pessoas com contornos brancos lhe acompanhando o corpo, como um tremor, um soluço visível, uma gagueira do olho. É interessante notarmos como Geraldo transforma as fotografias de viagens e familiares, suportes que guardam momentos triviais, fotografias com intenção de ser objetivas para apreender uma realidade passada, para documentar e arquivar a vida, uma lembrança, em material para desconstruir – reconstruir esse passado, para recontá-lo. Mais uma vez Geraldo questiona e prova a não objetividade da fotografia, e nega também, no mesmo ato criativo, o que Bourdieu chamou de “ilusão biográfica”, ou seja, a idéia do senso comum da biografia concebida como “uma história e o relato dessa história” seguindo uma direção linear, cronológica, o que para ele seria aceitar a filosofia da história como sucessão de acontecimentos (BOURDIEU, p. 183-184). Mary Del Priori em seu artigo “Biografia: quando o indivíduo encontra a história”, trata da diferença entre a biografia literária e a histórica. Essa discussão também surge no texto de Bourdieu, mas de maneira distinta. Del Priori se propõe a fazer um recorrido da relação entre a biografia e historiografia, ressaltando alguns momentos importantes e decisivos para ambas. Em Bourdieu a mudança de enfoque, de entendimento da biografia, passando a existir o questionamento da vida como existência dotada de significação e de direção, e o abandono da estrutura

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linear do romance. Aponta essa ruptura na literatura com a publicação de O som e a fúria, de William Faulkner, que exprimiria a vida como anti-história da maneira proposta por Shakespeare no final de Macbeth, relação explícita no próprio título de Faulkner: O amanhã, o amanhã avança em pequenos passos, de dia para dia, até a última sílaba da recordação e todos os nossos ontens iluminaram para os loucos o caminho da poeira e da morte. Apaga-te, apaga-te, fugaz tocha! A vida nada mais é do que uma sombra que passa, um pobre histrião que se pavoneia e se agita uma hora em cena e, depois, nada mais se ouve dele. É uma história contada por um idiota, cheia de fúria e tumulto, nada significando (SHAKESPEARE, 1978, p. 186).

Para Bourdieu seria lógico pedir auxílio para a literatura, pois ela já havia passado pelo rompimento com a tradição dentro de seu próprio terreno, com a descoberta que ressalta Robbe-Grillet, de que o real é descontínuo, de elementos justapostos sem razão, surgidos de modo incessantemente imprevisível, aleatório (BOURDIEU, 1998, p. 185). No caso de Geraldo encontramos reiteradamente a marca de rupturas com as técnicas artísticas e fotográficas, o uso de sobreposições de imagens, a fragmentação, o recorte como técnica criativa. Sempre curioso e inquieto, inventou e reinventou formas de expressar o que para ele era o mais importante no fazer do artista: sua liberdade. E sua liberdade que exerceu quando recortou, esvaziou, preencheu, riscou, colou suas fotografias dos anos de 1940 e 1950. Invenção de si e de seu trabalho. Geraldo não aceitaria uma biografia coerente, com começo, meio e fim. Fez com que as imagens de seus anos de juventude se tornassem sua vida na velhice, seus movimentos vistos quando a impossibilidade de realizá-los com braços, pernas, mãos.

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Para ele a fotografia era o trabalho com os fragmentos. Sempre se permitiu recortar os negativos, desenhá-los, interferir na matriz, ou seja, se permitiu uma dessacralização da técnica fotográfica. Suas alterações sempre foram construtivas de uma linguagem fotográfica. Dessacralização do cronológico que deseja impor uma ordem alheia, externa. A ordem de Geraldo sempre foi a sua possível.

Sobras

Assim, a descontinuidade, a superposição de imagens, tempos, formas são o seu trabalho. Segundo Fernandes Junior (2006), sua obra pode ser entendida como feita de camadas, espécie de palimpsesto de memórias, e que conforme as camadas são retiradas compreendemos a harmonia que pretendeu entre as formas que criou. Geraldo cria uma nova história para suas imagens que sofreram uma ruptura em seu percurso quando foram guardadas: novamente ele surpreende e cria uma nova linguagem plástica. Para Reinhold Misselbeck (1999), a redescoberta das fotografias de uma temporada de esqui na Argentina, de suas inúmeras viagens, de paisagens, de sua própria família, foi uma maneira de “socializar” essas lembranças pessoais: arrancou suas lembranças pessoais de seu contexto privado, desfez esse contexto, e coloco-as à disposição da coletividade:

“Transformou-as em obras que revelam uma faceta completamente nova de sua visão de artista concretista” (MISSELBECK, 1999, p. 75). Essa colocação de Misselbeck é importante porque podemos dizer que Geraldo concebeu seu pensamento visual baseado na idéia de trabalho coletivo, e não só da maneira como está posto em Sobras, mas como algo inerente ao pensamento do artista sobre o que seria e como poderia ser executada a arte de forma geral. Para ele a apropriação de imagens não seria um problema, mas apenas uma das formas de se fazer a fotografia: Um negativo achado, todo riscado e empoeirado, se fornece um bom resultado fotográfico, a fotografia é de quem a realiza e não de quem expôs o negativo” (apud FERNANDES JUNIOR in: BARROS, 2006, p. 37).

Assim, seu trabalho é sempre dependente de outro que vai transformar sua idéia, um pensamento em cadeia, coletivo, ramificado. Afirma uma característica que manteve presente em seu trabalho: saber compartilhar informações e articular pessoas a sua volta para colaborar na produção da obra. O entusiasmo por ser a arte o que se compartilha. Quando começa a fazer a série Sobras, já não tinha condições físicas para pintar ou fotografar da maneira tradicional. O trabalho com os recortes das velhas fotografias foi um desafio que só pode superar com a ajuda de Ana Moraes. Ela recortava as imagens sob sua supervisão, as colava com fitas adesivas, e assim, entre as “sobras” de recortes novas formas surgiam. O clássico registro do tempo, do passado cristalizado na imagem que guardaria eternamente o instante vivido é alterado. Os personagens endurecidos no

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tempo da fotografia são recolocados em novas relações que dizem agora de um tempo sem nome, entre o gesto imobilizado do passado e o que foi deslocado no presente que se afirma. Cria outra relação com o tempo: cria o tempo. Não resgata silêncios e vazios. Esses silêncios sentidos, os vazios que surgem são o presente da criação, são Geraldo de Barros.

a outra. Elas só podem existir da maneira como são na pessoa do artista: sua obra e sua vida. Os espaços que emergem são espaços construtores, são novas possibilidades do corpo, novidades para os deslocamentos alterados pela doença. Para Geraldo não é novidade a criação de uma vida: tudo é invenção. Toda paisagem é invenção. O corpo é uma invenção. Lembrar não é um ato passivo, é um ato de imaginação. Considerações finais

Sobras

Seu último trabalho equilibra vivacidade e multiplicidade das fotos de férias e a rigidez do pensamento das estruturas geométricas. Retirou elementos básicos da composição fotográfica a transformou nas áreas negras introduzidas no que antes poderia ser uma paisagem, uma casa, uma pessoa, no foco principal da fotografia. Os elementos figurativos que restam nas fotografias parecem que recuam se posicionam não tanto à margem, mas atrás dessa estrutura recém-chegada. Para Misselbeck (1999) esses figurativos remanescentes funcionam como acessórios narrativos, apenas indícios de que ali existiu outra história. Construção de uma identidade. Necessidade de reconhecimento por si próprio. Um meio de resistência. Um processo de subjetivação. A manipulação artística de Sobras permite a convivência da arte concreta e das fotos de férias que não tem nada a ver uma com 114

As discussões sobre as biografias, autobiografias, escritas de si, trouxe para História a possibilidade de trabalhar com outras fontes, com outros objetos, assim como as dificuldades inerentes a elas, como a maneira de se abordar essas fontes, que metodologia usar, que critério de verdade histórica. Dentre essas novas fontes encontramos diários, cartas, coleções de fotografias, cartões postais. Os livros guardados em uma biblioteca particular pode dizer de quem os possuía, a maneira de os organizar nas estantes, assim como as anotações de leitura feitas nos livros. Como nos mostra Priscila Fraiz (1998) em seu artigo sobre os arquivos de Gustavo Capanema, a organização de um arquivo pessoal pode ser entendida como um projeto autobiográfico. O desmonte e reorganização de fotografias pode ser uma autobiografia. Talvez o mais difícil dentro dessa questão seja a subjetividade da documentação, já que a escrita de si carrega consigo a subjetividade de quem a escreveu e, dessa forma, a verdade dada por esse autor. A produção de escrita de si busca dar testemunho, e através desse testemunho, do que diz na primeira pessoa, está a força, a prova da sua verdade, a autoridade sobre o que fala, usando de sinceridade, exprimindo sua singularidade.

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Sendo assim, o que passa a importar é a visão deixada naquele registro, a maneira de expressar essa visão usada pelo autor, não o fato de participar ou não de determinada verdade histórica. Esse processo de subjetivação é composto por um conjunto de práticas estabelecidas como produção de si, que comporta desde produções mais diretas, mais objetivas nesse sentido, como um diário, a autobiografia, a confissão, como as práticas mais indiretas que dão corpo a uma produção de memória de si, que materializam essa memória, como cartas (não só as recebidas, mais os rascunhos das que foram enviadas), cartões postais, fotografias, enfim, tudo o que possa ser guardado, arquivado, registrado como prova de existência, que dê àquela vida e ao mundo em que está, determinado significado. O que se tem aqui, como ponto central, é a construção de uma identidade através de seus próprios documentos, de seu próprio testemunho (onde a identidade do autor e do texto são criados simultaneamente pela escrita de si), através de determinadas práticas culturais que ganharam essa especificidade com o advento do individualismo moderno. Seria, no entanto, impossível contar a história de uma vida, sem um esforço para unificá-la, para totalizá-la, para dominar o tempo, ordená-lo, já que possui ritmos diferentes, se diferenciando em diacronia e sincronia. Nesse sentido, existem os mecanismos sociais, incentivando a formação dessa unidade através do que Foucault chamou de “adestramento de si”. Justamente pelo indivíduo moderno ser descontínuo, fragmentado, que essas práticas culturais de construção de si, que favorecem a lógica da continuidade, dando ordenamento ao caos do cotidiano, certa clareza ao vivido, são possíveis, são antes desejadas e abundantemente executadas.

No que diz respeito à relação do texto produzido pela escrita de si e seu autor, entendemos que essa escrita constrói, ao mesmo tempo, a identidade do autor e a do texto. É uma criação simultânea, que converge para uma outra idéia, a da não existência de um autor, mas de um “editor”, que conforme ordena o trajeto de uma vida, o tempo dessa vida, constrói um autor e uma narrativa. Essa idéia é reforçada pelo uso que o indivíduo moderno fez da escrita de si. Dentre muitos, o principal foi o de autocontrole, de controle do tempo em busca de estabilidade, de permanência, de unidade. Pode-se dizer, assim, que apesar de não poder abrir mão da lógica, da racionalidade em sua “montagem”, as biografias e autobiografias não são “rígidas”, são antes formadas por tempos, por sutilezas, por sentimentos que burlam o previsível, o contável e que, na medida do possível, devem integrar o resultado final, no trabalho do historiador. Como mostramos no curso do artigo, a biografia de Geraldo de Barros, como a de qualquer outra pessoa pode ser montada seguindo uma ordem cronológica, criando uma coerência entre as fases da trajetória de vida, do trabalho realizado. Se a biografia histórica tem sua importância na relação que estabelece entre o indivíduo e a história de seu tempo, a relação de Geraldo de Barros com o mundo da arte de seu tempo é logo percebida: provocou uma mudança enorme e irreversível na arte. Sua obra é uma boa parte da modernidade da fotografia brasileira. No entanto, quando deslocamos a construção da vida para a autobiografia, Geraldo de Barros se torna um contra-exemplo do “adestramento de si”, da necessidade de criar uma coerência cronológica no contar de sua vida. Parece querer negar a objetividade das fotografias que tiveram por décadas o encargo de serem memória e registro de

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uma vida. Subverte essa função primeira e lhe dá outra, a de ser a lembrança exercida no presente, a lembrança ativa e construtiva. Sobras se torna uma autobiografia rebelde. Afirmativa de uma vida rebelde, que se mostra muito bem humorada em ser mais uma vez rebelde. Ela não se mostra como uma cabeça saudosa voltada para o passado. Não se propõe a nenhum encerramento, a nenhuma narrativa memorialística. Ela exerce o que é pretensão das autobiografias: a vida. Ainda bem que Sobras é o resto.

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Geraldo de Barros – Auto – retrato.

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Domínios da Imagem, Londrina, ano V, n. 9, p. 105-116, outubro 2011


Normas para Publicação

A Revista Domínios da Imagem é uma publicação dirigida pelo Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem na História – LEDI, um projeto integrado (pesquisa/extensão) do Departamento de História e está vinculada ao Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Paraná – Brasil. Tal iniciativa tem como objetivo difundir o diálogo intelectual entre pesquisadores(as) que atuam em diferentes regiões do país e no exterior, bem como fomentar a interlocução entre distintas áreas que tratam dos domínios da imagem. A Revista Domínios da Imagem tem periodicidade semestral, com fluxo contínuo para o recebimento de artigos e resenhas. Conta com um Conselho Editorial e Científico e um Conselho Consultivo, compostos por pesquisadores(as) ligados(as) à várias universidades brasileiras e estrangeiras. Solicitamos aos(as) nossos(as) colaboradores(as) que enviem seus trabalhos para o endereço eletrônico que segue ao final destas normas, atendendo as seguintes especificações: • 1 (uma) folha contendo os seguintes dados de identificação: seção para a qual envia o trabalho (artigos ou resenhas), título do texto, nome completo do(s) autor(es), instituição a que pertence, titulação, endereço completo, telefone, fax e endereço eletrônico; • Os textos devem ter a seguinte formatação: editor Word for Windows, fonte Times New Roman, tamanho 12, espaço entrelinhas 1,5 cm. e com margens de 3 cm; • Todos os textos deverão ser submetidos após revisão ortográfica e gramatical; • Os artigos devem ter a extensão de 08 a 25 laudas, no máximo, incluindo imagens; • As notas deverão ser colocadas em nota-de-rodapé, as referências aos/às autores/as no corpo do texto entre parênteses e as referências bibliográficas completas no final do texto; • Os artigos serão acompanhados de título, resumo e abstract de, no máximo, 10 linhas e de 03 palavras-chave em português e em inglês, além de um breve currículo do(a) autor(a) ou autores(as) (incluindo instituição e titulação); • Os artigos e as resenhas em inglês, francês e espanhol serão publicados na língua original, sem a necessidade de título, resumo e palavras-chave em português; • As resenhas poderão ter entre 03 e 05 páginas e deverão vir acompanhadas de 03 palavraschave em português e em inglês; • As fotografias, ilustrações e/ou gráficos deverão vir em preto e branco, com resolução mínima de 300 dpi, desde que as fontes sejam devidamente mencionadas e autorizadas, respeitando a legislação em vigor; • Caso o trabalho/pesquisa e/ou experiência didática tenha apoio financeiro de alguma agência de fomento, esta deverá ser mencionada em nota-de-rodapé. • Caberá ao(a) Editor(a) responsável, a decisão referente à oportunidade da publicação das contribuições recebidas.

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Normatização das notas: • SOBRENOME, Nome. Título do livro em itálico:subtítulo. Tradução. edição, Cidade: Editora, ano, p. ou pp. • SOBRENOME, Nome.Título do capítulo ou parte do livro. In: Título do livro em itálico. Tradução, edição, Cidade:Editora, ano, p. x - y. • SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Título do periódico em itálico.Cidade: Editora, vol., fascículo, p. x-y,ano. • SOBRENOME, Nome. Título da tese em itálico:subtítulo. Tipo do trabalho: Dissertação ou Tese (Mestrado ou Doutorado, com indicação da área do trabalho) – vinculação acadêmica, local e data de apresentação ou defesa, mencionada na folha de apresentação (se houver), página citada. • AUTOR(ES). Denominação ou título:subtítulo. Indicações de responsabilidade. Data. Informações sobre a descrição do meio ou suporte. (Para suporte em mídia digital) Obs: para documentos on-line, são essenciais as informações sobre o endereço eletrônico apresentado entre sinais < >, precedido da expressão “disponível em” - e a data de acesso ao documento, antecedida da expressão “acesso em”.

Os textos deverão ser submetidos através do seguinte endereço: http://www.uel.br/revistas/dominiosdaimagem/index.php/dominios

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