Jornal Movimentos n.3

Page 3

MOVIMENTOS | 3

LUTA PELA DEMOCRACIA

São Paulo sob governo tucano: um Estado Policial

Estado Policial e Penal Embora o conjunto das legislações nacionais e os tratados internacionais proíbam e condenem os atos violentos contra a população, o fato é que vivemos num Estado Policial e Penal. “Trata-se de um Estado Policial e Penal extremamente habituado a policiar, julgar, condenar e punir uma ampla parcela de seus cidadãos e cidadãs, sobretudo a maioria mais pobre e negra. Um Estado célere para praticar prisões preventivas e manter presas, sem julgamento, pessoas que na maior parte das vezes cometeram (ou supostamente cometeram) pequenos delitos.” Esta é a constatação do relatório assinado por 59 organizações sociais e de direitos humanos entregue aos poderes Legislativo e Executivo do Estado de S. Paulo, em audiência na Assembleia Legislativa, dia 9 de junho.

Roberto Parizotti

No estado de S. Paulo, entre o ano de 2000 e o primeiro semestre de 2009, segundo dados da Secretaria de Segurança do Estado de S. Paulo do governo tucano, os policiais provocaram 5.288 mortes entre a população. Nesta guerra, morreram 355 policiais. As vítimas são, em sua maioria, jovens, pobres e negros. O País continua batendo recordes de homicídios, chegando a 48 mil mortes anuais. De acordo com informações da própria Secretaria de Segurança Pública do governo tucano, entre o primeiro trimestre de 2009 e o primeiro trimestre de 2010, a taxa de ocorrências policiais que acabaram em homicídios e foram registradas como “resistência seguida de morte” aumentou em 40% no Estado. As populações que mais sofrem estão nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Philip Alston, relator da ONU sobre execuções extrajudiciais, em recente visita ao Brasil, comenta: “Autos de Resistência continuam”. Alston refere-se a mortes causadas pela Polícia que são depois relatadas como tendo ocorrido em autodefesa. “Houve pelo menos 11 mil mortes registradas como ‘resistência seguida de morte’ em São Paulo e no Rio de Janeiro entre 2003 e 2009.” Entretanto, segundo as evidências, um número elevado dessas mortes é caracterizado pelos especialistas como sendo meras execuções.

Polícia do Serra, violência contra trabalhadores Audiência pública na Alesp A audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e presidida pelo deputado José Candido (PT) contou com representantes do Movimento de Defesa dos Direitos Humanos, entidades vinculadas ao Movimento Negro, várias organizações nacionais, a Frente Parlamentar de Promoção Social e Igualdade Racial da Assembleia, além do jurista Hélio Bicudo, do coronel Luiz Castro Júnior, chefe da Diretoria de Polícia Comunitária de São Paulo, e de deputados. Essas presenças garantiram um intenso debate sobre as denúncias de vítimas da violência policial. Bicudo ressaltou que a impunidade e o julgamento dos crimes cometidos pelos policiais por um Tribunal de Justiça Militar contribuem para o aumento do número de casos de violência cometidos pelos policiais.“A polícia mata, pois encontrou, no próprio Ministério Público, uma justificativa para isso”, de acordo com o noticiário da Alesp. Grupos de extermínios Para o ex-deputado estadual Renato Simões, secretário nacional de Movimentos Populares do PT, o crescimento da violência policial causa preocupação, “Vivemos hoje um crescimento da violência policial, até com a atuação de grupos de

Documento entregue às autoridades estaduais em 9 de junho. Demissão imediata do secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Sr. Antonio Ferreira Pinto; demissão imediata do comandante geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, coronel PM Alvaro Batista Camilo; tipificação dos casos de violência policial, que resultem ou não em mortes, como crimes de tortura, conforme a Lei 9455/97; instituição de uma CPI das Polícias de São Paulo, que vise desmantelar milícias, apurar denúncias/crimes e punir responsáveis; fortalecimento das Ouvidorias e Construção de uma Corregedoria única, autônoma, controle e fiscalização por parte da sociedade civil; desmilitarização e unificação das polícias; debate público sobre o conteú­do teórico e prático de formação para

policiais, bem como a instituição de um grupo de trabalho por esta casa, para elaboração de legislação sobre forma e o conteúdo do treinamento e formação de policiais; criação de grupos de trabalhos temáticos que provoquem debates públicos e elaborem projetos de lei que atendam as seguintes demandas: fim do registro de “Resistência seguida de morte” ou “Auto de resistência” para as execuções sumárias; fim dos fóruns privilegiados para autoridades e polícias; exigência de indenizações para todas as vítimas de violência e/ou seus familiares; federalização de processos; fim das ações violentas em despejos e reintegrações de propriedades; direitos humanos para população indígena e LGBTT; debate público e elaboração de políticas de Estado de promoção da reparação histórica dirigida à população negra e indígena.

Renato Simões

Cotidiano explosivo faz parte dos bairros pobres A insegurança povoa as comunidades pobres, especialmente da cidade de S. Paulo. O caso extremo aconteceu em maio de 2006, quando a cidade, juntamente com todo o Estado, viveu, por alguns dias, um verdadeiro estado de sítio atribuído às determinações do crime organizado. Entre os dias 12 e 17 daquele mês de maio, segundo o Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio, 505 civis morreram entre as 564 pessoas assassinadas. O governo paulista considera a informação do Conselho Regional de Medicina do Estado, que é menor: 493 mortos, entre eles 47 agentes de segurança pública. A tragédia de maio de 2006 levou os familiares das vítimas a criarem um grupo denominado “Mães de Maio”, que exige esclarecimentos e punição dos responsáveis pelos homicídios. Por outro lado, a violência em São Paulo é assunto de órgãos internacionais. O Relatório Anual sobre Direitos Humanos da Anistia Internacional de 2010 denuncia a Operação Saturação, cuja ação é ocupar uma comunidade por períodos prolongados com o argumento de combate ao narcotráfico, como aconteceu em fevereiro de 2009, no Jardim Paraisópolis, zona nobre paulistana. Há denúncias de uso abusivo da força, intimidações, revistas arbitrárias, extorsão e roubo por parte dos policiais.

Torturas e justificativas No meio policial há uma cultura de extrair confissões mediante atos violentos, herança dos anos de chumbo. O relatório de 2007 da ONU sobre a tortura no Brasil denuncia a prática sistemática e generalizada, principalmente em suas carceragens e penitenciárias. O uso da tortura na atividade policial é prática corrente e diária. As vítimas são, em sua maioria, jovens, afrodescendentes, moradores de áreas pobres, autores ou suspeitos de crimes comuns. O ano de 2010 já presenciou atrocidades, como o caso Eduardo Luís Pinheiro dos Santos e Alexandre Santos. Motoboys e negros. Eduardo foi encontrado morto em 10 de abril, com claros indícios de torturas. Alexandre foi espancado até a morte diante da mãe, na porta de sua casa. “Eu tentava segurar a mão do policial e pedia pelo amor de Deus para que ele parasse de bater no meu filho”, disse a mãe. Tanto a Guarda Municipal (GSM) como a polícia estadual intensificaram a violência contra a população neste primeiro semestre, denuncia o documento entregue à Alesp. Segundo informações da Secretaria de Segurança, em 2009, foram registradas 549 mortes em confronto com policiais. Quase 30% a mais que em 2008. A justificativa para o aumento da violência vem das próprias autoridades: “Nós fizemos 124 mil prisões no

ano inteiro. Nessas prisões, em operações de risco, é natural que ocorra a morte. Se for do marginal que reagiu, é melhor a morte do criminoso do que a do policial, que está arriscando a vida em benefício da sociedade, não é verdade?”, disse Domingos Paulo Neto, delegado geral da Polícia Civil, à rede de TV R7 Notícias, em fevereiro de 2010. Banalização da violência Recentemente, o major PM Airton Edno Ribeiro, mestre em Educação das Relações Raciais e chefe da divisão de ensino do Centro de Altos Estudos de Segurança (CAES), concluiu a sua dissertação de mestrado de título “A Relação da Polícia Militar Paulista com a Comunidade Negra e o Respeito à Dignidade Humana: a Questão da Abordagem Policial”. Ele fala sobre o silêncio na Polícia Militar paulista sobre a questão da cor da pele, a negritude e o racismo geral e na corporação. Para o militar, etnia e condição social determinam a abordagem policial no cotidiano. O major, de acordo com o documento dos movimentos sociais, em recente palestra em S. Paulo, falou sobre “a percepção do policial que faz a revista”. De acordo com essa percepção “o destino do negro é ser abordado; quem coopera não apanha, o policial negro não se sente negro; e negros esclarecidos irritam a Polícia”.

Cesar Ogata

Reivindicações à Comissão de Direitos Humanos da Alesp

extermínio, compostos tanto por policiais da ativa como inativos. A política de segurança pública não está sendo capaz de contornar a violência”, afirmou. Fatos corroborados pelas intervenções do coordenador geral da União dos Núcleos de Educação para Negros (Uneafro), Douglas Belchior, acrescentando o elemento racista nas ações policiais. Ele ressaltou a articulação dos movimentos negros com as forças sindicais, visando denunciar crimes de violência cometidos por quem deveria defender a sociedade. Na formação de novos policiais, a Polícia Militar trabalha a conscientização, afirmou o coronel Luiz Castro Júnior, chefe da Diretoria de Polícia Comunitária de São Paulo. Ele destacou que a Polícia Militar está aberta às apurações, destacando o efetivo trabalho da Corregedoria da PM, que vem apurando os casos em que há participação de policiais.

Comunidade sofre violência inédita em 2009 No ano passado, aconteceram 198 assassinatos de pessoas da comunidade LGBTT no País. O número é 55% maior que em 2008, e 61% maior que em 2007. Entre as vítimas, predominam cabeleireiros, professores, ambulantes, travestis, profissionais do sexo. Os assassinatos são os mais hediondos e diversos: estrangulamento, facadas, ferimento à bala, entre outros. Em 80% dos casos, o assassino não é reconhecido. A fonte das informações vem do que foi publicado na mídia brasileira e de denúncias veiculadas na internet. Não há, no Brasil, estudos oficiais que procurem identificar os assassinatos contra homossexuais. Como nem todos os homossexuais se declaram, estima-se que o número de assassinatos seja ainda maior que o publicado. Os dados são levantados anualmente pelo Grupo Gay da Bahia (www.ggb.org.br), e seu presidente, Marcelo Cerqueira, constata

Secretário Nacional de Movimentos Populares Endereço eletrônico: snmp@pt.org.br – Fone 011 – 3243.1397

que anualmente aumenta o assassinato de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis no País. Avanços O Governo Lula instituiu o 17 de maio como o Dia Nacional de Combate à Homofobia. Nesta data, em 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) da ONU retirou, de seu texto, a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças. Para quem não sabe, desde 1948, a ONU considerava a homossexualidade como doença. Por outro lado, a legislação que pune a violência homofóbica está muito aquém, comparando-se com outros avanços conseguidos no segmento LGBTT. No Estado de São Paulo, a Lei 10.948, de autoria do então deputado estadual Renato Simões, ficou engavetada durante nove anos no Executivo

Parada do Orgulho Gay, em SP, reuniu 3,5 milhões de participantes estadual, até ser regulamentada. A Lei 10.948/2001 fortalece a cidadania das lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, trata das penalidades a serem aplicadas à discriminação cometida em razão da orientação sexual das pessoas e pune todas e quaisquer manifestações atentatórias ou discriminatórias praticadas contra membros da comunidade LGBTT.


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.