Massive Attack Uma Receita que Quase Desandou

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Massive Attack

Uma receita que quase

desandou Texto Dom Phillips Fotos Divulgação

O Massive Attack nasceu de uma fusão muito interessante de ingredientes culturais e musicais. Rebeldes por vocação e reis das baladas underground, fizeram sucesso e escola quando estavam no auge. Passando por brigas internas, perda do mojo original e períodos de pouca produtividade, o grupo - parte dele - lançou em fevereiro um novo álbum tentando recuperar sua relevância. Será que ainda dá tempo?

E

ra o meio da madrugada de um sábado ou outro, numa balada de hip hop e soul em São Paulo. Uma balada simples, sem pretensão. Não é preciso, por exemplo, mostrar nenhum documento. Você entra, paga no bar o que quiser, e prontinho. Tem quintal pra fumar, pista escura, música boa e uma mistura de negro, branco e asiático sem atitude, lá pela musica. Não precisa de mais nada.

O DJ, um skinhead gigante, arriscou uma mixagem habilidosa no vinil – um scratch, tipo “wika wika wika” – e bombardeou a pista com um hit esquecido: “Gotta Have Your Love”, do grupo de hip hop Mantronix, de 1990. A pista explodiu. Sorri. A última vez que ouvi essa música foi numa balada em Bristol, uma cidade meio caipira, no Oeste da Inglaterra, 20 anos atrás. Daquela vez, o DJ era Daddy G, do conjunto Massive Attack, que nasceu em Bristol. Separadas por 20 anos, essas duas baladas foram iguais. Exatos 19 anos depois do lançamento do primeiro disco, “Blue Lines”, um álbum cujo som foi formado nesse tipo de festa e que virou sucesso no mundo inteiro, o Massive Attack está de volta. O disco novo, “Heligoland”, seu quinto, faz uma mistura do som orgânico de “Blue Lines” com contrabaixo de reggae, hip hop e canções de novos convidados, incluindo 44 abril/maio 2010

Damon Albarn (do Blur e Gorillaz), Guy Garvey (do Elbow) e Hope Sandoval, ao lado do cantor jamaicano Horace Andy, lá desde “Blue Lines”. É roots e ao mesmo tempo moderno, original, estranho e emocional. “Quisemos voltar para uma coisa mais crua, como fizemos com “Blue Lines”. Um jeito mais colaborativo”, disse Daddy G. “A maioria das pessoas no disco são pessoas que já conhecemos.” Falando ao telefone da Cidade do México, onde o Massive Attack acabou de fazer um grande show, Daddy G (seu apelido no estilo hip hop significa “Papai G”, seu nome próprio é Grant Marshall) contou que ficou impressionado com a recepção dos fãs mexicanos. “Foi uma plateia maravilhosa. Você não espera uma recepção assim. Tinha muita gente que já conhecia o disco novo”, disse. Ele teve a mesma experiência quando tocou duas vezes no Brasil. Adorou. O Massive Attack estourou numa cena alternativa da década de 1980 que misturava punks brancos, jamaicanos, rastas, estudantes, músicos e baladeiros. Na época, pela lei, as baladas inglesas fechavam às duas da madrugada, mas no centro de Bristol, nos bairros decadentes, pobres e jamaicanos, as regras eram diferentes. Boates ilegais de reggae, que se chamavam “blues”, festas nos centros comunitários, cerveja só na lata, nuvens de fumaça de maconha, iam até de manhã. Casas viravam clubes – por uma noite só. O DJ Daddy G era o rei dessa cena.

“Era um caldeirão de música e cultura”, disse G, que cresceu escutando reggae. “Como o punk. Não entendi o punk, mas tinha uma coisa de rebelde que me atraiu.” O Massive Attack começou como um “sound system” que se chamava The Wild Bunch. Um sound system é um coletivo jamaicano que migrou para hip hop - com DJs, cantores, rappers e grafiteiros. No Wild Bunch, houve os DJs Daddy G, DJ Milo, Mushroom e Nellee Hooper (hoje um produtor bem sucedido), e os rappers Tricky e Robert Del Naja, o 3D, que também é grafiteiro. Com Daddy G, 3D, Tricky e Mushroom, o Wild Bunch se tornou o Massive Attack. Em Bristol, esses caras eram os mais descolados da cena. “Sempre havia uma coisa muito competitiva entre nós”, lembrou Daddy G. “Temos todos grandes egos. Mesmo no Wild Bunch. Tivemos cinco caras originais de famílias diferentes.” Nellee Hooper é inglês, 3D de uma família italiana, o pai de Mushroom é da América Latina, os pais de Daddy G são de Barbados, Milo é jamaicano. O primeiro hit de Massive Attack foi “Daydreaming”, em 1990. Com uma batida lenta, sonolenta, raps que eram mais monólogos introspectivos e um refrão delicioso da cantora Shara Nelson, seu som era totalmente diferente. O clássico “Blue Lines” veio em 1991. O excelente segundo disco “Protection”, em 1994.

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