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1 Ilhas de Sant’Anna, desembarque de escravos negros, c.1840, Paul Harro-Harring, nanquim, aquarela e guache sobre papel, 22,6 x 34,2 cm

gresse accusée de vol (A negra acusada de roubo). A imagem foi acompanhada de um depoimento, recuperado pelo Instituto Moreira Salles nos arquivos da British Library, em Londres, em 1996. Texto e imagem não deixam dúvidas de que o contato do artista com a escravidão o marcou profundamente. “Voltei para o meu lar europeu e a minha solidão, tão logo os negócios que me levaram ao Rio de Janeiro o permitiram, mas ainda refletindo sobre o ocorrido. (…) Não conseguia retomar meus afazeres normais. Era como se a mão de um pintor se visse impedida de trabalhar, em virtude de suas amargas lembranças. O duro destino do povo negro, eternamente exposto ao extremo insulto e à baixeza dos brancos, me perseguia.” Embora contenham cenas do cotidiano nas ruas, indumentárias e paisagens, a maior parte das imagens registradas por Harro-Harring tem forte tom de denúncia dos maus- tratos dos cativos e da exploração no trabalho. Apesar da indignação, criou um forte vínculo com o Brasil, e retornou em duas outras oca-

siões: em 1842, por 15 meses, quando se encantou pelas rebeliões contra a monarquia; e entre 1854 e 1855, possivelmente como refugiado político, como evidencia a correspondência remetida à família do fotógrafo suíço radicado no Rio de Janeiro George Leuzinger. O jovem formado em pintura na Academia de Belas-Artes de Dresden provou ser multitalentoso, mas, acima de tudo, um libertário que se entregou às artes e à política com paixão, inquietação e romantismo. Aderiu a várias rebeliões da sua época – na Grécia, na Rússia, na Alemanha, na França –, viajou por diferentes continentes, fundou mais de um jornal revolucionário, pintou prolificamente e escreveu muitos livros, entre eles aquele que é considerado seu melhor romance, Dolores – ein Charaktergemaelde aus Sue­ damerika (Dolores – Um perfil típico da América do Sul). Atormentado por problemas mentais e mania de perseguição, Paul Harro-Harring suicidou-se bebendo um chá em que havia triturado cabeças de fósforos, na ilha inglesa de Jersey, no dia 25 de maio de 1870.

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