China Moses & Raphael Lemmonier

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Porquois Dinah? A cantora Dinah Washington ocupou, durante pediam a Deus força pra sentir a tal da “liberdade“ muitos anos, o posto de “Rainha do Blues”. Isso, que tinha vindo de fato, mas não de direito: era em uma época onde os espaços eram divididos difícil ser negro naquela época, e entre ser um por ninguém menos que Billie Holiday, Ella empregado mal-remunerado em alguma indústria Fitzgerald e Sarah Vaughan; A competição era ou empregado doméstico nas casas dos brancos acirrada, e Dinah ganhou seu lugar, literalmente, não fazia muita diferença de quando eram apenas no grito. Seus “scats” – aquele jeito de cantar como escravos nas colheitas de algodão. quem toca um instrumento, improvisando, que Isso fazia com que os artistas negros soubessem fez a fama de Betty Carter e Anita O’Day – eram famosos nas noites de bares como Three Deuces do que estavam falando quando diziam “my man / is gone now” ou quando os solos lancinantes e e Birdland, que faziam o roteiro obrigatório de incendiários dos seus instrumentos rasgavam a quem ouvia jazz na Nova Iorque dos anos 40 e 50. noite das cidades americanas, em apresentações A maneira de Dinah cantar era diretamente ligada apoteóticas e cheias de vigor e sentimento. à tradição religiosa dos negros, que em seus corais nas igrejas batistas do sul dos Estados Unidos E foi nesse cenário que as definições de “divas”

e “mestres” tomaram a forma que conhecemos em nossos dias: gente como Charlie Parker, Bud Powell e Miles Davis inspirava-se na maneira como os cantores executavam as suas canções e estes, por sua vez, aprenderam a cantar praticamente copiando a sonoridade e as peripécias que os instrumentistas faziam nos palcos e nas jam-sessions que alimentavam o seu desejo de liberdade. Os estilos e as marcas dessa geração ficaram gravados para sempre nos corações e mentes de quem gosta de boa música ou entende o que a palavra “freedom” quer dizer; Seja ela cantada na forma rascante de um blues ou saída do fundo de um trumpete com sua surdina.



China Moses Os tempos mudaram, e as “dores” dos pioneiros do jazz e do blues mudaram de nome. Mas podemos dizer que a ânsia de liberdade e a vontade de transformar ainda são as mesmas. Todos que entram no mundo da música e encontram-se com esses estilos acabam contaminados por suas possibilidades estéticas, cheias de improviso e voracidade. China Moses é aquilo que podemos chamar de artista eclética, que assume a idéia de “entretenimento” como nós conhecemos hoje em dia: apresentadora da MTV, cantora, autora, compositora e produtora. Não era para menos, já que este aspecto da sua personalidade pode

ser atribuído à sua infância, completamente mergulhada na música e no mundo do teatro. Filha da cantora norte-americana Dee Dee Bridgewater, herdou da sua mãe a consciência de que o sucesso vem com o trabalho com metas de longo prazo e – a genética não iria deixar de aparecer aqui – o sentimento com que se entrega à sua arte. Já seu pai, Gilbert Moses, que morreu em 1995, era um renomado diretor de cinema e TV, que ensinou a China o valor do trabalho duro. O inevitável aconteceu: China assinou com a Source, uma subsidiária da Virgin Records, e seu primeiro single, “Time”, foi lançado em 1996,

quando então sua carreira decolou graças ao seu primeiro vídeo, dirigido por Jean-Baptiste Mondino. Este foi seguido por três álbuns: China (1997), On Tourne en Rond (2000) e Good lovin’ (2004). Colaborações posteriores com Me’Shell Ndegeocello, Bob Power, Etienne de Crécy, Guru, Mounir Belkhir, Diam’s, Camille, Fabe, Dj Mehdi e Karriem Riggins cimentaram a sua reputação na cena musical do R’n’B alternativo. O caminho estava traçado, e o barco havia começado a descer o rio.



Rapha ël Lemonnier O pianista Raphaël Lemonnier – não tão multimídia quanto China Moses – mas igualmente compositor, arranjador e intérprete, dedicou sua carreira predominantemente ao jazz. Ele fez sua estréia com a Big Band Nîmes sob a direção de Gilson Jeff e, mais tarde, Roger Guérin. Em 1986, ao longo de um ano em Nova Orleans com a Guy Laborit Creole Jazz Band, ele desenvolveu a paixão pelo boogie-woogie, um dos estilos do blues que ficou conhecido pelo trabalho de pianistas como Jelly Roll Morton e Fats waller, que estudou com Philippe Lejeune. Ao se tornar um músico profissional em 1997, mudou-se para Nova Iorque para estudar piano

com Jaky Byard. Lá ele gravou seu primeiro disco, intitulado Raphaël Lemonnier Trio, que foi feito em uma homenagem a Erroll Garner, grande pianista americano, uma de suas principais influências, junto com Oscar Peterson, Earl Hines e Count Basie. Ao retornar à França, ele continuou seus estudos, e lançou o álbum “Jazz Septet”, dedicada a Billy Strayhorn e Duke Ellington, cujo trabalho em conjunto na orquestra de Ellington revolucionou os caminhos do jazz, desde o estilo suingado das big-bands aos trabalhos mais intimistas.

Théâtre de Nîmes. Amplamente envolvido na cena jazz da França, ele também tocou com Liz Newton em inúmeros eventos: o Festival de Jazz de Tânger, o Village Gate, o Jazz em Montauban e as “24 P.M. Swing”, em Monségur.

Em 2004, em parceria com Chris Gonzales, ele montou o show “Dancing”, uma produção do

E – nem ele sabe como – ainda arranjou tempo para fazer música para a televisão.



China & Rapha ël A paixão profunda e partilhada pelo jazz fez com que o encontro acontecesse. A oportunidade foi fornecida por Camille, uma proeminente cantora francesa, que estava tocando no Café de Paris a la Danse. Convidado pela cantora para participar de seu show, Raphaël, que, como um bom jazzista sabe que as coisas acontecem o tempo todo, só precisam ser percebidas, ouviu a voz de China, que na época era uma das vocalistas de apoio de Camille. A partir daí, o resto é história: enquanto os dois estavam conversando nos arredores de Paris, o rádio tocou uma canção de Dinah Washington, ídolo de ambos: Raphaël era fã da cantora há muitos anos, e China tinha escutado secretamente

seus discos, na casa de sua avó, proibidos porque ela considerava as letras “muito sugestivas” para os ouvidos das crianças da casa. Então o sentimento foi o mesmo para os dois: porque não faziam um show dedicado à Dinah?

Gardenias for Dinah Stephane Kochoyan, o programador do Jazz Festival Nîmes Métropole e diretor da associação Jazz’ 70, envolveu-se no projeto. Assim, “Gardenias para Dinah”, tomou a sua forma. Também participava o ator Henry Le Ny, que interpretava Dinah Washington, em uma coleção

musical concebido a partir de gravações de som vintage recolhidos por Raphaël. Além de Lemonniër no piano, completavam a banda os músicos Jean-Pierre Derouard na bateria e Fabien Marcoz no contrabaixo. Daniel Huck, saxofonista, veio como um vizinho e amigo, e reforçava a equipe. Eles tocaram por mais de um ano abrindo os concertos de DeeDee Bridgewater no Garden Night (em Nîmes) e festivais em Montauban, Monségur e Marselha. Como consequência deste encontro, eles então gravam um disco em homenagem a Dinah Washington, “This One’s For Dinah”, que foi lançado pelo tradicional selo de jazz Blue Note.



This One’s for Dinah Raphaël escreveu os arranjos e produziu, junto com China. Francis Biensan assumiu as orquestrações e selecionou os metais: Francis Biensan (trumpete), Frederic Couderc (sax), Aurelie Tropez (sax, clarineta), JeanClaude Onesta (trombone) e Daniel Huck (sax). A seção rítmica é composta de Jean-Pierre Derouard, na bateria, Raphael Deverno no contrabaixo, e Raphaël no piano. O disco foi gravado como manda o figurino dos grandes álbuns da história do jazz: os músicos tocando juntos, e as melhores faixas são escolhidas e vão para o disco. Este jeito de gravação atua como um instantâneo da vida, que contém toda a intensidade na performance dos músicos. Para China, a parte vocal representou um enorme

desafio, dada a forte personalidade artística de Dinah, e todos os fãs de seu ídolo estavam ansiosos para ver o que aquela jovem cantora iria fazer com os clássicos – já eternos, desde sempre – da sua diva.

notável de standards, como visto em sua delicada interpretação de “Cry Me a River” e do astuto “Goodbye”, cujos arranjos mostram sua voz em todas as suas possibilidades, bem como na emoção autêntica que emerge da “Mad About The Boy” e Pois ela teve a inteligência artística e o bom gosto “Teach Me Tonight”, realizadas com grande sutileza. E, de apenas prestar a sua homenagem, enfatizando em “Gardenias for Dinah”, de Raphaël, eles colocam o sentimento sobre a forma, confiando em seu toda a sua gratidão pela homenageada. próprio talento. Completamente imersa no mundo da cantora, ela interpreta os seus blues com toda a Os músicos estão à vontade e “entram” no espírito da autoridade, como ficou registrada em “Dinah Blues”, concepção musical de Raphaël. Os arranjos são claros uma das belas composições de China e Raphaël . e a seção rítmica impulsiona a música para a frente com uma resistência silenciosa. Músicas como “Evil Gal Blues” e “Fat Daddy” não perdem nada no quesito beleza e sensibilidade para A missão foi cumprida: o disco foi um sucesso, e seus originais. China é também uma intérprete tornou-se uma bela e merecida homenagem a Dinah.



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