Cidades Conversas - Práticas e diálogos com a juventude

cidades cONVERSAS PRÁTICAS E DIÁLOGOS COM A JUVENTUDE MATHEUS DE MELLO ALBUQUERQUE 200933045 julho 2018

TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO II | BANCA FINAL | ANTONIO AGENOR DE MELO BARBOSA | FAU UFJF

AGRADECIMENTOS

Às pessoas que me apoiaram durante os vários momentos da minha vida. À minha mãe Inês, pelo amor, pela força, e por ter feito de tudo para que eu pudesse estar aqui. À minha irmã Ana Clara, pelos momentos e desafios compartilhados. Ao meu pai Manoel e à sua esposa Elisiana, pela confiança nas minhas escolhas. E à minha companheira Amanda, pela coragem, pelos aprendizados que construímos juntos, pela troca, e principalmente por essa práxis de cumplicidade vida afora. Às pessoas que me auxiliaram no processo acadêmico que culmina neste momento de agora. Ao professor Agenor, por me ajudar a tornar palpável uma ideia até então tão aérea. Às parceiras e parceiros de luta do CACAU e da FeNEA pela experiência transformadora essencial. E aos professores do João XXIII que abraçaram o projeto com alegria.

2

RESUMO O presente trabalho expõe o desafio de criar espaços de apropriação do debate sobre a produção do ambiente urbano para fora dos círculos acadêmicos e profissionais. Atuando especificamente com o público adolescente, o referencial teórico que instrumentaliza esse projeto versa sobre a importância de buscar deslocar a figura do profissional e do acadêmico em arquitetura e urbanismo da posição de mediador para a de desenvolvedor de dispositivos de interação entre este saber e a população em geral (Silk, 2012a), potencializando assim a expressão e a autonomia dos sujeitos envolvidos sobre o seu próprio território. Entendendo a educação popular como estratégia de abordagem, buscarei gestar exercícios críticos pela perspectiva dos temas geradores (Freire, 1994) com os secundaristas do Colégio de Aplicação João XXIII sobre as suas próprias experiências cotidianas no território urbano de Juiz de Fora, costurando relações entre as desigualdades sociais e a apropriação urbana diferenciada. Essa costura se materializará através de práticas cartográficas, que aqui se consolidam como ferramenta de estímulo aos processos de reconhecimento, representação e identificação no espaço urbano pelos próprios adolescentes.

Palavras-chave: direito à cidade (1); educação popular (2); autonomia juvenil (3); processos cartográficos (4).

3

SUMÁRIO

1.

1.1.

Lista de Figuras

6

Siglas

13

Capítulo 1. Apresentação

15

Os objetivos deste trabalho e As minhas motivações em escrevê-lo

16

1.2.

Os meus lugares, a minha cartografia

33

1.3.

Introdução, enfim!

55

Capítulo 2. Direito à Cidade

60

2.1.

Cidade: Espaço dialético essencialmente capitalista

61

2.2.

As ocupações escolares ou Quando o conhecimento

2.

2.3.

3.

3.1.

é ocupado

66

O protagonismo juvenil

83

Capítulo 3. Interface

89

A idealização e a instrumentalização desta proposta (Conceitos Gerais)

3.2.

Quem mapeia Quem? Quem mapeia o Quê?

(Metodologias Gerais)

4

90 103

3.3.

Colégio de Aplicação João XXIII

3.4.

(O Território de Aplicação)

110

As interfaces (Metodologias Específicas)

117

a.

O Indivíduo e o Território

120

b.

Habitar e Mover-se na Cidade

126

c.

O Medo e a Violência

130

d.

Re(agir) e Re(fazer) Produzindo Relações

133

Capítulo 4. Realização e Análises Análises Práticas Análises Processuais Análises Pessoais e Profissionais Referência Bibliográfica Anexos Cartografias manuais produzidas Outras possíveis interfaces

5

138

LISTA DE FIGURAS Fig.1

Policiais militares revistam passageiros num bloqueio montado na Avenida Lauro Sodré, em Botafogo: as operações também são realizadas no horário de saída das praias, 18/01/2016. Foto: Eduardo Naddar/Agência O Globo. Fonte: https://oglobo.globo.com/rio/pm-detem-53-pessoas-em-domingo-de-solseguranca-reforcada-na-orla-da-zona-sul-1508 Acesso: 31/10/2017. p.18

Fig.2

Agulhas em muros de Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro e Niterói.

07/02/2013. Foto: Autor desconhecido. Fonte: Acervo do grupo de pesquisa Arquitetura

da

Violência,

UFF,

https://www.facebook.com/ARQVIOL/photos/a.554983531192072.125947.54 6445045379254/553501714673587/?type=3&theater.

Acesso:

31/10/2017.

p.21

Fig.3

Meninos brincam no espelho de água do hospital Monte Sinai. Será que o lazer desses adolescentes faz parte do planejamento urbano para aquela região? O que a arquitetura esconde? 06/12/2015. Vídeo: Letícia Shaeffer. Fonte: https://facebook.com/JFDepressao/videos/13270067410708/

Acesso:

07/12/2017. p.26 Fig.4

Vista do centro da cidade de Juiz de Fora, MG pelo mirante do Morro do Imperador. 01/04/2016. Foto: Autor desconhecido. Edição: Matheus de Mello Albuquerque Fonte: Arquivo pessoal. p.30

6

Fig.5

Manifestações de Junho de 2013 em São Paulo, 20/06/2013. Foto: Autor desconhecido.

Fonte:

https://blogdaboitempo.com.br/2015/01/10/david-

harvey-a-crise-da-urbanizacao-planetaria/#prettyPhoto. Acesso: 23/06/2017. p.38 Fig.6

Projeção na empena cega da rua Halfeld pedindo o veto das alterações das leis 6909/86 e 6910/86 ao prefeito Bruno Siqueira durante as manifestações em Juiz

de

Fora,

MG.

20/06/2013.

Foto:

Lorena

Dini.

Fonte:

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=538218146215766&set=a.180606 208643630.33752.100000827565573&type=3&theater. Acesso: 31/10/2017. p.42 Fig.7

Ocupação Eliane Silva, Belo Horizonte. Em poucos anos já consolidada arquitetonicamente desconhecido.

no

Fonte:

território Blog

urbano. da

05/06/2013.

Ocupação

Foto:

Eliane

Autor Silva,

http://ocupacaoelianasilva.blogspot.com.br/2013/06/fotos-aereas-daocupacao-eliana-silva.html. Acesso: 13/10/2017. p.45 Fig.8

Ocupação Eliane Silva, Belo Horizonte. Implementação do sistema TEVAP para

águas

escuras.

S/data.

Foto:

Autores

desconhecidos.

Fonte:

https://dialogoselianasilva.wordpress.com/2012/12/12/ofiaup-3o-mutiraode-construcao-na-ocupacao-eliana-silva-tevap/. Acesso: 24/10/2017. p.46 Fig.9

Notícia 01 sobre o deslizamento de terra ocorrido na comunidade do Bumba em Niterói em 2010, 06/04/2015. Notícia 02 sobre previsão de manutenção para evitar novas tragédias 17/01/2016. Foto: Arquivo pessoal. Fonte:

7

http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2016-01-17/minha-casa-demoradores-do-morro-do-bumba-vai-ser-reparada.html

e

http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/04/tragedia-do-bumbacompleta-5-anos-e-ainda-ha-familias-em-risco-no-rj.html.

Acesso:

18/10/2017. p.49 Fig.10

Ocupação 6 de Abril, em Niterói. 07/08/2015 Foto: Mídia Ninja. Fonte: https://medium.com/@MidiaNINJA/mtst-ocupa-em-niter%C3%B3icome%C3%A7a-mais-uma-nova-hist%C3%B3ria-de-luta-pela-moradia-no-riode-janeiro-448f397d0f63. Acesso: 18/10/2017. p.50

Fig.11

Intervenção político-artística “Maquete 1/1”, Galpão da arquitetura, UFJF. Dezembro de 2014. Foto: Vitor Caldas. Fonte: Arquivo Pessoal. p.53

Fig.12

Jovens barram escada rolante do Shopping Metrô Itaquera, em São Paulo.

Transgressão e violência ou ocupação de espaços socialmente interditados?

11/01/14.

Foto:

Robson

Ventura/Folhapress.

Fonte:

http://veja.abril.com.br/galeria-fotos/a-onda-de-rolezinhos-em-shoppings/.

Acesso: 27/11/2017. p.56 Fig.13

(1) Hector Pieterson, 13 anos, morto em Soweto durante a repressão policial à marcha estudantil em junho de 1976, conhecida como levante de Soweto. (2) Saque em Bushwick, Brooklyn, durente a queda de energia de 1977 em Nova York. (3) Bonde virado durante a revolta da vacina, no Rio de Janeiro entre 10 e 16 de novembro de 1904. Foto: (1) Sam Nzima, (2) Autor desconhecido, (3)

8

Autor

desconhecido.

Fonte:

(1)

https://www.geledes.org.br/levante-de-

soweto-no-dia-16-de-junho-de-1976-dez-mil-estudantes-tomam-as-ruas/ (2)https://www.reddit.com/r/HistoryPorn/comments/2nhofy/looting_in_bu shwick_brooklyn_during_the_1977_nyc/

(3)

https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Bonde_virado_(Revolta_da_Vacina).j pg Acesso:(1) 16/06/2018; (2) 16/06/2018; (2) 16/06/2018. p.63 Fig.14

Estudantes secundaristas do Centro Paula Souza, escola pública de educação técnica em São Paulo, rodeados por policiais com capacetes e coletes a prova de

balas.

Foto:

Marlene

Bergamo/Folhapress

Fonte:

http://epoca.oglobo.globo.com/educacao/noticia/2016/12/retrospectiva2016-o-ano-em-que-alunos-tomaram-escolas.html. Acesso: 25/05/2017. p.69 Fig.15

Fachada do edifício do Ensino Médio do Colégio de Aplicação João XXIII durante

a

ocupação.

Foto:

OCUPA

JOÃO

Fonte:

https://www.facebook.com/ocupajoao/photos/1582562345102940/. Acesso: 26/10/2017. p.72 Fig.16

Estudantes criando um outro tipo de vivência no espaço escolar. Foto: OCUPA JOÃO

Fonte:

https://www.facebook.com/ocupajoao/photos/1596549070370934/; https://www.facebook.com/ocupajoao/photos/1596779797014528/; https://www.facebook.com/ocupajoao/photos/1589400481085793/; https://www.facebook.com/ocupajoao/photos/1571655619526946/.

26/10/2017. p.79

9

Acesso:

Fig.17

Cronograma de atividades desenvolvidas pelos próprios estudantes. Novas formas

produção

de

conhecimento.

Foto:

OCUPA

JOÃO.

https://www.facebook.com/ocupajoao/photos/1624447864247721/.

Fonte: Acesso:

26/10/2017. p.81 Fig.18

O “Arquiteto” do filme Matrix Revolutions, 2003, Irmãs Whachowski. O criador

da

sociedade

perfeita.

Foto:

Arquivo

pessoal.

Fonte:

https://vimeo.com/265504231. Acesso: 20/4/2018. p.92 Fig. 19

"Favela Painting" pelas palavras do The Telegraph: “As favelas brasileiras são conhecidas pela criminalidade, pela miséria e pela sua aparência de degradação. Mas dois artistas estão ajudando – com um bocado de tinta - a transformar estas realidades. Jeroen Koolhas e Dre Urhahn são as mentes por detrás do Favela Painting”. “A dupla holandesa empregou a juventude local

para

que,

através

da

pintura

das

suas

próprias

casas

e

empreendimentos em chamativos verdes, amarelos e rosas, elevassem a autoestima da comunidade...” The Telegrafh/UK. 2010. Tradução do autor.

Foto:

Favela

Painting

/

Barcroft

Media.

Fonte:

http://www.telegraph.co.uk/news/picturegalleries/worldnews/10257284/The -Favela-Painting-project-in-Santa-Marta-favela-in-Rio-De-JaneiroBrazil.html. Acesso: 28/11/2017. p.98 Fig.20

Atlas Coletivo de Santa Fé, realizado pelo grupo Iconoclasistas. De julho de 2016

10

à

Março

de

2017.

Foto:

Desconhecido.

Fonte:

http://www.iconoclasistas.net/muestra-talleres-publicacion-atlas-colectivosanta-fe/. Acesso: 01/12/2017. p.106 Fig.21

Cartografia social da comunidade quilombola de Linharinho, em Espírito Santo, de Fevereiro de 2007. (Diagramação realizada para este trabalho) 01/12/2017. Foto: Desconhecido. Fonte: Associação de Pequenos Produtores Pró-Desenvolvimento de Linharinho. Nova Cartografia Social dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil. V.8. Quilombolas de Linharinho – ES, 2007. Acesso: 01/12/2017. p.109

Fig.22

Feira de Ágoras realizada no pátio da entrada do Colégio de Aplicação João XXIII. 01/12/2017. Foto: Arquivo pessoal. p.114

Fig.23

Croqui da dinâmica em grupo (Cartografia do Privilégio Urbano) a ser realizada no objeto-tema 1: O Indivíduo e o Território. Croqui: Arquivo Pessoal. Produzido: 30/11/2017. p.125

Fig.24

Croqui da dinâmica individual a ser realizada no objeto-tema 2: Habitar e Mover-se na Cidade. Croqui: Arquivo Pessoal. Produzido: 30/11/2017. p.128

Fig.25

Croqui das dinâmicas em grupo (roda de conversa sobre os elementos expostos anteriormente: textos, vídeos, músicas, imagens e tabelas comparativas) a ser realizada nos objetos-tema 3 e 4: O Medo e a Violência e Re(agir) e Re(fazer) Produzindo Relações. Croqui: Arquivo Pessoal.

Produzido: 30/11/2017. p.132

11

SIGLAS BIC-Jr

Bolsa de Iniciação Científica Junior

CACAU

Centro Acadêmico do Curso de Arquitetura e Urbanismo - UFJF

CNI

Concurso Nacional de Ideias para a Reforma Urbana

CNPq

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

ConCidades

Conselho das Cidades

DAU

Departamento de Arquitetura e Urbanismo – FENG/UFJF

DiEPE

Diretoria de Ensino Pesquisa e Extensão

EAUFMG

Escola de Arquitetura e Urbanismo - UFMG

EMAU

Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo

ENEM

Exame Nacional do Ensino Médio

FAPEMIG

Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais

FAU/UFJF

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - UFJF

FeNEA

Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo do Brasil

FENG/UFJF

Faculdade de Engenharia – UFJF

FJP/MG

Fundação João Pinheiro – Estado de Minas Gerais

GT

Grupo de Trabalho

IAB

Instituto de Arquitetos do Brasil

IBGE

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INEP

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

JOÃO XXIII

Colégio de Aplicação João XXIII - UFJF

MLB

Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas

12

MOM

Grupo de Pesquisa Morar de Outras Maneiras - UFMG

MPL

Movimento Passe Livre

MTST

Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto

PCdoB

Partido Comunista do Brasil

PIBIC/CNPq

Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica/CNPq

PICI/UFERSA

Programa Institucional de Iniciação Científica/UFERSA

PIVIC/UFERSA

Programa Institucional Voluntário de Iniciação Científica/UFERSA

Probic-Jr

Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica Junior BIC-Jr

PROS

Partido Republicano da Ordem Social

PT

Partido dos Trabalhadores

SEADE

Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados - São Paulo

TFG

Disciplina de Trabalho Final de Graduação

TFG II

Disciplina de Trabalho Final de Graduação II

UFERSA

Universidade Federal Rural do Semi-Árido

UFJF

Universidade Federal de Juiz de Fora

UFMG

Universidade Federal de Minas Gerais

USP

Universidade de São Paulo

XXI SEMIC

XXI Seminário de Iniciação Científica da UFERSA

13

cidades cONVERSAS

1. APRESENTAÇÃO

Pode-se dizer que, quando assumimos a condição de leitor de um trabalho de conclusão de curso, acessamos a possibilidade de decodificar algo que vai além do objeto do trabalho em si. Marco protocolar da transição da condição de estudante para a de profissional, os TCCs apresentam também uma síntese do percurso acadêmico do seu autor. Embora, e talvez exatamente por isso, eu não acredite que a conquista dessas fronteiras institucionais seja incontestável como consolidação da construção de um conhecimento ou como percurso único para tal, não me furtei aqui neste projeto em deixar transparecer claramente as minhas escolhas, perspectivas e trajetórias durante toda a sua formulação.

15

1.1. Os objetivos deste trabalho e as minhas motivações em escrevê-lo Enquanto estudante, acredito ser atribuição fundamental do urbanista atuar na construção de cidades cada vez melhores. Para mim, cidades melhores significam cidades que permitem um florescimento concreto das diferenças, potencializando a ação humana no mundo, e não o contrário, impossibilitando-as e restringindo-as.

Acredito também que o único caminho para a conquista de tais condições é a diminuição das desigualdades urbanas, que, por sua vez, só é de fato possível através do acesso cada vez mais efetivo de todos em produzir e decidir as nossas próprias cidades.

Este acesso à cidade – ou como desenvolveu Lefebvre, direito à cidade – significa ir além do acesso à modelos de serviços e equipamentos já definidos ou induzidos como casa própria; postos de saúde; universidades; transporte; emprego; cinemas; praças; e outros. É na verdade, a discussão do tecer das nossas próprias relações com a natureza; com o trabalho; tecnológicas; estéticas; culturais; e sociais.

“Um trabalho que busca o movimento de prospectar novas necessidades, sabendo que tais necessidades são descobertas no decorrer de sua emergência e que elas revelam-se no decorrer da prospecção” (Lefebvre, H. 2001, p. 125 apud Kapp, S. 2012b, p.2). O direito à cidade então – e digo isso não com o objetivo de diminuir o papel fundamental e extremamente necessário das ações que buscam atuar em emergências concretas de uma sociedade tão desigual como a nossa, mas sim de destacar o conceito filosófico original do termo – não significa uma resposta pronta,

16

mas o acesso à uma incessante performance de imaginar e realizar a cidade, simultaneamente.

Logo, este trabalho descreve o desenvolvimento e a aplicação de uma experiência que surge de um desejo que acompanhou grande parte da minha graduação em arquitetura e urbanismo, que é contribuir para a socialização deste debate sobre a cidade.

Quando a arquiteta e urbanista Ermínia Maricato foi questionada sobre a violência urbana durante uma mesa ocorrida em Juiz de Fora no mês de setembro de 20161, pude presenciar através da sua fala, as queixas feitas por “jovens da cidade do Rio de Janeiro sobre a impossibilidade de poder ir ao centro ver um show, um filme, ou um espetáculo, mesmo sendo essas atividades gratuitas, pois os ônibus não circulam após meia noite”2, impedindo o retorno para casa. O que a professora estava querendo pontuar é que exemplos como esse ilustram o importante papel de modelos de mobilidade priorizados na nossa sociedade têm a condição de exílio das populações que vivem nas regiões periféricas e de baixa renda.

Lançamento oficial do Plano de Governo da candidata à prefeitura de Juiz de Fora Margarida Salomão, pela coligação PT/PROS/PCdoB, no dia 14 de setembro de 2016, com a presença da arquiteta, urbanista e professora aposentada da USP, Ermínia Maricato; do advogado e professor da Faculdade de Direito da UFJF, Frederico Riani; do deputado estadual Professor Neivaldo; e da secretária adjunta de Desenvolvimento Agrário do Estado de Minas Gerais, Fabíola Silva.

1

Segundo Maricato, ainda neste mesmo espaço, este foi um relato obtido por ela através de um curso realizado com jovens da periferia da cidade do Rio de Janeiro.

2

17

fig.01 Policiais militares revistam passageiros num bloqueio montado na Avenida Lauro Sodré, em Botafogo: as operações também são realizadas no horário de saída das praias, 18/01/2016 18

Em muitos casos estes próprios territórios já se encontram ausentes de atividades culturais e esportivas, de infraestrutura urbana básica, de serviços de mobilidade pública adequados, e principalmente do Estado e da lei na mediação de conflitos3.

Como não prever então, a violência como reação a uma vida sistematicamente violentada de oportunidades de fruição dos próprios desejos, vontades e necessidades essenciais?

As questões levantadas nesta situação-exemplo vão além do discurso usual de combate direto à violência ou do importante debate sobre horários, trajetos e preços de uma tarifa de transporte público. O que se busca é tentar superar - ao mesmo tempo em que se tenta entender quais são - as distâncias que construímos nas nossas cidades: Como fazê-las menor? E as apropriações interditadas no nosso território: Como permiti-las florescer?

Quando lemos o alerta de Zygmunt Bauman (2009, p.37 apud Patrão, 2010, p.2) sobre a angústia crescente da cidade formal em produzir sempre mais “Concentração territorial homogeneamente pobre (ou segregação espacial), ociosidade e ausência de atividades culturais e esportivas, falta de regulação social e ambiental, precariedade urbanística, mobilidade restrita ao bairro, e, além dessas características todas, o desemprego (...) que, entre outras consequências, tende a desorganizar núcleos familiares (...). É impossível dissociar o território das condições socioeconômicas e da violência.” Maricato, E. Urbanismo na periferia do mundo globalizado: Metrópoles Brasileiras, in São Paulo em Perspectiva. Fundação SEADE. vol.14 n.4. São Paulo. Out./Dez. 2000.

3

19

mecanismos de segurança através da arquitetura, como subterfúgio do medo da violência urbana, materializada por exemplo na necessidade de cercar os espaços privados e públicos, não evocamos em nossas mentes casos como o da proliferação dos cada vez mais prestigiosos, fetichizados e ilegais 4 condomínios fechados de luxo?

Não estaríamos intensificando, ao reproduzir essa arquitetura “exclusiva”, uma tendência excludente nas cidades? Não seria essa postura uma contribuição para a potencialização da segregação territorial que ebule como violência urbana, e que de forma precipitada e ironicamente diz-se buscar combater ou no mínimo evitar?

Tanto o contexto colocado por Maricato como a contradição explorada por Bauman ajudam a ilustrar a relação íntima, constante e principalmente dialética entre o modo como vivemos e a materialidade de onde vivemos. Estas são duas questões que nos ajudam a enxergar o ambiente construído tanto como produto, quanto meio de produção das nossas relações sociais. É importante salientar que esta leitura sobre o ambiente urbano, base de pesquisa de muitos geógrafos e urbanistas, se ampara no método de pesquisa materialista histórico e dialético do campo social, desenvolvida por Marx.

Lei Federal 6.766 de 19 de Dezembro de 1979. Rege o parcelamento do solo para fins urbanos.

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6766.htm Acesso em: 23/09/2017.

4

20

fig.02 Agulhas em muros de Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro e Niterói.

07/02/2013

21

Para Marx (apud Netto, 2011), de forma simplificada, a teoria é a reprodução ideal (reprodução idealizada, ou seja, na mente) do movimento real do objeto pelo sujeito que o pesquisa: pela teoria o sujeito reproduz em seu pensamento a estrutura e a dinâmica do objeto pesquisado. Esta reprodução (que constitui propriamente o conhecimento teórico) será tanto mais correta e verdadeira quanto mais fiel o sujeito for ao objeto concreto da pesquisa. Marx assume que seu método dialético difere do método hegeliano: onde “para Hegel o processo do pensamento seria o criador do real, sendo o real apenas a sua manifestação externa, para Marx, ao contrário, o ideal não é mais do que o real transposto para a cabeça do ser humano e por ele interpretado” (Marx, 1968, p.16, apud Netto, 2011, p.21). (...) na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e a qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência (Marx, 2008, p.47).

É esse método que nos permite entender com mais clareza o papel da cidade concreta na construção das nossas relações. As nossas interpretações subjetivas e objetivas, e consequentemente a forma como construímo-las e manifestamo-las no ambiente urbano encontram seu insumo neste mesmo ambiente urbano já concreto e já moldado nas relações sociais estabelecidas antes de nós, que por sua vez, se 22

estabeleceram através de uma conformação territorial do seu tempo, e assim sucessivamente, num movimento que se consolida como um processo histórico. Nós, os atores urbanos, vivemos refazendo-as: reproduzindo-as e ao mesmo tempo modificando-as. Pode-se dizer então, de forma simplificada, que este é o movimento dialético entre ambiente construído e relações sociais.

E é a alienação deste movimento o que podemos classificar como uma das dimensões do analfabetismo urbanístico (Maricato, 2002, p.1).

Tal conceito coloca em evidência como reconhecemos, enquanto sociedade, pouco ou quase nada da participação da dimensão territorial na produção - ou seja, para além da condição de cenário ou de resultado - das nossas relações de desigualdade que integram o contexto da crise social e obviamente urbana. Ainda é com muita regularidade que aspectos sociais, culturais e econômicos (renda, escolaridade, desemprego, violência) são vistos como elementos independentes dos aspectos urbanísticos e ambientais (moradia, saneamento, transporte, apropriação do espaço). Num processo dialético, ambiente construído e relações sociais moldam-se, sendo tanto produto como condições um do outro.

Porém, esta alienação é algo que não se restringe aos que não possuem “instrumentalização formal”. Ainda segundo Maricato (2015, p.20), por incrível que pareça, o estranhamento a esses processos e a ausência do estudo da questão urbana é vigente em cursos acadêmicos de economia, sociologia, engenharia e direito. O

23

próprio ensino de arquitetura e urbanismo, em alguns casos, pode configurar-se como uma paisagem deserta para o surgimento de debates mais profundos sobre esse papel ativo (e político) do ambiente construído na produção das nossas relações enquanto sociedade, e sobre a urgência da atuação direta na luta pela construção de uma reforma urbana5, limitando-se ao caráter analítico e racional dos problemas da cidade.

O ambiente construído pode ser analisado de inúmeros modos: Como um discurso através de seus significantes e significados6; da estética espetacularizada e alienante onde a arquitetura e o urbanismo alicerçam o seu domínio; palco da materialização de ações culturais e artísticas sejam elas mercadológicas ou rebeldes; através da gestão e mediação de ordem jurídico-urbanística; na qualidade de legado histórico; território de diversidades e de conflitos sociais. Mas todas estas diferentes ou dispersas formas de leitura, se não observadas através das dinâmicas capitalistas que de fato regulam a produção urbanística concreta, podem certamente dificultar a O tema da reforma urbana é estruturador das principais ações desenvolvidas pela Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (FeNEA) ao longo de pelo menos uma década. Além da ação propriamente política exercida como movimento estudantil, a Diretoria de Ensino Pesquisa e Extensão (DiEPE), braço responsável pelo desenvolvimento de práticas que buscam ocupar os hiatos existentes na formação do estudante – da qual pude participar diretamente na gestão 2012/2013 –, debruça-se há tempos sobre essa temática e em seus respectivos desdobramentos teóricos para a elaboração de projetos existentes até os dias de hoje, como o Concurso Nacional de Ideias para a Reforma Urbana (CNI), o Escritório Modelo de Arquitetura e urbanismo (EMAU), e o próprio GT Reforma Urbana, além de pautar a realização de diversos seminários de ensino pelo país.

5

Roland Barthes, em seu artigo Semiologia e Urbanismo, do livro Elementos da Semiologia, e.16, ed. Cutrix (2006) lança as bases para uma abordagem semiológica da temática da cidade.

6

24

compreensão do seu movimento e de sua dinâmica real, tal como ele é em si mesmo, além dos seus fetiches, na sua existência efetiva, independente às representações de quem a estuda.

Um somatório de leituras postas lado a lado, como se fossem produtos numa estante, pode acabar por sedimentar no olhar mais descuidado um cenário aparentemente neutro, onde estacionam de forma fragmentada diversas concepções teóricas para um fenômeno, à espera para serem escolhidas. Esta é uma forma ilusoriamente imparcial de se olhar o mundo, que se supõe distanciada e apartidária, geralmente através das lentes do tecnicismo e academicismo. (...) a Lei nº 12.378 de 31 de Dezembro de 2010, que regulamenta o exercício em arquitetura e urbanismo, somente no artigo 2º, traz a palavra “técnica(o)” 9 vezes, “tecnológico” 2 vezes, enquanto palavras como “ensino”, “pesquisa” e “extensão” aparecem apenas 1 vez cada no mesmo recorte. Seria a capacitação técnica suficiente para lidar com as problemáticas acerca do que se consolida enquanto cidade? (Barreto, 2017)

Por conseguinte, um cenário assim também torna mais difícil situar a materialidade da cidade como esse objeto estruturador das nossas relações sociais.

Vivemo-las todos os dias, o dia todo, e, no entanto, e de forma geral, são grandes as parcelas da população estranhas aos processos e às forças que de forma determinante a planejam e controlam (2015, p.20).

25

fig.03 Meninos brincam no espelho de água do hospital Monte Sinai. Será que o lazer desses adolescentes faz parte do planejamento urbano para aquela região? O que a arquitetura esconde? 06/12/2015 26

Aqueles que essencialmente saem ganhando com a crise urbana, gerando riquezas com as suas distâncias e desigualdades, são necessariamente os mesmos que ganham com a implementação crônica de melhorias e de investimentos urbanísticos voltados essencialmente para a elevação do valor especulativo do solo 7. Para que possamos buscar entender esse papel definidor do ambiente construído nas nossas relações, a cidade não pode deixar de ser lida como o espaço de reprodução do capital, reprodução da força de trabalho e como uma mercadoria, um negócio.

Através dos conceitos de valor de uso e valor de troca podemos começar a entender esta condição de mercadoria do território urbano. Explicitados aqui de forma reduzida, Marx (1996, p.166) define o valor de uso como a propriedade de um objeto qualquer em satisfazer uma ou várias necessidades humanas. Diz ainda que essa propriedade só se efetiva no ato do consumo, ou seja, na sua fruição. Um objeto parado não possui valor de uso. Já o valor de troca é, inicialmente, a propriedade deste mesmo objeto poder ser trocado por outro. Essa propriedade só é evocada durante o ato de comparação, ou seja, quando uma mercadoria e seus potenciais

“Em geral, a propriedade privada é o principal instituto gerador de conflitos dentro do campo que envolve (...) a expansão e a produção urbana. Ela representa uma das principais bases do modo de produção capitalista e possui fundamentos bastante arraigados na cultura brasileira.”

(BARBOSA, B. 2015, p.15).

7

27

valores de uso são confrontados a outra mercadoria e aos seus diferentes potenciais valores de uso8.

Através da aplicação dessa teoria marxista à produção do território urbano, podemos entender que quando transformada em mercadoria, a cidade deixa de ser prioritariamente produzida para a consumação do seu valor de uso e passa a ser produzida para a sua condição de valor de troca, se tornando um elemento de obtenção do lucro.

Porém, deve-se salientar que, diferente de qualquer outra mercadoria, a terra urbana possui a característica singular de não ser literalmente produzível, não há em nenhum lugar da cidade um pedaço de terra ou um terreno igual a outro. Logo, o que constitui o valor da terra urbana não é algo – conforme o próprio sentido da palavra – construído pelo trabalho humano (como por exemplo uma calça, ou um computador, que surgem através do trabalho do ser humano), mas sim das qualidades urbanísticas produzidas e consolidadas no seu entorno.

A localização passa então a ser o fator variável, especulativo, e definidor do preço da terra. Mais especificamente a relação entre a localização do terreno e o acesso que ela facilita ou dificulta ao usufruto qualitativo da cidade e dos seus Embora o movimento de troca entre mercadorias se dê necessariamente entre objetos com valores de uso diferentes, não são estas as propriedades que quantificariam o ‘preço’ desses objetos.

Ver mais sobre o conceito de tempo de trabalho cristalizado em Marx, K. O Capital, vol.1, cap.1: A Mercadoria, 1996.

8

28

atributos. Essa variação do preço da terra alcança valores cada vez mais agudos sempre que a segregação espacial se intensifica no território urbano, ou seja, sempre que a qualidade urbana de uma área se sobrepõe, em muito, à outra. Logo, é sobre este contraste que a riqueza de muitos capitais se estabelece.

Podemos citar, segundo Maricato (2015, p.22), o capital de construção de edificações9; o capital de construção pesada ou de infraestrutura urbana; e o capital financeiro-imobiliário como capitais estritamente ligados à exploração e à produção do território físico urbano enquanto negócio. Devemos mencionar também os proprietários de terra (em alguns casos o próprio Estado10), que podem constituir obstáculo ou atalho para a reprodução desses outros capitais.

Diferentemente dos capitalistas, a classe trabalhadora quer da cidade, num primeiro momento, o seu valor de uso.

Como já apontou inicialmente Marx e desenvolveu Harvey, entre valor de troca da cidade mercadoria e o valor de uso da cidade condição necessária de vida para a classe trabalhadora, há uma profunda oposição que gera um conflito básico (Maricato, 2015, p.24).

Um exemplo da influência da construção civil no planejamento urbano em Juiz de Fora pode ser visto neste mesmo documento na pág.40.

9

Um exemplo da relação Estado x especulação da terra pode ser visto neste mesmo documento na pág.44.

10

29

fig.04 Vista do centro da cidade de Juiz de Fora, MG pelo mirante do Morro do Imperador.

01/04/2016 30

Juiz de Fora é o município de maior influência na mesorregião da Zona da Mata mineira11, conta com mais de 560 mil habitantes12 sendo o 4º maior município em termos populacionais do estado de Minas Gerais, este, que se apresenta como a segunda unidade da Federação com o maior déficit habitacional urbano, chegando a 504 mil unidades em 201413. Dentro deste contexto, com números que chegam a 16 mil unidades (dados de 2010), Juiz de Fora se apresenta como a 5ª cidade mineira com o maior déficit habitacional (Fundação João Pinheiro, 2013)14. Números do Comitê Central Popular (apud Souza, L. 2016, p.98), também de 2010, dizem haver, na verdade, 25 mil famílias precisando de casa. Para a obtenção destes números, a FJP/MG, por exemplo, leva em consideração as habitações precárias; as coabitações; o ônus excessivo com aluguel urbano; o adensamento de domicílios alugados; e a falta de infraestruturas urbanísticas básicas. Visualizar em Juiz de Fora (assim como em qualquer cidade média e principalmente grande) o lugar de moradia dos ricos e dos pobres não é algo difícil (apud Souza, L. 2016, p.18).

11

Documento: Regiões de influência das Cidades 2007. IBGE. Acesso em: 12/11/2017.

Documento: Estimativas da população residente no Brasil e unidades da federação com data de referência em 1º de julho de 2017. IBGE. Acesso em: 12/11/2017.

12

Documento: Déficit Habitacional no Brasil – Relatório 2013-2014. FJP/MG. Acesso em: 13/11/2017.

13

Disponível em: http://www.fjp.mg.gov.br/index.php/noticias-em-destaque/2680-fundacaojoao-pinheiro-e-ministerio-das-cidades-divulgam-os-resultados-do-deficit-habitacional-municipal-nobrasil. Acesso: 15/11/2017.

14

31

O ônus excessivo com aluguel aparece com grande peso relativo no déficit habitacional, sobretudo nas regiões metropolitanas e na região Sudeste15. Logo, um fator que se destaca no estudo sobre o déficit habitacional da FJP/MG é o grande montante dos domicílios vagos. Em Minas Gerais, esse número já chega a 630 mil unidades (2014)

16,

ou seja, o número de casas sem gente é 25% maior do que o de

gente sem casa. Mesmo não havendo dados específicos sobre esta condição em Juiz de Fora, pode-se levar a crer, com base nos dados estaduais que a situação do município não se distancia tanto assim deste cenário.

Essa aparente contradição entre um déficit de moradias de um lado e um enorme número de imóveis vagos do outro, é sempre uma fonte de questionamento, e é também sempre revelador.

A produção espacial e social é transformada em mercadoria, chegando ao conceito de “espaço-mercadoria”. Assim sendo, o capital produz o espaço com o objetivo final de acumulação. A produção e construção do espaço urbano consistem em um mosaico de interesses, que se expressam através das obras arquitetônicas, infraestruturas e traçados que são espacializados na cidade, deixando transparecer as correlações de forças dos seus agentes (CARLOS, 2011, apud BARBOSA, 2015, p.15).

Documento: Déficit Habitacional no Brasil – Relatório 2013-2014. FJP/MG. Acesso em: 13/11/2017.

15

Documento: Déficit Habitacional no Brasil – Relatório 2013-2014. FJP/MG. Acesso em: 13/11/2017.

16

32

E é aí, neste conflito de interesses, que podemos enxergar a condição de importante ferramenta política que o conhecimento arquitetônico e urbanístico se coloca na nossa sociedade. Afinal de contas, para que serve a arquitetura?

1.2.Os meus lugares, a minha cartografia Posso dizer que foi a minha vivência no movimento estudantil, através do CACAU17 e da FeNEA18, que me possibilitou conhecer esse papel político da arquitetura e do urbanismo. Essa foi a práxis que realmente me localizou dentro do território urbano, e o localizou dentro de mim, sobrepondo a cidade estudada e a cidade vivenciada como uma cartografia, até então fragmentadas na minha experiência no mundo.

Num arranjo livre, que busca experimentar a subversão dos modos de organização e representação naturalizados na nossa sociedade, sem divisão e hierarquização de funções e onde todos os estudantes têm o poder de auto corresponder-se nos espaços de decisão, além de poder usufruir das estruturas sociais e materiais ali produzidos na construção dos seus próprios anseios coletivos ou individuais no universo da arquitetura e urbanismo, pude experimentar a 17

Centro Acadêmico do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFJF.

18

Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo do Brasil.

33

indissociabilidade entre a teoria e prática, uma refazendo a outra. Um caminho obviamente cheio de contradições e falhas, de inexperiências e imaturidades realçadas a cada projeto inconcluído e a cada derrota política sacramentada. Mas é exatamente por conta dessa condição que eu pude exercer a autonomia de trilhar o caminho do meu próprio conhecimento, de poder falhar e de poder acertar. É principalmente essa sua dimensão pedagógica que atravessou o meu entendimento de que ocupamos sim posição política dentro da sociedade. Elemento fundamental para buscar entender como ela se movimenta, pois tanto pesquisador como teoria não são descolados desse movimento.

Exemplos de coletividades que buscam desenvolver diferentes formas de organização no espaço urbano capitalista não são poucas e muito menos novidade.

“São propostas alternativas ao modo de existência hegemônico. Espaços de resistências e de esperança, baseados nas categorias de práxis e autonomia” (Rodrigues, G. e Ramos, T. 2010). Porém a manutenção e a consolidação de um espaço assim nunca são fáceis dentro de uma lógica maior de organização social 19. A manutenção dessas estruturas, tanto no que tange às interlocuções com outras esferas, como no que é relativo à receptividade pela comunidade em geral – incluindo aí aqueles que, mesmo não desejando participar ativamente, acabam sendo por elas indiretamente representados – precisa desenvolver inúmeros mecanismos para Ver SOUZA, M. Autogestão, “autoplanejamento”, autonomia: Atualidade e dificuldades das práticas espaciais libertárias dos movimentos urbanos, in Revista Cidades. V.9, n.15, 2012.

19

34

enfrentar cotidianamente o desconhecimento, o estranhamento e a antipatia desses outros setores e organizações da sociedade que de forma inconsciente (naturalizada) ou de forma consciente operam sob a normativa produtivista dominante. Pode-se usar o exemplo do conceito de horizontalidade que, simplificadamente falando, se estrutura

através

do

entendimento

de

que

a

informação,

a

decisão

e

consequentemente a sua aplicação devem imperativamente atravessar toda aquela comunidade ativa, dando espaço às experiências, às reivindicações e às práxis individuais e coletivas de cada sujeito ali presente. Um cenário onde diversas falas diferentes se elaboram na busca da transformação é essencial para a produção qualitativa de resoluções, se sobrepondo, por exemplo, a um sistema simplificado de definição através do voto para a ocupação de cargos representativos ou de soluções pré-estabelecidas.

Procedimentos assim dificilmente são ágeis, exatamente por buscar valorizar o processo acima do rendimento. Aliada ao instinto natural humano de buscar traduzir e avaliar em códigos mais confortáveis os fenômenos que nos são estranhos, é comum que estas próprias características sejam usadas por atores externos como argumento – mais uma vez, de forma consciente ou inconsciente - de deslegitimação do próprio movimento ou da causa20.

Durante minha atuação no CACAU tive o prazer de presenciar com frequência inúmeras situações como estas, ocorridas em reuniões de departamento, de colegiado, conselhos de unidade e espaços deliberativos diversos do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFJF. As objeções por parte de alguns professores sobre a “legitimidade representativa”, ou sobre a “produtividade” e “eficiência” do 20

35

O programa Roda Viva da TV Cultura, realizado em 17 de junho de 2013 21, demonstrou durante alguns momentos exatamente essa dificuldade de leitura. Esta edição contou com os entrevistados Nina Capelo, estudante de direito e Lucas Monteiro de Oliveira, professor de história, dois militantes do Movimento Passe Livre, organização que, ao coordenar atos contra o aumento da tarifa do transporte público da cidade de São Paulo naquele mesmo ano, inauguraram um cenário de ebulição de grandes manifestações, que acabariam por fagocitar diversas insatisfações de diversos setores sociais ao redor do país. Um fato histórico de ainda difícil análise e compreensão22, mas que acabou marcando aquele momento político, reverberando ainda nos dias de hoje.

Se definindo como um movimento politicamente autônomo e autogestionário, o MPL se deparou com alguns questionamentos que aspiraram conduzir o trabalho por eles realizado a um enquadramento em certos padrões dominantes de organização, como por exemplo, quando em dado momento da entrevista, o caso do trabalho realizado pelo Centro Acadêmico, devido a sua estrutura organizacional, eram regularmente e convenientemente usadas como contra-argumento.

Mediado pelo jornalista Mario Sérgio Conti, com a participação dos entrevistadores Marcelo Godoy, chefe de reportagem do caderno Metrópole do Jornal Estado de São Paulo; Milton Coelho da Graça, jornalista da TV Brasil; José Vicente Filho, coronel reformado e professor do Centro de Altos Estudos de Segurança da PM-SP; Rafael Colombo, âncora da Rádio Bandeirantes; e Giuliana Vallone, repórter da TV Folha.

21

‘Jornadas de Junho no Brasil’. Ver coletânea Cidades Rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil, 2013. David Harvey e diversos autores.

22

36

“quase linchamento” de um policial militar por um grupo de manifestantes 23 foi colocado em pauta. A dupla foi questionada se eles tinham consciência da responsabilidade política que o MPL possuía por ações como essa, e, devido a isso, como eles pensavam em lidar com essa “franja radical”. Fica claro nesta fala dos entrevistadores, a tentativa não só de classificação hierárquica (comum a modelos empresariais e principalmente militares) de um movimento que se define horizontal, mas também de um enquadramento de todo um ato político, de toda uma manifestação política de matizes diversificadas e de atores diversificados, que, por definição, representa tensões e não harmonias, à uma “ideologia conformada”.

Outras situações na entrevista também demonstravam práticas similares, como a busca de personificação do MPL e das suas ações através da figura dos dois entrevistados presentes. “Estamos aqui porque fomos escolhidos para falar com a imprensa e aparecer publicamente. Mas somos um grupo, a maior parte dos nossos militantes estão na manifestação, que é pra gente, de fato, o espaço central de atuação.” (Oliveira, 2013).

Relato da grande mídia disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/06/1293688-sozinho-pm-quase-foi-linchado-duranteprotesto-na-regiao-da-se.shtml. Acesso: 20/10/2017.

23

37

fig.05 Manifestações de Junho de 2013 em São Paulo, 20/06/2013

38 17

É importante mostrar que, no que se refere ao planejamento urbano, essas práticas participativas se constituem muito presentes no arcabouço legislativo do nosso país. Devemos citar como exemplo maior o Estatuto da Cidade24. Em seu inciso II do 2º Art., a “gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano” é definida como uma diretriz geral para a sua aplicação.

Além dela, podemos também mencionar o Conselho das Cidades (ConCidades) - órgão colegiado permanente do Ministério das Cidades - possuidor de caráter consultivo e deliberativo, formado por representantes do poder público e da sociedade civil. Através da realização integrada das Conferências das Cidades em esfera municipal, seguida pelas de nível estadual e do distrito federal, culminando nas nacionais25, o ConCidades busca “formular, estudar e propor diretrizes para o desenvolvimento urbano e metropolitano, e no que couber, de forma integrada ao desenvolvimento regional, com participação social e integração das políticas de Lei Federal 10.257 de 10 de julho de 2001. Regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm. Acesso em: 20/10/2017 24

As primeiras conferências ocorriam a cada dois anos, passando em 2007 para um intervalo de três anos, e agora a partir de 2016 para quatro anos: 1ª Conferência Nacional das Cidades (2003); 2ª Conferência Nacional das Cidades (2005); 3ª Conferência Nacional das Cidades (2007); 4ª Conferência Nacional das Cidades (2010); 5ª Conferência Nacional das Cidades (2013); e 6ª Conferência Nacional das Cidades (2016).

25

39

planejamento, ordenamento territorial e gestão do solo urbano, de habitação, saneamento ambiental, mobilidade e transporte urbano26”.

Ainda podemos destacar a institucionalização da participação popular na construção dos Planos Diretores Participativos Municipais 27 e em conselhos municipais diversos28.

A existência de todo esse instrumentário legal nos mostra que o problema não está na falta de leis que privilegiem a participação popular e que priorizem o caráter social na produção das nossas cidades sobre os interesses privados. O problema está na sua não-aplicação, e mais especificamente, nos motivos pelos quais eles não são aplicados.

26

Disponível em: http://www.cidades.gov.br/conselho-das-cidades. Acesso: 18/10/2017.

Os Planos Diretores definem as diretrizes de desenvolvimento urbano de cada município.

Hierarquicamente, se colocam como o principal documento de planejamento de uma cidade. Através de uma extensa análise física, infraestrutural, social, econômica, ambiental e histórica, o Plano Diretor estabelece os principais vetores de crescimento, levando em consideração as potencialidades e as deficiências de cada região, definindo assim, toda a legislação urbanística, que dela é subsequente. Por lei, precisam ser atualizados de 10 em 10 anos. O Plano Diretor atual de Juiz de Fora é de 2000.

27

Os conselhos municipais de Juiz de Fora, assim como seus integrantes podem ser acessados através deste endereço eletrônico: https://www.pjf.mg.gov.br/institucional/conselhos_municipais/index.php. Acesso: 18/10/2017.

28

40

Um exemplo claro, na cidade de Juiz de Fora, foram as alterações promovidas a toque de caixa, no ano de 2013, das Leis Urbanísticas 6909/86, que diz respeito às edificações, e a 6910/86, sobre o uso e ocupação do solo.

As mensagens de alteração das leis eram focadas, principalmente, nas metragens mínimas das construções e na revisão de números de coeficiente de aproveitamento e taxas de ocupação em regiões nobres e centrais da cidade29.

Sem estudos de impacto ambiental, patrimonial, de tráfego, de capacidade da rede de saneamento da cidade, dentre outros, que seriam necessários para compreender a viabilidade de alterações como estas, ainda desconsiderou a prioridade no campo jurídico-urbanístico da atualização do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano da cidade, já defasado àquela época e hierarquicamente o principal documento de planejamento territorial de um município, sendo consequentemente o documento que daria as bases para a revisão de leis menores como as 6909/86 e 6910/86.

Projeto de alteração da Lei 6909/86, proposição nº: 3/2013. Disponível em: http://isal.camarajf.mg.gov.br/sal/textop.php?num=28245&sequencia=1 Acesso em: 23/10/2017.

29

Projeto de alteração da Lei 6910/86, proposição nº: 4/2013. Disponível em: http://isal.camarajf.mg.gov.br/sal/textop.php?num=28298&sequencia=1 Acesso em: 23/10/2017.

41

fig.06 Projeção na empena cega da rua Halfeld pedindo o veto das alterações das leis 6909/86 e 6910/86 ao prefeito Bruno Siqueira durante as manifestações em Juiz de Fora, MG. 20/06/2013 42

Um maior adensamento nessas áreas valorizadas da cidade onde a infraestrutura já se encontrava sobrecarregada e consequentemente com pouca possibilidade de expansão30, acabou por privilegiar o setor da construção civil na cidade que, sozinho, investiu mais de 500 mil reais nos candidatos a cargos públicos nas eleições municipais de 201231.

Apesar da falta de abertura para a participação popular na avaliação das propostas, elas receberam incisivas críticas dos membros das associações de moradores, de técnicos do IAB – núcleo Juiz de Fora, de movimentos sociais como o +MaisJF, e inesperadamente do próprio Departamento (agora Faculdade) de Arquitetura e Urbanismo da UFJF, que não costuma se manifestar politicamente na cidade.

O encaminhamento dessas críticas como pauta nas manifestações de junho ocorridas na cidade, encabeçadas pelo movimento popular urbanista +MaisJF, conseguiram atrasar a sua aprovação, mas não a impediram.

Não há um plano diretor no Brasil que não diga que o transporte coletivo é prioridade. (...) não há um plano diretor no Brasil que não institua a função social da propriedade, a função social da cidade. O 30

Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Juiz de Fora, 2000.

Ver ALBUQUERQUE, M. PERES, J. PETERMAN, L. Quem planeja o planejamento – Juiz de Fora/MG. Trabalho acadêmico para a disciplina de Planejamento Urbano e Regional 2015/1.

Universidade Federal Fluminense. Dados obtidos através do site http://asclaras.org.br/@index.php.

Acesso: 05/11/2015.

31

43

direito à moradia é absoluto em nossa Constituição. O direito à propriedade privada não é absoluto. Mas como as leis são aplicadas?

Como se o direito à propriedade privada fosse absoluto e o direito à moradia fosse relativo (Maricato, 2015, p.108-109).

A transformação não vem pela conquista do poder político institucional. Vem da construção de espaços diferenciados pela sociedade. É a mobilização e o envolvimento nessa construção que tem o poder de transformar as nossas vidas e as nossas relações. Através da FeNEA por exemplo, pude presenciar de perto o trabalho realizado por movimentos de luta por moradia, como o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) e o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST).

Em Belo Horizonte a Vila Eliana Silva na região de Barreiro, há mais de duas horas de distância do centro da cidade32, é hoje um território fruto de uma ocupação realizada por uma parcela da sociedade - com o apoio do MLB - que entendeu que o direito fundamental pela moradia para muitos não se aplica sem organização política e sem muita luta. Completou no mês de outubro de 2017, cinco anos de existência.

Porém há três anos antes, período que pude conhecê-la, já expressava uma consolidação urbanística e arquitetônica que aparentava muitos anos a mais de existência. A ocupação ocorreu num terreno anteriormente público, doado à iniciativa privada nos anos 80 sob a condição de que fosse utilizada para a implementação de fábricas e indústrias.

32

44

Via transporte público municipal.

fig.07 Ocupação Eliane Silva, Belo Horizonte. Em poucos anos já consolidada arquitetonicamente no território urbano. 05/06/2013 45

fig.08 Ocupação Eliane Silva, Belo Horizonte. Implementação do sistema TEVAP para águas escuras. S/data 46

Porém encontrava-se vago há décadas, servindo somente ao capital especulativo. A ocupação iniciou-se em 24 de agosto de 2012, envolvendo cerca de 250 famílias33.

Com qualidade arquitetônica e urbanística extremamente superior a muitas habitações do mercado formal, a ocupação contou com ações integradas da população organizada (através do MLB), de setores da academia (Práxis/EAUFMG) e de classe (Arquitetos sem Fronteira - Brasil), tanto em escala urbana como em escala arquitetônica.

O conhecimento urbanístico na realização do loteamento do terreno, na implementação das vias internas e dos espaços comunitários, serviu não de forma determinante, mas de apoio para que a comunidade estabelecesse o número de moradias possíveis, e consequentemente a sua destinação às famílias. Sistemas sanitários de baixo impacto ambiental como o TEVAP (evapotranspiração) para a água negra (água do vaso sanitário) foram usados nos lotes onde o acesso ao sistema de esgotamento da prefeitura não era possível. E o acompanhamento arquitetônico das moradias pelos estudantes de arquitetura, que eram construídas por mutirão entre os moradores, também possibilitou uma habitação de melhor qualidade técnica.

Informações disponíveis em: https://dialogoselianasilva.wordpress.com/2012/11/05/entendaa-ocupacao-eliana-silva-videos-gravados-na-ocupacao/ e http://www.coau.com.br/portfolio/comunidade-eliana-silva/. Acesso em: 23/10/2017.

33

47

Esse saber institucional vem de encontro com o apoio ao saber vivo, potente, de solução espacial das populações da ocupação. É um retorno ao apuro, onde a urgência do aqui e agora, num primeiro momento é fundamentalmente mais forte.

Essa assimilação de diversos saberes foi essencial na consolidação dessa ocupação em tão pouco tempo.

Em Niterói, mais de 200 famílias ocuparam em 7 de agosto de 2015 junto ao MTST um terreno localizado no Largo da Batalha em Pendotiba, uma das regiões mais valorizadas da cidade, que há anos servia de depósito de lixo. A ocupação 6 de Abril, como foi batizada, era composta por moradores das comunidade do Cantagalo, Garganta, Sapê, Caramujo, Bumba, entre outras diferente regiões de Niterói, como mostrado nas assembleias que ocorriam todas as noites. Após a tragédia dos deslizamentos em 2010 no Morro do Bumba34, a maioria dos atingidos pelo desastre continuava morando em áreas de risco, vivendo de favor ou pagando aluguéis cada vez mais caros. Segundo o MTST, a construção de moradias pelo Minha Casa Minha Vida voltadas para a população vítima dessa tragédia não só foi insuficiente para sanar o problema, como demonstrava também o descaso com a qualidade da moradia de quem compõe as parcelas mais empobrecidas da classe trabalhadora: dois prédios tiveram que ser demolidos por não apresentarem condições mínimas de

Segundo membros do MTST, coordenadores da ocupação, e pela grande mídia: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/04/tragedia-do-bumba-completa-5-anos-e-aindaha-familias-em-risco-no-rj.html. Acesso em: 26/10/2017.

34

48

fig.09 Notícia 01 sobre o deslizamento de terra ocorrido na comunidade do Bumba em Niterói em 2010, 06/04/2015. Notícia 02 sobre previsão de manutenção para evitar novas tragédias 17/01/2016 49

fig.10 Ocupação 6 de Abril, em Niterói. 07/08/2015

50

infraestrutura e os que foram entregues estavam visivelmente danificados35. Uma perspectiva de nova tragédia estava em vias de ocorrer a qualquer momento.

O trabalho e o planejamento de uma ocupação são imensos, e todas as ações realizadas são impreterivelmente apoiadas pelo nosso sistema legal. Começam desde muito tempo antes, nas primeiras assembleias organizacionais com a população, passando pela escolha dos terrenos ou dos edifícios públicos abandonados a serem ocupados, das datas mais propícias, até as táticas de consolidação e enfrentamento à arbitrariedade e à intimidação violenta da polícia nos primeiros dias da ocupação.

Estes primeiros dias são cruciais, pois é quando o poder público mais facilmente consegue realizar a remoção, e mais facilmente consegue efetivar a reintegração de posse. Contra isso, os ocupantes precisam se consolidar o mais rápido possível naquele território.

Levantar barracos de lona e bambu materializa visualmente a demanda habitacional daquela população ocupante, além de demarcar o espaço ocioso que servirá de moradia simbólica, até que o poder público se predisponha em - ou então não encontre escapatória além de - dialogar e negociar.

Segundo membros do MTST, coordenadores da ocupação, e pela grande mídia: http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2016-01-17/minha-casa-de-moradores-do-morro-dobumba-vai-ser-reparada.html. Acesso em: 26/10/2017.

35

51

Seja como efetivação do direito à moradia (Vila Eliana Silva), seja como arma de reinvindicação de espaços de diálogo com o poder público por outra solução permanente (Ocupação 6 de Abril), acompanhar ocupações urbanas por moradia nos permitem respirar um ar muito mais socialmente justo do que o existente na cidade formal. Poder ver e admirar o protagonismo da luta urbana produzida por pessoas que, sem nunca botar um pé na universidade, sabiam e viviam infinitamente mais sobre reforma urbana e sobre a lógica de produção urbanística do que eu jamais poderia alcançar estando dentro de uma sala de aula, é uma experiência de direito à cidade extremamente transformadora.

Além destas potentes experiências de luta no território urbano, pude também, através do CACAU junto a outros estudantes, lutar pela permanência de um bem espacial coletivo, possuidor de uma significância muito maior do que a de um simples espaço de convivência.

O galpão da arquitetura adquiriu durante anos de vivência estudantil a condição de núcleo central do curso. Grupos de estudo, ações artísticas, palestras, mesas redondas, feiras, práticas, mostras, festas, shows, diálogos, e etc. encontravam nele um local de materialização. A qualidade arquitetônica deste espaço servia de palco para a imensa qualidade de experiências coletivas vivenciadas por estudantes, por professores, e pela população em geral. Um espaço de autonomias. Uma aula cotidiana para estudantes de arquitetura e urbanismo sobre apropriação e construção coletiva do espaço.

52

fig.11 Intervenção político-artística “Maquete 1/1”, Galpão da arquitetura, UFJF. Dezembro de 2014

53

Durante os processos de transformação do então Departamento de Arquitetura e Urbanismo (DAU) da Faculdade de Engenharia em Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), foi desenvolvido apressadamente um projeto de reforma para este espaço. O projeto propunha uma reorganização de todo o espaço livre de convivência, dando lugar às demandas institucionais de uma nova faculdade, como diversos novos gabinetes e diversas novas salas de reuniões. Embora o patamar institucional tivesse se ampliado, a escala do curso não havia mudado efetivamente em nada. O debate comparativo sobre o valor pedagógico distinto entre uma nova sala de reunião e um espaço de vivência coletiva na formação de um profissional em arquitetura e urbanismo também não parecia ser suficiente para impedir o prosseguimento da proposta.

Como resposta ao incessante embarreiramento da participação e da representação estudantil na Comissão do Espaço Físico durante as etapas de projeto, reproduzimos no próprio galpão, com tecidos negros e em escala real, as paredes e as salas propostas no projeto. Sentir esta nova espacialidade, em vias de se concluir, foi um choque para todos os que a vivenciavam. Formava-se ali, materialmente e sensivelmente, a destruição de um espaço coletivo e pedagógico. Quem frequenta o local? Quem o espaço acadêmico deve valorizar? Qual a prioridade de um curso de arquitetura e urbanismo? As ações que se seguiram após esta instalação feita pelos estudantes, foram suficientes para que o projeto perdesse o prazo de inscrição no edital federal aberto para tais obras.

54

1.3. Introdução, enfim!

Essa contextualização pessoal não apresenta aqui papel secundário. Para que o meu desejo de produzir um trabalho de caráter extensionista como este de certa forma se legitime, é preciso deixar bem clara a minha trajetória e as minhas escolhas.

Trabalhar a questão do direito à cidade através do protagonismo do adolescente, parte do exercício de abandonar a noção de juventude como uma fase de transição da vida, para entendê-la como um agente do presente (Cassab, C. 2009, p.42). O acesso de todos e todas não só aos serviços e equipamentos das cidades, mas também à produção das nossas próprias relações com o outro e com o mundo é possível quando a cidade é socialmente justa, ou seja, quando o direito à cidade está garantido. Mas o que é exatamente esse direito e como podemos alcançá-lo? E o que isto significa para a juventude?

Dividido em quatro capítulos, o trabalho se estrutura da seguinte forma: O primeiro capítulo é essa própria apresentação, onde exponho os meus objetivos, minhas motivações, o que entendo ser o papel do arquiteto e urbanista na sociedade e a introdução do trabalho.

55

fig.12 Jovens barram escada rolante do Shopping Metrô Itaquera, em São Paulo. Transgressão e violência ou ocupação de espaços socialmente interditados? 11/01/14 56

Na segunda parte denominada Direito à cidade, me utilizo do fenômeno das ocupações escolares ocorrido em todo o país nos anos de 2015 e 2016 pelos secundaristas, exemplificada no caso da ocupação do Colégio de Aplicação João XXIII em Juiz de Fora pelo movimento OcupaJoão, como um modelo de prática de busca por esse direito. Para construir essa correlação, busco incorporar algumas contribuições teóricas de David Harvey (2005; 2013; 2014) relativa à dimensão de lutas de classes presentes na dinâmica capitalista dos processos de urbanização, e de Clarice Cassab (2009; 2010) sobre a condição da juventude e da adolescência neste território urbano, mais especificamente Juiz de Fora. A oposição protagonizada por esses estudantes às reformas impostas no sistema de ensino, atraindo a receptividade e a hostilidade de outras pessoas e outros setores da sociedade, realizando atividades culturais e pedagógicas, se divertindo e fazendo política ao mesmo tempo no território escolar, e obviamente lidando com suas próprias contradições durante esse processo, pode e deve ser lida como uma prática de autonomia análoga ao desejo da reinvenção do território urbano baseado em diferentes relações humanas e diferentes estruturas sociais.

Na terceira parte chamada de Interface, planejo a sistematização do espaço de debate inicialmente proposto. O conceito de interface (que dá nome a esta etapa do trabalho) desenvolvido pelo grupo de pesquisa Morar de Outras Maneiras (MOM) da UFMG (2012a), que é coordenado pelas professoras Ana Baltazar e Silke Kapp, se baseia na potencialização e na autonomia das práticas do indivíduo em seu espaço através da interlocução direta entre sujeito e saber urbanístico e arquitetônico, por 57

isso este conceito é estrutural para a idealização deste projeto. Assim como é fundamental para a sua instrumentalização a prática popular dos temas geradores desenvolvida por Paulo Freire (1994), onde o processo pedagógico se desenvolve por meio dos próprios ‘pensamentos-linguagens’, referenciadas nas próprias experiências cotidianas do grupo envolvido.

Sendo realizadas durante a disciplina de Trabalho Final de Graduação II com os adolescentes do próprio Colégio de Aplicação João XXIII através do espaço pedagógico das Ágoras (presente na estrutura pedagógica da instituição), estas atividades possuirão uma abordagem lúdica – entendida aqui como um percurso de construção de conhecimento – e teórica, objetivando perfazer mapeamentos que evidenciassem quais os fluxos, pontos geográficos, quais as interações possíveis e impossíveis destes jovens através das suas representações e das suas relações – específicas e coletivas – com o espaço urbano. O resultado imaginado é o de um reconhecimento próprio destes adolescentes sobre estes recortes, através de práticas cartográficas e hipertextuais, por meio de produções de diversas linguagens, sejam elas textuais, audiovisuais, poéticas, performáticas e de quaisquer outras formas de livre expressão.

Por fim, a quarta e última parte intitulada Realização e Análises aborda a efetivação dessa interface e algumas considerações sobre a execução em si. São reflexões sobre os êxitos e as insuficiências desta experiência. Para isso, começo me ocupando dos aspectos mais técnicos e práticos que moldaram a ferramenta. Em 58

seguida busco desenvolver algumas observações sobre os processos produzidos pelos participantes durante a sua efetivação. E por último, procuro entender o meu papel dentro dessa experiência como um todo. Todas essas análises relatadas neste documento poderão servir de base para a construção de novas práticas futuras.

59

2. DIREITO À CIDADE

Saber que tipo de cidade queremos é uma questão que não pode ser dissociada de saber que tipo de vínculos sociais, relacionamentos com a natureza, estilos de vida, tecnologias e valores estéticos nós desejamos. O direito à cidade é muito mais que a liberdade individual de ter acesso aos recursos urbanos: é um direito de mudar a nós mesmos, mudando a cidade. Além disso, é um direito coletivo e não individual, já que essa transformação depende do exercício de um poder coletivo para remodelar os processos de urbanização. A liberdade de fazer e refazer as nossas cidades, e a nós mesmos é, a meu ver, um dos nossos direitos humanos mais preciosos e ao mesmo tempo mais negligenciados. (Harvey, 2013)

60

2.1. Cidade: Espaço dialético essencialmente capitalista O texto escrito por David Harvey para a revista brasileira Piauí em 2013, na esteira das manifestações de junho no país, retoma um dos aspectos do conceito de direito à cidade desenvolvido por Henry Lefebvre logo antes, mas não por isso alheia, às manifestações de maio nas ruas e vizinhanças da Paris de 1968.

Embora de épocas distintas, com objetivos historicamente específicos, e estruturalmente diferentes, a Comuna de Paris em 1871; as revoltas de Paris e das cidades americanas no fim dos anos 60; as diversas manifestações que ocorreram no ano de 2013 ao redor do mundo como Estados Unidos, Egito, Espanha, Turquia, Israel e Brasil; além de muitas outras ao longo do período capitalista da humanidade, ou melhor, ao longo da consolidação da cidade como espaço de reprodução do capital e reprodução da força de trabalho, possuem o fato comum, segundo Harvey (2014, p.209), de serem revoltas de base urbana.

Esta base urbana não se refere à condição de palco desses insurgimentos, mas à condição de origem do descontentamento. Quando entendemos o papel dialético e histórico entre relações sociais e território construído, entendemos que o termo base urbana se refere à forma com que o direito e o poder de escolher quais tipos de pessoas queremos ser; de fabricar as nossas próprias relações, valores e políticas; de conduzir os nossos próprios processos de urbanização; e de consequentemente construir as nossas próprias territorialidades; se concentram “nas mãos de uma

61

pequena elite política e econômica com condições de moldar a cidade cada vez mais segundo suas necessidades particulares e seus mais profundos desejos” (Harvey, 2014, p.63), e que essa elite, ao moldá-la, acaba também nos moldando.

Neste último século, a acelerada urbanização contribuiu para o nosso bemestar, nos tornando pessoas melhores ou nos aprisionou em um mundo de miséria e alienação, medo e frustração?36 “Os últimos cem anos significam, por exemplo, que fomos refeitos várias vezes, sem saber como ou por quê.” (Harvey, 2014, p.29). A insurgência urbana, seja ela sobre a mobilidade na cidade, sobre as relações de trabalho, sobre a violência, sobre a condição desigual das minorias, é produzida pelo descontentamento naquilo que se configura hoje como cidade através da sua consolidação urbanística e dos seus modos de vida possíveis. É importante ressaltar que nesta lógica de urbanizações, todos os agentes sociais são dominados e coagidos, até o próprio processo de acumulação capitalista.

Uma vez que se forma a paisagem física e social da urbanização em alinho com parâmetros essencialmente capitalistas, mesmo o desenvolvimento deste se depara com certos limites que se interpõe em seu caminho.

A concentração da pobreza alcança no início do século XXI, números inéditos. Este é o mesmo período em que o mundo passou a ser predominantemente urbano. Ver DAVIS, M. Planeta Favela. São Paulo: Boitempo, 2006.

36

62

fig.13 (1) Hector Pieterson, 13 anos, morto em Soweto durante a repressão policial à marcha estudantil em junho de 1976, conhecida como levante de Soweto. (2) Saque em Bushwick, Brooklyn, durente a queda de energia de 1977 em Nova York. (3) Bonde virado durante a revolta da vacina, no Rio de Janeiro entre 10 e 16 de novembro de 1904 63

Isso implica que, embora o processo urbano sob o capitalismo seja moldado pela lógica da circulação e da acumulação do capital, aqueles critérios modelam as condições e as circunstâncias da acumulação do capital em pontos posteriores do tempo e do espaço. (...) os capitalistas, como todos os demais, não fazem isso sob circunstâncias históricas e geográficas de sua própria escolha individual, mesmo quando desempenham um papel coletivo importante e mesmo determinante ao moldar aquelas circunstâncias (Harvey, 2005. p.163).

Ou seja, até as próprias lógicas do capitalismo precisam se moldar à estrutura existente, atuando diretamente nela, para que assim possam perpetuar suas próprias leis de acumulação e circulação. E isto é algo que ela está constantemente realizando. (...)o capital, como representante da forma universal de riqueza – do dinheiro –, é o impulso ilimitado e desmedido de transpor seus próprios limites. Cada limite é e tem de ser obstáculo para ele. Caso contrário, deixaria de ser capital – o dinheiro que se produz a si mesmo. Tão logo deixasse de sentir um determinado limite como obstáculo, mas se sentisse à vontade nele como limite, o próprio capital teria degenerado de valor de troca à valor de uso, da forma universal de riqueza à uma existência substancial dentro dela. O capital enquanto tal cria um maisvalor ilimitado; ele é o movimento contínuo de criar mais-valor. O limite quantitativo do mais-valor aparece para o capital somente como barreira natural, como necessidade que ele procura incessantemente dominar e transpor (Marx, 2011, p.264 apud Teixeira, 2014, p.164).

Esta necessidade contínua do capitalismo de se reproduzir e de se superar, demanda uma busca eterna de maiores territórios férteis para tal. “E é essa busca o que dá forma à política capitalista” (Harvey, 2013, §5º).

64

No capitalismo, a urbanização é potencializada para além do que já foi em qualquer outro momento da história da humanidade37. “(...) as cidades são preexistentes ao capitalismo, porém também é imprescindível saber que com ele as cidades se incorporaram a tal ponto que se torna impossível pensá-lo hoje sem elas” (Maricato, 2015, p.17). Sob o capitalismo emerge uma conexão íntima entre o próprio desenvolvimento do sistema e os processos de urbanização em si.

Na configuração deste quadro esquemático, Harvey consegue ilustrar - através de casos históricos como o da transformação de Paris no século XIX por Haussmann38 e da região metropolitana de Nova York do século XX no pós-guerra por Moses39 - que a busca da superação da estagnação de excedentes de capital através da implantação de um amplo programa de investimentos em infraestrutura

Harvey (2014, p.30) faz um alerta sobre a semelhança entre as curvas logísticas do aumento da produção capitalista e as curvas logísticas da urbanização da população mundial.

37

“Paris transformou-se na “Cidade Luz”, o maior centro de consumo, turismo, e prazeres – os cafés, as grandes lojas de departamento, a indústria da moda, as grandes exposições transformaram o estilo de vida urbano, permitindo a absorção de vastos excedentes mediante um consumismo desmedido (Que ao mesmo tempo agredia os tradicionalistas e excluía os trabalhadores)”. (Harvey, 2014, p.35).

38

Sobre o surgimento do modelo de vida de consumo dos subúrbios estadunidenses: “A suburbanização (junto com a militarização) desempenhou um papel crucial para ajudar a absorver o excedente nos anos do pós-guerra. Para tanto, porém, pagou-se o preço de esvaziar o centro das cidades e privá-las de uma base econômica sustentável, gerando a chamada ‘crise urbana’ da década de 1960, definida por revoltas de minorias prejudicadas (sobretudo os afro-americanos) que viviam nos guetos no centro das cidades e às quais se negava acesso à nova prosperidade”. (Harvey, 2014, p.38).

39

65

urbana implica não só na transformação do próprio ambiente construído, como também - e especialmente - na fabricação de um novo modelo de vida e uma nova personalidade urbana que consegue absorver com maior vigor cada nova escala de produção. E não precisamos ir muito distante na história e no espaço para entender que esta absorção do excedente por meio da destruição, transformação e reestruturação urbana, quase sempre tem uma dimensão de classe, onde geralmente é a população pobre, desprivilegiada e marginalizada do poder político a que sofre mais que quaisquer outros com esse processo. “A violência é necessária para construir o novo mundo urbano sobre os escombros do antigo.” (Harvey, 2004, p.50).

O direito à cidade é além de tudo, um exercício. Por isso, acredito que o exemplo das práticas sociais que buscam se caracterizar como alternativas ao modo de existência hegemônico - mesmo que de escalas e abrangências diversificadas - se mostra como um caminho para o começo do refazer das nossas cidades.

2.2.

As ocupações escolares ou quando o conhecimento é ocupado

A proposta de investigar as ocupações estudantis que, como fato político, ocorreram por todo o Brasil, parte da leitura de que os saberes ali produzidos e os processos vividos, conseguiram extrapolar a lógica hegemônica e institucionalizada de vivência em um espaço coletivo.

66

É imprescindível compreender que esses grupos, ao inventarem suas próprias táticas e estratégias dentro daqueles contextos, ao lidarem com suas próprias contradições e conflitos, criaram suas próprias trajetórias e experimentaram o tipo de autonomia e criatividade que são substanciais para a construção de um modelo menos árido de cidade.

O meu contato com o movimento se deu em um momento posterior à ocorrência da ocupação, através de um grupo de estudantes que ainda permaneciam na instituição.

A metodologia da entrevista foi essencialmente ‘livre’, a partir do objetivo de buscar estimular as narrativas próprias sobre a produção e a experimentação daquele novo espaço cotidiano. Para isso, esta entrevista contava com poucos elementos de estruturação, que eram utilizados apenas quando estas mesmas narrativas se afastavam muito do tema. Este cuidado é importante para que a chance de obtenção de uma resposta sincera, sem direcionamentos, seja maior. O fato do um assunto de interesse do pesquisador ser mencionado ou não é muito mais esclarecedor do que uma fala construída sob uma postura defensiva ou de busca por aprovação.

As entrevistas se deram ao mesmo tempo, e foram gravadas e transcritas para que fossem analisadas. É importante também entender que elas não constituem necessariamente um indício de ‘realidade’, pois obviamente elas se respaldam nas posturas assumidas pelos entrevistados, tanto individualmente como coletivamente,

67

sejam elas o engajamento na autorrepresentação, as dúvidas enquanto aos reais objetivos do entrevistador, ou o receio de não corresponder às expectativas.

Embora a entrevista de diversos agentes em separado seja mais interessante para a coleta de perspectivas diversas sobre um mesmo processo, tornando assim as análises mais consistentes, não me foi possível realizá-la deste modo, reforçando assim o caráter parcial e limitado desta análise, e permitindo que uma ‘hierarquização subjetiva’ entre os entrevistados se materializasse e ditasse o ritmo das falas durante as narrativas, tornando esta pesquisa ainda mais sujeita a críticas e a revisões. Busquei então, exatamente para que esta situação ficasse também exposta, reproduzir de forma fiel as falas e os diálogos travados entre os estudantes.

Por fim, entrevistas estruturadas deste modo podem constituir também, uma oportunidade de os entrevistados refletirem acerca do tema sob uma diferente perspectiva.

Porém, partindo de uma visão geral das narrativas produzidas pelos estudantes integrantes do movimento OcupaJoão, no Colégio de Aplicação João XXIII, pude concluir, que elas apontam uma grande divergência entre as políticas instituídas não só no âmbito escolar como também no modo de vida urbano, e as políticas praticadas nas ocupações, exemplificando as disputas mais importantes que travamos: a busca pela emancipação e pelo direito de construir as nossas próprias relações.

68

fig.14 Estudantes secundaristas do Centro Paula Souza, escola pública de educação técnica em São Paulo, rodeados por policiais com capacetes e coletes a prova de balas. 2016 69

No Brasil, o movimento de ocupação de escolas públicas pelos secundaristas como tática de resistência às ações do poder público teve início em 2015 no estado de São Paulo40. Estudantes da capital e de outros municípios paulistas ocuparam as escolas contra a ‘reorganização curricular’ proposta pelo governador Geraldo Alckmin, que acarretaria no fechamento das mesmas e na transferência de estudantes e de professores para as unidades que ainda funcionariam. Após um período de conflito entre governo e estudantes, conseguindo chamar a atenção da sociedade e transformando o assunto em pauta da grande mídia, a ocupação conquistou num primeiro momento o recuo do Estado em relação a política de reorganização proposta, e por fim, a sua não concretização41.

Em 2016, as ocupações se multiplicaram por todo Brasil, e em Minas Gerais, assim como nos demais estados brasileiros, o movimento do ‘Ocupa’ ganhou protagonismo na resistência à precarização das condições físicas e humanas das escolas oriundas das novas reformas de escala nacional propostas pelo poder público42. Também ocorreram no Rio de janeiro e Ceará, em apoio às greves de Disponível em: https://gestaoescolar.org.br/conteudo/1650/as-ocupacoes-estudantis-e-agestao-democratica-no-ensino-medio. Acesso: 14/11/2017.

40

Disponível em: https://gestaoescolar.org.br/conteudo/1650/as-ocupacoes-estudantis-e-agestao-democratica-no-ensino-medio. Acesso: 14/11/2017.

41

Proposta de Ementa à Constituição 241/2016.

Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=2582260649BF179A65 866146BF4E0FEC.proposicoesWebExterno1?codteor=1468431&filename=PEC+241/2016.

Acesso: 16/11/2017.

42

70

professores, por uma educação de qualidade (e que acabou se desdobrando também em outras reinvindicações)43. Em Goiás contra a transferência de gestão de escolas para organizações sociais (OS)44; no Rio Grande do Sul, por melhor infraestrutura45; e em Mato Grosso, contra a proposta de parcerias público-privadas (PPP)46. Acredito que a difusão desta prática política pelo país só foi em parte possível pela comunicação ampliada proporcionada pelas redes sociais e pelos meios de comunicação em massa, e pelo desejo contido em todos nós de construir e viver novas formas de espaços coletivos.

O movimento OcupaJoão, inspirado pelas outras ocupações no Brasil, ocorreu do dia 25 de outubro até 18 de dezembro de 2016, e reivindicava o fim da PEC 241\MP 746, que previa a reforma do Ensino Médio.

Disponível em: https://gestaoescolar.org.br/conteudo/1650/as-ocupacoes-estudantis-e-agestao-democratica-no-ensino-medio. Acesso: 14/11/2017.

43

Disponível em: https://gestaoescolar.org.br/conteudo/1650/as-ocupacoes-estudantis-e-agestao-democratica-no-ensino-medio. Acesso: 14/11/2017.

44

Disponível em: https://gestaoescolar.org.br/conteudo/1650/as-ocupacoes-estudantis-e-agestao-democratica-no-ensino-medio. Acesso: 14/11/2017.

45

Disponível em: https://gestaoescolar.org.br/conteudo/1650/as-ocupacoes-estudantis-e-agestao-democratica-no-ensino-medio. Acesso: 14/11/2017.

46

71

fig.15 Fachada do edifício do Ensino Médio do Colégio de Aplicação João XXIII durante a ocupação. 26/10/2016 72

“Estávamos com medo de sofrer boicote da direção, os alunos que fizeram assembleia votaram unânimes na ocupação. Paramos as aulas, tiramos todo mundo das salas e fizemos uma ‘aula’ na quadra, explicando por que ia ocupar. Tivemos uma conversa.” (sic) (estudante 1, 2ºano).

Muitas das atividades planejadas pelos estudantes nas ocupações partiram de rodas de conversas, de forma horizontal e participativa. As atividades pedagógicas realizadas por professores e estudantes (da própria escola e de outras instituições), profissionais liberais e artistas. A ‘grade de atividades’ era organizada e divulgada pelas redes sociais. O exercício do protagonismo no planejamento das atividades emergiu como um valor indispensável. Colocavam em questão novas possibilidades de participação do aluno na vida cotidiana da escola: o planejamento, a organização e realização das atividades e dos espaços coletivos.

Entendo, assim como parecem entender os estudantes das ocupações, que, para além de ler, reler e utilizar as teorias, o encontro e as conversas permitiam outras lógicas e saberes como formação. “(...) Quem geriu a escola durante a ocupação foram os alunos, porque com as comissões a gente fazia tudo aqui dentro, a gente limpava, a gente fazia a alimentação, (...) eu limpei o ‘ensino médio’, limpei o refeitório, limpei o vestiário que era onde a gente tomava banho, todo mundo fazia o almoço todo dia, pessoal organizava tudo, então a gente geria a escola e foi uma coisa muito doida, pois, justamente por a gente não ter esse sentimento de pertencimento, a gente não tem noção de como difícil é gerir a escola, e a gente começa a dar valor às coisas que a gente não percebia...” (sic) (estudante 1, 2ºano).

73

“... Aí a gente começa a perceber como é difícil manter o ‘ensino médio’ limpo, como é difícil limpar, é um lugar muito grande, todo mundo passa (...)” (sic) (estudante 1, 2ºano).

“O pessoal da comunicação divulgava o que estava rolando, página, etc. Segurança era no começo pra fazer ronda, mas depois foram fazendo adaptações (...).” (sic) (estudante 2, 3ºano).

Cuidar da escola se configura como uma nova aprendizagem, como mais uma forma de vivenciar aquele espaço, só que agora numa posição muito menos fragmentada dentro do território escolar, menos dependente. A possibilidade de se ter uma visão mais ampliada das estruturas cotidianas que sustentam um corpo social como a escola, enriquece a construção de uma atuação e de uma inteligência operacional em espaços sociais, onde mais uma vez podemos traçar o paralelo com a questão urbana e com o entendimento das suas lógicas de reprodução, para, a partir daí, ser possível a construção criativa e autônoma de novos caminhos urbanos.

“O João XXIII tem muito uma burocratização, eu percebi isso muito na ocupação. Durante a ocupação a gente precisava da chave dos lugares pra gente pegar algumas coisas e lembro que era difícil pra gente conseguir pegar uma chave, tipo assim, eu precisava de uma chave do ‘ensino médio’, a gente pedia na coordenação e não podia, a gente ia na direção, e a direção pedia pra gente ir pra secretaria, que pedia pra gente voltar pra coordenação…” (sic) (estudante 1, 2ºano). “... Até a gente pegar as chaves, porque quando a gente pegava as chaves, não devolvia...” (sic) (estudante 3, 8ª série). “... Era um jogo de empurra...” (sic) (estudante 2, 3ºano).

A experiência de gerir um grupo não se restringiu ao universo contido da ocupação, mas também à sua relação com forças e agentes divergentes e externos.

74

Uma interação que pode influenciar a própria organização interna. A escola passava a representar, para a coletividade de estudantes a reprodução do espaço público de lutas, de disputa.

Muitas das ocupações escolares tiveram que lidar com o conflito ocasionado pela logística das eleições municipais. Em Juiz de Fora, o Colégio de Aplicação João XXIII foi uma das zonas eleitorais da região. “... Dia 30, que iria ser num domingo, seria a eleição aqui no João XXIII. Eleição de prefeitura. Aí o juiz da Vara Eleitoral ligou pra cá, (...) foi na quinta-feira, perguntou se a gente ia desocupar, como ia estar o estado do Colégio. A gente deu uma embromada nele, e ele veio aqui na sexta-feira. Ele ia vir aqui umas 3 da tarde. 1 da tarde – foi bem emoção – a gente sentou lá encima e fez uma assembleia....” (sic) (estudante 3, 3ºano).

“A gente decidiu o seguinte, ou a gente desocupa ou a gente continua, vai pra cima dele e tal. Foi o dia do ‘fico’, aí a gente foi, decidiu que não íamos desocupar, íamos bater de frente com ele. Mas depois a gente achou que ele iria vir duro pra cima da gente, mas foi tranquilo e tal, negociou com a gente, pediu que a gente ficasse aqui no ensino fundamental, cedeu salas pra gente e tal, com isso a gente: ‘não, beleza!’... Foi bom pra gente porque conseguimos mostrar como a gente é democrático, ocorreu uma eleição no meio da ocupação, e deu tudo certo a gente ficou lá, no sábado e no domingo, e na segundafeira a gente voltou pro Ensino Médio, só que tava rolando um boato de que o INEP tava tirando, trocando as sedes... Vai, pode falar...” (sic) (estudante 3, 3ºano).

“Sobre a eleição? foi que nem ‘estudante 2’ tava falando, quando a gente decidiu foi muita emoção. Muito emocionante. A gente teve uma conversa, todo mundo sentou, e a gente conversou com o juiz, (...) a gente tava morto, a gente tava cansado. Tinha acabado de cozinhar.

Aí a gente começou a conversar com o juiz, e ele querendo ou não, tava tranquilo, ele conversou com a gente, mas assim ele também queria

75

que acontecesse do jeito que ele queria, e tipo assim a gente ia negociar, de aluno negociar com juiz, também foi uma coisa que tipo assim, a gente não pensava que ia conseguir fazer, mas a gente conseguiu manter a ocupação durante esse tempo.” (sic) (estudante 1, 2ºano).

A própria construção de uma unidade interna não acontece sem esse espaço de disputa, e entender que essa disputa não é resultado de uma desorganização ou de uma desordem, exatamente por não reproduzir uma lógica de falsa harmonia, mas é a condição essencial do ser humano como ser social de reproduzir sua necessidade de fazer política no seu sentido mais básico, que só pode ser alcançada quando se toma consciência da sua posição num cenário mais amplo e menos individualizado.

“A gente tinha uma página, chamada OcupaJoão, eles criaram uma chamada DesocupaJoão. Na época do ENEM a gente ia desocupar. (...) aqui era local de prova então a gente ia desocupar. Então pra reocupar precisou fazer uma nova assembleia, e como a gente já tava sabendo melhor das coisas, na segunda assembleia que a gente teve, a gente chamou um grupo da ocupação pra fazer defesa e um grupo contra a ocupação pra fazer uma defesa, pra fazer uma coisa mais democrática…” (sic) (estudante 1, 2ºano). “... Mas assim, não foi culpa nossa, mas o grupo do Desocupa foi totalmente desorganizado, eles não... Não combinava antes, então foram totalmente desorganizados, tipo assim, tinham 5 contra a ocupação, exemplo, aí um falava uma coisa, outro falava uma coisa totalmente aleatória, totalmente diferente, mas que não fazia relação e não fortaleceu o movimento deles, e acabou que…” (sic) (estudante 2, 3ºano). “... Acabou que a assembleia também não foi unanimidade, mas foram cento e tantos (que votaram a favor da reocupação) …” (sic) (estudante 3, 8ª série). “… Mais de 70% com certeza.” (sic) (estudante 2, 3ºano).

76

Um processo de ocupação é um processo social muito contundente de transformação, pois significa uma modificação nas relações sociais vigentes. O aluno não se restringe mais àquele papel estruturado de aluno, onde a sua dinâmica com o espaço escolar era definido de forma muito restrita, (tanto temporalmente como espacialmente), e nem as suas relações com os outros agentes do espaço escolar, como professores e funcionários, permanecem alienadas e hierarquizadas da forma que eram antes.

Pode-se supor que essa transformação ocorreu em todas as ocupações escolares, e, no momento em que essas relações sociais hegemônicas com o espaço foram desmanteladas através do ato de ocupar, outros significados foram produzidos naquele território escolar, que por sua vez facilitava a produção de novas interpretações, novas necessidades e anseios.

O que significa ter acesso a áreas até então restritas dentro de um espaço escolar? E ainda mais, o que significa construir essas descobertas do espaço remodelando as suas relações com este ambiente?

“Entrei no João XXIII na 8ª série, estou no 2º ano, e só fui saber que tinha laboratório de física esse ano. A gente tem o centro de ciências, mas nunca vamos ao centro de ciências, outras escolas visitam mais do que a gente.” (SIC) (estudante 1, 2ºano).

Ainda sobre espaços...

77

“... Ai a coordenação parou, e a sala virou o nosso QG. O QG era a coordenação e a sala dos professores, porque tinha computador...” (sic) (estudante 3, 8ª série). “... A gente precisava usar...” (sic) (estudante 1, 2ºano). “... É, postar na página e tal.” (sic) (estudante 2, 3ºano).

Ainda mais sobre a questão da reorganização espacial proporcionada pela ocupação, vale a pena a reprodução das falas que ilustram bem esta ressignificação oriunda dos novos modos de vida dentro do território escolar, e de como esse mesmo espaço ressignificado interferiu nas dinâmicas sociais.

Inicialmente, a demanda logística por um espaço para cozinhar, guardar os alimentos, tomar banho e etc.

“No grêmio funcionou a nossa dispensa, a gente deixava todos os nossos alimentos dentro do grêmio. Inclusive os quatis que frequentam aqui, abriram e roubaram quase toda a nossa comida...” (sic) (estudante 1, 2ºano). “... No ‘ensino fundamental’ (edifício) a gente usava mais o grêmio, o vestiário e a cozinha, porque a gente ficou mais no ‘ensino médio’. A única vez que a gente veio mais pra aqui no ‘fundamental’ foi no período de eleição, nas salas lá encima, que a gente teve que vir pra cá pra deixar a eleição rolar. A cozinha era assim (monstra o tamanho reduzido do cômodo), e tinha dia que ficavam cinco pessoas.” (sic) (estudante 3, 8ª série).

“Era assim a cozinha, (...) a gente tinha que cozinhar pra tipo, tinha dia que eram 100 pessoas.” (sic) (estudante 1, 2ºano).

78

fig.16 Estudantes criando um outro tipo de vivência no espaço escolar. 2016 79

“Vestiários, tem feminino e masculino, mas tipo assim na escola no dia a dia a gente não usa o vestiário. E tá ali parado, serve para dispensa.” (sic) (estudante 1, 2ºano).

Novas dinâmicas de comunicação também se apresentavam como uma demanda. Sejam elas internas...

“Aqui é a rádio. A gente controla a rádio, era muito legal a gente fazia aviso pela rádio, ‘O almoço está pronto!’” (sic) (estudante 3, 8ª série).

“E também, não vamos negar, quando era de madrugada a gente ficava aqui zoando, botava música, pessoal cantava, karaokê, foi bem legal. Ah, (hoje em dia) a rádio tá parada.” (sic) (estudante 2, 3ºano).

“Porque como a gente ficava lá no ‘ensino médio’ e, por exemplo, cozinhava aqui: ‘Preciso de alho!’, ‘preciso de alguma coisa!’. A gente usava a rádio.” (sic) (estudante 1, 2ºano). “... Ou a gente ligava do orelhão aqui. A gente ligava pra lá.” (sic) (estudante 2, 3ºano).

...Ou externas...

“Aqui era o QG (sala da coordenação). Aí aqui ficava funcionando o (QG) da logística e da comunicação.” (sic) (estudante 3, 8ª série).

...Assim como a reprodução das atividades e das oficinas, que representam a principal transformação da estrutura social dentro de uma escola: a quebra das hierarquias e a quebra do modelo de grades para o conteúdo estudado.

“Aqui tinham oficinas (Estacionamento), na quadra também tinham oficinas.” (sic) (estudante 3, 8ª série).

80

fig.17 Cronograma de atividades desenvolvidas pelos próprios estudantes. Novas formas produção de conhecimento. 06/12/2016 81

“Tinha oficina em tudo que é lugar nesse colégio.” (sic) (estudante 2, 3ºano).

“Aí… aqui é o ‘ensino médio’, e tipo assim, (...) as salas do primeiro andar a gente usava pra oficina, tipo tudo era oficina… todas as salas do primeiro andar tiveram oficinas. Aqui é o anfiteatro que a gente usava pra...” (sic) (estudante 1, 2ºano). “... Pra assembleias. Café da manhã também de vez em quando rolava aqui, mas eram mais assembleias e oficinas”. (sic) (estudante 2, 3ºano).

Subindo escadas para o segundo andar... “... As salas aqui de cima serviam pra dormitório, aí todas as salas, tipo assim, tirando a coordenação e a sala dos professores que também era usada como QG e tal, que também tem um computador lá dentro. As salas serviam pra dormir.” (sic) (estudante 1, 2ºano).

O resultado da construção desses caminhos emancipatórios fica forjado na forma como passamos a nos relacionar e ver o mundo, e a volta para o sistema hierarquizado e institucionalizado de outrora parece sempre um pouco mais amargo do que fora antes destas descobertas.

“E eu, eu era do fundamental, então tipo assim, e na ocupação a gente ficou 90% do tempo aqui (edifício do ensino médio), ai pra mim era muito estranho estar no colégio e não estar aqui, estar sempre lá…” (sic) (estudante 3, 8ª série). “... É, e você pode ter o livre acesso a alguma coisa, você pode ir ali, você pode pedir aquela coisa, porque antes era meio que, tipo, tem muita barreira sabe? Não sei, antes quando eu era do fundamental...

Você tinha um certo ‘medo’ de passar no ensino médio...” (sic) (estudante 1, 2ºano).

82

“... É! Eu também! Antes da ocupação, eu tinha medo de passar do coliseu pra cá, aí na ocupação eu dormi aqui mais de 40 dias. Então assim, aí depois acabou que ficou normal pra eu entrar aqui. E eu vejo que, tem pessoas da minha sala assim, que, que ainda tem medo de entrar aqui, e eu não tenho porque eu fiquei aqui.” (sic) (estudante 3, 8ª série). “É, eu acho que é importante destacar isso que, tipo, essa questão do ensino médio e do fundamental, juntou mais sabe? Algumas pessoas, por exemplo, entre salas, é… por exemplo, quando a gente tava no primeiro (ano), no comecinho quando a gente entrou no primeiro, a gente não tinha tanto esse papo com o segundo, com o terceiro… Mas depois da ocupação, tipo assim, a gente passou a ter mais conversa, conversa com todos os pessoais, não tem mais aquela coisa de panelinha, grupinho...” (sic) (estudante 4, 2ºano).

“E tipo assim, que nem a, a gente era do primeiro ano. O primeiro ano é... todas as salas são no andar de baixo, e tem que subir as escadas né, pra chegar aqui, e tipo assim a gente também tinha medo de vir aqui pra subir as escadas. Você vai perdendo, vai perdendo, você vai perdendo vai conversando, começa a conversar com pessoal do terceiro ano, gente do segundo, porque antes era tudo dividido.” (sic) (estudante 4, 2ºano).

2.3.

O protagonismo juvenil

Mais uma vez é importante salientar que esta pesquisa acadêmica, assim como qualquer outra, não pode ser entendida através de uma suposta neutralidade academicista e de uma suposta posição distanciada do pesquisador, como também não se pode equivocadamente caracterizar os sujeitos pesquisados como fontes tecnicamente incontestáveis, sem antecipação das expectativas alheias, sem

83

estratégias discursivas, sem necessidade de autolegitimação e sem eufemismos ou amplificações da própria situação.

A dificuldade encontrada na decodificação destas narrativas se encontra precisamente neste ponto. Posto isso, porém, não posso me furtar de relacionar as formas de subversão das relações sociais de um espaço escolar traçadas pelos estudantes nos processos de ocupação ao redor do Brasil e o tipo de performances que podemos vir a forjar na busca do direito de construirmos nossas próprias relações com as nossas cidades. Neste sentido, são questões importantes os modos como os estudantes teceram suas próprias práticas e o diálogo que estabeleceram na materialização de alternativas de uma vivência espacial. As experiências das ocupações escolares demonstram a capacidade do grupo e a potência do coletivo na fabricação autônoma dos nossos próprios territórios.

Buscar trabalhar a produção urbana com jovens e adolescentes se configura então como uma prática que lhes assegura a possibilidade de pensar ativamente o seu próprio lugar. A juventude é a fase da vida em que o ser humano busca incessantemente espaços sociais que propiciem uma expansão do seu universo através da autonomia sobre o seu território. Com isso, a cidade (e as possibilidades que ela oferece e interdita) se torna elemento chave da conquista dessa autoconstrução como ser.

84

Mas como entender a juventude no contexto urbano? Primeiramente, é importante entender que a categoria de juventude é uma construção social. Pode-se traçar desde o império romano47 a forma como esta etapa da vida se consolida dentro da sociedade e consequentemente como ela se modifica através dos tempos. Em contextos mais próximos, por exemplo, podemos comparar a leitura sociológica de juventude (mais especificamente do estudante universitário: não o pobre, secundarista, ou não-estudante, num recorte de classe e de idade) concebida nos anos 60 e 70 e que parte da perspectiva de luta de classes como a do protagonista político na busca da possível revolução das estruturas sociais 48; e a conceituação logo posterior já nas décadas de 80 e 90, num descolamento desta concepção até então dominante, como a da fase de experimentação de formas diferentes de relações cotidianas, principalmente no que se refere ao lazer, à cultura49 e ao consumo.

47

Ver subcapítulos 1.2 e 1.3 em Cassab, C. (re)Construir utopias – jovens, cidade e política, 2009.

“Todos esses movimentos estudantis, de certa forma, colocaram em xeque muita teoria e muita prática que vinha se sedimentando nos últimos tempos em ambos os campos ideológicos em confronto. Nem um socialismo estatal, rígido e dogmático, nem a sociedade industrial neocapitalista dos países desenvolvidos conseguem satisfazer as aspirações autenticamente libertárias dos jovens, que se sentem sufocar, sem saída. Não são apenas eles que são asfixiados, é a sociedade inteira: no entanto, apenas eles têm a coragem de dizê-lo, de agir. A Leste e a Oeste.” (Lefebvre, 1968 apud Cassab, p.35, 2009).

48

“O lazer para os jovens aparece como um espaço especialmente importante para o desenvolvimento das relações de sociabilidade, das buscas e experiências através das quais procuram estruturar suas novas referências e identidades individuais e coletivas. É um espaço menos regulado e disciplinado que o da escola, do trabalho e da família. O lazer constitui também como um campo onde o jovem pode expressar suas aspirações e desejos e projetar um outro modo de 49

85

É importante também perceber que, apesar deste caráter mutável, hoje em dia a juventude é ainda cotidianamente identificada como uma fase de transição, onde o risco de ‘se perder’ é eminente, numa associação automática entre o ócio e a conduta criminosa, especialmente em relação à população pobre. Assim como também é fácil encontrar programas institucionais destinados ao controle social do tempo destes jovens e à formação técnico-profissionalizante. “Sujeitos que precisam de constante vigilância, controle e tutela para que não se pervertam ou não se percam no mundo das drogas ou do crime” (Cassab, p.42, 2009). Isto leva a uma leitura contraditória à cerca do jovem: tanto sendo o transgressor, delinquente e violento, como sendo o elemento para a superação das deficiências das gerações anteriores, a esperança de uma sociedade mais justa. Em ambas as leituras Abandona-se o entendimento do jovem como agente do presente. Por trás dessa ideia estaria a noção da juventude como uma fase da vida, uma transição. (Cassab, p.42, 2009).

Cassab defende que na verdade a categoria de juventude engloba uma série de categorias diferentes, deslocando-a da condição de objeto homogêneo, onde “São tantas as juventudes quanto são as classes sociais, as etnias, as religiões, os gêneros, os mundos urbanos e rurais, etc.” (Cassab, p.43, 2009).

vida. Podemos dizer assim, que é uma das dimensões mais significativas da vivência juvenil.”

(Abramo, p.62, 1994 apud Cassab, p.39, 2009).

86

Ou seja, a juventude, assim como a prática da vida adulta na nossa sociedade, também se consolida através de uma série de relações sociais como o trabalho, a comunicação, o acesso, o consumo, o lazer, e outros. A diferença consistiria então, exatamente em como estas relações são apropriadas de significados diversos e como elas diferentemente se consolidam na vida destas juventudes plurais.

Logo, qual é a realidade urbana destes jovens de Juiz de Fora? Como eles produzem e alimentam as suas necessidades de criar, viver e experimentar através da arte, do encontro, da natureza, da tecnologia, quando se entende que estes movimentos têm o potencial de abrir para cada um de nós uma nova possibilidade existencial? E qual o papel da cidade neste processo, vista como território que ao mesmo tempo em que é definida por nós, também nos define?

Este projeto (mais especificamente as interfaces propostas) parte destes princípios, buscando lançar um olhar sobre as práticas das adolescências, percebendo de que forma o espaço se torna um componente importante para estes jovens de hoje, e de que forma a sua apropriação pode ser central na consolidação de cidades mais justas. Em um momento da vida em que se ganha mais independência de transitar pelo ambiente urbano e em que se deseja fortalecer os laços com novos grupos para além do meio restrito entre escola e casa, é possível ganhar um pouco mais de território desbravando outros espaços físicos e subjetivos. Quanto mais a pessoa sabe sobre o mundo, mais ela sabe sobre si e é por isso que ter acesso não só ao território,

87

mas à forma como ele se estabelece é essencial para a ampliação da capacidade do próprio crescimento humano.

88

3. INTERFACE

Tecnologia é uma parte da cultura; já a cultura é um vasto sistema tecnológico de todo tipo: a língua, a vestimenta, o modo de administrar relações humanas, tudo isso é tecnologia. Eduardo Viveiros de Castro

89

3.1. A Idealização e a Instrumentalização desta proposta (Conceitos Teóricos Gerais) Trabalhar com jovens e adolescentes de modo geral, se insere então, como mais um dos vários aspectos que compõe o contexto de busca pela ampliação do debate sobre a produção urbana.

Pensando assim, de que forma o conhecimento do arquiteto e urbanista – e mais especificamente o seu modo de operação – se materializa na produção do espaço urbano e na fabricação da leitura deste mesmo espaço, que é feita cotidianamente pela sociedade, seja ela adolescente ou adulta? E consequentemente, qual a interferência dela na fabricação (ou anulação) das autonomias nas nossas próprias cidades?

A ideia convencional sobre os serviços prestados pelos arquitetos e urbanistas se consolida historicamente como a do atendimento a uma clientela opulenta, seja ela a Igreja, o Estado ou as classes abastadas, onde as requisições funcionais e principalmente simbólicas (o valor estético deste grupo em específico) são materializadas através de um arranjo formal projetado. Indo mais a fundo, Kapp, Nogueira et Baltazar (2009, p.14) afirmam que esta profissão, dentro de uma sociedade estruturada em classes, se consolida através de “uma participação privilegiada na ‘economia das trocas simbólicas’ (Bourdieu, 2005), onde as

90

construções que resultam de demandas populares, sobretudo as autogeridas não são sequer classificadas como ‘arquitetura’”. Sendo assim a (...) responsável pela produção daquelas partes do meio ambiente construído que as classes dominantes usam para justificar seu domínio da ordem social. Edifícios do poder, edifícios do Estado, edifícios de reverência, edifícios para respeitar e impressionar (Stevens, 2003, p.104 apud Kapp, Nogueira et Baltazar, 2009, p.13).

Ainda hoje é prática dominante que um arquiteto seja o projetista das edificações mais espetaculares, singulares e ‘grandiosas’ da sociedade, ao contrário das restantes, onde a sua não participação acontece com bastante regularidade.

Porém, é importante colocar que não são poucas nem novas (embora estejam longe de dominar a formação na área, de ressignificar a sua posição histórica e de impedir a reprodução de certas contradições) as experiências e as práticas dentro do universo da arquitetura e do urbanismo que buscam se descolar desta postura, atuando em espaços informais, principalmente no campo da habitação.

Nas últimas duas décadas, tem havido um crescente investimento em iniciativas de melhoria das favelas. Isso inclui programas públicos, projetos internacionais, apoio de organizações não governamentais, pesquisas acadêmicas e projetos artísticos e técnicos dos mais diversos matizes (KAPP, BALTAZAR et al., 2012a, p.2).

91

fig.18 O ’’Arquiteto’’ do filme Matrix Revolutions, 2003, Irmãs Whachowski. O criador da sociedade perfeita.

92

Mas como tem se dado esta atuação – crescente – do profissional neste contexto? Como se tem fabricado esta contraposição no campo prático? E principalmente, como se tem desconstruído no modo de operação do arquiteto e do urbanista o ideário estético da classe dominante, ao passo que a relação se dá com a classe dominada?

A reprodução da prática convencional de projeto na melhoria e na produção da habitação de interesse social é o principal objeto de pesquisa do grupo MOM/UFMG no artigo Arquitetos nas favelas: três críticas e uma proposta de atuação, de 2012.

Onde se tem por metodologia a identificação do grau de abertura que as atuações oferecem às decisões e ações autônomas das comunidades, ou num sentido oposto, o quanto de novas (ou antigas) dependências elas criam (ou reforçam) neste mesmo público.

Mesmo se tratando especificamente do tema da habitação, é difícil não associar esta crítica da postura do arquiteto em outros contextos de atuação onde também predominam outros saberes espaciais, ou até mesmo na prática dentro dos espaços formais, que acentuam a desigualdade e que atingem diretamente a população sem lugar na formalidade. Logo, esta crítica específica se torna uma das teorias norteadoras da estruturação deste trabalho, já que a proposta é de tentar construir um possível caminho de atuação que potencialize o exercício do poder coletivo nas fabricações espacializadas.

93

Segundo Kapp, Baltazar et al (2012a), a atuação do arquiteto e urbanista neste contexto pode ser delineada em três segmentos conceituais. Porém, segundo as autoras, é importante ressaltar que embora esta conceituação, num primeiro momento, possa parecer algo cartesiano, seu objetivo não é o da classificação – inteira e exclusiva – das práticas realizadas pelos arquitetos e urbanistas em um destes três tipos. Assim como também é improvável que não haja nenhum indício deles presentes. Estes segmentos conceituais se combinam e se efetivam em diferentes matizes e em diferentes formatos dentro do exercício praticado no espaço informal.

A primeira delas, a atuação tecnocrática, se caracteriza como a atribuição – normalmente através do Estado – da função de agente da formalidade na informalidade. É um trabalho desenvolvido que segue diretrizes de políticas públicas predefinidas. Independente se o arquiteto atua com convicção, resignação ou de forma a elaborar um pensamento crítico sobre o ofício aplicado, ele não pode mudálo radicalmente no contexto do lugar. É “marcada pelo embate entre uma racionalidade técnica (burocrática) e o conhecimento vivido de moradores que tradicionalmente produzem os seus próprios espaços, domésticos e urbanos” (Kapp, Baltazar et al, 2012a, p.3). É esta predefinição de normas e procedimentos que define a atuação tecnocrática.

94

Paradoxalmente, (...) as metodologias da atuação tecnocrática são elaboradas com ajuda de arquitetos e urbanistas. O problema é que não visam prioritariamente a mobilização do conhecimento especializado para situações novas de planejamento e produção do espaço; em vez disso, buscam o enquadramento dessas situações novas às antigas rotinas administrativas, financeiras e jurídicas da cidade formal. (Kapp, Baltazar et al,2012a, p.3).

Abstém-se da capacidade de conflagrar as contradições ali existentes, que poderiam ser processualmente debatidas e transformadas por todos os seus atores, para, na verdade, favorecer uma falsa ideia de conciliação destes mesmos conflitos.

Este segmento de atuação, obviamente, não fomenta a atuação crítica e o exercício de autonomia dos moradores. A fragilidade da participação popular nesses processos anula e despotencializa o poder que a população deveria ter sobre a construção dos seus territórios.

O segundo tipo classificado como atuação missionária, pode abranger desde o atendimento direto às famílias como o atendimento através ONGs e outras entidades.

Caracteriza-se pelo papel assumido do arquiteto em transferir a cultura e o conhecimento do seu campo formal para um público que nunca teve acesso a esta formação teórica e a esta construção estética, mas que independente disto nunca precisou delas para produzir seu próprio espaço. A diferença para a atuação tecnocrática reside na sutileza com que as imposições missionárias são colocadas. O que realmente define a atuação missionária é o capital simbólico.

95

(...) sua atuação se caracteriza como missionária justamente por ele continuar decidido a melhorar a vida alheia segundo seus próprios parâmetros (conscientes ou inconscientes) e se sentindo capaz de ‘atender’ o cliente, resolvendo os problemas que lhe são trazidos. Subjaz à sua atuação o habitus arquitetônico que menospreza questões sociais e econômicas levando à certeza de que as desigualdades sociais serão reduzidas pelo aculturamento e pelo esforço dos pobres, como se numa sociedade capitalista houvesse possibilidades iguais para todos e como se a cultura dominante fosse o padrão universal almejado e não um instrumento de distinção de classe (KAPP, BALTAZAR et al, 2012a, p.4).

A terceira prática categorizada como atuação artística, não tem o objetivo de solucionar os problemas que caracterizam as duas atuações anteriores, mas se baseia na ideia de que a mudança da percepção sobre as favelas (sobre os espaços de informalidade, ou espaços ‘diferentes’) a partir de fora, da cidade formal, pode produzir transformações reais e ‘necessárias’ àquele espaço. O exemplo utilizado pelas autoras e que ilustra claramente esta questão foi o projeto Favela Painting no Rio de Janeiro, dos artistas holandeses Dre Urhahn e Jeroen Koolhas, que “tem a intenção declarada de ‘levar a arte para o morro’ e de transformar a favela em monumento. A partir de maquetes minuciosas, concebem-se pinturas abstratas ou figurativas que cobrem casas e espaços públicos, conferindo nova unidade visual ao caos das construções. (McGcetrick, 2008)” (Kapp, Baltazar et al, 2012a, p.4).

Segundo as autoras, o projeto teve repercussão positiva tanto na mídia como entre a classe média, “por difundir uma imagem contrária à violência e criminalidade, oferecer cultura, treinamento e emprego às populações locais” (Kapp, Baltazar et al, 2012a, p.6), mas além de reforçar os preconceitos de classe e a rotulação dos 96

favelados como trabalhadores braçais, sem capital simbólico de cultura e necessitados de orientação intelectual, este tipo de atuação na verdade promove exclusivamente a ‘relevância’ do artista e dos seus patrocinadores. (...) trata-se de um dos exemplos mais evidentes de ganhos simbólicos à custa de uma comunidade pobre. Os artistas encontraram nas favelas a superfície de projeção dos seus sonhos que jamais lhes seria concedida num bairro de classe média. E por mais que esses artistas enalteçam a participação, os moradores se envolveram apenas no trabalho braçal, não decidiram nada e até rechaçaram partes dos projetos (reações que os autores relatam com detestável humor benevolente). Em vez de aumentar sua autoestima, o Favela Painting invalida qualquer investimento estético que tenham feito ali ao longo do tempo e lhes interdita novas mudanças se não quiserem destruir uma ‘obra de arte’ e demonstrar, de novo, a sua suposta ‘falta de cultura’ (KAPP, BALTAZAR et al.,2012a, p.6).

As atuações citadas acima se cruzam pelo fato das suas materializações serem moldadas mais por interesses de agentes externos do que pelo interesse dos próprios atores implicados. As fragilidades destas práticas se evidenciam exatamente através desta leitura que expõe o caráter de ‘encobrimento’ de autonomias nelas contida, podendo ser, em muitos casos, mais eficientes na manutenção e na criação de novas e antigas dependências do que na emancipação e na potencialização dos sujeitos envolvidos.

97

fig.19 "Favela Painting" pelas palavras do The Telegraph: “As favelas brasileiras são conhecidas pela criminalidade, pela miséria e pela sua aparência de degradação. Mas dois artistas estão ajudando – com um bocado de tinta - a transformar estas realidades. Jeroen Koolhas e Dre Urhahn são as mentes por detrás do Favela Painting”. “A dupla holandesa empregou a juventude local para que, através da pintura das suas próprias casas e empreendimentos em chamativos verdes, amarelos e rosas, elevassem a autoestima da comunidade...” The Telegrafh/UK. 2010. Tradução do autor.

98

Para Kapp, Baltazar et al (2012a), o primeiro passo para a superação dessa lógica passa pela promoção da livre circulação do conhecimento sem a necessidade da mediação de um agente profissional, que passa a dedicar o seu trabalho à invenção de instrumentos voltados para este fim específico, sendo assim, este, o seu principal papel nos espaços em que se propõe atuar. A construção destes instrumentos, destes dispositivos – denominada interface pelas autoras (2012a, p.8) – não precisa necessariamente limitar-se a um objeto físico, podendo se configurar também como uma estrutura de organização, uma convenção de princípios ou quaisquer outras formas mediadoras do convívio das pessoas entre si e com o mundo, objetivando a redução da dependência destes sujeitos aos detentores do conhecimento que é produzido nos espaços restritos de formação especializada, promovendo assim, as suas próprias expressões e saberes.

O conceito de interface por si só se caracteriza então como uma plataforma mediatizadora, onde os agentes em questão se fortalecem e se instrumentalizam na leitura das suas realidades, produzindo suas próprias dinâmicas sociais e espaciais através da idealização e consequentemente da viabilização de mudanças reais e positivas. Um processo educador no sentido mais amplo da expressão. Por conta deste caráter pedagógico, pensar uma interface onde o sujeito em destaque é o adolescente, aplicada através das estruturas de uma instituição escolar, não pode abster-se do questionamento ao modelo de educação subordinado à consolidação das estruturas sociais hegemônicas e da formação voltada simplesmente à adaptação deste indivíduo às normas do mercado de trabalho através da competição e da busca 99

do sucesso individual, distanciada das demandas e das circunstâncias específicas e coletivas de cada um, onde os processos críticos destas próprias circunstâncias são muito pouco ou quase nada explorados.

Para Freire (2002 apud Costa et Pinheiro, 2013, p.38), “o ensino precisa gerar a capacidade de ler, apreender e transformar situações marcadas pela exploração, negligência, discriminação, entre tantos outros problemas sociais existentes em nosso meio”. Este é um exercício permanente, onde a consciência de que o professor também é um aprendiz se consolida na criação de um ambiente solidário, onde todos aprendem mais porque todos aprendem com todos. É na pedagogia que provoca os estudantes a se assumirem como sujeitos protagonistas – e não espectadores – do seu processo de construção de conhecimento, da sua própria aprendizagem, que torna possível as práticas de autonomia no seu próprio território e a visão crítica do mundo que o rodeia.

Porque não estabelecer uma necessária "intimidade" entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos? Porque não discutir as implicações políticas e ideológicas de um tal descaso dos dominantes pelas áreas pobres da cidade? A ética de classe embutida neste descaso? Porque, dirá um educador reacionariamente pragmático, a escola não tem nada que ver com isso. A escola não é partido. Ela tem que ensinar os conteúdos, transferi-los aos alunos (Freire, 2002, p.15).

Paulo Freire estrutura a construção desta ‘intimidade’ através da aplicação dos temas geradores (1994). “É que a linguagem do educador, tanto quanto a linguagem do povo, não existe sem um pensar, e ambos, linguagem e pensar, sem uma realidade 100

a que se encontrem referidos” (1994, p.49). É através da mediação exercida por esta realidade – da qual tanto educador como povo possuem consciência – que se consegue identificar e materializar esta ferramenta: o tema gerador50. Logo, a propriedade deste dispositivo é ser contextualizado, palpável, oriundo de uma realidade imediata, foco de interesse e catalizador de debates. “O tema gerador é o tema ponto de partida para o processo de construção da descoberta” (Tozoni-Reis, 2006, p. 103 apud Costa et Pinheiro, 2013, p.41).

A ideia dos temas geradores parte da leitura que define o ser humano como um ser histórico. Como o ser que – diferente dos animais – tem consciência sobre si e sobre o mundo, que reflete sobre as suas próprias ações, vivendo uma relação dialética entre os condicionamentos da realidade e as suas possibilidades de liberdade. Assim, os temas geradores se encontram encobertos por estes condicionamentos, por estas ‘situações-limites’51, que – ao olhar acrítico – se apresentam como obstáculos insuperáveis, esmagadores, sem nenhuma alternativa a não ser a adaptação. Mas no momento em que é estabelecida a percepção crítica,

“O momento deste buscar é o que inaugura o diálogo da educação como prática da liberdade. É o momento em que se realiza a investigação do que chamamos de universo temático do povo ou o conjunto de seus temas geradores.” (Freire, 1994, p.50).

50

“Em síntese, as ‘situações-limites’ implicam na existência daqueles a quem direta ou indiretamente ‘servem’ e daqueles a quem ‘negam’ e ‘freiam’.” Logo, “a Libertação desafia, de forma dialeticamente antagônica, a oprimidos e a opressores. Assim, enquanto é, para os primeiros, seu ‘inédito viável’, que precisam concretizar, se constitui, para os segundos, como ‘situação-limite’, que necessitam evitar.” (Freire, 1994, p.53-54).

51

101

estes condicionamentos passam a ser tomados não como bloqueios intransponíveis, mas como barreiras (possíveis de serem ultrapassadas) à liberdade.

Quando o indivíduo as apreende como desafios à sua libertação e não como impedimentos, elas revelam-se na sua forma real: “dimensões concretas e históricas de uma dada realidade” (Freire, 1994, p.51). Transformando esta realidade concreta, outras novas se conformarão para que também sejam superadas, e assim sucessivamente, estabelecendo o processo histórico da humanidade.

Por isso é importante entender que neste primeiro momento de prospecção dos temas geradores, o que se pretende identificar não são os sujeitos, os indivíduos, mas os seus ‘pensamentos-linguagens’ sobre a realidade, os seus níveis de percepção sobre ela, as suas visões de mundo, sendo exatamente aí que se encontram envolvidos os seus temas geradores. É possível observar que o trabalho com temas geradores parte da contextualização do cotidiano dos educandos e do educador, onde em dado momento, na busca de uma interpretação mais aprofundada, percebe-se a insuficiência dos conhecimentos de senso comum para a compreensão mais plena do tema em questão.

Este é o momento de provocação à aprendizagem. O objetivo final do processo é o desejo de apreensão dos conteúdos científicos para garantir uma visão reformulada destes mesmos temas, uma vez que se torna essencial ressignificar o meio onde se vive. Todo o processo educativo se configura em torno de situações-problema reais,

102

as quais ganham corporeificação por meio da reflexão crítica ancorada pela teoria. O contexto é o ponto de partida e o ponto de chegada do trabalho pedagógico.

Deste modo, a instrumentalização de uma interface através de Paulo Freire, é a conceituação norteadora deste projeto que busca trabalhar a produção do ambiente urbano – mais especificamente de Juiz de Fora – com o público adolescente dentro do Colégio de Aplicação João XXIII. Conseguir fomentar o interesse na fabricação de leituras e linguagens próprias, ancoradas no conhecimento científico, sobre as questões da cidade que permeiam o universo destes jovens, se configura como o desafio principal deste projeto.

3.2.

Quem mapeia Quem? Quem mapeia o Quê? (Metodologias

Gerais) Após o desenvolvimento teórico e conceitual geral deste projeto apresentado no item anterior, buscarei aqui, de forma mais delineada, colocar os meus objetivos e metodologias gerais de atuação. Por onde, dentro do espectro temático da produção urbana iremos caminhar? E como, de fato, imagino conseguirmos materializar estes processos?

Cheguei à conclusão de que o melhor aspecto da produção do ambiente urbano a ser trabalhado seria a desigualdade urbana. Mas por que a desigualdade urbana?

103

Ela é o elemento essencial para entender como a cidade hoje é produzida, pois como exposto anteriormente, é a dinâmica de construção destas desigualdades o principal motor da produção dos nossos territórios urbanos, sendo assim, o tema mais importante de ser trabalhado quando se almeja discutir esta produção urbana com os diversos grupos da sociedade. Essa forma de trabalhar a cidade não é nova, é possível encontrar esta mesma abordagem em vários autores que buscam dialogar com camadas mais plurais da sociedade.

Ermínia Maricato por exemplo, desenvolve este tipo de trabalho no seu livro Para entender a Crise Urbana, de 2015, voltado para os trabalhadores do Movimento dos Sem-Terra, historicamente um grupo de ativismo político e social brasileiro que tem como bandeira principal a luta pela terra no campo, e não na cidade. No livro ela organiza vários artigos próprios sobre o tema urbano, essenciais para o entendimento desta questão por quem é acostumado a atuação política, porém de certa forma, mais distanciado das questões urbanas.

Raquel Rolnik também se utilizada dessa linha de raciocínio ao escrever o livro O que é Cidade, de 1988, da famosa coleção Primeiros Passos, com uma linguagem ainda mais acessível, para quem está iniciando ao tema. Mesmo com uma proposta tão ampla (tentar definir o que é a cidade) e uma abordagem tão introdutória, Rolnik reserva 55 páginas das 85 que o livro possui para discorrer sobre a cidade do capital, e invariavelmente, sobre as suas desigualdades estruturais.

104

Assim, para entender a cidade e a forma como ela nos afeta, é preciso enxergar a desigualdade urbana. Neste sentido, os módulos trabalhados nos cinco dias de Ágora orbitam sobre desdobramentos cotidianos que acredito serem os que mais tangivelmente expressam a nossa condição desigual para um grupo de jovens e adolescentes. Definidos nesse trabalho como objetos-temas, esses desdobramentos possuem os seguintes títulos: O Indivíduo e o Território; Habitar e Mover-se na Cidade; O Medo e a Violência; e Re(agir) e Re(fazer) Produzindo Relações. Essa estrutura específica será melhor abordada no item 3.4.

A ferramenta de estímulo escolhida para a materialização deste olhar à cidade são as práticas cartográficas. Enquanto processo, a cartografia pode nos ajudar a identificar conexões similares e distintas entre os participantes; socializar informações cotidianas promovendo percepções coletivizadas; desnaturalizar préconceitos; territorializar as próprias questões enquanto ser humano; entre outros (ICONOCLASSISTAS, 2013, p.15).

Segundo Leirias (2001, p.40), O mapa é considerado uma “(...) representação parcial e simplificada do terreno numa relação de similitude denominada escala, que não é apenas uma relação matemática, mas uma aproximação do terreno com significações técnicas e científicas (Jolly, 1990), como também simbólicas”. Pode-se ainda afirmar que ao mapa é comumente atribuído um caráter de realidade, de veridicidade, incontestável, e que devido a esta natureza, ele “atribui poder” (Acselrad, 2010) à quem o produz. Exatamente por esta sua característica, diversas 105

fig.20 Atlas Coletivo de Santa Fé, realizado pelo grupo Iconoclasistas. De julho de 2016 à Março de 2017 107

são as críticas sobre o quê ou quem ele está representando, geopoliticamente e ideologicamente. Logo, há muito se sabe que um mapa não é uma ferramenta neutra.

O debate sobre as projeções existentes e geralmente utilizadas do globo terrestre é um exemplo comum e acessível desta contradição52.

A cartografia, entendida então como uma ferramenta de concepção, levantamento, redação e de divulgação de mapas (estes que se consolidam como uma forma de visualização instantânea e localizada não só de configurações geográficas, mas também – e principalmente – de percursos, fenômenos e processos sociais em movimento frequente) passa, a partir dos anos 9053, a fazer parte das práticas de populações locais que buscam consolidar a sua própria existência frente a um aspecto da globalização, ou, como diz Acselrad (2010, p.9), a um “contexto de estabilização das formas socioterritoriais afetadas pela liberalização das economias” que homogeneíza a cultura.

As projeções de Mercator (1959), Mollweide (1805), Robinson (1961) e Gall-Peters(1973) são exemplos que alimentam o debate não só sobre a veracidade das informações (por naturalmente distorcerem, durante a transposição de um terreno tridimensional em uma projeção bidimensional, a relação existente entre os continentes) mas por definirem quais tipos de distorções valem à pena considerar e quais não. Em relação a isto, vale a pena evocar a famosa obra América distorcida (1943) do artista plástico uruguaio Joaquín Torres García.

52

53

2010.

107

Segundo Henri Acselrad em Cartografia social e dinâmicas territoriais: marcos para o debate.

“Quando as comunidades pensam em fazer sua própria cartografia, elas não estão pretendendo simplesmente retratar o espaço físico, mas afirmar seus modos de vida”54 (Acselrad, 2010, p.5).

A ampliação e a diversificação (através de novas tecnologias) do acesso à representação do espaço promoveram um campo de atuação onde as relações entre linguagens representacionais e práticas territoriais se consolidam como elementos fundamentais na legitimação desta produção cartográfica, entendendo a construção de fronteiras simbólicas, técnicas e morais como ação política frente à outras práticas hegemônicas, através da legitimidade do sujeito que a produz, instrumentalizando as suas reinvindicações sobre estes espaços mapeados e os seus recursos.

Vale a pena citar também que práticas assim que buscam distorcer este caráter técnico e homogêneo da cartografia tradicional eram também produzidas na década de 60, através dos mapas sensoriais ou psicogeografia dos Situacionistas55, que buscavam avaliar as relações dos habitantes com o lugar e suas resultantes relações entre si, através do comportamento afetivo e dos sistemas perceptivos e cognitivos dos indivíduos por meio de experimentações com o espaço no tempo presente, otimizada pela tática de deriva: um exercício de perder-se no território para descobrilo e decifrá-lo.

Observação trazida, segundo Acselrad (2010, p.5), por membros de grupos tradicionais envolvidos em experiências de mapeamento, por ocasião do seminário Cartografia Social e Território realizado no Rio de Janeiro em dezembro de 2008.

54

Internacional Situacionista: “Construção de situações”, movimento idealizado por Guy Debord (1931-1994).

55

108

fig.21 Cartografia social da comunidade quilombola de Linharinho, em Espírito Santo, de Fevereiro de 2007. (Diagramação realizada para este trabalho) 01/12/2017 109

De forma geral, os questionamentos direcionados à condição científica, técnica e de neutralidade da cartografia tradicional produzida por estas práticas aqui levantadas, apontam à natureza cartográfica de não somente refletir a realidade, mas também de produzi-la.

Um mapa não é uma produção da verdade, mas trata-se de uma expressão da experiência no espaço. Já que mapear é criar, não simplesmente revelar conhecimento. As cartografias não só representam o território como criam um território, todo mapa é uma reterritorialização (no sentido de afirmação de um processo de territorialidade, de apropriação do espaço) e tem a potencialidade de refazer-se e atualizar-se a cada fruição do sujeito. Os mapas são processuais, mais que objetos, são eventos e uma materialidade inacabada. Enfatizando, o mapa não é como uma representação externa do mundo, mas algo que participa e o afeta. Ao invés de reproduzir a realidade, a produz (Leirias 2011, p.44).

Neste sentido, a cartografia dentro deste trabalho se consolida como o dispositivo de interação, a interface, com o potencial de, através da autonomia e do interesse do adolescente, produzir conhecimento; reafirmar territorialidades; e afetar o modo de vida na cidade.

3.3.

Colégio de Aplicação João XXIII (Território de Aplicação)

A Ágora, no plano pedagógico do Colégio de Aplicação João XXIII, se assume em certo aspecto como um espaço de descontração das estruturas tradicionais do ensino secundarista. É oferecida pelo corpo docente da instituição, mas pode também

110

sê-la por agentes externos. Não possui restrições temáticas ao conteúdo programático curricular do ensino médio, e nem metodológicas. Funciona pelo que se entende ser uma pseudo-imersão, pois é realizada durante todo o turno vespertino (90 minutos por dia) em cinco dias corridos, numa única semana, por cada trimestre letivo. É outra lógica, que se contrapõe às estruturas tradicionais fragmentadas em horas-aula (50 minutos), proporcionando uma vivência diferenciada de construção de conhecimento pelo estudante.

Através da feira de Ágoras realizada todo início de ano letivo, elas são apresentadas ao corpo discente, para que possam escolher – dentre todas as propostas – três, as quais irão cursar durante todo aquele ano: uma Ágora diferente por trimestre. Ou seja, esta minha proposta de interface poderá então ser realizada em três momentos distintos, cada uma com um grupo diferente de estudantes (as Ágoras costumam comportar de 15 a 20 pessoas).

A escolha deste modelo (Ágora) e desta instituição em específico para a materialização deste projeto ocorre por alguns fatores que são importantes de serem explicitados. Em primeiro lugar, pela liberdade metodológica e pedagógica proporcionada, aliada a uma estrutura já consolidada na realização de projetos afins, como citado anteriormente.

Em segundo lugar, pelo fato do Colégio de Aplicação João XXIII ser uma escola pública. É imprescindível que um trabalho como este se realize com um perfil

111

de adolescente que, de certa forma, vivencia diretamente as impossibilidades da cidade, como costuma ser o perfil do aluno da escola pública brasileira56. Como unidade acadêmica da Universidade Federal de Juiz de Fora, o João XXIII foi inicialmente pensado como um espaço de “experimentação, demonstração e aplicação”57, para atender aos licenciandos em termos de pesquisa e realização de estágios supervisionados, ainda funcionando como tal. É importante salientar, que os conflitos, as lutas e os desafios enfrentados por esta instituição se dão, até certo ponto, em um contexto diferente das instituições municipais e estaduais, por possuir este aporte acadêmico mais robusto. Porém, isto não impede a existência de urgências comuns à educação pública brasileira de base como um todo. Outra peculiaridade que se dá neste contexto específico é a ingressão anual de discentes através de sorteios. Teoricamente, este método de ingressão produz um corpo estudantil diversificado: onde crianças e adolescentes de diversas classes sociais e de apropriações diferenciadas sobre o ambiente construído da cidade convivem e ocupam o mesmo espaço. A possibilidade de trazer à tona representações e relações contraditórias sobre o mesmo território urbano se apresenta (mais uma vez, teoricamente) como uma realidade possível, enriquecendo a qualidade dos processos produzidos durante a realização do trabalho.

56 Ver relatório do projeto de pesquisa O nível Socioeconômico das Escolas de Educação Básicas Brasileiras, 2012, realizada pelo Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais (GAME) da UFMG Informações fornecidas pela própria http://www.ufjf.br/joaoxxiii/institucional/historia/. Acesso: 27/11/2017.

57

112

instituição:

O terceiro e último fator é que o Colégio de Aplicação João XXIII foi a instituição de ensino onde pude realizar toda a minha formação de base, do início do Fundamental ao fim do Médio, uma vivência de 10 anos. A minha condição própria de ex-aluno não só me estimulou afetivamente na concretização deste trabalho de caráter extensionista no espaço escolar da minha infância e adolescência, como também facilitou o acesso, o diálogo, e a aceitação da proposta pela instituição.

O processo legal para que este projeto de fato se consolidasse como uma Ágora demandou o cumprimento de algumas etapas práticas. A primeira delas obviamente foi a adequação ao cronograma existente: noventa minutos diários, por cinco dias corridos em uma única semana, podendo se repetir mais duas vezes no ano, sendo assim, um ciclo fechado a cada trimestre, com grupos distintos em cada uma delas. A data específica das Ágoras é definida pela coordenação do Ensino Médio durante o processo de formulação do calendário letivo, que se dá no mês de dezembro do ano anterior.

O segundo ponto importante foi o acolhimento deste projeto por uma professora

ou

professor

da

instituição

com

disponibilidade

de

assumir

burocraticamente a sua supervisão. Esta professora ou professor deveria então se responsabilizar legalmente pelo andamento e pela efetivação da Ágora, uma função incompatível a um agente externo. Do ponto de vista prático, essa relação entre agente externo e docente supervisor pode tanto se limitar à esfera burocrática, como pode também constituir uma parceria pedagógica efetiva. Em relação a todo este 113

fig.22 Feira de Ágoras realizada no pátio da entrada do Colégio de Aplicação João XXIII. 01/12/2017 114

segundo ponto, é importante salientar que as Ágoras propostas devem ser aprovadas inicialmente no departamento onde a professora ou professor proponente se aloca, para que assim possam ser encaminhadas e consequentemente aprovadas pelo conselho de unidade, e adicionadas ao calendário letivo do ano seguinte.

A minha busca por uma professora supervisora ou professor supervisor iniciou-se através do contato realizado com o Prof. D.r. do Departamento de Ciências Naturais do João XXII e meu antigo professor de física no 1º ano do ensino médio, Edson Reinehr. O meu objetivo era que ele pudesse me introduzir aos docentes que possivelmente se identificariam com a proposta, uma vez ser ele próprio um defensor da necessidade de construirmos cidades socialmente mais justas58. Pude assim, me reunir com a Profa. D.ra. em geografia Andréia Rodrigues, do Departamento de Ciências Humanas, que se prontificou abertamente a supervisionar e a acompanhar a realização deste projeto. Seu interesse pelo tema se evidencia não só através dos seus trabalhos de pós-graduação59, como também pelo seu projeto de pesquisa realizado

“Ou a democracia edifica as cidades ou as cidades destroem a democracia. Há tempos que não ouvia a expressão ‘gente que queremos ser’. A utopia não é um ponto de chegada, é um devir essencial à prática democrática. A democracia é um sistema político onde o poder deve estar nas mãos de ‘gentes que querem ser gente’. O resto é insidioso marketing baseado no egotismo infantil e no hedonismo narcisista, armas essenciais ao exercício do poder do capital acumulativo.” Epígrafe escrita pelo Prof. D.r. Edson Reinehr para o livro A dinâmica do Direito à Cidade em Juiz de Fora de Ana Beatriz Oliveira Reis.

58

Doutorado em Geografia pela Universidade Federal de Minas Gerais. A Produção do espaço Urbano de Juiz de Fora/MG: dinâmicas imobiliárias e novas centralidades. Ano de obtenção: 2013.

59

115

em 2015 com estudantes secundaristas através do Probic-Jr/FAPEMIG60, que tinha como tema A terra urbana e o eixo de investimento e valorização imobiliária em Juiz de Fora/MG, premiado em 1º lugar na área de Humanidades do XXI SEMIC61, e publicado na revista Principia – Caminhos da Iniciação Científica/UFJF62.

Assim, com o auxílio da professora Andréia, pude desenvolver as atividades propostas com os adolescentes do Ensino Médio do Colégio de Aplicação João XXIII.

Mestrado em Geografia pela Universidade federal do Rio de Janeiro, UFJF, Brasil. Atuais Dinâmicas Socioespaciais: A Habitação em Juiz de Fora/MG. Ano de obtenção: 2005.

Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica Júnior BIC-RJ, FAPEMIG. Com o objetivo de “Despertar em estudantes do ensino fundamental, médio e de educação profissional da Rede Pública, a vocação científica para a pesquisa, concedendo bolsas para participarem de projetos/atividades de pesquisa ou de extensão científica, tecnológica ou de inovação, orientadas por pesquisador qualificado.” Fonte: http://www.fapemig.br/visualizacao-deformacao/ler/341/programa-institucional-de-bolsa-de-iniciacao-cientifica-junior-bic-jr.

Acesso: 28/11/2017.

60

XXI Seminário de Iniciação Científica PIBIC/UFERSA/CNPQ e PICI/PIVIC/UFERSA, realizado nos dias 05 e 06 de novembro de 2015, pela UFERSA, Universidade Federal Rural do SemiÁrido.

61

Publicação on line da Pró-Reitoria de Pesquisa da UFJF, com o objetivo de divulgar os trabalhos premiados no Seminário de Iniciação Científica da UFJF. Fonte: http://www.ufjf.br/principia/. Acesso: 28/11/2017.

62

116

3.4.

A Interface (Metodologia Específica)

Uma etapa relevante da formulação dessa interface é a escolha do que eu acabei definindo como objetos-tema, que não são nada mais do que questões pontuais, trabalhadas ao longo de um dia de atividade, que servirão de ponto de partida para o desenvolvimento dos processos. Na verdade, essa interface suporta uma infinidade de objetos-tema. Objetos-tema esses que servirão de impulso inicial, mas que poderão, a depender das trocas envolvidas, gerar conexões com outras questões até então desconectadas, mas obviamente interligadas. A violência urbana por exemplo, pode facilmente se deslocar para as questões raciais e de gênero, assim como para a questão de infraestrutura, e esse percurso pode ser realizado sem problemas dentro da interface em si. Um percurso cartografado que parte de um ponto em específico, mas que pode levar a qualquer outro lugar, inclusive a lugar nenhum. O que pode ser igualmente relevante, pois a ausência de interação é um dado em si, também é ilustrativo. Estes objetos-temas não precisam ser necessariamente questões abstratas, mas podem tratar sobre uma espacialidade, uma materialidade, um local específico como por exemplo um ponto de ônibus, a calçada esburacada, a rua movimentada (ou deserta) em frente à escola.

As possibilidades dentro dessa estrutura são infinitas. É uma prática possível de se trabalhar de inúmeras formas. Por isso é importante entender que cada lugar, cada objetivo, grupo de pessoas, cada estrutura de tempo e de infraestrutura

117

disponível são elementos que ajudam a definir o que é/será esta interface, o que ela busca alcançar, o que ela pode alcançar, e como isso poderá ser realizado.

Por isso, levando em consideração algumas dessas questões possíveis, a forma específica planejada da minha metodologia de trabalho se deu da seguinte maneira: Durante a semana de Ágora serão discutidos e cartografados quatro63 objetostema relativos à cidade e à desigualdade urbana (como exposto antes: O Indivíduo e o Território; Habitar e Mover-se na Cidade; O Medo e a Violência; e Re(agir) e Re(fazer) Produzindo Relações). Cada objeto-tema, obviamente, define as características iniciais das ações que serão realizadas. Porém, todos seguem uma estrutura comum, que se divide basicamente – com poucas variações – em três momentos: Primeiramente, realiza-se o contato com o objeto-tema através de uma atividade lúdica e coletiva; em seguida, cartografa-se as nossas próprias experiências em relação à este objeto-tema; por fim, debate-se sobre o percurso realizado a partir do objeto-tema de forma mais aberta, com a ajuda das atividades anteriores.

Consciente de que estas atividades ocorrerão por um período teoricamente longo em comparação à uma aula tradicional, acredito ser essencial a alternação entre abordagens lúdicas e abordagens científicas para que o exercício da produção

É de conhecimento geral, prática comum, e levado em conta pelos professores e agentes externos durante o planejamento das Ágoras, que os estudantes se ausentam no quinto e último dia, amparados pelo percentual mínimo de frequência permitido (80%).

63

118

do próprio conhecimento pelos estudantes não se extenue ao longo do processo. A ludicidade em si não se encerra conceitualmente no papel de ‘alívio’ à – muitas vezes exaustiva – abordagem desantropormofizada característica da ciência64. Na verdade, elas juntas compõem um movimento extremamente importante no nosso produzir de saber, só possível quando se entende o ‘lúdico’ como uma linguagem própria de construção de conhecimento através da emulação artística (antropormofizada) dos aspectos que definem a nossa realidade concreta.

A cartografia será alimentada a cada dia com as informações e percepções de cada participante sobre os temas específicos, produzindo uma sobreposição de informações tanto individuais como coletivizadas, e de possível comparação entre os membros de cada grupo e dos grupos entre si.

Ainda sobre a produção cartográfica, o João XXIII dispõe de uma infraestrutura que torna possível a fabricação de cartografias online colaborativas, como o acesso livre à internet e um monitor multi toque. Este monitor é um equipamento fácil e dinâmico de interagir, e que devido às suas grandes proporções e “No entanto, e embora reflitam sempre o mesmo mundo, ciência e artes são formas distintas de recepção e reprodução da realidade. Na ciência, o reflexo científico em seu propósito de reproduzir a realidade ‘em si’ se orienta em busca de sua máxima ‘desantropomorfização’; na arte, o estético, por se tratar de um reflexo orientado exclusivamente ao mundo do homem, procura expressar os elementos presentes na realidade antropomorfizada, plasmada pelo homem em seu processo de humanização através do intercâmbio e do metabolismo entre sociedade e natureza.”

Duayer, J. A arquitetura na ‘Estética’ de Lukács in Sinais Sociais, Rio de Janeiro, v.3 nº8, p.81, SetDez. 2008.

64

119

sua tela sensível ao toque, pode ser trabalhado coletivamente ao contrário dos computadores individuais. Condição importante para o alcance da dimensão digital e em tempo real das linguagens de comunicação e informação nas quais estamos a maioria imersos nos dias de hoje, principalmente os jovens. Onde as mídias digitais e a própria internet constituem suporte, meio, e inspiração na produção de linguagens.

Sendo assim, o desenvolvimento de duas plataformas cartográficas, a digital e a analógica, cada uma com as suas potencialidades específicas, parece ser algo muito interessante de se trabalhar.

a.

O Indivíduo e o Território

O objetivo deste primeiro objeto-tema é, inicialmente, localizar o participante dentro do território coletivo que é a cidade. Localizar tanto fisicamente como socialmente: saber de onde partem as suas experiências, seus alcances, sua história.

Para podermos começar a dialogar é preciso saber de onde estamos falando.

Para isto, no primeiro terço do dia, aplicarei uma dinâmica chamada Caminhada do Privilégio Urbano. Essa atividade é uma adaptação da oficina denominada Caminhada do Privilégio, onde o objetivo original era a identificação dos privilégios sociais entre as pessoas daquele mesmo grupo. Direcionada para a questão urbana, a atividade busca espacializar a desigualdade do acesso à cidade pelo participante. O objetivo é tornar palpável a segregação territorial, identificando os 120

privilégios existentes na apropriação da cidade, através de perguntas divididas em quatro tópicos gerais: Grupos Sociais; Saúde e Educação; Mobilidade Urbana; Infraestrutura Urbana.

A atividade se desenvolve inicialmente com todos os participantes em pé, alinhados, voltados para a mesma direção, como em uma pista de corrida. Através de perguntas feitas sobre os quatro tópicos gerais, os participantes irão dar um passo para a frente, ou para trás, ou permanecerão na posição que estão: Grupos Sociais Se você consegue dar um passo à frente, dê um passo à frente.

Se seus ancestrais vieram escravizados ao Brasil, dê um passo atrás.

Se já foi a única ou uma das únicas pessoas de sua raça em uma sala de aula ou num local de trabalho, dê um passo atrás.

Se você já percebeu seguranças de estabelecimentos comerciais lhe seguindo, dê um passo atrás.

Se a sua orientação sexual é utilizada como xingamento, dê um passo atrás.

Se o seu comportamento (e, em especial, seus erros) são raramente atribuídos ao seu gênero, dê um passo à frente.

Se você já sentiu vergonha por causa das suas roupas, dê um passo atrás.

Saúde e Educação Se você tem plano de saúde particular, dê um passo à frente.

121

Se as pessoas que lhe criaram não tiveram a oportunidade de completar o ensino médio, dê um passo atrás.

Se as pessoas que lhe criaram têm ensino superior completo, dê um passo à frente.

Se você, caso não estudasse no João XXIII, provavelmente estaria estudando em um colégio particular, dê um passo à frente.

Se as pessoas que lhe criaram tiveram que trabalhar à noite, nos finais de semana ou em dois empregos para sustentar a família (ou se ainda o fazem), dê um passo atrás.

Se o seu pai participa ativamente da sua criação, dê um passo à frente.

Se já teve que trabalhar para ajudar família, dê um passo atrás.

Se há mais de cinquenta livros na casa onde você mora, dê um passo à frente.

Mobilidade Urbana Se as pessoas que lhe criaram possuem um automóvel, dê um passo à frente.

Se com frequência você precisa de dois ônibus para chegar ao João XXIII, dê um passo atrás.

Se você demora mais de 30 minutos para chegar ao centro da cidade, dê um passo atrás.

Se você demora mais de 45 minutos para chegar à escola, dê um passo atrás.

122

Se você já desistiu de fazer alguma atividade de lazer por conta da distância, ou por não saber como voltar em segurança, dê um passo atrás.

Infraestrutura Urbana Se você escolhe tomar caminhos mais longos, por medo de caminhar sozinho(a) em áreas desertas na cidade, ou mal iluminadas, dê um passo atrás.

Se o bairro onde mora ou cresceu tinha alta incidência de crime ou tráfico de drogas, ou já foi invadido e ocupado pelo poder público (polícia), dê um passo atrás.

Se se sente confortável de andar por conta própria pelas ruas dos bairros onde vive e trabalha, dê um passo à frente.

Se o bairro onde mora ou cresceu tinha esgoto aberto, áreas de entulho abandonadas ou qualquer outro problema de infraestrutura (sem asfalto, etc.) dê um passo pra trás.

Se o bairro onde mora ou cresceu possui espaços públicos de qualidade, dê um passo à frente.

Se o bairro onde mora ou cresceu já foi utilizado como motivo de piada, dê um passo para trás.

Se o bairro onde mora ou cresceu possui cinemas, ou qualquer outro equipamento de cultura próximo, dê um passo à frente.

123

Ao final das questões, a conformação antes “alinhada” se transforma em uma ilustração concreta das distâncias que nos separam. O que a princípio parecia ser uma igualdade de condições, se materializa visualmente na realidade de desigualdade de acesso (mais fácil para uns, mais difícil ou até impossível para outros) devido a diversos fatores dentro do território urbano.

Num segundo momento, o objetivo é cartografar esta segregação exposta pela oficina. Isto é feito através da localização de cada participante, sua residência, e com quem mora, no território urbano de Juiz de Fora.

O debate posterior à estas duas atividades no ultimo terço do dia buscará a sobreposição destas informações (tanto a cartografia como as posições e as perguntas da Caminhada), sendo usada de gatilho para começar a entender a cidade como um espaço de diversas contradições, através da vivência diferenciada de cada um, conseguindo perceber que todos nós ocupamos uma posição política dentro da sociedade, algo que independe do querer. Não somos um conjunto de individualidades livres, descoladas, mas sim um coletivo submetido a uma realidade concreta, mesmo que em constantes embates e em constante movimento. Somos agentes compondo forças que nela atuam e que por ela são modeladas, que as produzem e que por ela são produzidas. Somos essencialmente localizados no território. E devemos principalmente entender que é nosso direito ter a consciência disso.

124

fig.23 Croqui da dinâmica em grupo (Cartografia do Privilégio Urbano) a ser realizada no objeto-tema 1: O Indivíduo e o Território 125

Após esta atividade, os debates sobre outros temas mais específicos relacionados à juventude e à cidade nos dias seguintes se tornam mais palpáveis.

b.

Habitar e Mover-se na Cidade

O que é “morar” em uma cidade? É só ter uma casa dentro dos seus limites urbanos ou é preciso algo mais do que isso? O objetivo deste segundo objeto-tema é explorar a noção de que a ideia de viver de fato numa cidade vai muito além de simplesmente ter um teto para dormir, mas é poder acessar (e também imaginar) os seus mais diversos recursos.

A primeira etapa deste segundo dia parte do questionamento inicial O que define uma habitação? e busca percorrer a relação existente entre nossos acessos às mais diversas necessidades e anseios, a mobilidade no território urbano, e o valor da terra. Para construir este percurso, eu escolhi inicialmente expor os valores de aluguel de imóveis semelhantes, mas de bairros distintos da cidade de Juiz de Fora obtidos através de sites imobiliários. Porque um é mais caro que o outro? Saber que uma região da cidade tem mais acesso a lazer, comércio, postos de trabalho e etc., é algo que todos estamos acostumados a presenciar e a vivenciar no nosso dia-a-dia, mas o objetivo principal deste primeiro estímulo é conseguir ver a conexão entre o quanto se paga para morar e as facilidades urbanas que acabam por influenciar bastante a definição deste valor. Ter mais acessos, não é necessariamente “morar 126

perto”, mas é também poder diminuir distâncias se deslocando na cidade para qualquer outro espaço quando e como quiser, assim, a mobilidade urbana tem papel definidor na consolidação da desigualdade urbana, no preço da terra, e em como um território e as suas relações sociais ali se realizam. Para poder acessar mais facilmente a importância da mobilidade na formação destas relações em dado território urbano, faz parte desta atividade como um segundo estímulo o curta-metragem documentário Getúlio, Que Horas São? (2012 - 9 min) de Cláudia Rangel e Guilherme Landim, que aborda um dos aspectos mais interessantes de uma das principais avenidas centrais de Juiz de Fora. Por ser o eixo principal do transporte rodoviário público na cidade que dá acesso aos bairros mais distantes do centro, durante o dia a avenida suporta uma variedade imensa de sons, lojas, camelôs, e transeuntes que disputam espaço pelas suas calçadas; e de carros, motos, bicicletas e ônibus que disputam espaço pelo asfalto. Porém à noite, toda essa movimentação dá lugar à um outro perfil de relações. Na palavra dos realizadores, “(...)uma outra Getúlio se mostra(...)65”, servindo de território para atividades como a prostituição, tráfico de drogas, artes de rua, e comércios noturnos, mostrando uma vida diferente, mas também ativa, durante a madrugada.

Conforme descrição do vídeo na plataforma vimeo. Fonte: https://vimeo.com/46602074. Acesso: 26/01/2018.

65

127

[FIGURA 24]

128

Acredito que guiar esta conversa usando estes dois elementos, respectivamente o comparativo imobiliário da cidade de Juiz de Fora e o documentário sobre a Avenida Getúlio Vargas seja a melhor forma de contextualizar o cotidiano dos participantes para acessar as produções mais teóricas sobre a desigualdade urbana na habitação e na mobilidade.

Como processo cartográfico, busquei desenvolver uma atividade que sugerisse uma maior atenção por parte dos participantes à cidade e ao que acontece nela durante o deslocamento cotidiano escola-casa. A proposta é a de registrar fotograficamente e de compartilhar através do grupo de whatsapp da Interface qualquer elemento que chame a sua atenção durante este trajeto, seja algo positivo ou negativo, seja algo estático ou em movimento, etc.

Será importante registrar a hora, o dia e o local em que tal elemento se apresentou, além de explicar o porquê deste ter tido um destaque para você. Assim, é possível que a fotografia seja anexada à cartografia e que essa sensação gerada e registrada seja territorializada no mapa. É uma atividade lúdica que de certa forma estimula a percepção de como a mobilidade nos induz a vivenciar e experimentar a cidade de formas diversas.

129

c.

O Medo e a Violência

Estar na cidade é viver constantemente com o encontro e com o inesperado. A associação entre as diferenças é uma das características principais das cidades, possibilitando a diversidade e o compartilhamento de diferentes experiências e perspectivas.

Porém, nos dias de hoje, pode-se dizer que o que cada vez mais é ativado de forma generalizada em nós durante este encontro com o desconhecido é a suspeição do outro e de suas intenções. Se tornando paulatinamente mais desigual, a cidade de modo geral sofre um processo de intensificação do estresse gerado pela convivência cotidiana com a violência e com o medo, frutos dessa desigualdade. Por isso, não é nenhuma surpresa que este forte sentimento mobilizador vire objeto de especulação, transformando-se em argumento para políticas de controle e repressão cada vez maiores ao invés de buscar solucionar os problemas de fato.

Esse terceiro objeto-tema tem como ponto de partida o objetivo de criar um olhar mais atento sobre estes elementos que dominam cada vez mais as nossas relações sociais urbanas.

A primeira atividade deste dia é a exposição e a comparação de dois trabalhos artísticos. O primeiro, a leitura do conto “Espiral”, o segundo do livro “O Sol na Cabeça” (2018) do escritor Geovani Martins, onde é narrado em primeira pessoa o descobrimento do medo e da ameaça que a própria personagem, moradora de uma 130

favela da zona sul da cidade do Rio de Janeiro e estudante de escola pública, causa desapercebidamente nas outras pessoas pelas ruas do bairro da Gávea simplesmente por existir. O segundo, uma cena do filme “Som ao Redor” (2012) do diretor Kleber Mendonça Filho, onde uma das personagens crianças, ao dormir, sonha estar sozinha em casa durante uma invasão de sucessivos meninos negros e pobres que pulam o muro e entram na sala. A ideia principal é que estas duas obras – ao mostrarem ângulos diferentes sobre relações mediadas pelo medo – estimule percepções sobre como o medo do outro pode se efetivar de diferentes formas nos nossos relacionamentos. E esse medo, por sua vez, o que tem gerado na própria materialização da cidade? Como ele acaba se tornando uma ferramenta para justificar ações concretas no território urbano?

O medo do outro, o medo do desconhecido e a arquitetura violenta oriunda do medo. Como forma de conectar este medo com a arquitetura produzida, a segunda atividade busca através de imagens retiradas da internet mostrar as soluções arquitetônicas usadas na construção de um dos desdobramentos mais comuns da junção medo/insegurança x arquitetura nos dias atuais: os aparatos urbanos “anti sem teto” das cidades brasileiras, onde o objetivo não é solucionar o problema da população sem casa, mas sim afastar este problema dos olhos das regiões de maior interesse, gerando falsas sensações de segurança.

A atividade cartográfica deste objeto-tema é a criação de relatos anônimos de medo e/ou violência vividos pelos participantes no território urbano, independente se 131

fig.24 Croqui da dinâmica individual a ser realizada no objeto-tema 2: Habitar e Mover-se na Cidade 128

a situação de fato se concretizou como uma violência material ou se existiu no campo do sentimento. Mesmo sendo uma atividade anônima, por motivos óbvios a sua realização não é obrigatória, muito menos o compartilhamento do relato, a não ser que seja do desejo do participante a exposição para que este sirva de material para debate. Neste sentido, esta atividade acaba sendo uma ferramenta interessante para identificar o papel do medo, da insegurança e da violência nas nossas formas de se relacionar. Também para perceber as conexões similares e distintas entre nós, onde um mesmo problema pode se desenvolver de diferentes maneiras, tendo faces diversificadas, dependendo do local e do perfil de cada um.

d.

Re(agir) e Re(fazer) Produzindo Relações

Assim como o primeiro objeto-tema O Indivíduo e o Território serve de ponto de partida para o decorrer da interface (explorando a percepção de que somos todos localizados espacialmente e socialmente no território urbano e que essa mesma localização nos permite e nos interdita o acesso à diversas necessidades), este último foi pensado como uma forma de encerramento.

Re(agir) e Re(fazer) Produzindo Relações, busca caminhar pela ideia de que, mesmo percebendo e reconhecendo que existam condições que restringem as nossas experiências, não somos seres estáticos e nem estática são estas mesmas condições.

Estamos sempre em movimento, e este movimento pode tanto reproduzir as 133

circunstâncias as quais nos encontramos como pode também tencionar e criar novas relações com outras pessoas e com o território.

Ao entender a adolescência como – mas não somente – um momento de expansão da nossa área de atuação no mundo, percebemos que é nesta etapa da vida que começamos o praticar o exercício de nos conhecer e nos reconhecer nele, ao mesmo tempo que criamos autonomia para agir e reagir sobre estas situações, dialeticamente. Para isso, seja de forma individual ou coletiva, organizada ou espontânea, numa escala micro (da vida comum) ou em escalas maiores, criamos novas formas e abrimos novos caminhos para poder mudar essa realidade (material e subjetiva) que nos cerca. E é assim, através destas novas relações que nós passamos a ter a oportunidade de desbravar novos territórios, de deixar de repetir certas posturas que não nos interessam, e de construir novos meios que deem vazão aos nossos desejos (até mesmo fabricando novos desejos).

Por isso, este momento foi pensado também para permitir o olhar e a incorporação de tudo o que foi produzido nos dias anteriores, efetivando assim o seu papel de encerramento de um ciclo e de uma potencial abertura à um novo.

134

fig.25 Croqui das dinâmicas em grupo (roda de conversa sobre os elementos expostos anteriormente: textos, vídeos, músicas, imagens e tabelas comparativas) a ser realizada nos objetos-tema 3 e 4: O Medo e a Violência e Re(agir) e Re(fazer) Produzindo Relações 132

A primeira atividade busca criar o contato com uma das diversas formas que, enquanto seres sociais, usamos para exercer a nossa potência criadora, que é a arte.

Através da escuta da música “Da Lama ao Caos” (1994) do álbum homônimo produzido pela banda Nação Zumbi, acompanhada de um encarte com a letra da música e um pequeno glossário espalhado ao redor do papel explicando alguns termos regionais, além de um pequeno histórico da banda e do movimento Manguebeat, objetiva-se explorar as diversas formas com as quais podemos fazer e/ou que efetivamente fazemos para entender e evidenciar a nossa própria realidade ou a realidade próxima à nós, através de uma leitura só possível pelo campo do sensível, onde a poesia ajuda a ler e a criar uma nova narrativa ou várias através do que temos ao nosso alcance, amplificando espaços e permitindo o florescer de novas possibilidades como consequência.

A segunda atividade proposta é um debate através das experiências pessoais de cada um. Seus gostos para além da casa ou escola, e o que fazemos ou o que gostaríamos de fazer para poder acessar esses quereres. Sejam estas ações – como dito anteriormente – individuais ou coletivas, espontâneas ou organizadas, numa escala micro (da vida comum) ou em escalas maiores.

Por fim, a cartografia parte de uma vivência territorial específica: “Que problema eu identifico no meu território subjetivo e material (seja na escola, no próprio bairro, ou num trajeto específico feito cotidianamente)? O que eu gostaria de mudar? Qual a solução que eu acho que seria ideal? “. Mais lúdico do que qualquer 136

outra coisa, esta etapa não buscaria respostas efetivas, mas sim praticar a imaginação sobre as nossas cidades. É um momento que busca permitir que nós vejamos os obstáculos como o que de fato são: obstáculos, não limites. Entender que embora possa ser muito difícil, não existem determinismos, principalmente quando atuamos juntos e de forma organizada. Querer mudar o mundo (e as coisas) não é necessariamente algo impossível, pois estamos sempre buscando caminhos e criando brechas, de forma consciente ou inconsciente, para permitir um viver melhor.

137

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACSELRAD, Henri. Cartografia Social e dinâmicas territoriais: marcos para o debate.

Rio de Janeiro: IPPUR/UFJR. 2010.

ALBUQUERQUE, Matheus, PERES, Juliana, et PETERMAN, Luis. Quem Planeja o Planejamento – Juiz de Fora /MG. Trabalho acadêmico para a disciplina de Planejamento Urbano e Regional 2015/1. Universidade Federal Fluminense. 2015 ALVES, Maria Teresa, et SOARES, José Francisco. O nível socioeconômico das escolas de educação básica brasileiras. Belo Horizonte: GAME/UFMG. Maio de 2012.

BARBOSA, Bárbara. Patrimônio, planejamento e produção do espaço urbano: O caso da transferência de potencial construtivo em Juiz de Fora, MG. Salvador, BA. 2015.

BARRETO, Luana. Desafios por uma nova FAU UFRJ: Uma análise sobre o ensino por uma prática profissional popular. Rio de Janeiro, RJ. 2017.

BARTHES, Roland. Semiologia e Urbanismo in Elementos da Semiologia. São Paulo: Ed.

Cutrix,

ed.16,

2006.

Disponível

em:

<https://pt-static.z-

dn.net/files/dab/addaaf73b5ebab782153e4814ec7826e.pdf>. Acesso em: 10/10/2017.

CASSAB, Clarice. (Re) construir utopias - jovens, cidade e política. Niterói, RJ. 2009.

CASSAB, Clarice. Os jovens e a cidade - Relações e representações, in Revista de Geografia, Recife: UFPE – DCG/NAPA, v.27, n.1 Jan-Abr 2010.

138

COSTA, Jaqueline e PINHEIRO, Nilcéia. O ensino por meio de temas-geradores: A educação básica pensada de forma contextualizada, problematizada e interdisciplinar, in Imagens da Educação, v.3, n.2, 2013.

DAVIS, Mike. Planeta Favela. São Paulo: Boitempo, 2006.

DUAYER, Juarez. A arquitetura na ‘Estética’ de Lukács in Sinais Sociais, Rio de Janeiro, v.3 nº8, p.81, Set-Dez. 2008.

HALFEN, Vitor. Porto Maravilha e a alienação do trabalho em arquitetura e urbanismo. Rio de Janeiro, RJ. 2014.

HARVEY, David. A Produção capitalista do espaço. São Paulo: ANNABLUME ed.1, 2005.

HARVEY, David. Et al. Cidades Rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram

as

ruas

do

Brasil.

São

Paulo:

Boitempo,

2013.

Disponível

em:

<https://ayrtonbecalle.files.wordpress.com/2014/03/cidades-rebeldes-passe-livre-e-asmanifestac3a7_es-que-marcaram-as-ruas-do-brasil-erminia-maricato.pdf>.

Acesso

em:

20/10/2017.

HARVEY, David. O direito à cidade, in Piauí, Rio de janeiro-RJ, n.82, jul. 2013.

Disponível em: <http://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-direito-a-cidade/>. Acesso em: 15/06/2017.

HARVEY, David. Cidades rebeldes. São Paulo: Martins Fontes ed.1, 2014.

139

ICONOCLASSISTAS. Manual of Collective Mapping: Critical cartographic resources for

territorial

processes

of

collaborative

creation.

Disponível

em:

<

https://www.academia.edu/9203589/MANUAL_DE_MAPEO_COLECTIVO_Recursos_cart ogr%C3%A1ficos_cr%C3%ADticos_para_procesos_territoriales_de_creaci%C3%B3n_colab orativa_2013_>. Acesso em: 04/01/2018.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Regiões de influência das

Cidades

2007.

Disponível

em:

<https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv40677.pdf>. Acesso em: 12/11/2017.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Estimativas da população residente para os municípios e para as unidades da federação brasileiros com data

de

referência

em

1º

de

julho

de

2017.

Disponível

em:

<

https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv100923.pdf>. Acesso em: 12/11/2017.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Editora Terra e Paz 23ª reimpressão, 1994.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Coletivo Sabotagem. 2002.

FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Fundação João Pinheiro e Ministério das Cidades divulgam os resultados do Déficit Habitacional Municipal no Brasil. Belo Horizonte, MG. Disponível

em:

<http://www.fjp.mg.gov.br/index.php/noticias-em-destaque/2680-

fundacao-joao-pinheiro-e-ministerio-das-cidades-divulgam-os-resultados-do-deficithabitacional-municipal-no-brasil>. Acesso em: 15/11/2017.

140

FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Déficit Habitacional no Brasil – Relatório 20132014.

Belo

Horizonte,

MG.

Disponível

em:

<http://www.fjp.mg.gov.br/index.php/docman/cei/informativos-cei-eventuais/634-deficithabitacional-06-09-2016/file>. Acesso em: 13/11/2017.

KAPP, Silk, et BALTAZAR, Ana Paula, et NOGUEIRA, Priscilla. Arquiteto sempre tem conceito, esse é o problema. IV PROJETAR 2009. Projeto como investigação: ensino, pesquisa e prática São Paulo: FAU-UPM. Outubro 2009.

KAPP, Silk, et BALTAZAR, Ana Paula et. al. Arquitetos nas favelas: três críticas e uma proposta de atuação, in IV Congresso Brasileiro e III Congresso Ibero-Americano Habitação Social: ciência e tecnologia "Inovação e Responsabilidade, UFSC, 2012a. Disponível em: <http://www.mom.arq.ufmg.br/mom/biblioteca_novo_2/arquivos/Kapp%20et%20al%202 012%20Arquitetos%20nas%20favelas.pdf>. Acesso em: 22/09/2017.

KAPP, Silk, Direito ao espaço cotidiano: Moradia e autonomia no plano de uma metrópole,

in

Cadernos

Metrópoles,

PUCSP,

v.14,

2012b.

Disponível

em:

<http://www.mom.arq.ufmg.br/mom/biblioteca_novo_2/arquivos/Kapp%202012%20Direi to.pdf>. Acesso em: 22/09/2017.

Lei Federal 6.766 de 19 de Dezembro de 1979. Rege o parcelamento do solo para fins urbanos. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6766.htm>. Acesso em: 23/09/2017.

Lei Federal 10.257 de 10 de Julho de 2001. Regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências.

141

Disponível

em:<

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm>.

Acesso em: 20/10/2017.

LEIRIAS, Ana Gabriela. Novas Cartografias online: Arte, espaço e tecnologia.

Curitiba, PR. 2011.

MARICATO, E. Urbanismo na periferia do mundo globalizado: Metrópoles Brasileiras, in São Paulo em Perspectiva. Fundação SEADE. vol.14 n.4. São Paulo. Out./Dez. 2000. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010288392000000400004>. Acesso em: 15/09/2017.

MARICATO, Ermínia. Erradicar o analfabetismo urbanístico in Revista FASE, Rio de Janeiro - RJ, mar. 2002. Disponível em: <http://erminiamaricato.net/capitulos-e-artigosacademicos/>. Acesso em: 02/05/2017.

MARICATO, Ermínia. Para entender a crise urbana. Petrópolis: Expressão Popular, ed.1, 2015.

MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Expressão Popular, ed.2, 2008.

MARX, Karl. O Capital. Vol.1. São Paulo: Círculo do Livro Ltda. 1996.

NETTO, José Paulo. Introdução ao estudo do método marxista. São Paulo: Expressão Popular, ed.1, 2011.

142

OLIVEIRA, Lucas Monteiro de. Entrevista ao Programa Roda Viva da TV Cultura.

17/07/2013. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=8FacFeGixxY>. Acesso em: 20/10/2017.

PATRÃO, Benedicto. O direito à cidade sob a perspectiva da criança e do adolescente: o poder público e a responsabilidade pela efetividade do direito à convivência comunitária.

Rio de Janeiro, RJ. 2010.

Projeto de alteração da Lei 6909/86, proposição nº: 3/2013. Disponível em: <http://isal.camarajf.mg.gov.br/sal/textop.php?num=28245&sequencia=1>.

Acesso

em:

23/10/2017.

Projeto de alteração da Lei 6910/86, proposição nº: 4/2013. Disponível em: <http://isal.camarajf.mg.gov.br/sal/textop.php?num=28298&sequencia=1>.

Acesso

em:

23/10/2017 REIS, Ana Beatriz. A dinâmica do Direito à Cidade em Juiz de Fora. Niterói, RJ, 2016.

RODRIGUES, Andreia. Atuais Dinâmicas Socioespaciais: A Habitação em Juiz de Fora/MG. Rio de Janeiro RJ. 2005.

RODRIGUES, Andreia. A produção do espaço urbano de juiz de fora/mg: dinâmicas imobiliárias e novas centralidades. Belo Horizonte, MG. 2013.

RODRIGUES, Glauco et RAMOS, Tatiana. A categoria da autonomia e o pensamento geográfico crítico brasileiro. Porto Alegre, RS. 2010.

143

SOUZA, Lilian Aparecida de. A produção desigual do espaço urbano de Juiz de Fora: a ocupação Vila Barroso. Juiz de Fora, MG. 2016.

SOUZA, Marcelo Lopes de. Autogestão, “autoplanejamento”, autonomia: Atualidade e dificuldades das práticas espaciais libertárias dos movimentos urbanos, in Revista Cidades, v.9, n.15, 2012.

TEIXEIRA, Francisco. Os limites do capital, de David Harvey: para a reconstrução da teoria marxiana das crises, in Crítica Marxista, Campinas-SP, n.39, p.163-172, set.2014.

144

cidades cONVERSAS PRÁTICAS E DIÁLOGOS COM A JUVENTUDE MATHEUS DE MELLO ALBUQUERQUE 200933045 julho 2018

TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO II | BANCA FINAL | ANTONIO AGENOR DE MELO BARBOSA | FAU UFJF