Liminar suspende obras de demolição dos galpões do Cais José Estelita

Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário 5ª Vara da Fazenda Pública da Capital AV DESEMBARGADOR GUERRA BARRETO, S/N, FORUM RODOLFO AURELIANO, ILHA JOANA BEZERRA, RECIFE - PE - CEP: 50080-800 - F:(81) 31810252 Processo nº 0050692-39.2018.8.17.2001 AUTOR: 35º PROMOTOR DE JUSTIÇA DE DEFESA DA CIDADANIA DA CAPITAL, 20º PROMOTOR DE JUSTIÇA DE DEFESA DA CIDADANIA DA CAPITAL RÉU: MUNICIPIO DO RECIFE, NOVO RECIFE EMPREENDIMENTOS LTDA, TABELIÃO DO 1º OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE RECIFE-PE, MUNICIPIO DO RECIFE

DECISÃO

1. Nos autos da presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO requer, em sede de liminar, que o MUNICÍPIO DO RECIFE se abstenha de conceder licença de construção para empreendimentos localizados na área do CAIS JOSÉ ESTELITA, no bairro de São José, “notadamente as duas torres denominadas de Mirante Norte e Mirante Sul, do Novo Recife Empreendimento Ltda., ou suspender os efeitos de referidas licenças, caso já tenham sido concedidas, bem como quaisquer medidas administrativas que porventura tenham fundamento na Lei Municipal nº 18.138, de 05 de maio de 2015....No mesmo sentido e, com o fim de se garantir o resultado útil do processo, REQUER, ainda, o Ministério Público de Pernambuco A CONCESSÃO LIMINAR DE MEDIDA DE URGÊNCIA, para o fim de determinar ao Novo Recife Empreendimento Ltda, que se abstenha de praticar todo e qualquer ato de divulgação e promoção de vendas de unidades imobiliárias futuramente disponibilizadas em duas torres, denominadas de Mirante Norte e Mirante Sul, bem como quaisquer medidas e práticas que porventura tenham fundamento na Lei Municipal nº 18.138, de 05 de maio de 2015”.

Foram incluídos no polo passivo da demanda o MUNICÍPIO DO RECIFE, o NOVO RECIFE EMPREENDIMENTOS LTDA e o 1º CARTÓRIO DO REGISTRO DE IMÓVEIS DO RECIFE. Os fundamentos da ACP remontam, em síntese, às questões de ordenamento urbano, ambientais e relativas ao patrimônio histórico, além de se discutir a legalidade de vários procedimentos administrativos, sendo relevante registrar a instauração de Inquérito Civil pela Promotoria de Defesa do Direito Humano à Habitação e Urbanismo (IC 30/2008), que originou a ACP nº 0195410-25.2012.8.17.0001, com o escopo de declarar a nulidade dos processos administrativos referentes ao empreendimento.

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Na peça vestibular, o MPPE lembrou a repercussão social que o caso teve, relatando “a insurgência dos movimentos sociais” que teria culminado com um “grave conflito ocorrido no mês de junho de 2014”.

Acrescentando que: “Sob tais circunstâncias e diante da repercussão social decorrente desses fatos, o município do Recife e o CNR anunciaram a retirada do projeto da forma como até então vinha sendo apresentado e sinalizaram a intenção de iniciar um processo de discussão com a participação da sociedade civil, representada pelos movimentos sociais e por técnicos e órgãos com notório conhecimento em matéria urbanística, dentre estes o Conselho de Arquitetura e Urbanismo, o Instituto dos Arquitetos do Brasil e a Universidade Federal de Pernambuco”.

E, depois de novas discussões e reclamações, especialmente dos movimentos sociais em relação à falta de transparência, foi aprovado “o denominado Plano Específico do Cais José Estelita, Santa Rita e Cabanga, eivado por vícios formais e materiais, em especial quanto à efetiva participação popular e da Câmara Técnica do ConCidade, o que novamente veio a ensejar a atuação do Ministério Público...”. Havia reclamação quanto ao processo de participação popular na elaboração do projeto e foram requisitadas cópias das atas e filmagens à Prefeitura do Recife, entretanto não houve resposta. Enfim, argumenta a ACP que no dia 19/03/2015 foi aprovado o Projeto de Lei nª 08/2015, instituindo o Plano Específico apesar dos vícios e que o MPPE constatou a incompatibilidade entre este Plano Específico e o Plano Diretor da Cidade do Recife relativas ao reassentamento das famílias de moradores da área e a políticas de inclusão sócio-espacial, além de desobediência ao “coeficiente de utilização adotado”. Sobre este último aspecto, diz a ACP que o empreendimento se localiza na Zona de Ambiente Natural Tejipió – ZAN Tejipió, na Zona de Ambiente Natural da Orla – ZAN Orla e na Zona de Ambiente Construído de Ocupação Moderada – ZAC Moderaa, de acordo com os cadastros municipais, que preveem 1,5 de coeficiente máximo de utilização, enquanto no Plano Específico do Cais José Estelita, Santa Rita e Cabanga, este índice é bem maior: 4,0.

Mesmo assim e sem levar em consideração as recomendações feitas pelo MPPE, o Projeto de Lei 08/2015 foi enviado à CÂMARA DE VEREADORES e transformado na LEI Nº 18.138/2015, num procedimento de “agilidade nunca vista antes”. Esta Lei, inclusive, é objeto de AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE perante o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO. E, em maio do ano passado, teria sido publicado o Edital do Loteamento Novo Recife, no Diário Oficial de 21/04/2018, o que levou o MPPE a instaurar procedimentos preliminares, especialmente ante o fato de ter sido feita divulgação publicitária do empreendimento imobiliário “MIRANTE DO CAIS”, de responsabilidade da construtora Moura Dubeaux Engenharia.

A ACP tem como fundamento o “direito à infraestrutura urbana e a plenitude da política de desenvolvimento urbano”; no “o direito da participação popular no planejamento urbano municipal”; no “descumprimento do quórum legal para deliberações no âmbito das plenárias do Conselho da Cidade do Recife”; na “falta de transparência e do não atendimento à requisição do Ministério Público”; nas “irregularidades materiais do Plano Específico do Cais José Estelita, Santa Rita e Cabanga”; e, na “nulidade do registro do Loteamento Novo Recife”. Argumenta-se, ainda, que a hipótese versa sobre o controle difuso de constitucionalidade de lei, via ação civil pública; que houve afronta ao artigo 142 da Constituição Federal e ao artigo 144, da Constituição do Estado de Pernambuco; que tais fatos implicaram na violação dos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade.

E, finalmente, que a “demanda de arguição de inconstitucionalidade incidenter tantum...é devidamente adequada.

2.

Recebida a inicial, este juízo determinou a oitiva prévia dos requeridos (Id 36683114).

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3. O 1º CARTÓRIO DO REGISTRO DE IMÓVEIS DO RECIFE, através de sua titular, requereu sua exclusão da demanda sob o fundamento de que sua participação, na questão do Cais José Estelita, cingiu-se ao registro do Loteamento Novo Recife, nos limites dos regulamentos da Lei dos Registros Públicos e das regras do Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça. (Id 40088081).

4.

Certidão negativa de intimação do Consórcio Novo Recife (Id 39947138).

5. O MUNICÍPIO DO RECIFE, por seu turno, se manifestou pugnando, PRELIMINARMENTE, para que fosse declarada a LITISPENDÊNCIA PARCIAL com a ACP nº 0025474-97.2015.8.17.0001 proposta contra si e a Câmara de Vereadores, perante o juízo da 6ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA CAPITAL, com o fito de: a) “ainda em cognição sumária, condenar aquele na obrigação de não fazer consistente na não aprovação de projetos arquitetônicos e não concessão de alvará de licença de construção/demolição de empreendimentos imobiliários a serem instalados na área compreendida pela Lei Municipal n.

18.138/2015, a saber, Cais de Santa Rita, José Estelita e Cabanga, bem como na obrigação de suspender os alvarás eventualmente já concedidos; b) e, no mérito, declarar a nulidade dessa lei, que institui e regulamenta o Plano Específico para o Cais José Estelita, Santa Rita e Cabanga, em razão das irregularidades supostamente praticadas pelo Município por ocasião da formulação do projeto de lei. Estes são, resumidamente, os requerimentos principais veiculados na ação”i Ainda em matéria de preliminar argumenta que a via eleita não é a adequada, posto que não seria cabível o procedimento de declaração de inconstitucionalidade incideter tantum, pois a hipótese seria de inconstitucionalidade reflexa e, portanto, trata-se de mera crise de legalidade. É que a presente ACP visa atingir a Lei Municipal nº 18.013/14, ocorre que as razões do MPPE deveriam ter como paradigma não o art. 144, da CE, “ou qualquer outro comando mencionado”, mas sim o Plano Diretor do Recife, instituído pela Lei Municipal n° 17.511/2008. Sintetizando que, acaso estejam corretos os argumentos da ACP, o pedido não poderia ter como paradigma a Constituição Estadual, já que nenhum de seus dispositivos teria sido diretamente violado e a controvérsia se resumiria à crise de legalidade, “o que impede o conhecimento do pedido de inconstitucionalidade, nos termos da jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal”. Os fundamentos utilizados pelo MPPE na presente ACP dizem respeito à lei que rege o Conselho da Cidade do Recife e a que instituiu seu Plano Diretor, “De modo que a inconstitucionalidade que avulta depende diretamente da contrariedade à legislação infraconstitucional: é pois, oblíqua, reflexa.”

Quanto ao MÉRITO, procura a municipalidade esclarecer, inicialmente, que apesar da divisão tripartite feita na peça vestibular, na verdade, o argumento se resume à falta de participação popular na elaboração e aprovação do Projeto de Lei do Plano Específico, especialmente com infringência aos procedimentos, no âmbito do ConCidade. E, ao contrário do que diz a ACP, a “manufatura” do projeto no âmbito do Executivo não teria sido feita de modo açodado e este resultou de uma solução negociada entre a Prefeitura, o Consórcio Novo Recife e “setores da sociedade civil organizada”.

“O debate sobre o tema remonta não às reuniões do Conselho da Cidade e audiências convocadas por este: mas à data de aprovação dos projetos arquitetônicos do Novo Recife, ainda no ano de 2012 – sendo de conhecimento geral que o protocolo desses processos ocorreu em 2008. Posteriormente, em 2014, por ocasião da concessão da licença de demolição – direito subjetivo do particular, cumpridos os requisitos legais –, restou evidente que a legislação vigente não era bastante para atender ao interesse público para

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a área em questão. De modo que o Prefeito do Recife, por iniciativa própria, embargou administrativamente a obra, a fim de propor, com a oitiva da sociedade e acolhida de sugestões desta, novos parâmetros urbanísticos para a área”.

Cita a realização de 4 (quatro) AUDIÊNCIAS PÚBLICAS promovidas para discussão a elaboração do Plano Específico e acrescenta que as liminares eventualmente deferidas nas ações promovidas contra a municipalidade visando a nulidade dos procedimentos administrativos relativos ao Cais Estelita foram cassadas pelos respectivos tribunais e os recursos manejados e os recursos de natureza extraordinária sequer foram conhecidos.[1] Ainda a respeito da participação popular, argumenta que, necessariamente, tal fato não implica em aprovação de todas as propostas de cunho popular, devendo se observar que a administração pública dispõe do poder discricionário para sopesar todas os interesses e propostas apresentadas, decidindo de acordo com seu juízo de conveniência e oportunidade sobre quais delas representam melhor o interesse público. Invoca, neste sentido, a lição de Diógenes Gasparini, a respeito da elaboração, instituição e implantação da lei do Plano Diretor, o qual citando outro doutrinador de nomeada, Adilson Abreu Dallari, afirma que a participação popular, inclusive nas audiências públicas, “não substituem os órgãos governamentais do Município, pois nosso regime é o de representação e não o de assembleia.” Neste caso, a administração pública teria optado por conferir primazia “à segurança pública, renovação da região central da cidade, ocupação de espaços ociosos, desenvolvimento econômico, trabalho, renda, entre outros.”

Sobre a alegação do MPPE de que o projeto aprovado diferia da minuta distribuída entre os membros do Conselho da Cidade, cuida em esclarecer que, “por equívoco, foram enviadas as duas primeiras versões; a terceira e última foi a decidida institucionalmente pelo Executivo, com apoio de sua equipe técnica.

Esta foi resultado do poder decisório no seio do Executivo, que é estruturado hierarquicamente.”

O LOTEAMENTO NOVO RECIFE foi APROVADO segundo as regras da Lei Municipal nº 16.286/97, não merecendo prosperar o argumento de que o mesmo teria sido aprovado “com base numa lei arguida por si de inconstitucional”. E, que o loteamento “foi aprovado quando sequer estava em vigor a lei ora impugnada”.

Que o rito procedimental no Conselho da Cidade obedeceu às regras estabelecidas e que este é um órgão de natureza permanente, deliberativa, consultiva e propositiva, composto de representantes do poder público e da sociedade civil, materializando a “democracia participativa” e que, entre suas competências, está apresentar propostas, avaliar e deliberar na revisão e adequação do Plano Diretor do Recife, da Lei de Uso e Ocupação do Solo, Código de Meio Ambiente e do Equilíbrio Ecológico, além de outros marcos regulatórios em matéria urbanística. Que na reunião do Pleno do ConCidade, em 19 de fevereiro, não foi verificada nenhuma ilegalidade procedimental e que teria restado a aprovada a proposta número um, que “estipulou um rito abreviado para deliberação do Conselho acerca do plano específico em pauta”. E que nas demais reuniões do ConCidade não teria ocorrido nenhuma irregularidade e que, finalmente, “saiu vencedora a que [proposta] determinava a votação imediata do projeto de lei.”

O plenário do ConCidade havia dispensado a elaboração de estudos pela CÂMARA TÉCNICA, decisão esta que foi tomada em 3 (três) votações e que, apesar do MPPE considerar como insuficiente o debate popular em torno do Cais José Estelita, “não foi este o entendimento da maioria do Conselho, cujos membros, em diversas reuniões, posicionaram-se a favor do fim de uma discussão entendida como mais que consolidada e subsidiada”.

Que os argumentos da ACP sobre o quórum de votação não procedem, vez que, “quando da instalação da reunião do Conselho (19/03/2015), o quórum sobrepujava, em muito, o mínimo necessário (maioria absoluta dos membros). Após a primeira votação, concernente ao encaminhamento de se o plano específico haveria de ser posto em deliberação ou não naquele momento, vencedora a proposta de deliberação imediata do plano, alguns dos Conselheiros então presentes se retiraram da sessão intencionalmente para frustrar o quórum já alcançado: ao invés de simplesmente, manterem o voto divergente, contrário à aprovação do projeto”. Complementou que, de acordo com parecer da Procuradoria do Município, se definiu que “o quórum de instalação deveria ser tomado tendo em conta os conselheiros devidamente empossados”.

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O art. 144, §2º, da CE não preconizou um rito determinado sobre como seria a participação ativa das entidades civis e grupos sociais organizados, deixando relativa liberdade aos entes políticos, pelo que coube ao Poder Executivo e ao Legislativo normatizarem uma disposição constitucional de abstrata e indeterminada, através da Lei Municipal nº 18.013/2014, que instituiu o Conselho da Cidade do Recife.

Não prospera o fundamento de falta de transparência, pois todo o material produzido foi disponibilizado no sítio do Conselho, além de ter sido exposto nas audiências públicas e que se desconhece o não atendimento às requisições feitas pelo MPPE. Que o vício material alegado em face da questão do reassentamento das famílias ocupantes da área do Cais Estelita e coeficiente de utilização por área, argumenta-se, quanto ao primeiro item, que além da inexistência de hierarquia entre as leis no ordenamento jurídico, mas apenas competências específicas ou matérias reservadas do confronto apontado pelo MPPE entre a Lei Orgânica do Município e o Plano Diretor. Que haveria relação de especialidade entre o Plano Diretor e o Plano Específico, vez que àquele é lei geral e, este, lei especial: “pois foi aquela mesma quem delegou ao legislador a confecção de planos específicos para determinadas áreas da cidade. Nesse sentido, é cláusula implícita em cada lei geral a excepcionalidade de sua aplicação pela de uma lei específica”. E, ademais, que a ACP não teria individualizado que famílias deveriam ser reassentadas e, doutro banda, que “a inclusão sócio-espacial, conceito amplíssimo, é concretizada por meio dos princípios urbanísticos elencados no art. 4º da lei municipal impugnada e demais disposições....”.

E, quando ao segundo vício material (a questão do coeficiente de utilização), tal argumenta da ACP deveria ser desconsiderado pelas mesmas razões expostas no item acima, uma vez que o Plano Específio é lei especial, “que derroga a geral naquilo incompatível. Ademais, a instituição de coeficientes específicos para determinadas áreas não é matéria reservada às diretrizes gerais do Plano Direteor, pelo que pode ser revogada por lei ordinária superveniente”.

É o relatório.

6. Agora, conforme amplamente noticiado pela imprensa tradicional e mídia da internet, foram iniciadas as obras de demolição dos antigos armazéns que compõem o conjunto arquitetônico do Cais José Estelita. Consta da edição do Jornal do Commercio de hoje, que a Prefeitura do Recife teria emitido nota no final da tarde de ontem explicando a regularidade da ação do Consórcio Novo Recife: “Segundo o texto, o projeto para a área foi regulamentado pela lei municipal 18.138/2015. Entre as regras estabelecidas, estão a construção de um parque público onde hoje é a Avenida José Estelita, a concessão de dois terços do terreno para uso público, a construção de 200 casas populares.

Os prédios residenciais, que ocuparão o último terço da área, não poderão ter muros, nem grades. No térreo dos edifícios, deve haver comércios e serviços. As empresas Moura Dubeaux, Queiroz Galvão e GL, responsáveis pela execução do projeto, devem investir mais de R$ 80 milhões em obras públicas na capital pernambucana.

A nota ainda informa que o empreendimento teve a permissão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)” A reportagem, assim como outras mídias divulgadas através da internet, mostram que integrantes dos movimentos sociais com atuação na defesa dos direitos de moradia, estão se instalando no local, o que prenuncia possíveis conflitos, como já ocorreu no passado. Portanto, existe urgência na análise do pedido liminar contido na presente ACP. 7.

Pelo longo arroazoado contido na inicial e na resposta do Município do Recife verifica-se, de plano, como a questão é complexa e envolve várias esferas do poder público, inclusive órgãos federais como é o

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caso do IPHAN. A já iniciada demolição dos galpões além de pode ser considerado como início prático das obras do projeto do empreendimento imobiliário, tem um valor simbólico de grande dimensão ao evidenciar, aparentemente, a regularidade do projeto. E, pela nota emitida pela Prefeitura do Recife, todas as pendências já estariam sanadas. Ocorre que é inegável a existência de várias ações que discutem a legalidade dos procedimentos administrativos que ensejaram a aprovação e liberação do empreendimento, e, por conseguinte, não se sabe ao certo a situação jurídica do empreendimento. Além do instrumento amplo do poder geral de cautela, o CPC prevê o instituto da TUTELA PROVISÓRIA de URGÊNCIA que é a almejada pelo MPPE nestes autos e que, se à época da propositura do pedido, poderia parecer descabida ante a ausência do requisito do periculum in mora, agora já não é assim. É inegável que a demolição dos galpões tem uma força simbólica e prática que podem tornar irreversível qualquer provimento judicial que venha, mais tarde, a desautorizar o projeto imobiliário. O atual CPC, a exemplo do antigo código de ritos de 1973, prevê o chamado PODER GERAL DE CAUTELA do juiz. No antigo CPC a matéria era versada nos artigos 797 e 798, no sentido de que o juiz poderia adotar as medidas assecuratórias mais adequadas ao caso, mesmo que diversas da requerida pelas partes ou, até mesmo, de ofício. No regramento atual, tanto o art. 301 como o 297 tratam desse poder, pode-se afirmar. Esse poder, principalmente nestes tempos de demandas urgentes, é inerente a jurisdição e pode ser exercido pelo juiz quando nenhuma outra medida cautelar prevista em lei seja apta a assegurar a efetividade do processo.

Essa digressão sobre a amplitude do poder geral de cautela e o instituto da tutela provisória se faz necessária para demonstrar que o estado-juiz dispõe de poderes efetivos para enfrentar os atuais conflitos e questões jurídicas de sorte que o processo não se torne “letra morta” ante sua inutilidade para o Direito das partes.

Em sua peça de resposta, o Município do Recife justificou que não caberia a liminar de TUTELA DE URGÊNCIA em face da ausência dos requisitos do fumu boni iuris e do periculum in mora. E, como foi dito antes, era bastante discutível a presença do requisito do periculum in mora, mas, agora, este é patente e se materializa na demolição dos galpões do Cais José Estelita. É certo que o Município do Recife tem competência administrativa para aprovar projetos imobiliários e traçar sua política urbana, porém, in casu, a questão está judicializada e, pelo menos neste momento, não se tem segurança jurídica para que se permita a demolição dos galpões, haja vista a existência de várias ações em que se requer a nulidade dos procedimentos administrativos e se discute a constitucionalidade da Lei Municipal nº 18.138/2015 – embora não se possa desprezar argumentação/resposta do Município que o caso seria de constitucionalidade reflexa, pois o alvo deveria ter sido a Lei do Plano Diretor.

Na nota da Prefeitura, divulgada há pouco pela imprensa, aparentemente todos os problemas jurídicos e pendências administrativas teriam sido solucionadas e, inclusive a questão do assentamento das famílias que ocupam tradicionalmente a área e até pode se presumir que seus membros serão beneficiados com uma adequada política sócio-espacial, porém rapidez como os movimentos sociais reagiram à demolição dos galpões, não é razoável admitir que tal problema foi devidamente equacionado.

O pedido de tutela provisória tracejado na ACP tem como finalidade principal a suspensão do processo de licenciamento do projeto imobiliário do Consórcio Novo Recife para o CAIS JOSÉ ESTELITA, enquanto que a discussão de mérito é muito mais ampla e controversa, que é declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum da Lei Municipal nº 18.138/2015. No pedido liminar se destaca a probabilidade do direito perseguido, além do perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (art. 294, do CPC).

Além de todos esses aspectos acima e ciente da largueza dos poderes da administração pública municipal em matéria de ordenamento urbanístico, entendo que a cautela recomenda seja deferida a liminar de tutela provisória de urgência requerida pelo MPPE, diante da atual situação, pois, apesar da complexa questão jurídica que está sendo travada neste processo: desde a questão da litispendência parcial (que será

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examinada mais tarde) à problemática da declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum x a inconstitucionalidade reflexa, o fato é que o bem da vida perseguido pelo MPPE, em tese, representa o interesse público numa, digamos, proporção que, neste momento, justifica a concessão da liminar. Repito que não se desconhece e nem tampouco de despreza o enorme poder administrativo de conveniência e oportunidade que emana da longa mão do Poder Executivo municipal. Mesmo assim, estando presentes os requisitos que autorizam a concessão da tutela provisória de urgência, a mesma deve ser deferida, principalmente quando patente o perigo da irreversibilidade ou inutilidade de um provimento judicial tardio. E, invocando o poder geral de cautela, agora que o fato em questão é a demolição dos galpões, entendo que a liminar requerida pelo MPPE no ano passado, agora, exige a paralisação das obras de demolição dos galpões, sob pena de inutilidade do provimento judicial.

8. Diante do exposto, com fundamento no art. 300, do Código de Processo Civil, DEFIRO a TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA com a finalidade de determinar ao MUNICÍPIO DO RECIFE que SUSPENDA, imediatamente, a licença deferida para execução das obras na área do CAIS JOSÉ ESTELITA visando o empreendimento imobiliário que ali pretende executar o Consórcio Novo Recife e/ou qualquer outro grupo empresarial, notadamente, com a paralisação das obras de demolição dos galpões ali existente. E, no mesmo sentido, que o NOVO RECIFE EMPREENDIMENTO LTDA e/ou qualquer outro grupo empresarial que por acaso tenha assumido o projeto, se SUSPENDA, imediatamente, as obras de demolição dos galpões do CAIS JOSÉ ESTELITA. Em caso de descumprimento da presente liminar, arbitro multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), cujos valores deverão ser depositados em juízo, oportunidade em que se decidirá se devem ser transferidos ao FDIMPPE (Fundo de Desenvolvimento Institucional do Ministério Público de Pernambuco).

9. A presente DECISÃO tem FORÇA DE MANDADO e, diante da URGÊNCIA que o caso requer, poderá ser apresentada – para efeitos de intimação – por OFICIAL DE JUSTIÇA, meio eletrônico, ou por representantes do próprio MINISTÉRIO PÚBLICO aos requeridos bastando a conferência da assinatura digital deste juiz.

10. Cumpra-se!

[1] Ação Civil Pública n. 019541-28.2012.8.17.0001 (7ª VFP da Capital), proposta pelo MPPE e Ação Civil Pública n. 0005790-95.2014.4.05.0000, proposta pelo MPF.

RECIFE, 26 de março de 2019.

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Juiz(a) de Direito

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