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José Blanes Sala e Gilberto M.A. Rodrigues

Capítulo 20

ODS 16 – Paz, justiça e instituições eficazes

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José Blanes Sala e Gilberto M. A. Rodrigues

1. UM TEMA NOVO E COMPLEXO DO DEBATE DA SUSTENTABILIDADE

O Objetivo do Desenvolvimento Sustentável – ODS 16 propõe “Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas para todos”. Essa síntese é detalhada em 12 tópicos que incluem desde a redução de homicídios e proteção da criança contra violência até o combate à corrupção e a promoção da transparência.

A introdução do ODS 16 entre os demais objetivos sofreu resistência de alguns países na fase preparatória da Conferência da ONU, realizada no Rio de Janeiro (2012). As temáticas desse objetivo não eram aceitas por Estados em desenvolvimento e potências emergentes, como Rússia e China. Países desenvolvidos, com apoio de alguns em desenvolvimento, lideraram a inclusão desse objetivo, com apoio e advocacy de organizações e coalizões da sociedade civil voltadas à paz e aos direitos humanos.1 Um dos argumentos que convenceu autoridades políticas e diplomáticas é econômico: o alto custo da violência que obstaculiza o desenvolvimento sustentável, fato que atualmente é mensurado por índices, com destaque para o Global Peace Index (2018).

Com efeito, a violência e a violação sistemática de direitos humanos, inclusive aqueles da esfera dos direitos civis, passaram a ser considerados como travas ao desenvolvimento sustentável. Trata-se de abordagem importante e necessária, porém muito complexa – dada a diversidade multidimensional desse objetivo, a qual gera grande dificuldade para a sua integral e equilibrada implementação.

1 Dentre essas organizações e coalizões citem-se Vision of Humanity e Global Partnership for the Prevention of Armed Conflict (GPPAC).

Os autores se propõem a analisar o ODS 16 em municípios da Região do ABC, que compõe a Região Metropolitana de São Paulo, e que possuem características próprias, por seu histórico de economia industrial, com elevados índices de desenvolvimento local em relação à média das cidades brasileiras. São analisados os municípios de Diadema, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul. Os autores adotaram uma metodologia de análise que teve como foco as instituições locais – órgãos de gestão e controle do poder executivo e conselhos – que esses municípios dispõem para a implementação do ODS 16.2

2. O ODS 16 – OBJETIVOS, METAS E INDICADORES

2.1 Objetivos e Metas

O ODS 16 é subdividido em 12 metas: 16.1 Reduzir significativamente todas as formas de violência e as taxas de mortalidade relacionada em todos os lugares; 16.2 Acabar com abuso, exploração, tráfico e todas as formas de violência e tortura contra crianças; 16.3 Promover o Estado de Direito, em nível nacional e internacional, e garantir a igualdade de acesso à justiça para todos; 16.4 Até 2030, reduzir significativamente os fluxos financeiros e de armas ilegais, reforçar a recuperação e devolução de recursos roubados e combater todas as formas de crime organizado; 16.5 Reduzir substancialmente a corrupção e o suborno em todas as suas formas; 16.6 Desenvolver instituições eficazes, responsáveis e transparentes em todos os níveis; 16.7 Garantir a tomada de decisão responsiva, inclusiva, participativa e representativa em todos os níveis; 16.8 Ampliar e fortalecer a participação dos países em desenvolvimento nas instituições de governança global; 16.9 Até 2030, fornecer identidade legal para todos, incluindo o registro de nascimento; 16.10 Assegurar o acesso público à informação e proteger as liberdades fundamentais, em conformidade com a legislação nacional e os acordos internacionais; 16.a Fortalecer as instituições nacionais relevantes, inclusive por meio da cooperação internacional, para a construção de capacidades em todos os níveis, em particular nos países em desenvolvimento, para a prevenção da violência e o combate ao terrorismo e ao crime; 16.b Promover e fazer cumprir leis e políticas não discriminatórias para o desenvolvimento sustentável.

Em relação aos objetivos e metas, cabe destacar o importante estudo do Ipea (2018), em que é apresentada uma proposta de readequação de todos os objetivos e metas dos ODS para o caso brasileiro, incluindo o ODS 16, em que se fez nove propostas de readequação.

2 Os autores valeram-se da consulta aos portais das sete prefeituras da Região do ABC como fonte primária.

2.2. Indicadores

Os indicadores para medir e monitorar os objetivos e metas do ODS 16 variam bastante, tanto em relação à metodologia quanto às fontes. Os indicadores tradicionais se valem de uma métrica que calcula o número de ocorrências de crimes para cada 100 mil habitantes. No estado de São Paulo, a Secretaria de Segurança Pública produz estatísticas e índices com esse perfil, como a taxa de homicídios, a taxa de estupros etc. Tais indicadores quantitativos são importantes para medir o grau de violência a que uma sociedade está sujeita, em determinado território e período de tempo. Porém, eles são insuficientes para compreender o fenômeno complexo da origem da violência.

Pinheiro e Almeida (2003, 9) indicam uma possível definição sobre violência nos seguintes termos: “Ação, produção de dano/destruição e intencionalidade são os elementos constitutivos da violência. Com isso, temos uma definição básica de violência: ação intencional que provoca dano.” (grifo dos autores). A questão da intencionalidade não pode ser tratada apenas como dolo, no âmbito do direito penal. Cabe indagar, problematizar e pesquisar os condicionantes sociais, econômicos e políticos geradores dessa múltipla intencionalidade.

Dada essa complexidade, cabe reconhecer a importância de utilizar indicadores qualitativos e mistos que possam ampliar e aprofundar a compreensão sobre o fenômeno da violência, tal como o Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência-IVJ (FBSP, 2014).

Cabe, igualmente, investigar a violência causada por forças de segurança do estado, haja visto o alto grau de letalidade gerado por ações policiais militares, sobretudo em comunidades e favelas da Macrometrópole Paulista. Ações recentes – inclusive projetos de lei do governo federal – visando ampliar a imunidade de policiais militares, que já dispõem de foro especial (tribunais militares) em ações de enfrentamento ao crime, são fatores que podem dificultar a implementação do ODS 16.

3. O TEMA NO ÂMBITO DO FEDERALISMO BRASILEIRO

3.1. Segurança pública e cidadania na encruzilhada federativa

O ODS 16 traz um complicador para a sua implementação. O tema da segurança pública, um de seus subtemas centrais, é de competência estadual, provincial ou regional na maioria dos países. Geralmente, os municípios não têm competência para lidar com segurança pública e o governo central tem competência restrita a alguns temas (e.g., prevenção e combate a crimes de tráfico de drogas, armas e pessoas).

No caso do Brasil, segurança pública é tema da esfera de competência residual dos estados, em razão disso, as polícias são estaduais (com a especificidade de haver polícia civil e polícia militar). A Constituição de 1988 prevê que os municípios têm competência para proteger o patrimônio público, além de competências comuns aos

demais entes da federação na preservação do meio ambiente natural, antrópico e cultural. Tal situação impede a ação municipal no enfrentamento repressivo aos crimes contra a vida e a liberdade das pessoas; ao mesmo tempo, os municípios podem manter órgãos para a proteção de crianças e adolescentes (conselhos tutelares), para a proteção patrimonial (dispondo de guardas municipais); para promover a transparência e combater a corrupção. Há, portanto, uma esfera de atuação legítima e legal dos municípios – mas parcial – para a implementação local do ODS 16.

No que tange à segurança pública de competência estadual, dado o aumento das taxas de violência, em todos os tipos de crimes (contra a vida, contra a dignidade da pessoa, contra o patrimônio privado etc.), e a dificuldade que a maioria dos estados tem em lidar com as políticas e ações nesse campo, o governo federal implantou um Sistema Nacional de Segurança Pública (semelhante ao SUS na Saúde), sob a coordenação da Secretaria Nacional de Segurança Pública-Senasp, para integrar os entes da federação em uma política pública multinível. Essa iniciativa trata de enfrentar a dificuldade de coordenar políticas de segurança. Não obstante, a interrupção do mandato de Rousseff, em 2016, agravada pela crise do sistema penitenciário e suas ramificações com o crime organizado,3 mudaram os rumos da política nacional de segurança. Observa-se desde então a tendência a um deslocamento do tema da segurança da justiça/cidadania para uma abordagem de repressão, com políticas e ações militares, tendo como corolário a intervenção federal no estado do Rio de Janeiro, mediante o uso das forças armadas.4

3.2. A tendência de securitização dos municípios

Diversos municípios vêm implantando secretarias de segurança, absorvendo e reformulando as guardas municipais. Mesmo sem competência municipal, o trabalho de cooperação com as polícias militar e estadual vem aumentando por meio desses órgãos municipais, inclusive por meio de câmeras de vigilância em vias públicas, como instrumento estratégico de prevenção e controle de segurança urbana.

Não obstante, a problemática de ampliação fática da competência municipal no campo da segurança pode agravar a restrição e a violação de direitos de cidadãos, devido à cultura policial centrada na ordem estatal e não no cidadão, que prevalece no Brasil. O conceito de segurança cidadã, promovido por organizações internacionais, como ONU, OEA e BID, é difuso e comporta margem ampla de interpretação, a partir da premissa de que a pessoa deve ser o centro da política e das ações da segurança, não o Estado. Um dos movimentos nesse campo se dá na Rede Mercocidades, onde a Unidade Temática de Segurança Cidadã propicia cooperação internacional entre cidades para difusão e transferências de políticas públicas (Rodrigues; Matiolli, 2017).

3 Uma ótima análise sobre esse tema é A Guerra – A ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil, de

Bruno Paes Manso e Camila Nunes Dias, 2018. 4 Realizada durante o governo de Michel Temer.

4. GOVERNANÇA PARA O ODS 16

A governança para o ODS 16 se estabelece de forma multissetorial e multidimensional, uma vez que as 12 metas cobrem distintas áreas das políticas públicas. Porém, a diversidade dos temas e sujeitos de direitos envolvidos(as) nessas políticas têm como ideia-força comum o trinômio proteção/inclusão/acesso. Além dos atores públicos, a sociedade civil organizada tem um papel importante em diferentes setores do ODS 16.5

4.1. Experiências de municípios da Região do ABC

A Região do ABC é conhecida por haver implementado políticas inovadoras e inclusivas no campo social, seja de forma individualizada em cada município, seja no âmbito regional por meio do Consórcio Intermunicipal do ABC. Houve notável desenvolvimento de políticas públicas municipais nas cidades da região, desde os anos de 1990, com a criação de órgãos, conselhos e políticas municipais que elevaram a qualidade de vida da população local. De forma geral, pode-se dizer que a região se destacou em duas linhas de atuação: de um lado, um esforço para melhorar os institutos de controle administrativo e participação popular nas políticas públicas para a fiscalização dos órgãos públicos; e, de outro, iniciativas interessantes no que tange à disseminação da cultura de paz. A seguir, analisam-se iniciativas nos municípios mais populosos e mais estruturados institucionalmente do ABC: Santo André, São Bernardo do Campo, Diadema e São Caetano do Sul. 4.1.1. Santo André

A década de 1990 foi relevante para este município, transformado de urbe industrial em cidade de serviços. O governo municipal encabeçou não apenas um projeto progressista de participação popular no orçamento público e no plano diretor da cidade, como um projeto de região metropolitana, estruturado ao longo do rio Tamanduateí, que congregaria os sete municípios do ABC de forma orgânica e harmônica. Ao ingressar no século XXI conseguiu articular o ABC em torno de uma figura institucional, o consórcio intermunicipal, o qual obteve reconhecimento jurídico com a criação da lei federal dos consórcios públicos e se tornou referência no Brasil.

Santo André trabalhou para a criação de instituições eficazes, as quais integram o ODS 16. As práticas de participação popular geraram consciência política acurada difusa no tecido social da cidade, no sentido de exigir políticas públicas com resultados, principalmente, nas áreas de reurbanização de favelas e projetos de geração de renda.

5 Cabe destacar, dentre os atores não governamentais que constituem parte da governança atual do tema, o

Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o qual reúne entidades e especialistas em diversas áreas, e atua no debate público sobre segurança, produzindo pesquisas, publicações e incidindo junto aos poderes públicos na construção e avaliação de políticas públicas no campo da segurança.

Além disso, cabe destacar a Ouvidoria, mecanismo de controle municipal com autonomia dos poderes públicos. Criada em 1999, tendo sido aprimorada desde então, a Ouvidoria tem um colegiado de 17 membros de significativos segmentos da sociedade civil: associação comercial e industrial, Ciesp, OAB, centrais sindicais, sindicatos independentes, academia, setor esportivo etc. Somente o Colegiado pode escolher e destituir o(a) Ouvidor(a) observando o previsto na Lei. Seus objetivos prioritários são: resolução de conflitos ou mediação; prevenção e promoção de valores democráticos; bem como constituir-se em agente de mudanças.

Em 2014, a prefeitura criou a Secretaria de Direitos Humanos e Cultura de Paz (nomenclatura de acordo com o ODS 16) com objetivo de defender, proteger e promover os direitos humanos, ao mesmo tempo em que fomenta a inserção de uma cultura de paz no município, articula e define diretrizes para políticas públicas nas áreas da pessoa idosa, com algum tipo de deficiência, diversidade sexual e igualdade racial. Em 2016, esta secretaria fez um levantamento da comunidade haitiana oriunda da ação humanitária de acolhimento do Brasil e detectou uma população estimada de 700 residentes no município – grande parte instalada nos bairros Utinga e Vila Metalúrgica. Em 2014-2015, 320 haitianos participaram do curso de Língua Portuguesa e Cultura Brasileira, promovido pela Secretaria em parceria com a Secretaria de Educação. Em 2016, 90% dos alunos nos cursos Organização de Eventos e Recepcionista de Eventos, do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), do Governo Federal, eram haitianos. 4.1.2. São Bernardo do Campo.

São Bernardo é o município do ABC com maior população e território. Possui um perfil fortemente industrial, mas se caracteriza também por deter a maior área de mananciais da região (53,7% do total do seu território). A questão ambiental sempre foi determinante para esta urbe que mantêm forte ligação com a ODS 16, uma vez que o respeito ao meio ambiente também passa pela paz, justiça e eficiência institucional.

Cabe destacar uma iniciativa extremamente original e criativa relacionado ao ODS 16. Em 2010, a prefeitura municipal lançou, em parceria com o governo federal, por meio do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania - Pronasci, o projeto Mulheres da Paz, que proporcionou formação para 300 mulheres residentes na região do Grande Alvarenga, nas áreas de direitos humanos, segurança pública, violência doméstica e urbana, ética e cidadania, visando capacitá-las como multiplicadoras de uma cultura de paz para atuação na comunidade, especialmente junto aos jovens, e na construção e fortalecimento das redes sociais locais. Posteriormente, o projeto foi para a região do Montanhão em 2011 e em 2014 para a região do Silvina.

O projeto Mulheres da Paz, sendo uma das ações do Pronasci, tem como objetivo capacitar mulheres socialmente atuantes em comunidades dominadas pelo tráfico e pela violência para: I) atuar com vistas à emancipação das mulheres e prevenção e enfrentamento da violência contra as mulheres; e II) aproximar-se de jovens em si-

tuação de vulnerabilidade e encaminhá-los aos programas sociais do Pronasci (principalmente o Protejo). O Protejo, por sua vez, tem como objetivo promover atividades culturais, esportivas e educacionais para jovens expostos à violência (doméstica ou urbana) ou que vivam nas ruas, visando à posterior disseminação da cultura de paz por esses jovens em suas comunidades (MJ, 2008). O projeto Mulheres da Paz foi iniciado simultaneamente nos municípios de Porto Alegre e São Bernardo do Campo. O sucesso que obteve na região do ABC rapidamente se espalhou para os municípios de Santo André e Diadema.6

4.1.3. São Caetano do Sul

Neste município, perdem-se os limites físicos entre as cidades de Santo André, São Bernardo e São Paulo, uma vez que se trata de uma área intensamente conurbada. Com apenas 160.000 habitantes, contra 700.000 em Santo André e mais de 800.000 em São Bernardo do Campo, possui um dos melhores índices socioeconômicos do país.7 Como se pode observar no Quadro 2, mais adiante, São Caetano é a cidade que mantém o maior número de conselhos municipais em temas do ODS 16.

O orçamento público é destinado, em boa parte, à educação, onde há excelentes iniciativas em direção à cultura de paz. Em parceria com o Instituto Sou da Paz, as Secretarias Municipais da Educação (Seeduc) e dos Direitos da Pessoa com Deficiência ou Mobilidade Reduzida (Sedef) promovem capacitações para zelar pela prevenção da violência, procurando influenciar políticas públicas nessa área. 4.1.4. Diadema

Esta cidade possui atualmente perto de 450.000 habitantes. Ela é um exemplo paradigmático do que é possível fazer com um empenho sociopolítico reiterado no tempo em termos de paz, justiça e eficácia das instituições, conforme o ODS 16.

Duas décadas atrás Diadema era a cidade mais violenta do país e conhecida internacionalmente por seu alto índice de violência, similar ao de um território em guerra civil: em 1999 sua taxa de homicídios era de 111,62 por 100 mil habitantes. Em números absolutos, foram 374 assassinatos, mais de um por dia, vitimando jovens, em sua maioria. O município vivia o definhamento de seu potencial econômico, com trezentas empresas a menos do que atualmente e cerca de 45 mil desempregados. Em 2011, mudou a trágica estatística. Registrou 37 assassinatos ao longo de doze meses,

6 Em Santo André existia a Associação Mulheres pela Paz, ONG feminista (2003-), com objetivo de divulgar a cultura da paz como construção cotidiana, (Res n. 1.325 da ONU), alicerçada na segurança humana e na justiça, por meio de ações que visam o desenvolvimento da igualdade de gênero, da cidadania e dos direitos humanos. Com o projeto do Pronasci, ela ganhou impulso intercedendo junto ao município, que formou 200 mediadoras em 2012, nos bairros Jardim Irene, Vila Rica, Jardim Santo André, Vila João

Ramalho e Cata Preta. 7 São Caetano é a cidade de melhor IDH do Brasil nas três versões do Atlas de Desenvolvimento Humano

Municipal (1990, 2000 e 2010).

um recorde histórico, e taxa de homicídios de 9,5 por 100 mil habitantes, abaixo das médias do estado (9,8/100 mil) e nacional (22,7/100 mil). A queda de 91,27% da taxa retirou-a da zona epidêmica de homicídios definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que é acima de 10 por 100 mil habitantes (Figueiredo, 2012).

Diadema combinou em sua estratégia de segurança pública ações de inteligência preventiva, parceria entre a Guarda Municipal e as polícias estaduais e programas sociais de transferência e geração de renda e participação popular. Até recentemente, a política de segurança pública municipal vinha sendo integrada e transversal, mas no mandato 2017-2020 não houve continuidade neste sentido. Com a participação de milhares de pessoas, a prefeitura elaborou três planos de segurança, com várias ações desenvolvidas de forma integrada e sobrepostas. Entre as medidas que refletiram na queda dos homicídios estão o Projeto Adolescente Aprendiz – voltado a jovens de 14 e 15 anos moradores de áreas de vulnerabilidade social; a Lei de Fechamento de Bares, das 23 às 6 horas; a Mediação de Conflitos; as Campanhas de Desarmamento Infantil e Real; a Central de Videomonitoramento; a criação do Conselho Municipal e do Gabinete de Gestão Integrada; o Programa Mulheres da Paz; e o Protejo, para jovens entre 15 e 24 anos (Figueiredo, 2012).

4.2. Mapeamento institucional dos Municípios do ABC - ODS 16

O mapeamento da institucionalidade de órgãos executivos e de controle nos municípios da Região do ABC permite uma análise da situação atual do compromisso das sete prefeituras da região com políticas e ações governamentais em áreas de implementação do ODS 16. De um modo geral, as prefeituras dispõem dos órgãos de gestão e controle necessários para a implementação do ODS 16 (Quadro 1), com exceção dos dois municípios menores e menos populosos, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, os quais dispõem somente de órgãos de Assuntos Jurídicos/Cidadania. Quadro 1 – Órgãos de gestão/controle das Prefeituras Municipais da Região do ABC - ODS 16

Municípios do ABC/ Órgãos de gestão e controle (ODS 16) Sec. Assuntos Jurídicos / Cidadania Sec. Juventude Sec. Segurança/ Defesa Social Diadema Mauá Ribeirão Pires

Rio Grande da Serra

São Bernardo do Campo Santo André

São Caetano do Sul X X X X X X X X X X X X X X X X

Guarda Civil Municipal Controladoria/ Corregedoria/ Auditoria Órgão/Portal transparência Ouvidoria X X X X X

X X X X X X X

X X X X X X X

Fonte: elaborado pelos autores (2019).

Outro capítulo importante do mapeamento inclui os conselhos municipais em temas relacionados ao ODS 16 (Quadro 2). As cidades da Região do ABC foram pródigas em criar conselhos municipais com participação da sociedade civil, desde os anos de 1990. Nesse âmbito, o tema criança e adolescente ganha destaque: todos os municípios dispõem de Conselhos Tutelares e, com exceção de Rio Grande da Serra, todos têm Conselhos para a Criança e o Adolescente. Quadro 2 – Conselhos Municipais dos Municípios da Região do ABC relacionados aos ODS 16

Municípios do ABC/ Conselhos Municipais de apoio ao ODS 16 Cons. Tutelar Diadema Mauá Ribeirão Pires

Rio Grande da Serra

São Bernardo do Campo Santo André

São Caetano do Sul X X X X X X X

Cons. Criança e Adolescente

X X X Cons. Juventude X Cons. Mulher/ Gênero X X

Cons. LGBTI Cons. Comunidade Negra Cons. Idoso X

X X X X

Cons. Pessoa com Deficiência X X X X X X X

X

X X X X X X

Conseg Cons. Drogas Cons. Cidadania/ Participação X X X

X X

X

Fonte: elaborado pelos autores (2019).

Uma conclusão geral a se extrair da análise do mapeamento de ambos os quadros é que, da perspectiva institucional, as cidades da região do ABC estão preparadas para implementar políticas públicas relacionadas ao ODS 16 em sua multidimensionalidade. Em relação à governança, caberia verificar se os órgãos e conselhos funcionam bem, de forma sistemática, com os recursos necessários ao seu pleno funcionamento e se propiciam/facilitam acesso e participação a todos os seus integrantes.8

5. DESAFIOS, LIMITAÇÕES, RECOMENDAÇÕES PARA A GOVERNANÇA DA MACROMETRÓPOLE

5.1. Desafios

Tendo como referência os municípios da Região do ABC, e considerando o foco de análise institucional dos autores, dentre os desafios da governança que se pode apontar estão o de criar uma institucionalidade estável e abrangente em relação aos objetivos e metas do ODS 16.

Há setores em que a institucionalidade existe e funciona em todos os municípios, como os conselhos tutelares, cujo papel tem sido essencial na proteção de crianças e adolescentes; há outros em que as estruturas institucionais e as políticas ainda são insuficientes em alguns municípios, como a transparência pública e as questões de gênero. E há, ainda, setores em que a institucionalidade está desequilibrada no comparativo com municípios da mesma região, como a existência de conselhos municipais de participação social.

5.2. Limitações

As limitações para os municípios são na atualidade, principalmente, de ordem fiscal e orçamentária.

Igualmente, não se podem desprezar as limitações de natureza política, de agentes políticos do executivo e do legislativo municipais que, ao mudar a gestão, tem menos ou não tem interesse em promover o respeito pelos direitos humanos, a participação cidadã e o bem-estar das populações vulneráveis. Essa é uma limitação real à implementação do ODS 16, por grupos políticos e sociais conservadores e retrógrados, cuja atuação no Brasil vem tratando o tema da segurança com políticas repressivas, discriminatórias e securitárias – em detrimento de políticas voltadas à promoção da paz, dos direitos humanos e da inclusão socioeconômica.

8 Esta pesquisa foge do escopo do presente capítulo, por limitações de espaço, mas os autores reconhecem sua relevância para completar a análise aqui empreendida.

5.3. Recomendações

Dentre as recomendações possíveis, cabe destacar: - Criar (onde não existem), ampliar e fortalecer os conselhos municipais voltados à proteção de populações vulneráveis, como crianças, adolescentes, mulheres, comunidade negra, comunidade LGBTI, pessoas com deficiência e migrantes. - Implementar órgãos e políticas de transparência pública, facilitando o acesso direto às informações do e sobre o governo municipal, via portais eletrônicos das prefeituras. - Não transformar as secretarias de segurança municipal em reproduções das secretarias estaduais de segurança, que seguem centralizadas na defesa do estado (estadocêntricas) e da ordem pública, negligenciando frequentemente a proteção individual das pessoas e dos grupos vulneráveis. - Não permitir a militarização das guardas municipais (“gendarmerização”), com o uso de armas não letais ou letais, que podem aumentar a insegurança da população por notória falta de preparo e pela cultura de policiamento e abuso de poder contra pobres, negros e minorias discriminadas. Cabe formar e treinar as guardas municipais com foco na promoção da cidadania. - Criar e manter programas de educação em direitos humanos9 em nível municipal e metropolitano e, inclusive, propor a criação de órgãos e conselhos municipais voltados para tais políticas de promoção dos direitos humanos, da paz e da não violência, naqueles municípios onde ainda não há. - Fortalecer ainda mais o Consórcio Intermunicipal do ABC, num contexto de interdependência, para a realização de políticas integradas de prevenção à violência e promoção à cultura de paz e dos direitos humanos.

9 Para saber mais sobre esse tema, ver a obra organizada pelos autores, Educação em Direitos Humanos, 2017.

REFERÊNCIAS

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FIGUEIREDO, Cecília. Diadema estabelece cultura de paz. Revista Teoria e Debate, ed. 181, fev./2019. INSTITUTE FOR ECONOMICS & PEACE. Global Peace Index. 2018. Disponível em: http://visionofhumanity.org/app/uploads/2018/06/Global-Peace-Index-2018-2.pdf. IPEA. Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas. Agenda 2030 / ODS – Metas Nacionais dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Brasília: IPEA, 2018. MAUÁ. Portal da Prefeitura Municipal de Mauá. Disponível em: http://www.maua.sp.gov. br/ ONU. Portal da Organização das Nações Unidas no Brasil. ODS 16. Disponível em: https://nacoesunidas.org/pos2015/ods16/. PINHEIRO, Paulo Sergio; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Violência urbana. Folha Explica. São Paulo: PubliFolha, 2003. RIBEIRÃO PIRES. Portal da Prefeitura Municipal de Ribeirão Pires. Disponível em: http://www.ribeiraopires.sp.gov.br/ RIO GRANDE DA SERRA. Portal da Prefeitura Municipal de Rio Grande da Serra. Disponível em: http://www.riograndedaserra.sp.gov.br/ RODRIGUES, Gilberto M. A.; MATTIOLI, Thiago. Paradiplomacy, security policies and city networks: the case of the mercocities citizen security thematic unit. Contexto Internacional, v. 39, n. 3, jan/set. 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0102-85292017000300569&lng=en&nrm=iso&tlng=en. SALA, José Blanes; RODRIGUES, Gilberto M. A. (Org.). Educação em Direitos Humanos: aproximações teóricas e experiências didáticas. Contribuições do Brasil e da Catalunha. Santo André: UFABC, 2017. SANTO ANDRÉ. Portal da Prefeitura Municipal de Santo André. Disponível em: http:// www2.santoandre.sp.gov.br/. SÃO BERNARDO DO CAMPO. Portal da Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo. Disponível em: http://www.saobernardo.sp.gov.br/web/sbc/home. SÃO CAETANO. Portal da Prefeitura Municipal de São Caetano. Disponível em: http:// www.saocaetanodosul.sp.gov.br/.

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