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Klaus Frey, Pedro Henrique Campello Torres, Pedro Roberto Jacobi, Ruth Ferreira Ramos

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Sobre os autores

Sobre os autores

Capítulo 22

À guisa de conclusão

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Klaus Frey, Pedro Henrique Campello Torres, Pedro Roberto Jacobi, Ruth Ferreira Ramos

O esforço do presente livro foi reunir um grupo seleto de professores e pesquisadores, das mais diversas áreas e campos do conhecimento, para de forma interdisciplinar contribuir com o contemporâneo debate que cerca a implementação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). O desafio, para além da organização da publicação em si, foi duplo. De um lado municiar a necessária reflexão sobre o papel subnacional dos ODS, e que vale para outros debates na arena das negociações e acordos internacionais. E, por outro, aplicar a discussão para o recorte regional da Macrometrópole Paulista, incentivo que foi encarado de maneira séria e competente pelos autores colaboradores, oriundos de diversas instituições do Estado de São Paulo, tais como UFABC, USP, ITA, USJ, assim como da Universidade Hamburgo e da Unesco.

Não se trata de uma obra definitiva e que dê por terminada a discussão que se propôs. Ao contrário, o objetivo é estimular mais pesquisas e debates sobre o tema, de hoje até 2030, ano final do compromisso com os ODS. Trata-se de campo aberto e fértil que merece ser explorado, seja no campo do Planejamento Territorial, das Políticas Públicas, Ciências Ambientais, Relações Internacionais, da Economia, entre tantas outras áreas de conhecimento. No entanto, a falta de transparência da política informacional, nos diferentes níveis governamentais, a dificuldade em acessar os dados existentes e, no caso de alguns ODS, até a inexistência de dados confiáveis, têm se mostrado um primeiro entrave a ser encarado e superado para podermos estabelecer um processo contínuo e consistente de acompanhamento e controle dos avanços – ou retrocessos – na prossecução das metas dos ODS. Este entrave se mostrou particularmente limitante no caso da MMP em função da não existência de uma estrutura institucional e organizacional consolidada de governança capaz de prover os dados necessários para uma avaliação adequada do progresso em relação à Agenda 2030.

Diversos autores apontam como obstáculo para uma adequada análise da performance, do planejamento e das respostas aos ODS, no recorte regional da MMP,

a inexistência, desatualização ou disponibilidade apenas parcial de dados e informações. Diversas organizações sociais do terceiro setor têm buscado, colaborando em rede, suprir essa lacuna coletando e organizando os materiais e dados disponíveis. Um exemplo é o Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 (GT Agenda 2030) formalizado em 9 de setembro de 2014, com cerca de 40 membros de diferentes setores e que produz anualmente um relatório de acompanhamento e performance das metas em âmbito nacional.

A dificuldade em se lidar com as 169 metas que compõem os 17 ODS é tema de preocupação entre autores que acompanham o tema desde os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), predecessores dos ODS. No artigo Six Transformations to achieve the Sustainable Development Goals, de 2019, publicado na Nature Sustainability, Jeffrey Sachs, Johan Rockström e coautores, reconhecem os obstáculos no monitoramento e implementação de tantas metas, e propõem a sua redução para apenas seis eixos estratégicos e aglutinadores.

Se a dificuldade é grande para se trabalhar os ODS do ponto de vista de sua implementação nacional, ela aumenta ainda mais quando do recorte subnacional. No caso da MMP, objeto territorial do livro, a imensa tarefa é agravada com a dissolução, durante a elaboração da publicação, do órgão de planejamento metropolitano do Estado, a Empresa de Planejamento do Governo do Estado de São Paulo (Emplasa).

Um dos pontos que merece ser ressaltado nos capítulos, ao longo de toda a obra, é a diversidade de abordagens dos autores em lidar com a presente problemática, realizando pesquisa aplicada entrelaçada com debate teórico e metodologia adequada.

Desde o início foi dada autonomia aos autores para abordar o tema de forma a fazerem o melhor percurso no uso das informações que dispunham – seja por meio da discussão de um dos 17 ODS, do recorte territorial ou priorizando partes dessa região – visando analisar a aplicação dos ODS ao território macrometropolitano, tendo como referência dados nacionais ou globais disponíveis.

Os primeiros quatro capítulos buscaram proporcionar ao leitor a base necessária para a compreensão da implementação dos ODS enquanto um processo social-histórico, seus principais atores, além da relevância da discussão local, ou glocal, e o papel da sociedade civil, enquanto motor indispensável no acompanhamento das ações governamentais, sobretudo em tempos sombrios de ataques às instituições, à ciência, e, em última instância à própria democracia.

Os sinais – simbólicos e materiais – enviados pelo atual governo federal não emanam qualquer perspectiva positiva em apoio estratégico à implementação efetiva dos ODS, embora o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mantenha, até o presente momento, o acompanhamento das performances das metas que foram nacionalizadas ao contexto brasileiro pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) como desafio institucional.

Conforme ressaltado por Eduardo Viola no prefácio à presente edição, se o governo federal não se mobilizar, como faz recear o recente fato do veto presidencial à Agenda 2030 no Plano Plurianual da União 2020-2023, pairam dúvidas de que maneira se dará a contribuição subnacional, incluindo o caso da Macrometrópole Paulista. Resta saber, como alerta Viola, se o “sistema de governança da Macrometrópole Paulista será capaz de avançar na implementação dos ODS num ambiente nacional tão desfavorável”

Há saídas para o labirinto. Alguns autores da coletânea apontam caminhos como a importância da governança colaborativa e da coprodução de conhecimento, além do fortalecimento do controle social. Operadores de direito também estão atentos e devem ser acionados quando preciso. O Tribunal de Contas da União, por exemplo, tem acompanhado o processo em âmbito federal e realizado auditorias, como em 2018 quando concluiu que, dentre outras desarticulações, o Governo Federal não possui planejamento de longo prazo, não integra as metas dos ODS às atividades de monitoramento e à avaliação de políticas públicas, e não possui mecanismos de prevenção e gestão de riscos de forma integrada (TCU, 2017).

No caso do Estado de São Paulo, o Tribunal de Contas do Estado, a partir de um memorando de entendimento com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) firmado em 2017, lançou o Observatório do Futuro com o objetivo de auxiliar estado e Prefeituras na implementação das metas. Outras iniciativas também podem surgir no vácuo deixado pelo governo federal, evidentemente pouco empenhado na implementação da Agenda 2030 (TCE-SP, 2017).

Em maio de 2020, quando escrevemos as considerações finais desta coletânea, o mundo está mergulhado em uma profunda crise de seu modelo de desenvolvimento e da própria democracia em função do alastramento da Covid-19, tendo o Brasil e, sobretudo, a Região Metropolitana de São Paulo se tornado o novo hotspot desta pandemia. E de acordo com a Johns Hopkins University, em todo mundo 4.614.135 pessoas foram infectadas e 310.520 mortos em decorrência da Covid-19, no Brasil 222.877 infectados e 15.046 mortos (situação em: 16/05/2020; 18h). No mesmo dia, o Estado de São Paulo chegou a terríveis 4.688 pessoas mortas superando a China com 4.637, país onde ocorreu o início da pandemia. Enquanto São Paulo tem 106 mortos por um milhão de habitantes, a China tem apenas aproximadamente 3,22 mortes por milhão. Considerando a expectativa de um alto nível de subnotificação, a situação real deve ser ainda bem mais grave. Com um governo em dissolução, tendo havido em maio de 2020 a segunda saída de Ministro de Saúde em menos de um mês, uma epidemia ainda em forte aceleração e políticas ou ações conflitivas e contraditórias entre União e Estados, a mesma está fora de controle no país com consequências incalculáveis, mas sem dúvida, extremamente graves para a saúde pública e a economia e, com isso, dificultando sobremaneira as possibilidades de encontrar um caminho sustentável e ao mesmo tempo justo de desenvolvimento.

Faltando apenas dez anos para atingir as ambiciosas metas da Agenda 2030, o ano de 2020 – no qual as Nações Unidas completam 75 anos – foi definido pela ONU como o início da Década de Ação. Se antes, na avaliação da própria ONU, as ações dos ODS avançavam em um ritmo lento e insuficiente, no cenário atual, diante da pandemia de coronavírus com suas consequências devastadoras, acentuando ainda mais as desigualdades sociais no mundo, nos países, nas regiões e cidades, as perspectivas de uma recuperação dentro das expectativas expressas nas metas da Agenda 2030, apesar de diversos esforços acadêmicos e políticos que têm surgido recentemente em tematizar a necessidade de conduzir este processo de recuperação com forte viés de sustentabilidade, reivindicando um realinhamento dos ODS em vista dos riscos pandêmicos (Gulseven et al., 2020), são nada animadoras, sobretudo perante o aquecimento global que vem contribuindo para a disseminação acelerada dos vírus.

Pandemias e outros desastres provocados pela ação humana devem se tornar cada vez mais frequentes se não começarmos a reconhecer que não é possível imaginar que simplesmente por meio de novas invenções tecnológicas, por exemplo, por um Screen New Deal (Klein, 2020), poderemos enfrentar tais ameaças, sem repensar e reinventar nossos modos de vida e, como ressaltou Jeremy Rifkin (2020) em uma entrevista recente, sem imaginar uma nova visão do futuro, sem “mudar a nossa forma de ser no planeta”, fundamentando “uma nova era chamada de glocalização”.

De qualquer modo, não parece haver dúvida que para alcançar um modo de desenvolvimento sustentável justo, com equidade, há necessidade de fortalecermos as esferas locais e regionais enquanto espaços democráticos e, ao mesmo tempo, nos despedirmos de uma grande parte das práticas econômicas e comerciais absurdas do contemporâneo mundo neoliberal e interconectado. Estas, ao mesmo tempo em que reduzem custos de produção e aumentam lucros para alguns, geram e socializam, ou transferem para os setores sociais mais vulneráveis, custos ambientais e sociais de forma exponencial, provocando exclusão, riscos, incertezas e destruição.

É por isso, segundo Acselrad (2020), que a retórica neoliberal nada tem a dizer acerca de pandemias, mudanças climáticas ou mortes por poluição atmosférica. Ao contrário, vende o otimismo tecnológico, acentua xenofobismos, além de expor os mais vulneráveis aos efeitos indesejáveis dos agravos trazidos pela pandemia, que expõe condições preexistentes de desigualdades ambientais, tais como a falta de acesso à água, saneamento, moradia, qualidade do ar, entre outros.

Neste contexto, as contribuições das cidades e regiões, como da Macrometrópole Paulista, serão determinantes para reconduzirmos o processo de desenvolvimento em direção às metas dos ODS. Esperamos, portanto, que este livro possa estimular reflexões, assim como políticas, programas e projetos concretos, capazes de tornar as cidades e regiões protagonistas das mudanças necessárias para que a Agenda 2030 das Nações Unidas ainda possa ter um efeito sustentável em metrópoles como a MMP.

REFERÊNCIAS

ACSELRAD, H. (2020). A microbiologia cega do capitalismo. Boletim Anpocs, v. 37. Disponível em: http://www.anpocs.com/index.php/ciencias-sociais/destaques/2351-boletim-n-37-cientistas-sociais-e-o-coronavirus. Acesso em: 13 mai. 2020. GULSEVEN, O. et al. (2020). How the COVID-19 Pandemic Will Affect the UN Sustainable Development Goals? SSRN. Disponível em: https://ssrn.com/abstract= 3592933. Acesso em: 15 mai. 2020. KLEIN, N. (2020). Screen new deal: under cover of mass death, Andrew Cuomo calls in the billionaires to build a high-tech dystopia. The Intercept. 2020. Disponível em: https:// theintercept.com/2020/05/08/andrew-cuomo-eric-schmidt-coronavirus-tech-shock-doctrine/. Acesso em: 08 mai. 2020. RIFKIN, J. (2020). Estamos ante la amenaza de una extinción y la gente ni siquiera lo sabe. Entrevista com Jeremy Rifkin. The Conversation, 22 de abril 2020. Disponível em: https://theconversation.com/jeremy-rifkin-estamos-ante-la-amenaza-de-una-extincion-y-la-gente-ni-siquiera-lo-sabe-136986. Acesso em: 25 abr. 2020. (TCE-SP). Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Lançamento do Observatório do Futuro, 2017. Disponível em: https://www.tce.sp.gov.br/observatorio. Acesso em: mai. 2020. TCU. Tribunal de Contas da União. Relatório de auditoria. Avaliação da preparação do governo brasileiro para implementar e monitorar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). TCU- RA: 02893820160, Relator: Augusto Nardes, data de julgamento: 06/09/2017, Plenário. Disponível em: https://tcu.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/496935558/relatorio-de-auditoria-ra-ra-2893820160/voto-496935639 Acesso em: 05 mai. 2020.

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