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ARTISTA DO POVO: POLITIZAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DOS SAMBISTAS EM SÃO PAULO (DÉCADAS DE 1950 E 1960) Marcos Virgílio da Silva e Maria Lucia Caira Gitahy
Resumo Estudos dedicados à história do samba e do carnaval em São Paulo pouco têm avançado em relação à interpretação de que o final da década de 1960 representaria um momento de “descaracterização” de uma manifestação popular “autêntica” anterior, advinda da institucionalização dos desfiles de carnaval na cidade. De outro lado, os estudos relacionados às organizações sociais, enfatizando as organizações de cunho político ou trabalhista, tendem a ler o período pós-golpe de 1964 como de repressão aos movimentos sociais e de refluxo dessas organizações. Na visão aqui proposta, evidencia-se o caráter político da organização dos sambistas, e a institucionalização dos desfiles carnavalescos aparece como uma nova forma de organização social na cidade, que guarda uma notável correspondência com o processo de formação de classe tal como definido pelo historiador inglês Edward Thompson.
Introdução A história do carnaval e do samba de São Paulo começou a ser narrada há relativamente pouco tempo: até a década de 1990, eram poucos os estudos disponíveis, encontrados em fontes bastante dispersas e poucos trabalhos sistemáticos. Nesse período, contudo, uma série de empreendimentos dedicados à construção dessa história já se achavam em andamento. Como resultado, o último decênio tem sido caracterizado pela constituição de uma vasta bibliografia sobre o tema, com significativa contribuição de trabalhos acadêmicos de grande fôlego no que se refere à pesquisa documental, e importantes contribuições teóricas e metodológicas. Em muitos desses trabalhos, a oficialização do carnaval paulistano em 1968, que deflagra o processo de transformação dos últimos cordões carnavalescos em escolas de samba e a formação de numerosas outras escolas de samba ao longo da década de 1970 e desde então, é tomado como um ponto de inflexão na história do samba paulista. O ponto sensível é a adoção do “modelo carioca” nos estatutos das próprias agremiações, nos critérios de julgamento das escolas nos desfiles e disputa pelo título do carnaval, e até nos aspectos propriamente musicais do samba aqui praticado. Há, porém, um aspecto ativo da parte desses sambistas nessa adoção, que deve ser considerado com maior cuidado. Não se deve creditar esse processo formativo meramente a uma questão de “influência” de um tipo de samba sobre outro, e menos ainda entendê-lo como um processo “inevitável” ou “necessário”. Da mesma forma, objeções devem ser feitas à interpretação segundo a qual o carnaval paulista e paulistano foi uma criação “de cima para baixo”, como afirmam Maria Apparecida Urbano (2005) e Wilson Rodrigues de Moraes (1977). Tal interpretação tende a sobrevalorizar o fato de que, tanto na criação do primeiro desfile carnavalesco de São Paulo (ainda em 1935/6, na gestão de Fábio Prado) quanto na oficialização dos desfiles das escolas de samba (em 1968, gestão do prefeito Faria