AVANCA | CINEMA 2015
O carnavalesco como habilidade cinematográfica Um mapeamento da montagem de imagens e imaginários brasileiros Patrícia D’ Abreu Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Andréa Estevão Universidade Estácio de Sá, Brasil Jorge Sápia IBMR, Brasil
Abstract The carnaval spirit and its makeup can be used as an analytical scope for the study of the language and aesthetics of three genres of Brazilian Cinema. These genres are: Documentary and memory filmmaking, as seen in the recordings of carnaval parades done in early Brazilian film history and in films portraying current street carnaval festivities; the chanchadas and Brazilian cinematic parodies of hollywood musicals; the works of the Cinema Novo film movement and its debate on authorship and identity. The present paper uses the very constitutive elements of film editing (i.e. technique, skill and art) as an analogy for Brazil’s practice of editing imaginaries. This analysis leads to the recognition of the Carnaval spirit as a filmmaking skill, and it shed light into the tensions and mediations between technique and tradition. In this work, we study Carnaval and the Carnaval spirit through Oswald de Andrade’s modernist notion of anthropophagi (also it’s reviewed version by the Tropicalists), and Bakhtin’s concept of Carnavalização (carnavalization). Keywords:Brazilian film-making, Carnaval, Imaginary, Editing, Aesthetics.
“Nunca fomos catequizados” Em 1924, Oswald de Andrade, figura central do movimento modernista, publica, no Correio da Manhã, o Manifesto da Poesia Pau-Brasil. O Manifesto enfatiza a necessidade de ir ao encontro das manifestações da cultura popular como forma de superar as tradições bacharelescas, passadistas, herdadas do Império. Se insurge contra a erudição e a cópia e propõe a redescoberta do Brasil “pela invenção e pela surpresa”. Para Nicolau Sevcenko, existia a ideia de missão a orientar o trabalho de uma intelligentsia brasileira que, na belle époque, reivindicava como projeto a necessidade de acabar com o passado colonial e se esforçava para acelerar e celebrar a chegada de um processo civilizatório alinhado aos padrões economia europeia fortemente identificado com a sociedade parisiense. Em uma precisa síntese, Sevcenko mostra que a transformação produzida na cidade do Rio de Janeiro na gestão do prefeito Pereira Passos foi orientada por quatro princípios fundamentais:
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A condenação dos hábitos e costumes ligados pela memória tradicional; a negação de todo e qualquer elemento de cultura popular que pudesse macular a imagem civilizada da sociedade dominante; uma política rigorosa de expulsão dos grupos populares da área central da cidade, que será praticamente isolada para desfrute exclusivo das camadas aburguesadas; e um cosmopolitismo agressivo, profundamente identificado com a vida parisiense.1
Esse processo regenerador que contaminou diversas instâncias sociais se faz presente no universo do carnaval. Será a partir de 1855, data do primeiro desfile do Congresso das Summidades Carnavalescas, “quem tem início um longo percurso de lutas pela dominação do espaço/poder do carnaval”,2 que culminou, na virada do século, pelo esvaziamento do Entrudo e de outras manifestações populares pela via da entronização de um novo discurso carnavalesco ”que desvinculasse o País da imagem bárbara e inculta, associada às práticas africanas e aos rudes costumes portugueses” 3 Certamente, não é simples coincidência que Oswald se referirá ao Carnaval no Rio como “o acontecimento religioso da raça Pau Brasil”4. Valorizando as sonoridades de raízes afrobrasileiras, como as congadas e tambores - que já tinham sido incorporados pelo maestro Villa-Lobos na sua orquestra -, constata, na sequência, - algo que teria tirado o sono de Theodor Adorno - que “Wagner submerge ante os cordões de Botafogo. Bárbaro e nosso”. Recupera esta imagem no Manifesto Antropofágico, publicado em 1928: “Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval”5. Renovação e inversão presente, portanto, na festa do carnaval de rua e no ritual antropofágico, entendido como metáfora de apropriação cultural do colonizador e como projeção de uma identidade nacional em construção. Parece até uma reminiscência da experiência que Mário de Andrade tivera como folião no Carnaval de 1923, relatada em carta ao poeta de Carnaval, Manuel Bandeira. Mario, macunaímicamente arrebatado pela força inebriante da festa, mergulha de corpo e alma na folia, “sem comprar um lança-perfume, uma rodela de confete, um rolo de serpentina, divertime 4 noites inteiras e o que dos dias me sobrou do sono merecido”6. De volta à Paulicéia desvairada, transformado pela experiência da folia, uma vez superada a primeira leitura etnocêntrica - como ele próprio revela: “Acreditei não suportar um dia a funçanata chula, bunda e tupinambá. Cafraria