Pai do prazer, filho da dor : a invenção do samba em sambas de 1930 a 1945

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

PAI DO PRAZER, FILHO DA DOR: A INVENÇÃO DO SAMBA EM SAMBAS DE 1930 A 1945

Denise Adôrno de Britto Guimarães

2016


PAI DO PRAZER, FILHO DA DOR: A INVENÇÃO DO SAMBA EM SAMBAS DE 1930 A 1945

Denise Adôrno de Britto Guimarães

Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-graduação em História Social do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de mestre em História Social. Linha de pesquisa: Sociedade e Cultura Orientador: Andrea Casanova Maia

RIO DE JANEIRO 2016




“O ritmo caracteriza um povo. Quando o homem primitivo quis se acompanhar, bateu palmas. As mãos

foram,

portanto,

um

dos

primeiros

instrumentos musicais. Mas como a humanidade é folgada e não quer se machucar, começou a sacrificar os animais, para tirar o couro. Surgiu o pandeiro. E veio o samba. E surgiu o brasileiro, povo que lê música com mais velocidade do que qualquer outro no mundo, porque já nasce se mexendo muito, com ritmo, agitadinho, e depois vira capoeira até no enxergar.”

Ernesto Joaquim Maria dos Santos (Donga)


RESUMO

Esta pesquisa tem como tema a construção de identidade do samba e do personagem sambista na cidade do Rio de Janeiro entre os anos de 1930 e 1945, a partir dos elementos simbólicos mobilizados nas representações dos próprios sambas. Ao analisar as canções constatou-se que o tema mais abordado ao longo de todo o período, independentemente das origens ou posições sociais dos compositores e intérpretes ou, ainda, das posições por eles ocupadas na indústria musical, era o próprio samba, sob as mesmas perspectivas. O trabalho analisa os aspectos mais significativos da identificação do samba construída pelo cancioneiro (o personagem que o representava, o local e o tempo de origem e tudo aquilo que supostamente se opunha a ele) levando em consideração os contextos social, político e comercial ao qual o gênero e os artistas populares estavam inseridos.

ABSTRACT

This research theme is the construction of samba's identity and its character in the city of Rio de Janeiro between 1930 and 1945, from the symbolic elements mobilized by representations of samba songs themselves. By analyzing those songs it has been found that the most discussed topic throughout that period, regardless of social background or positions of the composers and performers, or even the positions they occupied in the music industry, was samba itself, under the same prospects. The paper analyzes the most significant aspects of samba identification built by songbook (the character that represented the place and time of origin and all that supposedly opposed to it, considering the social, political and commercial in which this gender and its popular artists were inserted.


AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Carlos e Terezinha, agradeço o apoio e a dedicação em todos os momentos da minha vida. Agradeço a confiança que sempre tiveram de que os meus planos e sonhos, por mais irrealizáveis que pudessem parecer, seriam concretizados. A eles preciso agradecer ainda por me darem o que, neste ponto, talvez seja o fator mais importante: o gosto pela música popular brasileira. Foi em casa que conheci o samba, a MPB e grande parte dos nomes e das melodias que preenchem esta história. À Andrea, minha orientadora, agradeço por todos os diálogos e conselhos destes últimos anos. As inseguranças e as dúvidas intermináveis de jovens pesquisadores como eu requerem, acima de tudo, a paciência, a sabedoria e a experiência de orientadores como Andrea. Preciso agradecer ainda a amizade que sempre marcou nossa relação de orientação e ajudou a delinear os anos de mestrado como os melhores que já vivi. Ao professor Marcos Bretas, agradeço imensamente por todos os diálogos sobre samba, Rio de Janeiro e História. Sem os livros emprestados e os caminhos sugeridos desde os meus primeiros dias como aluna da pós-graduação, certamente este trabalho não teria sido realizado. Agradeço também ao professor Antônio Edmilson Rodrigues que, na ocasião da minha banca de qualificação, fez sugestões imprescindíveis. Aos funcionários e à coordenação do PPGHIS agradeço por todo o apoio prestado durante minha passagem pelo mestrado. Aos professores e aos colegas da pósgraduação, agradeço a oportunidade de tantos aprendizados. Ao CCBB e à UERJ, minhas casas em tantas manhãs e tardes de biblioteca. Não poderia deixar de mencionar duas amigas especiais a quem devo boa parte da realização deste trabalho. À Nathalia, agradeço a companhia, a paciência e a amizade durante todos os meses de pesquisa. Estudar samba sem ir ao samba seria uma lástima e as rodas do Rio de Janeiro bem sabem como sempre nos esforçamos para acompanhalas. À Mariana, agradeço, antes de mais nada, por toda a confiança e entusiasmo que sempre teve neste trabalho. Do primeiro dia, quando a pesquisa era apenas uma ideia


nebulosa, ao último ponto final, a amizade, a companhia e o interesse de Mariana sempre foram uma fonte de força e inspiração. Não deve ter sido fácil cumprir a missão ingrata que coube a Nathalia e Mariana: me ouvir falando sobre as descobertas da pesquisa, os resultados e as canções diariamente, por horas seguidas. Resistiram bravamente! E talvez não saibam como os diálogos (ou monólogos) foram importantes para organizar as ideias, antes que elas chegassem ao papel. Ao Daniel e à tia Rita faço um agradecimento especial que, certamente, não estará próximo de tudo o que tenho a agradecer. O apoio e a amizade do dia em que me mudei para o Rio de Janeiro ao dia em que me mudei do Rio de Janeiro foram fundamentais não apenas para a realização do mestrado, mas para meu crescimento pessoal. Ao Daniel, agradeço ainda à amizade anterior, de quando nossa casa ainda era a UnB e começávamos a caminhar juntos na vida adulta e acadêmica sem imaginar tudo o que ainda viveríamos no Rio. Ao Marcos – o Batata – tenho tanto a agradecer que se detalhasse os agradecimentos talvez esta seção superasse, em páginas, o trabalho em si. Agradeço ainda aos amigos do Rio de Janeiro por terem me acolhido e me apresentado, como experiência, o maravilhoso mundo do samba. Aos amigos de Goiânia e Brasília, agradeço a amizade preservada mesmo com a distância e as ausências. À família, agradeço o apoio e a confiança que sempre depositaram nos passos que escolhi trilhar.


SUMÁRIO

Lista de siglas e abreviaturas .......................................................................................10 Introdução – O samba ainda vai nascer.......................................................................11 Capítulo 1 – Salve o prazer!..........................................................................................22 1) Pra fazer o nosso samba ............................................................................................28 2) Não era assim .............................................................................................................44 3) Tocava por prazer, não tocava por dinheiro..............................................................50 4) Brasil, esquentai vossos pandeiros ............................................................................63 Capítulo 2 – O samba vem de lá (alegria também) ......................................................71 1) Cidade Maravilhosa ...................................................................................................73 2) Berço do samba e das lindas canções ........................................................................79 3) Onde o samba não se faz ............................................................................................97 4) A polícia não consente .............................................................................................109 Capítulo 3 – Inimigo do samba....................................................................................121 1) Amélia que era a mulher de verdade .......................................................................127 2) Inimigo do batente ....................................................................................................143 3) Vida melhor não há ..................................................................................................151 4) Antigamente eu não tinha juízo ................................................................................161 Considerações finais – O samba não vai morrer .......................................................173 Fontes ...........................................................................................................................176 Referências Bibliográficas..........................................................................................196


LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABAC

Associação Brasileira de Compositores e Autores

DIP

Departamento de Imprensa e Propaganda

SBAT

Sociedade Brasileira de Autores Teatrais

UBC

União Brasileira dos Compositores

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INTRODUÇÃO O samba ainda vai nascer

O baiano Dorival Caymmi já dizia, em 1940, que “Quem não gosta de samba / bom sujeito não é / é ruim da cabeça ou doente do pé”1. Embora falasse do samba de sua terra em uma terra que já era a “terra do samba”, Caymmi consagrou com esses versos a ideia de que “é preciso gostar de samba” já anunciada pelos bambas cariocas desde o começo do século passado. A necessidade de “gostar de samba” ou de “fazer samba” era, aliás, um dos assuntos prediletos dos compositores desses primeiros tempos. Falava-se muito no amor, nas esperanças, nas desilusões e nos romances acabados, como também se falava muito da mulher – a inspiração ou a causadora dos sofrimentos. Porém, ainda nessas temáticas, o assunto mesmo era o próprio samba: o amor cantado quase sempre era o „amor do sambista‟ enquanto a mulher fazia as vezes de mulher „do sambista‟ ou de mulher „do samba‟. Como um personagem de suas próprias canções, o samba construía as características que o identificariam de então até um século após seu surgimento oficial (em 1916). Era através da persistente autorreferência que o samba repetia em inúmeras canções a história que queria contar de si: onde e quando surgiu, o que foi preciso conquistar para que ele chegasse onde chegou, quais “inimigos” precisou vencer. Falando de si, as canções definiam até mesmo os parâmetros de legitimidade do verdadeiro samba dizendo como era, de quem era e a quem não pertencia (ou quem não lhe pertencia). Mesmo quando as canções não se referiam propriamente ao gênero musical percebe-se que as referências são as mesmas e estão sempre circunscritas a um restrito universo estruturado a partir dele, algo como um mundo próprio e imaginário do samba, construído continuamente pelas canções ao lhe atribuírem sempre os mesmos significados.

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As referências das canções citadas serão sempre dadas no rodapé da página com o seguinte ordenamento de informações: “Título” (Autor), Intérprete. Formato, Gravadora, Ano de gravação. Neste caso, “Samba da minha terra” (Dorival Caymmi), Bando da Lua. 78 rpm, Columbia, 1940.

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Pensar “os sambistas” como uma categoria ou grupo social específico neste período é um tanto quanto impreciso. O que havia em comum entre os diversos agentes que recebiam a alcunha era a relação com o gênero musical. O fator complicador era que essa relação podia se dar em níveis variados. Era sambista um compositor ou intérprete de samba, mas era sambista também aquele que frequentava os encontros onde se tocava samba, os indivíduos que dançavam a dança específica do ritmo samba e, ainda, aqueles que ouviam sambas em discos ou rádio. Em cada categoria específica (dos produtores e dos consumidores) havia distinções sociais profundas, de modo que pouco se pode definir sobre o perfil de um “sambista” no Rio de Janeiro de meados do século XX. Em relação aos produtores, especialmente os compositores, o que se percebe é que, para além das muitas diferenciações sociais e artísticas, eles mobilizavam os mesmos elementos simbólicos para dar sentido ao samba e representar as estruturas deste mundo particular. O próprio sambista, a despeito de todas as variáveis deste “grupo”, quando cantado nas letras das canções era um personagem com características bem definidas e comuns às representações compostas por sambistas que, por sua vez, em muito ou em nada se assemelhavam a ele – o personagem imaginário. O samba sempre foi cantado em sambas como sendo o grande prazer e a maior qualidade do brasileiro. Era também um gênero / encontro / conjunto de comportamentos / espaço relacional ao qual não se podia resistir. O sambista, um ser “superior”, era dotado de características sublimes, valores e preceitos morais próprios e incomparáveis aos dos “maus sujeitos” – aqueles que não gostam de samba. O sambista era esperto, sabia aproveitar e ganhar a vida. Sabia se portar no mundo e era reconhecido por ter produzido o que nele havia de melhor, o samba. Por outro lado, toda a força e superioridade do samba pareciam ser superficiais, frágeis e facilmente superáveis. Uma das representações mais presentes do samba em todo este século de existência para a indústria foi a da posição de vítima de perseguição. Constantemente ameaçado, o samba poderia morrer ou acabar a qualquer momento. Era preciso que alguém – o bom sujeito, o sambista – o defendesse, afinal, sendo o samba o que era, com ele morto as consequências seriam terríveis: acabava-se a alegria, a esperteza, a razão de viver, quiçá o próprio Brasil. E era neste movimento de defesa, de construção contínua do samba (enquanto um mundo imaginário) que o sambista retomava a sua força e o seu valor. Para começarmos a entender as nuances e contradições que marcaram a estruturação do samba e a emergência de um universo sambista cantado, 12


paralelo à dinâmica de produtores, compositores e consumidores de samba, o ponto de partida será precisamente essa condição “imaginária” que o caracteriza. Nas últimas décadas o “imaginário” se destaca como tema fundamental aos estudos das diversas áreas das Ciências Humanas interessadas nas possíveis relações entre a cultura, as subjetividades, o indivíduo, o coletivo e a sociedade. A interdisciplinaridade com a qual o termo é tratado fez com que diferentes abordagens, problemas e questionamentos fossem levantados, levando a “noções” distintas sobre o seu entendimento. No campo da História, as aproximações com a Antropologia e a Sociologia levaram à ampliação dos entendimentos do que seriam a “cultura” e as “práticas culturais”, em abordagens que tradicionalmente seriam exclusivas da política ou do social. Com o alargamento do cultural e, de certo modo, das subjetividades dos agentes históricos, a cultura passa a ocupar um lugar relativamente autônomo na produção de sentidos. De modo geral, o entendimento do que seria o imaginário passa por duas questões fundamentais: as representações e as relações com o mundo social. Mais do que uma ilusão ou as ideias vagas das “mentalidades”, o imaginário seria formado pelas construções mentais, individual ou coletivamente criadas, incessantemente elaboradas de modo a ver, explicar, dar sentido ou, ainda, construir, instituir o social. “Representar” o “mundo social”, deste modo, não é refletir a sua realidade, uma vez que as próprias barreiras que limitariam o que é o “real” e o que é “imaginário” seriam fluidas, não estando esses entendimentos em oposição. Real e imaginário, mal separados mesmo que para fins analíticos, estariam imbricados na formação do mundo social. Na esteira da associação entre o imaginário e o social em dinâmicas complexas de conformação da realidade, o historiador polonês Bronislaw Baczko 2 entende que, embora tanto o imaginário apresente uma conceptualização difusa quanto o social não lhe acrescente precisão, trata-se de uma representação da ordem social, “dos atores sociais e das suas relações recíprocas [...], bem como das instituições sociais, em particular as que dizem respeito ao exercício do poder, as imagens do chefe, etc.” (BACZKO: 1985, p. 309). Para o autor, a imaginação social é atividade global dos agentes sociais enquanto uma das forças reguladoras da vida coletiva. O imaginário seria, então, relacionado ao poder na medida em que, constituindo um campo de forças 2

BACKZO, Bronislaw. “A imaginação social”. In.: LEACH, Edmund. Anthropos-Homem. Lisboa, Imprensa Nacional / Casa da Moeda, 1985.

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e emergindo em situações-limites de toda e qualquer coletividade, legitimaria a ordenação social uma vez que “fizesse sentido” ao todo de indivíduos. Nas palavras de Baczko: através dos seus imaginários sociais, uma coletividade designa a sua identidade; elabora uma certa representação de si; estabelece a distribuição dos papéis e das posições sociais; exprime e impõe crenças comuns; constrói uma espécie de código de “bom comportamento”, designadamente através da instalação de modelos formadores tais como o do “chefe”, o “bom súdito”, o “guerreiro corajoso”, etc. [...] Porém, designar a identidade coletiva corresponde, do mesmo passo, a delimitar o seu “território” e as suas relações com o meio ambiente e, designadamente, com os “outros”; e corresponde ainda a formar imagens dos inimigos e dos amigos, rivais e aliados, etc. (Op. cit., p. 309)

A relação do imaginário com o mundo social ganha contornos ainda mais complexos nas reflexões de Cornelius Castoriadis 3 para quem, mais do que um legitimador da ordem social, o imaginário instituiria a sociedade. Para o filósofo grego, o imaginário não é apenas a “imagem de”, ou ainda a representação do “real”. Sendo uma criação social incessante e essencialmente indeterminada (ainda que apoiada em um aparato referencial pré-existente, é, sempre, uma formação nova, aberta e fluida, feita ao “se fazer” a si mesma) ele seria aquilo (tanto a “obra” quanto o “instrumento”) através do qual “se fala de”. A proposta conceitual do “imaginário radical” – uma imaginação produtiva e criadora – desloca o imaginário de um papel secundário para o cerne da conformação do social-histórico e, em certa medida, do próprio indivíduo. Esta inversão ontológica de Castoriadis pressupõe um imaginário social em movimento dinâmico de autocriação constante. Em relação ao real e à racionalidade, estes o seriam enquanto construções, nomeações e significações do imaginário coletivo. A coletividade (as sociedades ou quaisquer grupos sociais), para Castoriadis, é construída em si e por si mesma a partir de uma relação de “dizer-fazer” sociais, ou seja, com a nomeação e a conotação do que

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CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

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a define e do que define seus indivíduos em relação ao “nós” que ela forma. Ao se construir, o imaginário social significa e institui a sociedade. As reflexões de Baczko e, principalmente, de Castoriadis foram fundamentais na fase inicial desta pesquisa, quando o objeto de estudo era a Nação cantada em ritmo de samba. O interesse mais específico de então era a representação do nacional, ou a formação da Nação, no (e a partir do) cancioneiro popular. Deste modo, as relações estabelecidas entre o cultural e o político, o imaginário e o poder auxiliavam a compreensão da maneira como o samba trazia em suas letras questões e símbolos pertinentes à formação da nacionalidade brasileira. A perspectiva adotada pressupunha certa autonomia aos artistas de música popular bem como a suas obras na construção de sentidos. De fato, a Nação foi fartamente representada nos sambas de 1930 a 1945, sob diversas proposições. Os simbolismos trabalhados pelos ideólogos do nacional, por exemplo, estiveram presentes em uma grande quantidade de gravações, como estiveram também representações que ressignificavam os sentidos construídos por eles. Ainda que de modo limitado a especificidades (como o trabalhismo ou as questões raciais), algumas dessas representações foram analisadas em estudos de historiadores e antropólogos interessados nas relações estabelecidas entre o samba no início do século XX e a identidade nacional brasileira. De modo geral, a perspectiva adotada pelos estudiosos desse cancioneiro passa sempre pela relação com o nacional e o Estado. Embora este tipo de análise não esteja esgotado – as diferentes representações do Estado-Nação a partir das canções, por exemplo, ainda não foram suficientemente estudadas – o foco desta pesquisa foi alterado conforme a análise das fontes avançava e uma característica fundamental se sobressaía: a construção dos sentidos do próprio samba. O que passou a se tornar evidente com a análise de canções de diferentes compositores, intérpretes e gravadoras neste mesmo período era que, mesmo ao se referir às questões nacionais, os sambas estavam falando do nacional em relação ao samba, ou seja, estavam quase sempre falando de si mesmo fosse qual fosse o tema abordado na letra da canção. Antes de darmos prosseguimento, é preciso ter em conta que para a realização deste trabalho foi necessário escutar, reescutar e analisar centenas, talvez milhares, de

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canções4 tanto do meu acervo pessoal quanto das disponibilizadas pelo Instituto Moreira Salles do acervo dos pesquisadores José Ramos Tinhorão e Humberto Franceschi 5. À princípio elas tinham em comum o fato de terem sido gravadas pela primeira vez em discos de 78 rotações por minuto (78 rpm) entre os anos de 1930 e 1945, em sua grande maioria na cidade do Rio de Janeiro, sob a classificação de samba ou gêneros correlatos. A primeira dificuldade encontrada foi selecionar, entre tantas, as canções que fariam parte do corpus da pesquisa. De início, havia a ponderação de que a escolha por compositor ou intérprete seria incapaz de dar conta das questões propostas, afinal, o que interessava tanto quando o objetivo era pensar as representações da Nação quanto quando passou a ser as definições do próprio samba, eram a polifonia das temáticas, a coletividade e as significações repetidas em situações distintas. Deste modo, as canções passaram a ser selecionadas de acordo com as problemáticas levantadas no trabalho. Ao final estão referenciadas 339 músicas mobilizadas diretamente para a busca pelo entendimento do samba nas representações nelas contidas. Outras tantas, neste mesmo período, falaram de samba também, portanto não há aqui um encerramento da questão, mas o que se verá ao longo dos capítulos é que em toda a amostragem referenciada, variada e bastante representativa do cancioneiro no período, o samba foi representado de maneira muito similar. Com as transformações que a análise das fontes ocasionou no direcionamento da pesquisa o maior interesse passou a ser a construção identitária, imaginária do samba. O recorte temporal que à princípio se devia às relações com a formação do Estado-Nação varguista6 permaneceu o mesmo não apenas em função da relação com o

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A escuta atenta dessas canções se iniciou antes mesmo que o projeto desta pesquisa fosse concebido, vindo desde meados do meu curso de graduação na Universidade de Brasília quando participei de um projeto de Iniciação Científica sobre a vida e a obra de Noel Rosa, no ano de 2010. Após este projeto, entre os anos de 2012 e 2013, meu Trabalho de Conclusão de Curso sobre a canção brasileira do século XIX ao XXI deu prosseguimento à busca e escuta de alguns dos sambas que compõem este estudo. 5

As canções trabalhadas foram digitalizadas pelo Instituto Moreira Salles e podem ser escutadas no endereço eletrônico http://acervo.ims.com.br/ fazendo a busca com os dados fornecidos nas referências. 6

A proposta inicial de analisar as representações do Brasil nos sambas tinha como ponto fundamental a comparação entre os períodos de 1930 a 1937 e o Estado Novo, uma vez que a historiografia que trata das relações entre o cancioneiro e a questão nacional tende a considerar os dois momentos como opostos para o conteúdo das canções. Um dos pontos defendidos ao início da pesquisa e que, de certo modo, ainda permanece no estágio atual é que aumentando o espectro de compositores, intérpretes e gravadoras analisados essa cisão temporal não se confirma. Uma hipótese inicial que se pode tirar desta observação é que, de fato, o poder coercitivo estado-novista teve uma influência limitada sobre o discurso das canções.

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oficial, mas também porque este período corresponde à consolidação tanto da estruturação do samba quanto da indústria musical em larga escala no Brasil. Foi fundamentalmente neste período que os sambas cantaram suas origens, suas dificuldades, suas vitórias, enfim, a história que ele criava para si e que passaria a ser contada e cantada a partir de então. As disputas iniciais que poderiam apontar versões diferentes, outras memórias, foram vencidas ainda nesses anos. E foram tanto essas disputas no domínio mais específico do social-histórico quanto as formações discursivas nas repetições das canções que se tornaram o interesse da pesquisa. Este trabalho trata, portanto, do que o samba disse sobre si mesmo, de como ele construiu sua memória e sua tradição, de como estabeleceu as relações que seus personagens desenvolveriam entre si e entre os outros. O aprofundamento desta análise reconfigurava, de certo modo, o entendimento das redes simbólicas e do imaginário associados às canções. Por um lado, se a Nação é uma instituição e ao tê-la como objeto eram fundamentais as reflexões sobre a relação do social-histórico com o simbólico, ou ainda, do imaginário com as relações de poder do mundo social, por outro, ao se considerar o “mundo” que o samba construía para si ou as identificações que as repetições cantadas em diferentes contextos propunham, a relação com o social se tornava ainda mais complexa. O mundo imaginário do samba ganhava autonomia na formação de sentidos embora ficasse cada vez mais evidente como suas relações com o social não eram tão somente explicativas, legitimadoras ou, ainda, atribuidoras de conteúdo, instituintes. Ainda que interiorizado, reelaborado e propagado até mesmo por aqueles que não pertenciam diretamente a ele, não configurou uma categoria ou uma instituição específica do mundo social. O que passava a ser necessário anunciar eram as capacidades (tanto do imaginário construído quanto dos agentes associados a ele) criadora e ativa, autogeradora, formadora de suas próprias dinâmicas e estruturas, afinal, era falando de si que o samba se inventava. Neste processo de alteração do objeto de estudo as reflexões mobilizadas pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu 7 a respeito das relações de poder que envolveriam a formação do simbólico passaram a ser fundamentais para o entendimento do imaginário e dos agentes como ativos tanto no processo de nomeação e formação quanto de posicionamento no mundo social. O que se percebia com a análise das canções era a 7

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1982, e BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 1989.

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criação de um universo próprio do samba que superava em tamanho e complexidade as canções individualmente analisadas, embora só se tornasse compreensível a partir da ponderação das relações de força, das tensões e contradições que o constituíam tanto no que tange ao conjunto das canções quanto aos agentes sociais e às instituições mobilizadas ao seu redor. Ainda que as referências do pensamento de Bourdieu (especialmente os conceitos campo e habitus) tenham sido importantes para orientar a busca pela gênese da identidade e do universo sambista no início do século XX a partir das tensões entre os indivíduos (os personagens imaginários que representavam essa identificação), não há aqui a pretensão de categorizar o mundo do samba como sendo exatamente um campo específico, de acordo com as definições do autor. É preciso salientar que questões como as disputas de poder entre “dominantes” e “dominados”, por exemplo, assumem um caráter particular em relação a este objeto uma vez que os tensionamentos fundamentais se dão entre as representações e não somente entre os agentes sociais delas produtores. Em outras palavras, as distinções sociais e os posicionamentos relativos à produção cultural (e mercadológica) do samba não corresponderam às posições de privilégio no universo cantado e não instituído do samba. Os capitais simbólicos em disputa para a conformação do mundo imaginário do sambista não tinham „valor‟ para o campo artístico ou, ainda, para o campo de produção cultural embora tenham sido exaustivamente disputados nas canções. O que se via, na realidade, era o contrário: quanto mais o agente social se identificava com o personagem exaltado, pior era o seu posicionamento na indústria musical e, de certo modo, na sociedade como um todo. Ainda assim, uma enorme quantidade de canções compostas e gravadas por sujeitos de diferentes origens e posições sociais, repetia as qualidades socialmente reprováveis como sendo dotadas de grande valor. Havia uma espécie de fala coletiva expressa nessas canções que não se fundamentava objetivamente em associação direta às questões do mundo social. A lógica representada nas canções, e que estruturava todo o mundo imaginário do samba, era herdada de canções anteriores que já contavam uma história, localizada em um tempo mítico ancestral, em que o samba e os seus personagens “já eram assim”. As repetições continuadas a confirmavam e, ao mesmo tempo, a construíam a partir da atribuição de novos elementos mobilizados em um mesmo sistema referencial 18


simbólico, muitas vezes relacionados em algum nível com os acontecimentos do mundo social. Essas relações começarão a ser trabalhadas já no primeiro capítulo, que trata da definição tanto do samba quanto do mundo do samba. Nele serão analisadas em um primeiro momento as representações mais gerais feitas pelo próprio cancioneiro, tendo como mote a canção Alegria8 de Assis Valente e Durval Maia, de cujo verso “Salve o prazer” se deu o nome à primeira parte e o significado mais abrangente do que seria o samba. O primeiro tópico, “Pra fazer o nosso samba” – em referência à canção 9 de Vicente Paiva e Luiz Peixoto –, dá início às discussões sobre a formação da indústria musical brasileira e do samba enquanto gênero musical. Em seguida, o tópico “Não era assim” – da canção homônima10 de Wilson Batista e Haroldo Lobo – tratará da primeira alteração significativa na estruturação do gênero, por volta do final dos anos 1920, e as consequências dessa mudança para o mercado de música e para a história que o samba estava criando para si. No tópico “Tocava por prazer, não tocava por dinheiro” – verso retirado de O Juca do pandeiro11 – as questões relativas ao mercado nos anos 1930 e na primeira metade da década de 1940 são melhor analisadas. Aqui, será trabalhado o posicionamento diferenciado que os artistas ocupavam na indústria musical, as questões de autoria e, principalmente, o processo de profissionalização do sambista. Fechando as representações gerais que o samba fazia de si, o último tópico do primeiro capítulo, “Brasil, esquentai vossos pandeiros” – verso de Brasil pandeiro12 –, fará um breve apanhado da questão nacional a partir das canções para, a partir de então, pensarmos as especificidades da identificação do samba e dos sambistas. O segundo capítulo, “O samba vem de lá (alegria também)” – um verso de Mangueira13 – trata das origens territoriais que o samba advogava para si. De início vemos como a associação com o Brasil apresentada ao final do capítulo anterior não era uma questão propriamente territorial e que, ao falar de localização, o samba se cantava

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“Alegria” (Assis Valente e Durval Maia), Orlando Silva. 78 rpm, Victor, 1937. “Pra fazer nosso samba” (Luiz Peixoto e Vicente Paiva), Dircinha Batista. 78 rpm, Continental, 1945. 10 “Não era assim” (Wilson Batista e Haroldo Lobo), Déo. 78 rpm, Continental, 1944. 11 “O Juca do pandeiro” (Wilson Batista e Augusto Garcez), Araci de Almeida. 78 rpm, Odeon, 1943. 12 “Brasil pandeiro” (Assis Valente), Anjos do Inferno. 78 rpm, Continental, 1941. 13 “Mangueira” (Assis Valente e Zequinha Reis), Bando da Lua. 78 rpm, Victor, 1935. 9

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fundamentalmente como sendo carioca. O primeiro tópico, “Cidade Maravilhosa”14, inicia a discussão a respeito dos projetos e processos de modernização da cidade do Rio de Janeiro, passando pela ocupação dos espaços urbanos que mais tarde seriam cantados como sendo as origens do gênero. Em “Berço do samba e das lindas canções” – ainda em referência à marcha Cidade Maravilhosa – as representações feitas pelo cancioneiro ganham destaque em uma espécie de roteiro cantado das origens do samba. Partindo do morro da Favela e chegando até o bairro de Deodoro, este tópico traz uma série de canções que exaltavam bairros e morros cariocas relacionando-os sempre ao samba e às significações que o samba dava a si, apresentadas no primeiro capítulo. O terceiro tópico, “Onde o samba não se faz” – verso retirado de Minha embaixada chegou15 –, se dedica às conflituosas relações mantidas, na canção e fora delas, entre o morro e a cidade. O último tópico, “A polícia não consente” – verso de Isso não se atura16 –, parte dessas relações conflituosas para analisar a perseguição e a repressão de que os sambas se diziam vítima. O terceiro e último capítulo, Inimigo do samba17, encerra a identificação do gênero dando luz às batalhas que o samba dizia enfrentar, a partir das relações estabelecidas com os outros, aqueles que não seriam parte do mundo do samba. O que se percebe de início é que os personagens do samba identificavam o seu oposto naquilo a que chamavam “sociedade” – o que incluía tanto os representantes das elites quanto a família, o trabalho e o “regenerado”. O primeiro tópico, “Amélia que era a mulher de verdade” – verso de Ai que saudades da Amélia18 – dá início às reflexões sobre a família e os lugares da mulher no samba. O tópico seguinte, Inimigo do batente19, dará prosseguimento à questão familiar agora pondo em evidência a perspectiva masculina e as questões do trabalho, em relação aos direitos e deveres da cidadania e, principalmente, a maneira como tudo isso era cantado ao longo do período.

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“Cidade maravilhosa” (André Filho), André Filho e Aurora Miranda. 78 rpm, Odeon, 1934. “Minha embaixada chegou” (Assis Valente), Carmen Miranda. 78 rpm, Victor, 1934. 16 “Isso não se atura” (Assis Valente), Carmen Miranda. 78 rpm, Columbia, 1941. 17 “Inimigo do samba” (Ataulfo Alves e Jorge de Castro), Orlando Silva. 78 rpm, Odeon, 1942. 18 “Ai! que saudades da Amélia” (Ataulfo Alves e Mário Lago), Ataulfo Alves. 78 rpm, Odeon, 1942. 19 “Inimigo do batente” (Wilson Batista e Germano Araújo), Dircinha Batista. 78 rpm, Odeon, 1939. 15

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O terceiro tópico, “Vida melhor não há” – verso de O que será de mim20– traz o contraponto: a malandragem. Nele será melhor analisada a definição da identidade do malandro e os significados da malandragem para o mundo do samba para então, no último tópico, tratarmos especificamente da regeneração. O tópico “Antigamente eu não tinha juízo” – verso retirado de O bonde São Januário21 – conclui a questão do Inimigo do samba a partir de uma análise da regeneração em duas frentes: a regeneração das temáticas do samba e a regeneração do samba enquanto significante.

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“O que será de mim” (Ismael Silva, Nilton Bastos e Francisco Alves), Mário Reis e Francisco Alves. 78 rpm, Odeon, 1931. 21 “O bonde São Januário” (Ataulfo Alves e Wilson Batista), Ciro Monteiro. 78 rpm, Victor, 1939.

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CAPÍTULO 1 Salve o prazer

Alegria, pra cantar a batucada As morenas vão sambar Quem samba tem alegria Minha gente era triste e amargurada E inventou a batucada Pra deixar de padecer Salve o prazer, salve o prazer Da tristeza não quero saber A tristeza me faz padecer Vou deixar a cruel nostalgia Vou fazer batucada de noite E de dia vou cantar Esperando a felicidade Para ver se eu vou melhorar Vou cantando, fingindo alegria Para a humanidade Não me ver chorar

Em 1937 o „cantor das multidões‟, Orlando Silva, gravou esses versos de Assis Valente em que o compositor baiano contava uma breve história da criação do samba. Lá, num tempo distante, uma gente triste e amargurada – a gente dele – “inventou a batucada / pra deixar de padecer” e, assim, não sendo possível desinventar a dor, inventava-se o prazer (ou uma expressão dele identificada e própria a esta gente). Assim como em Alegria22, essa maneira de cantar o que era ou de onde vinha o samba foi comum a muitas canções gravadas ao longo de todo o século XX que, direta ou

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“Alegria” (Assis Valente e Durval Maia), Orlando Silva. 78 rpm, Victor, 1937.

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indiretamente, construíram um conjunto de características (supostamente) capazes de defini-lo e identifica-lo. Nas primeiras décadas do século, quando o gênero ainda estava definindo sua estrutura musical, essa autorreferência é bastante evidente. Não é que o samba cantasse as questões dessa estruturação musical – embora o tenha feito em inúmeras canções – era mais do que isso, as canções – como a de Valente – diziam o que era o samba, quais eram as suas origens e quem se relacionava com ele. Diziam também como se davam as relações estabelecidas entre aqueles que eram e os que não eram do samba, como os sambistas deviam se portar e como reconhece-los, quais os valores por eles defendidos e de que maneira todo esse mundo estruturado com bases no samba se relacionava e se sobrepunha aos outros mundos. O significado mais amplo das representações que o samba dava a si mesmo era sempre o do prazer e da felicidade, algo como o (único) motivo pelo qual a vida valeria a pena. Em Não há23 de 1943, por exemplo, Heitor dos Prazeres fala do mundo do samba como um espaço formador do sambista, dando ao samba um sentido muito mais amplo do que aquele que caberia no conceito de gênero musical. Nesta canção, tanto o prazer quanto a própria vida estão associados ao mundo: “Eu hei de sambar / Enquanto vida eu tiver / O samba é o meu prazer / Eu não o deixarei / Haja o que houver / Foi no meio do samba que eu nasci / Foi no meio do samba que eu me criei / Neste mundo tudo eu aprendi”. O samba também era constantemente associado ao amor para que melhor fosse exaltada sua importância, como no caso do Samba da vida

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de Valfrido Silva.

Aqui “[...] o amor é a melodia / Que o coração compôs / Pra se cantar com alegria” e é também “sempre a razão de se viver” já que “Quem não sabe amar / Não conhece o prazer”. Na última estrofe surge a associação final a este amor enquanto razão de viver: “É como um samba / Que quando começa a agradar / Seja velho ou seja moço / Todo mundo quer cantar”. Os compositores Ari Monteiro e Peterpan também fizeram esta associação em Você e o samba25 gravado em 1945 pela cunhada de Peterpan, Emilinha Borba: Minha felicidade é o samba e você Você e o samba são a minha alegria 23

“Não há” (Heitor dos Prazeres), Carmen Costa. 78 rpm, Victor, 1943. “Samba da vida” (Valfrido Silva), Heloísa Helena. 78 rpm, Victor, 1937. 25 “Você e o samba” (Ari Monteiro e Peterpan), Emilinha Borba. 78 rpm, Continental, 1945. 24

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Juro pela Virgem Maria Se você me deixasse Se o samba acabasse Eu morria Eu não posso viver sem você Eu não posso viver sambar Se é pecado o que eu vou fazer Meu destino eu não posso mudar

Se nesta canção o samba e o amor tinham o mesmo peso, para a Cantora de samba26 não há dúvida de que sambar é mais valioso. Aqui, Linda Rodrigues dá voz à história da dona de um coração batuqueiro cuja sina era justamente cantar e o samba aparece mais uma vez como aquilo ao qual se estaria predestinado. Nem mesmo uma muamba27 seria capaz de mudar esta relação quase vital: “Não posso acreditar que haja muamba / Que faça com que eu abandone o samba / Se entre ele e o amor para viver eu tivesse que escolher / Ao samba daria meu corpo com todo o prazer”. A escolha da Cantora de samba é a única possível para quem tem um coração que já é do batuque. É como se o sambista nascesse assim, como se ele é quem fosse escolhido pelo samba e não tivesse alternativas a este mundo. E o coração seria, de fato, um determinante para a existência do samba e do sambista em muitas canções do período. A temática voltará a ser explorada em outros momentos deste trabalho, por ora é importante compreender que a inevitabilidade do samba era marcada pelo cancioneiro como em Roda de samba28 de 1944, gravada pelo Trio de Ouro, em que é o coração quem “[...] sempre diz / Que da roda de samba não sai”. Assim sendo, as “críticas” a este modo de vida – “Não adianta dizer / Que quem gosta de samba / Não sabe viver” – não afetavam a situação: “Obedeço a ordem do meu coração / Arrastando os tamancos na roda de samba / Levantando a poeira do chão”. O mesmo acontece em A voz do sangue29 de Valfrido Silva e Wilson Batista, gravada três anos antes por Newton

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“Cantora de samba” (Amado Régis), Linda Rodrigues. 78 rpm, Continental, 1945. Nas canções do período analisado a palavra muamba se refere a trabalhos ritualísticos de Umbanda ou Candomblé. O mesmo significado é associado também às palavras feitiço, despacho, mandinga e macumba em diversas canções. 28 “Roda de samba” (Sinval Silva), Trio de Ouro. 78 rpm, Odeon, 1944. 29 “A voz do sangue” (Wilson Batista e Valfrido Silva), Newton Teixeira e Orquestra Fon-fon. 78 rpm, Odeon, 1941. 27

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Teixeira. Aqui, mesmo que o sambista perceba alguma necessidade de transformar seu estilo de vida, quem dá as ordens também é o coração e o que ele ordena é sambar: Preciso mudar o meu ritmo de vida Mas não posso, o samba não quer me deixar Fico louco quando escuto um tamborim É a voz do sangue que fala dentro de mim Quando o coração ordena Não há quem possa evitar Ele manda na cabeça Mas os pés não pode controlar Eu sinto que a idade vem chegando Mas tenho que morrer sambando

Em O samba começou30, de Assis Valente, a morte também é uma possibilidade que precisa ser tratada com samba: “O samba começou / Sambar até o sol raiar / Amanhã não sei se viverei / É melhor agora aproveitar”. Nesta canção há ainda mais uma referência ao coração do sambista: “Coração que vive a se mexer / Sem saber que o samba tem pesar / Coração não deixe de bater / Coração não deixe de sambar”. O mesmo compositor também seria autor dos versos de Batuca no chão31 em que a necessidade do samba é cantada de outra maneira, associando-a ao prazer, mas lembrando também o “outro” lado: “Podem me deixar sem luz / Mas sem samba, não senhor / É o samba quem traduz / Meu prazer e minha dor”. As três canções de Valente mencionadas até aqui falaram do samba a partir desta dupla relação, entendo-o como o único caminho possível para a lida das dificuldades da vida. Esta mesma representação foi feita em outras canções do compositor sendo uma das principais características de toda sua obra – ao lado de certo “nacionalismo popular” – como se verá mais detalhadamente ao longo de todo este trabalho. Embora a associação feita por Valente seja sempre carregada da melancolia que lhe era peculiar 32, o samba mesmo estando em meio à dor aparece como o redentor,

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“O samba começou” (Assis Valente), Irmãs Pagãs. 78 rpm, Victor, 1937. “Batuca no chão” (Assis Valente), Ataulfo Alves. 78 rpm, Odeon, 1944. 32 Todas as informações biográficas do compositor foram retiradas de: JUNIOR, Gonçalo. Quem samba tem alegria: a vida e o tempo do compositor Assis Valente. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. 31

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o portador da felicidade ou, ainda, um “remédio” como em Sapateia no chão33, grande sucesso de 1936 (Batuca no chão foi uma “continuação” desta canção, trazendo tanto temática quanto versos similares): Sapateia no chão, levanta a poeira Sem pena, sem dó A poeira é a gente que sapateou Até virar pó A Dona Sociedade Foi pedir ao Pai de Santo Um remédio que livrasse Sua gente dos quebrantos E Pai João lhe receitou Um despacho de folia Obrigando todo mundo A batucar de noite e dia [...]

Mas Assis Valente não foi o único a falar do samba como um “remédio” ou “cura” para os problemas – ainda que fosse apenas momentânea já que “É no samba que a gente esquece a vida”34 –, esta representação se repetiu em diversas canções do período analisado. No caso de A roda do samba35, por exemplo, a dor aparecia justamente quando o samba chegava ao fim – “A roda do samba formou, eu entrei / A roda do samba animou, eu sambei / Quando a roda do samba acabou, eu chorei / Esperando outra roda de samba fiquei” – e para curá-la era preciso mais samba: “O samba é tudo o que eu gosto / Cantando samba eu aposto / Faço também quem é triste sambar”. Em Assobia um samba36 de Ary Barroso, o simples gesto parece ser a solução para todos os percalços: Para tudo neste mundo Há remédio e há muamba Se seu bote fracassou, meu senhor

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Sapateia no chão” (Assis Valente), Carmen Miranda. 78 rpm, Victor, 1936 “O Alberto bronqueou” (Wilson Batista e Haroldo Lobo), Araci de Almeida. 78 rpm, Odeon, 1945. 35 “A roda do samba” (Amado Régis e Marcílio Vieira), Odete Amaral. 78 rpm, Victor, 1938. 36 “Assobia um samba” (Ary Barroso), Linda Batista. 78 rpm, Victor, 1945. 34

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Assobia um samba, assobia Assobia um samba, assobia Se você contava certo Com a lua e ela nada Sabe o que deve fazer pra esquecer? Assobia um samba, assobia Assobia um samba, assobia A vida pra ser vivida Precisa muita atenção Não se pode desprezar A força do coração Mas, quando a coisa é demais Assobia um samba, assobia Assobia um samba, assobia [...]

Em algumas fontes analisadas é possível encontrar a identificação do samba na passagem da dor para o prazer acompanhada do reconhecimento de que a felicidade pode ser apenas uma “ilusão”, ou ainda, uma das características de seu mundo ideal, existindo apenas nessa dimensão. Mesmo nesses casos, o reconhecimento de que a felicidade não se estende para além do mundo imaginário faz com que as significações que acompanham o samba permaneçam sempre distantes de qualquer tristeza ou problemas. Assim, até mesmo uma “canção de amor” tendo por trás alguém que de fato nunca amou – como em Quem cantar meu samba37 – pode levar alegria, já que não é a realidade que alimenta o mundo do samba: Quem cantar meu samba Prova que é bom brasileiro Quem cantar meu samba Fica alegre o ano inteiro Quem ouvir meu samba Pensará que alguém Inspirou a alegria dessa melodia Que eu canto também

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“Quem cantar meu samba” (E. Frazão e Oduvaldo Lacerda), Orlando Silva. 78 rpm, Victor, 1941.

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Mas quem pensar, se engana Nunca tive amores Vivo de favores da ventura humana Eu não tenho alegrias Mas o que é que tem? Vou cantando também As minhas agonias Não interessam a ninguém

O samba como temática cantada em ritmo de samba era sempre associado ao mesmo conjunto de significações: alegria, felicidade, prazer e cura. E essas definições não se alteraram ao longo dos 15 anos que compreendem o recorte temporal deste trabalho em relação a compositores e intérpretes diferentes, com diferentes origens e posições sociais e, principalmente, com diferentes maneiras de se relacionar com o mercado de música e as instâncias legitimadoras da sociedade. Elas construíram o mundo ideal do samba que atravessou o século XX e ainda hoje está presente na maneira como popularmente se entende as origens e a evolução do gênero: pobre, negro, proibido, perseguido, porém vencedor, já que era superior às demais expressões culturais e falava a verdadeira língua nacional. Partindo destes elementos e do conjunto de significações que as canções se valiam para se referirem ao samba, este capítulo trabalhará com as características fundamentais que o definiam e com os pontos considerados necessários para que ele existisse. Aqui será definido “de qual” samba estamos falando tendo como referência o que dizem as canções e as análises historiográficas sobre as relações construídas com outros gêneros, com o mercado e parte dos contextos aos quais ele estava inserido. Pra fazer o nosso samba Algumas canções do período analisado sugeriram “ingredientes” necessários para se ter um samba de verdade. Carlos Galhardo, por exemplo, lançou em 1938 a Receita38 de um samba-canção composta por Ataulfo Alves e João Bastos Filho que, em linhas gerais, dizia ser necessário apenas “Um lápis, um pedaço de papel / Uma saudade cruel” e “Um coração cheio de paixão”. A partir daí, “Com esses quatro elementos 38

“Receita” (Ataulfo Alves e João Bastos Filho), Carlos Galhardo. 78 rpm, Victor, 1938.

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principais / Vêm as rimas quase sempre naturais / E juntamente vem suave melodia / Que a gente canta com cadência e harmonia”. Parece simples, o samba – em sua vertente mais voltada para o “amor” ou com a “dicção entoativa passional”, conforme formulação de Tatit 39 – não precisava de muito para surgir. Outras receitas foram dadas. No caso de Cuíca, pandeiro e tamborim40, Custódio Mesquita não se restringe ao samba-canção, mas também aposta na simplicidade: “Cuíca, pandeiro, tamborim / Violão, meu bem / Não preciso de mais nada [Juro que não] / Para fazer a marcação”. A explicação vem na estrofe seguinte dizendo que o samba surge com facilidade porque, mais uma vez, “[...] está formado / E bem formadinho / Dentro do meu coração”. Houve ainda receitas mais elaboradas que mobilizavam mais elementos formadores do mundo do samba, como a versão de Luiz Peixoto e Vicente Paiva 41: Pra fazer o nosso samba Pra fazer ele bem brasileiro É preciso que se vá buscar no morro O gingado da mulata A cadência do pandeiro Se houver ainda um bom tamborim Meu Deus, tenha pena de mim Ai, que miséria faz o ganzá Que lamento que o bumbo tem Que cadência que o pandeiro dá Que ronco a cuíca tem O omelê também, o afoxé também [...]

Aqui está claro que o “nosso” samba, aquele “bem brasileiro” precisa se remeter ao morro para buscar uma mulata e uma gama de instrumentos “essenciais” (nem todos coincidentes com os elencados por Custódio Mesquita): pandeiro, tamborim, bumbo, cuíca, omelê e afoxé. Mas, além disso, pra fazer o nosso samba era preciso mais: “Bota no samba ódio e ternura / Feitiço, ardor, paixão / Mistura tudo 39

TATIT, Luiz. O século da Canção. 2. ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008. “Cuíca, pandeiro e tamborim” (Custódio Mesquita), Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1936. 41 “Pra fazer nosso samba” (Luiz Peixoto e Vicente Paiva), Dircinha Batista. 78 rpm, Continental, 1945. 40

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depois me diga / Se o Santo „baixa‟ ou não”. De instrumentos a emoções, passando pelo morro, por feitiço e elementos da religiosidade afro-brasileira, a receita ainda incluiria a desenvoltura do negro no samba de breque e “um lindo final” bradando: “Viva o nosso Carnaval!”. As diferenças de “ingredientes” nas mais diversas “receitas” de samba remetem, muitas vezes, a disputas acerca da própria definição “do que é o samba” ou “de qual samba” se está falando. Ao contrário do que parece sugerir a memória cantada pelo mundo do samba, a origem e a consolidação do gênero não se deram “naturalmente” quando, dispondo de “um lápis e um pedaço de papel” inventou-se o prazer para aqueles nascidos na dor. Para que ele pudesse chegar onde chegou foi necessário ao menos o desenvolvimento das tecnologias de captação e reprodução sonora (primeiro mecânica e depois elétrica), um público consumidor, o fortalecimento do rádio e de uma elite política e intelectual voltada para a construção do povo brasileiro no mesmo espaço onde influências e experimentações musicais distintas davam origem ao novo gênero. Para se começar a pensar as disputas que estruturaram o samba que aqui fala de si mesmo, é preciso pensar as condições nas quais ele surgiu, ou ainda, o que de fato foi preciso Pra fazer o nosso samba. O retorno às condições de produção remonta ao final do século XIX quando um tcheco erradicado nos Estados Unidos se convenceu de que poderia fazer fortuna no Brasil. O ano era 1891 e o meio encontrado por Frederico Figner para ganhar dinheiro era a venda de fonógrafos e cilindros, recém-inventados por Thomas Edison, e que já apresentavam forte apelo comercial. Neste primeiro ano Fred Figner percorreu as regiões Norte e Nordeste vendendo seus produtos e fazendo pequenas apresentações públicas com as machinas fallantes, como eram chamadas à época – elas gravavam e reproduziam vozes em cilindros de cera e podem ser consideradas precursoras dos tocadores de discos – até se instalar definitivamente no Rio de Janeiro em 1892. Figner não foi o introdutor dos fonógrafos no Brasil (já que anos antes o próprio Thomas Edison havia apresentado seu invento à Corte e implantado um pequeno esquema de revenda também no Rio de Janeiro), mas foi a partir de suas lojas do Centro que o mercado de música brasileira deixou de ser restrito ao comércio de partituras e pequenas execuções em teatros e festas particulares. Tanto os fonógrafos e os cilindros, quanto máquinas importadas e artigos de eletricidade (como o telefone) eram vendidos por Figner na rua do Ouvidor, nº 116, até 30


1897 e, em seguida, na rua Uruguaiana, nº 24, até os primeiros anos do novo século. Entre as primeiras vendas por iniciativa de Thomas Edison e as da futura Casa Edison – de Figner, em homenagem ao inventor – a indústria de música em âmbito internacional passou a desenvolver novas tecnologias e a enfrentar disputas de patentes e direitos de comercializar os registros sonoros e as máquinas que o reproduziam42. A história do tino comercial de Fred Figner começa a nos interessar aqui, quando ainda nos primeiros anos de 1900 ele monta uma espécie de rede nacional para vender seus produtos com distribuição controlada pelo Rio de Janeiro, do Amazonas ao Rio Grande do Sul. À despeito da guerra comercial travada entre as empresas de registro sonoro, Figner se consolidava como o maior vendedor de gramofones, zonofones, grafofones, cilindros e chapas no Brasil e, a partir de 1903, a rede comercial começa a se estabilizar em função de suas estratégias de comunicação: “anúncio de jornal, envio de folhetos e catálogos pelo correio, e sobretudo com vendedores pracistas em quase todos os estados, atingindo as mais distantes localidades” (FRANCESCHI: 2002, p. 56). Ao mesmo tempo em que expandia a rede de distribuição, Figner dava os pontapés para a gravação de músicas no Brasil ao propor uma parceria à Gramophone Company para que os registros pudessem ser realizados com auxílio e supervisão de um especialista da empresa. Embora a proposta nunca tenha sido respondida, a concorrente da gravadora inglesa se atentou para o potencial comercial do país e propôs o que, de fato, deu início ao comércio de música brasileira: em carta datada de 17 de julho de 1901, o representante comercial Frederik Prescott oferecia a Figner em nome da International Zonophone Company um terço da patente dos discos duplos (gravados nos dois lados) no Brasil. Os outros dois terços ficaram com a Zonophone e com Napoleon Petit, o inventor desse tipo de disco43. A parceria com Prescott permitiu que em 1902 a Casa Edison lançasse o Catálogo que entraria para a história como o que continha a primeira gravação brasileira, o lundu Isto é bom do compositor Xisto Bahia. O processo não era simples. Para que os discos fossem vendidos era preciso que um especialista em gravações fosse de Berlim ao Rio de Janeiro e, nos estúdios de Figner, manipulasse os cilindros e os 42

Para as disputas entre as patentes internacionais VER: FRANCESCHI: op. cit., p. 76 a 89. As cartas desta negociação estão disponíveis em: CD-ROM Casa Edison e seu tempo, Documentos, Cartas Zonophone – F. M. Prescott, imagens 2 a 6. 43

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equipamentos de captação, enviasse os cilindros de cera já gravados com bastante cuidado (já que a cera podia derreter e comprometer a qualidade do produto) para a Alemanha em navio. Lá os discos seriam prensados em um laboratório da Zonophone e então chegariam à pequena loja da Rua do Ouvidor, nº 107, para serem vendidos em todo o país. O Catálogo de 1902 da Casa Edison foi produzido em pouco mais de um mês, contendo 228 gravações44 realizadas em um “puxadinho” de aproximadamente 5,5m x 8,5m aos fundos da loja, onde ficavam cantores, músicos – muitas vezes uma banda inteira como a Banda de Música do Corpo de Bombeiros – maestros e o especialista alemão. Mesmo nessas condições “o Rio de Janeiro foi o ponto de partida do processo de registro sonoro na América Latina e o Brasil, junto com a França e a Itália, um dos países pioneiros” (Ibidem, p. 87). Desde esse início, quando o processo ainda não era realizado totalmente em território nacional, a música brasileira já tinha destaque nos discos duplos uma vez que o acordo entre Figner e a Zonophone e, posteriormente, com a International Talking Machine – Odeon (fundada por Prescott em 1903) previa que os discos duplos comercializados tivessem os dois lados com música brasileira ou apenas um deles com gravações do catálogo internacional das gravadoras. Embora a parceria com Prescott e a rede comercial desenvolvida por Figner tenham transformado o mercado de música brasileira, a produção de discos era limitada a tiragens de 250 unidades. Só a partir de 1913, com a inauguração da Fábrica Odeon na Tijuca (numa parceria firmada entre Figner e a International Talking Machine – Odeon, já sem o comando de Prescott), os discos passaram a ser prensados no Brasil e puderam ser produzidos em maior escala, chegando a 600 unidades já nas primeiras tiragens. Com isso Fred Figner garantia os direitos exclusivos de gravação e distribuição do selo Odeon em todo o país. A essa altura, além desses direitos e da patente dos discos duplos, Figner tinha a concessão da etiqueta Fonotipia Company (cujos discos eram prensados em Londres até 1912 e depois passaram a ser feitos na fábrica da Tijuca), controlava a venda de quase todos os aparelhos de reprodução sonora, era o maior distribuidor dos discos estrangeiros Columbia e dos selos controlados pela Carl Lindstron.

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Sendo 81 cançonetas e lundus, 50 modinhas, 16 polcas, 14 discursos, nove valsas, sete dobrados, seis duetos, cinco tangos, cinco maxixes e quatro marchas.

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O domínio de Figner sobre a indústria musical brasileira era defendido arduamente. O fato de ele ser estrangeiro – em uma indústria marcada por embates internacionais – e ter fluência em cinco idiomas lhe garantia bons contatos com os investidores de fora, mas era o capital acumulado com o controle do mercado que lhe permitia enfrentar as investidas das grandes marcas. Uma dessas investidas aconteceu quando a Columbia tentou expandir seus negócios no país em um momento em que os aparelhos da marca eram grande sucesso e a empresa chegava a patrocinar eventos e premiações organizados pelas casas de música do Rio de Janeiro onde divulgava seus lançamentos. Mas em 1911 a Columbia estabeleceu nova condição para que o patrocínio continuasse: as firmas teriam de comprar no mínimo 100 aparelhos da marca, de todos os modelos, por ano. E havia ainda a intenção por parte da empresa de comprar os direitos autorais das composições brasileiras que pertenciam às editoras de música. Ou seja, com posse dos direitos de gravação e distribuição das músicas e um excedente dos reprodutores dos seus discos no mercado nacional, a Columbia ameaçava o controle da Casa Edison. A reação foi contada pelo próprio Fred Figner em suas memórias não publicadas porém recuperadas por Humberto Franceschi em A Casa Edison e seu tempo: “Tive notícia de que a Columbia estava tentando obter a exclusividade dos direitos autorais das diversas casas de música. Logo que soube disso, peguei uns cem contos, e fui de casa em casa, de todas as editoras de música e adquiri todos os seus direitos autorais e os que iam adquirir nos próximos 20 anos. Todos passaram recibo provisório comprometendo-se a fazer a cessão por escritura pública, o que de fato fizeram. Fui a São Paulo e lá adquiri os direitos só de uma das casas: Chiaparelli, se não me falha a memória.” (Apud FRANCESCHI, op. cit., p. 174)

A questão autoral no Brasil não tinha muito amparo legal neste momento abrindo brechas para que Figner não apenas comprasse os direitos que as editoras ainda nem haviam adquirido, como também garantisse seu direito de gravá-las em tecnologias que sequer haviam sido inventadas45. Todas as garantias legais estavam baseadas na Lei Medeiros e Albuquerque, publicada em 1º de agosto de 1898 sob o número 496, cuja 45

No contrato firmado entre Fred Figner e a editora Bevilacqua £ Cia em 29 de dezembro de 1911, por exemplo, o primeiro e o segundo parágrafo garantiam seu direito às composições que seriam adquiridas pela editora até dezembro de 1931, para gravar e “reproduzir por qualquer processo mecânico tais composições em disco, cilindros, fitas, cartões ou outras peças conhecidas ou por inventar de máquinas falantes”. VER: Ibidem, p. 175.

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previsão de garantias constitucionais ao direito autoral estava em pauta há mais de cinco anos, desde a promulgação da Constituição Federal de 1891 46. O Artigo 1º dizia que o “direito do autor” de qualquer obra literária, científica ou artística – brasileiro ou estrangeiro com domicílio no Brasil – era sobre a reprodução ou a autorização da reprodução do seu trabalho “pela publicação, tradução, representação, execução ou de qualquer outro modo”. O Artigo 2º definia as obras protegidas pela Lei que, para o que nos interessa, eram as “obras dramaticas, musicaes ou dramatico-musicaes, composições de musica com ou sem palavras [sic.]”, protegidas por 50 anos contados a partir da primeira publicação. E o Artigo 4º definia que os “direitos de autor são moveis, cessiveis e transmissiveis no todo ou em parte [sic.]”, embora a validade da cessão fosse de, no máximo, 30 anos, voltando então os direitos autorais ao autor da obra, conforme registrado na Biblioteca Nacional. O registro era, inclusive, condição indispensável para que houvesse de fato os “direitos do autor” e estava previsto no 13º artigo da Lei. No caso das obras musicais o registro ou os “direitos do autor” não previam diferença entre, por exemplo, os compositores de música e os letristas sendo a canção normalmente registrada com todos os autores indiscriminados. Entre a data em que a Lei Medeiros e Albuquerque foi sancionada pelo presidente Prudente de Moraes e o momento em que Fred Figner comprou os direitos exclusivos de composições que ainda não haviam sido compostas, a prática instituída no mercado musical brasileiro era a cessão dos direitos do autor para as editoras ou gravadoras de música que os utilizava como quisessem. Como a lei não regulamentava quaisquer regras quanto à remuneração, muitas obras eram “doadas” 47 e as que eram cedidas por dinheiro tinham valor estipulado normalmente em $100 (cem réis), $200 ou $300 por face do disco para os autores “médios” e até $500 por face para os já grandes artistas, como se vê nos contratos de Figner disponíveis nos CDs-ROM que acompanham a obra de Humberto Franceschi. Ao todo, cada música gravada normalmente rendia para os compositores “médios” entre Rs 20$000 (vinte mil réis) e Rs 75$000, cerca de Rs 10$000 para os músicos tidos como menos talentosos e até Rs 125$000 no caso das canções tidas como aposta de sucesso. 46

MANSO, Eduardo. Contratos de direito autoral. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1989; p 16 a 18. Apud. GALDEMAN, Henrique. O que você precisa saber sobre direitos autorais. Rio de Janeiro: Ed. Senac Nacional, 2004; p. 12 e 13. 47 FRANCESCHI, op. cit., p. 221.

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Para se ter noção do que esses valores representavam, Marc Hertzman fez em Making Samba48 quadros comparativos entre os ganhos com a música a partir dos contratos firmados por Figner que foram recuperados por Franceschi e o custo de vida estimado à época na cidade do Rio de Janeiro. Para começar, o levantamento de Hertzman mostra que em 1911 foram assinados (ou arquivados) 191 contratos com um total de 82 compositores, sendo que, destes, 47 assinaram apenas um contrato e 14 assinaram dois ao longo de todo o ano. Apenas dois compositores tiveram mais de dez contratos firmados em 1911. 71 contratos foram firmados para as canções tidas como menos valiosas já que previam pagamentos inferiores a 20$000, 81 especificaram valores entre 20$000 e 40$000 e apenas 18 contratos tratavam de montantes iguais ou superiores a 100$000. Em relação aos ganhos totais dos compositores, individualmente, os valores variaram em 1911 entre 10$000 e 480$000, sendo que dos 82 compositores arrolados, 41 ganharam em todo o ano até 39$000 e apenas 13 receberam 180$000 ou mais. Fred Figner, por sua vez, ganhou 700:000$000 (setecentos contos de réis, o mesmo que setecentos milhões de réis) apenas com a venda de discos entre 1911 e 1912. O custo de vida mensal estimado por cálculos da indústria têxtil em 1913 para um homem solteiro era de 110$000 enquanto que para uma família com duas crianças seria em torno de 210$000. Esses valores comparados aos ganhos dos compositores mostram que nas primeiras duas décadas do século XX nem mesmo os grandes sucessos conseguiam sobreviver com a música. Ainda assim, como aponta Hertzman, poucos compositores da Casa Edison viviam na pobreza o que leva a crer que muitos deles ou provinham de famílias que lhes amparavam financeiramente ou tinham nas composições um complemento aos rendimentos de outras atividades, já que os pagamentos à grande maioria dos trabalhadores formais da cidade tampouco representavam ganhos significativos e, quando muito, cobriam as despesas de subsistência: entre 1910 e 1913, o salário de um operário de fábrica, por exemplo, estava entre 50$000 e 104$000 e o de um policial ia de 120$000 a 200$000 mensais. A falta de informações biográficas sobre esses 82 compositores, até mesmo dos mais conhecidos como o Baiano e Eduardo das Neves, dificulta o entendimento do mercado de música no período, porém sabe-se que a maioria dos artistas – mas não todos – que gravavam no período era branca e mesmo os 48

HERTZMAN, Marc. Making samba: a new history of race and music in Brazil. London: Duke University Press, 2013.

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mais ricos se empenhavam em outras atividades musicais como tocar em bandas ou orquestras, apresentações em teatros, circos ou festas particulares e até mesmo vendendo outras composições para as rivais da Casa Edison. Para Hertzman, os contratos de Figner mostram que os maiores rendimentos eram destinados justamente aos artistas das elites do Rio de Janeiro, enquanto que os menos favorecidos tiveram contratos com os menores valores. Ou seja, neste início do processo de profissionalização do artista de música popular, não havia possibilidades reais de ascensão social através da música, não havia compositores sobrevivendo exclusivamente das gravações, mas havia um interesse crescente na área. Os fatos de que o valor pago pelas gravações complementava significativamente a renda de alguns e de que todos os músicos contratados pela Casa Edison também exerceram outras atividades musicais remuneradas, somados à transformação tecnológica que a indústria musical estava passando e às novas proteções legais, fazia com que essa profissionalização avançasse cada vez mais, embora tivesse suas limitações. Tanto o controle de Figner sobre as partes mais rentáveis do mercado de música quanto a falta de fiscalização da Lei 496, fazia com que, no fundo, quem ganhasse mesmo com tudo isso fosse Fred Figner e as patentes internacionais. A Lei Medeiros e Albuquerque ficou em vigor até 1916, quando o novo Código Civil passou a prever as questões de autoria no dispositivo “Da propriedade literária, científica e artística”, com os artigos 649 a 673, inspirados na lei anterior. A primeira grande diferença é a de que na Lei 496 a questão estava posta como “direitos do autor” e no Código Civil ela passa a ser tratada não mais na condição de direito, mas enquanto uma “propriedade”. Ou seja, a proteção legal não tinha como foco o autor e a defesa da autoria, mas o seu objeto, a propriedade intelectual fosse quem fosse o seu cessionário. Mas, apesar da mudança de perspectiva, a nova regulamentação previa que o autor deteria a posse de suas propriedades intelectuais (e, logo, seus direitos) por toda a sua vida. Havendo herdeiros ou cessionários a posse teria validade por um prazo máximo de 60 anos, sendo a obra, a partir de então, uma propriedade da União. No Artigo 655, as composições de música e letra são diferenciadas para o caso de a parte musical ser feita sobre um texto poético já existente e, para tanto, a composição podia ser executada, publicada ou cedida sem a autorização do autor do texto (que continuava

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tendo seus direitos sobre a parte escrita e deveria ser indenizado quanto às negociações referentes a sua obra musicada). A cessão dos direitos autorais permanecia assegurada, mas sem especificações quanto à remuneração, embora já houvesse a retificação de que a transferência não dava o direito de alterar a obra sem o consentimento do autor. Quando consentidas, as alterações, combinações ou variações feitas sobre composições musicais já registradas e com direitos autorais assegurados configuravam uma nova obra e novo autor seria o detentor de seus direitos. O Artigo 673 prescrevia que a segurança do direito autoral seria garantida com o depósito de duas cópias das obras reproduzidas para o registro na Biblioteca Nacional, no Instituto Nacional de Música ou na Escola Nacional de Belas Artes do Distrito Federal (deixando em aberto a interpretação de que o depósito seria o comprobatório do direito ou o que o assegurava, até nova alteração legal que sanasse a questão em 1973). A mudança na legislação não alterou a prática do mercado de música no Rio de Janeiro onde eram as gravadoras as cessionárias das composições, principalmente porque a partir de 1916 estava claro que a criação intelectual se tratava de uma propriedade, como tampouco trouxe mudanças significativas quanto à fiscalização do cumprimento das normas previstas. A falta de sanções específicas ou punições severas e a pouca importância que se dava à questão autoral tanto por parte das autoridades como dos envolvidos na indústria musical fazia com que, nem sempre, os direitos do autor fossem respeitados. A primeira entidade de criadores culturais organizada em relação aos direitos de autoria, a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT), data de 1917 e sua origem está supostamente atrelada a um desrespeito de Fred Figner aos direitos autorais de Chiquinha Gonzaga e da Casa Buschman £ Guimarães, cessionária de toda a obra da compositora. A história contada por Djalma Bittencourt em um artigo publicado na 317ª edição da Revista da SBAT diz que Chiquinha Gonzaga, em uma viagem à Alemanha, estava percorrendo as casas de música de Berlim quando viu composições suas editadas por lá e passou a questionar “quem havia autorizado”, concluindo que só poderia ter sido o Figner. De volta ao Brasil, Chiquinha e seu filho João Gonzaga, funcionário da Casa Buschman, foram reclamar os direitos à Casa Edison e, sem alternativas, Figner teve de indenizar tanto o „seu‟ Guimarães – dono da Casa Buschman e cessionário dos direitos da obra de Chiquinha, que não dera autorização à Casa Edison para reproduzi-la no exterior – quanto os Gonzaga. Embora os valores 37


arrolados na história pareçam ser pouco prováveis para o momento 49, o fato é que não havia muito o que impedisse casos como este. A partir deste acontecimento, ou de outros semelhantes, um grupo de compositores resolveu se unir para a defesa de suas propriedades intelectuais já que desde a virada de século não se tratava apenas da venda de partituras para piano e sim da reprodução, em escala industrial, de suas obras em um mercado cada vez maior e cada vez mais rentável – se não para os artistas, certamente para Fred Figner, as casas de música e as grandes marcas internacionais 50. Até aqui, a produção musical no país se dividia principalmente entre cançonetas, modinhas, lundus e maxixes. Samba mesmo, oficialmente, só surge quando o cantor Baiano grava na Casa Edison, sob o selo Odeon, o samba Pelo Telefone de Mauro de Almeida e Ernesto dos Santos, o Donga. Embora existam gravações anteriores cujo gênero identificado já era samba ou samba carnavalesco – como A viola está magoada51 de Catulo da Paixão Cearense, em que o samba já está, de certo modo, falando de si – é Pelo Telefone que entra para a história da música brasileira como o primeiro registrado nas dependências da Biblioteca Nacional sob o gênero samba, em 1916, conforme previa a lei. A polêmica que o registro de Donga causou já é velha conhecida e nos estudos que tratam do samba é sempre lembrada como tendo dado novas perspectivas à questão autoral entre os músicos cariocas e, concomitantemente, por ter localizado na comunidade negra carioca, vinda da Bahia, as origens do gênero. Pelo Telefone teria sido composta coletivamente nas reuniões musicais (e religiosas) que aconteciam na casa da Tia Ciata, localizada na Cidade Nova ao lado da Praça Onze, por onde circulavam artistas já conhecidos, políticos, intelectuais e os compositores que marcariam a história do samba nos anos seguintes52. De autoria coletiva ou exclusiva de Donga – o que, nas décadas seguintes, nem o próprio compositor reivindicava mais –, o fato é que para se gravar uma canção era preciso que a gravadora tivesse a posse dos

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Ibidem, p. 223 e 224. A mesma Chiquinha Gonzaga, em 7 de janeiro de 1913, já insinuava que a produção artística era extremamente rentável para a indústria da música da qual o artista parecia não ser parte. Em entrevista para a Gazeta de Notícias ela declarou: “Olhe o Figner só com um tango meu, em chapa, fez mais de trinta contos. E eu nada!”. Ibidem, p. 223. 51 “A viola está magoada” (Catulo da Paixão Cearense), Bahiano. 78 rpm, Odeon, 1914. 52 Sobre Pelo Telefone e a casa da Tia Ciata VER: CALDEIRA: 2007, p. 11 a 24; MOURA: 1983; SANDRONI: 2001, p. 100 a 142; SEVERIANO: 2008, p. 69 a 76; SODRÉ: 1998, p. 14 a 18; TINHORÃO: 1998, p. 275 a 281 e VIANNA: 2007, p. 112 a 114. 50

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direitos de reprodução e distribuição da obra, o que só era assegurado a partir do registro. Na sempre lembrada analogia de Sinhô, o samba como um “passarinho”, era “de quem pegasse primeiro”, ou mais especificamente, de quem primeiro levasse as cópias necessárias para as dependências da Biblioteca Nacional e efetuasse o registro. No caso de Pelo Telefone, quem pegou primeiro foi Donga e o jornalista Mauro de Almeida – supostamente responsável pela letra oficial da canção e cuja participação também renderia muitas especulações acerca da necessidade de haver um representante da elite intelectual branca da cidade para legitimar o compositor negro. Conta-se que na casa da Tia Ciata – e das outras tias baianas que também promoviam esses encontros musicais entre as imediações do centro do Rio de Janeiro e a região portuária, na “Pequena África” de Heitor dos Prazeres – tocava-se valsa, polca, modinha, tango, choro, lundu, chula, maxixe e os batuques religiosos do Candomblé. Ainda que retrospectivamente se faça uma divisão espacial “do que podia” e “do que não podia” tocar – estando, por exemplo, a valsa, a polca, a modinha e até mesmo o choro na sala de visitas enquanto o partido-alto ficava nos fundos da casa e as músicas religiosas marcadas pelos batuques africanos ocupavam os terreiros 53 – trata-se de um mesmo ambiente com o trânsito supostamente frequente dos mesmos personagens onde dificilmente não ocorreriam trocas e influências de um estilo para o outro. É a partir dessas misturas – vistas de perto por gente de diferenciadas origens e posições sociais, mas sob a batuta dos filhos das tias baianas – que se considera a (primeira) estruturação musical do gênero samba. Esse samba que se fazia entre amigos nos fundos da casa a partir da iniciativa de Donga passa a existir para o mercado e, portanto, a ter a possibilidade de render algum dinheiro. Quando Donga subiu as escadas da Biblioteca Nacional para registrar “sua” canção como um samba e, mais, quando vendeu seus direitos sobre ela para Fred Figner, já havia toda uma dinâmica industrial organizada em torno da música brasileira onde gêneros populares eram dominantes. O pioneirismo de Donga está justamente em fazer desta manifestação cultural de fundos de quintal, produzida e vivenciada coletivamente um gênero comercial (ou comercializável) cuja autoria passava a ser importante.

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Para as distribuições musicais nos espaços da casa da Tia Ciata (a “metáfora viva das posições de resistência” ou, ainda, “a economia semiótica da casa”) VER: SANDRONI: op. cit., p. 100 a 117; SODRÉ: op. cit., p. 15 e 16; TINHORÃO: op. cit., p. 274.

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A partir de seu feito algumas questões surgiram quanto à tradição e às origens do gênero. A primeira delas é a já mencionada autoria de Pelo Telefone, já a segunda trata das raízes mais profundas e não deixa de se relacionar com o pioneirismo de Donga: Pelo Telefone inaugurou um estilo ou ele sempre existiu?; só se faz samba de verdade nos terreiros das tias baianas ou é possível fazê-lo em discos?; já havia samba na Bahia ou ele nasceu no Rio de Janeiro? Muitas respostas já foram dadas às questões em diferentes perspectivas. O pesquisador Carlos Sandroni, por exemplo, faz um estudo etimológico da palavra samba relacionando seus diferentes usos na imprensa e na literatura desde o início do século XIX. A partir de seu levantamento temos que “samba”, “zamba”, “cemba” ou “semba” já eram relatados nas Américas e na África representando as danças dos negros organizadas em torno do gesto da umbigada. Sandroni as descreve da seguinte maneira: [...] todos os participantes formam uma roda. Um deles se destaca e vai para o centro, onde dança individualmente até escolher um participante do sexo oposto para substituí-lo (os dois podem executar uma coreografia – de par separado – antes que o primeiro se reintegre ao círculo). Todos os participantes batem palmas e repetem um curto refrão, em resposta ao canto improvisado de um solista. O acompanhamento instrumental é assegurado por membranofones como o pandeiro, idiofones como o prato-e-faca e mais raramente por cordofones, em especial a viola. A umbigada é o gesto pelo qual um dançarino designa aquele que irá substituí-lo. (Op. cit., p.85)

No Brasil, a umbigada seria o gesto característico de diferentes danças afrobrasileiras – como o coco, o samba, o lundu e o maxixe, fossem as diferenças apontadas por pesquisadores ou participantes – acompanhadas de batuque. Todas essas palavras faziam parte de um universo rural das regiões Norte e Nordeste, especialmente da Bahia, portanto estrangeiros à organização social da capital (ou estrangeiro à representação que ela gostaria de ter, como veremos no próximo capítulo). De acordo com Sandroni, os primeiros registros impressos da palavra samba são justamente de jornais da região Nordeste ainda no início do século XIX o que só ocorreria no Rio de Janeiro a partir dos anos 1870. Desde este primeiro momento, quando na literatura e na imprensa carioca começa a se falar de samba, as danças são apresentadas como uma cultura por um lado 40


relacionada à Bahia e, por outro, imersa em uma enorme variedade de estilos musicais, vindos de diferentes lugares como eram também os habitantes dos cortiços cariocas. Para Sandroni estas representações marcam a passagem que o samba faria do meio rural à cidade, da Bahia ao Rio de Janeiro e do indefinido e genérico samba ao samba gênero musical estruturado fruto de diferentes misturas, mas, ao mesmo tempo, símbolo da identidade nacional. Em História Social da Música Popular Brasileira 54 o pesquisador José Ramos Tinhorão detalha outra perspectiva desta questão ao fazer um longo levantamento dos gêneros musicais e expressões culturais que teriam influenciado a criação do samba, remontando ao final do século XVI e inícios do XVII com os estilos que chegavam ao Recôncavo Baiano – dos cantos e batuques das senzalas às cantigas dos salões – ou se formavam por lá até o século XIX – como as toadas sertanejas e os ranchos que festejavam o Carnaval. Tinhorão aponta o grande fluxo migratório da região do recôncavo para o Rio de Janeiro (a partir da década de 1870, mas principalmente no pós-Abolição) como tendo sido responsável também pelo deslocamento das manifestações culturais da Bahia. Uma vez na capital os migrantes baianos se reorganizariam culturalmente – agora em contato com grupos emigrados de outros estados nordestinos e da própria população pobre do Rio de Janeiro – agregando ao cotidiano da capital novas práticas musicais de origem rural. Neste cenário, as festividades do calendário anual logo foram tomadas pelos personagens e grupos organizados em torno de ritmos do Nordeste (como o boi, o reisado, o coco, os cordões e os ranchos), misturados aos afoxés, cumbias e embaixadas dos negros cariocas. Cada grupo tinha seu ritmo, sua forma de organizar a relação entre os participantes e estruturação musical e, aos poucos, um espaço nas comemorações de rua da cidade. Para Tinhorão o destaque da Bahia surge quando seus emigrados passam a exercer uma “liderança cultural espontânea” – dada sua superioridade numérica – ao organizar toda essa variedade musical que compartilhava os mesmos espaços e as mesmas datas festivas: as procissões natalinas que já ocorriam no Rio de Janeiro eram ainda muito próximas à de tradição ibérica, enquanto que a dos baianos já havia sido alterada com temáticas do meio rural então, diante deste cenário, aos poucos a liderança baiana reconhecida principalmente na figura de Hilário Jovino Ferreira (pernambucano 54

TINHORAO, José Ramos. História social da música popular brasileira. São Paulo: 34, 1998.

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de nascença, mas baiano de criação) transferiria os desfiles dos cordões e ranchos ao seu modo para o Carnaval, onde até então lideravam as expressões populares dos cariocas. A partir desta nova maneira de se festejar o Carnaval no Rio de Janeiro, influenciada pela tradição nordestina, os ritmos e musicalidades relacionados a ela – como a marcha, as chulas e o partido-alto – se desenvolveriam tanto nos ranchos e cordões quanto nos encontros musicais organizados pelos negros baianos que, através de cargos e patentes no funcionalismo público, já haviam alcançado melhor posicionamento social. Era o caso das tias baianas ou dos maridos delas, cujos encontros musicais de fato colocavam em contato musicalidades diferentes com artistas de origens e posições sociais distintas. Quase toda a primeira geração do samba – incluindo os descendentes diretos dos baianos como Pixinguinha, Donga, João da Bahiana e Heitor dos Prazeres e os cariocas Sinhô e Caninha – eram frequentadores regulares da casa da Tia Ciata. Não por acaso as polêmicas de Pelo Telefone e da questão entre a tradição rural baiana e a urbanidade carioca se passaram lá. Nas canções, esta questão ficou conhecida através da disputa entre Pixinguinha e Sinhô iniciada com a gravação de Quem são eles?55 – em que o segundo já começava a provocação dizendo que “A Bahia é boa terra / Ela lá e eu aqui” – curiosamente feita com interpretação do cantor Bahiano para o catálogo da Casa Edison. A resposta veio também em uma gravação de Bahiano para o samba carnavalesco Já te digo56 de Pixinguinha e seu irmão China, grande sucesso do Carnaval de 1919. Nesta canção, os filhos das baianas retrucam a questão de Quem são eles? mostrando que tinham recebido o recado: “Um sou eu / O outro eu não sei quem é”. E continuam provocando com mais agressividade o compositor que também reclamara a autoria de Pelo Telefone: “Você não sabe quem é ele / Pois eu vos digo / Ele é um cabra muito feio / Que fala sem receio / E não tem medo do perigo”. Embora em Já te digo Pixinguinha e China questionem a posição de Sinhô – “Ele fala do mundo inteiro / E já está avacalhado no Rio de Janeiro” – ele logo ganharia o título de “Rei do Samba”. A polêmica (dentre tantas que marcaram a carreira de Sinhô) foi sucesso nas festas de rua da cidade e é sempre lembrada por autores que se dedicam à história da música brasileira e, no que tange a relação entre os compositores envolvidos, todos eram parte da geração da casa

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“Quem são eles” (Sinhô), Bahiano. 78 rpm, Odeon, 1918. “Já te digo” (China e Pixinguinha), Bahiano. 78 rpm, Odeon, 1918.

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da Tia Ciata e eram figuras importantes para o mercado musical das primeiras décadas do século XX. Para o mundo do samba a Bahia seria sempre uma referência de tradição. As “baianas” ainda em 1933 se tornariam uma ala fixa nos desfiles das Escolas de Samba, Carmen Miranda seria a artista brasileira mais conhecida de todos os tempos explorando referências estéticas da Bahia e, além disso, o próprio cancioneiro jamais deixaria de cantar o estado como sendo uma de suas origens. No período analisado, encontra-se diversas canções com menções às baianas como personagens intrínsecas ao gênero e do estado como um espaço (e tempo) de saudade do samba, ou de certo samba. É o caso, por exemplo, de Cidade velha57, ETC58, Falsa baiana59, Baiana falsificada60, Capital do samba61, Me ensina a sambar62 e Deixa a baiana sambar63. Mas para a identificação musical do gênero, a influência baiana seria aos poucos substituída por um “novo jeito” de fazer samba nos anos 1920 que, a partir de 1930, passaria a ser “o jeito” de se fazer samba no Rio de Janeiro e logo assumiria as vezes da verdadeira tradição. A transformação, conforme diálogo de Carlos Sandroni64 com os pesquisadores Carlos Didier e João Máximo, seria uma mudança de pulsação a partir da adição de uma célula rítmica à marcação do samba. Com essa alteração, percebida “de ouvido” segundo Sérgio Cabral, o gênero ganharia velocidade e cadência, permitindo novas experiências de escuta e expressão corporal com um samba menos “amaxixado” e mais “marchado”. Os responsáveis por ela seriam os sambistas do bairro do Estácio de Sá (aos pés do morro do São Carlos), com destaque para Rubem Barcelos – o Mano Rubem –, seu irmão Alcebíades Barcelos – o Bide –, Ismael Silva, Silvio Fernandes – o Brancura – e Nilton Bastos.

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“Cidade velha” (Grande Otelo e Herivelto Martins), Dircinha Batista. 78 rpm, Odeon, 1942. “ETC” (Assis Valente), Carmen Miranda. 78 rpm, Victor, 1932. 59 “Falsa baiana” (Geraldo Pereira), Ciro Monteiro. 78 rpm, Victor, 1944. 60 “Baiana falsificada” (Herivelto Martins), Trio de Ouro. 78 rpm, Odeon, 1943. 61 “Capital do samba” (José Ramos), Gilberto Alves. 78 rpm, Odeon, 1942. 62 “Me ensina a samba” (Antônio Almeida e Afonso Scola), Anjos do Inferno. 78 rpm, Columbia, 1940. 63 Tanto “Deixa a baiana sambar” (Cesar Brasil e Manoel Ferreira), Dalva de Oliveira e Dupla Preto e Branco. 78 rpm, Columbia, 1939; quanto “Deixa a baiana sambar” (Portelo Juno e Valdemar Pujol), Aurora Miranda. 78 rpm, Odeon, 1937. 64 SANDRONI; op. cit., p. 131. 58

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Não era assim Em entrevista ao jornalista e pesquisador Sérgio Cabral, Ismael Silva explicou a necessidade da transformação do samba como uma resposta aos foliões que festejavam o Carnaval de rua: “A gente precisava de um samba para movimentar os braços para frente e para trás durante o desfile” (CABRAL: 1996, p.34). Também falando a Sérgio Cabral durante o depoimento do compositor Carlos Cachaça ao Museu da Imagem e do Som, o mangueirense Babaú definiu o novo estilo como sendo um “samba de sambar” (Ibidem. p.34). E esta novidade sonora supostamente baseada na movimentação para o Carnaval de rua ao som de samba seria introduzida no bloco carnavalesco “Deixa Falar”, cujo primeiro desfile data de 1928, entrando para a história como a primeira Escola de Samba carioca. A organização e iniciativa do bloco são explicadas por Tinhorão a partir de uma entrevista que Bide dá ao jornalista Francisco Duarte em 1968: [...] Em 1927, outubro, mais ou menos, resolvemos organizar um bloco, mesmo sem licença, que pudesse pela organização nos permitir sair no carnaval e fazer samba todo o ano. A organização e o respeito, sem brigas ou arruaças, eram importantes. Chamava-se Deixa Falar como debique [por despique] às comadres da classe média do bairro, que viviam chamando a gente de vagabundos. Malandros nós éramos, no bom sentido, vagabundos não! (TINHORÃO: op. cit., p. 293)

Para os sambistas da primeira geração as alterações no jeito de se fazer e vivenciar o samba não foram vistas com bons olhos. Em entrevista concedida ao Diário Carioca em janeiro de 1930 e apresentada por Sérgio Cabral em As Escolas de Samba do Rio de Janeiro, Sinhô não entende a questão como se tratando de “evolução” e clama pela tradição do gênero: A evolução do samba? Com franqueza, não sei se o que ora se observa devemos chamar de evolução. Repare bem as músicas deste ano. Os seus autores, querendo introduzir-lhes novidades, ou embelezá-las, fogem por completo do ritmo do samba. O samba, meu caro amigo, tem a sua toada e não se pode fugir dela. Os modernistas, porém, escrevem umas coisas muito parecidas com marcha e dizem que é samba. (Op. cit., p. 36)

Esta confusão do samba do Estácio com a marcha é explicada por Tinhorão justamente a partir da marcação com surdo que “empurrava de fato o samba para a 44


frente, mas, ao mesmo tempo, [...] levava ao risco de simplificação ao nível da marcha, ao acelerar-se o ritmo” (TINHORÃO: op. cit., p.294). A “polêmica” teve seu momento mais significativo na já famosa conversa entre Donga e Ismael Silva, presenciada (porém não gravada) por Sérgio Cabral ao final dos anos 1960 na sede da Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de Música, em que para Donga o verdadeiro samba é o seu Pelo Telefone, ao passo que para Ismael Silva o verdadeiro samba é aquele feito ao estilo de Se você jurar65. Mas a questão não para aí, se Ismael Silva acusa Pelo Telefone de ser maxixe e não samba, Donga, por sua vez, afirma que Se você jurar é marcha66. O diálogo transcrito por Sérgio Cabral entre elementos-chaves dos dois sambas é significativo por representar, três décadas depois, os termos com os quais o debate sobre a autenticidade do gênero tomaria forma a partir da expansão comercial do samba ao estilo do Estácio. Para os bambas da primeira geração, chama-lo de marcha era também pontuar as diferenciações que ele assumia enquanto vivência ao deixar de ser “o encontro”, a produção coletiva, a dança e o improviso para ter a rigidez da marcha, ou seja, para ser desfilado com refrão e segunda parte fixa. Por outro lado, quando os malandros do Estácio chamavam o estilo anterior de “maxixe” estava em questão tanto a crítica ao desenvolvimento rítmico feito até então quanto o apontamento da “impureza” do gênero. Nesta perspectiva, se o samba anterior era um “samba amaxixado”, seria preciso transformá-lo para que ele se tornasse puro. Ambos os lados ganharam voz no período em questão e os maiores exemplos vieram já em 1933 quando os dois primeiros livros dedicados ao samba, Samba e Na roda do samba, foram lançados no Rio de Janeiro tratando a questão da autenticidade sob perspectivas distintas. O último é de autoria do jornalista Vagalume, conhecido à época por suas crônicas sobre Carnaval no Jornal do Brasil – onde assinava a coluna que lhe renderia o apelido – e pela cobertura dos crimes da cidade como repórter policial. Embora fosse um grande conhecedor dos bastidores do Carnaval carioca já nos anos que antecederam a publicação de Na roda do samba, Vagalume tinha relações estreitas com o samba para além das crônicas carnavalescas, sendo conhecidas as 65

“Se você jurar” (Ismael Silva, Nilton Bastos e Francisco Alves), Francisco Alves e Mário Reis. 78 rpm, Odeon, 1930. 66 Este diálogo foi descrito por diversos autores, mas aparece originalmente em: CABRAL, Sérgio. As Escolas de Samba: o que, quem, como, quando e por que. Rio de Janeiro: Fontana, 1974.

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amizades que mantinha com bambas da primeira geração como Donga, Eduardo das Neves, Hilário Jovino e, principalmente, Sinhô (a quem o livro é dedicado). O “samba” para Vagalume, portanto, não poderia deixar de ser o samba como feito por esses grandes nomes e, conforme o próprio título denuncia, feito “em roda”. A outra publicação, por sua vez, teve autoria de Orestes Barbosa, figura conhecida pela intelectualidade carioca do período através de suas atividades jornalísticas – mais diversificada e prestigiosa que a de Vagalume – e literárias – além de Samba, publicou outros títulos e chegou a pleitear a cadeira de João do Rio na Academia Brasileira de Letras. No âmbito da música popular, Barbosa foi compositor de diversas canções e parceiro de grandes nomes do período como Noel Rosa e Sílvio Caldas, com quem compôs o enorme sucesso Chão de estrelas67. Como aponta Sandroni, era evidente que Samba e Na roda de samba falavam de sambas diferentes embora não deixassem claro qualquer separação musical que explicasse a diferença, bem pontuada quanto ao tratamento da verdade e autenticidade do gênero. Logo no prefácio de Samba o leitor encontra uma apresentação do autor como sendo aquele que melhor representava o gênero, tendo sido responsável por introduzir as notas de “civilização” do Rio de Janeiro urbano e moderno no samba que nascia no morro. Para Orestes Barbosa, portanto, o samba é indiscutivelmente carioca, sendo uma representação (e expressão) dos malandros da cidade e tendo como principais nomes Ismael Silva, Noel Rosa, Nílton Bastos, Brancura e Francisco Alves – este tido como o maior artista da geração. No livro de Vagalume Francisco Alves também é referência, mas, neste caso, do maior “profanador” do samba que, abusando de seu nome, sequer conhecia a verdade do gênero. Em Na roda do samba, os artistas da segunda geração são taxados como “sem valor”, que faziam apenas “sambas industriais” para a comercialização em discos, sem qualquer intimidade com as rodas de samba. Mesmo os amigos de Vagalume como Donga, Caninha e João da Bahiana que, de fato, já gravavam suas canções em disco, são reconhecidos pelo autor como inseridos na deturpação do gênero, fazendo-o em escala industrial, embora estes ao menos sejam reconhecidos como genuinamente originários das rodas de samba. A verdade para Vagalume estava na tradição: o partido-alto herdado da Bahia, feito não por malandros do morro e sim pelos “bambas” nas bocas da “gente comum”, longe das voltas dos discos. Ao abandonar 67

“Chão de estrelas” (Orestes Barbosa e Silvio Caldas), Silvio Caldas. 78 rpm, Odeon, 1937.

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essas características era como se o samba perdesse a sua essência e passasse a ser um mero produto através do qual se buscava apenas ganhar dinheiro. Em 1933, no mesmo ano de lançamento de Samba e Na roda do samba, as diferenças entre os estilos foram tratadas pelo cancioneiro. A canção É batucada do compositor Caninha – bamba da primeira geração, frequentador da casa da Tia Ciata e “rival” de Sinhô no posto de Rei do samba – em parceria com Visconde Bicoiba levou o primeiro lugar no Primeiro Concurso Oficial de Carnaval do Distrito Federal. Nela a contestação ao novo estilo vem logo nos primeiros versos: “Samba do morro não é samba / É batucada”. E os seguintes não mudam o tom. Toda a letra da canção era dedicada a desmerecer o samba do morro, seu local de produção e os personagens a ele associado: (...) Cá na cidade A Escola é diferente Só tira samba Malandro que tem patente Nossas morenas Vão pro samba bonitinhas Vão de sandálias E saiote de preguinhas

Conforme análise do historiador José Adriano Fenerick 68, neste samba Caninha aponta como os bambas da antiga geração já tinham a autoria reconhecida pelo registro (a patente) desde os tempos de Pelo telefone (enquanto que, como se verá, na nova geração a autoria e o próprio samba podiam ser apenas uma mercadoria) e como no samba (cujo significado ainda era de um lugar, um encontro ou uma festa, já que se ia até ele) as morenas da cidade se destacavam por estarem mais bem arrumadas que as do morro – o que para o autor é uma alusão às melhores condições sociais que os negros da Cidade Nova já apresentavam em relação aos do Estácio. A canção já em 1933 teve duas gravações pela Columbia, uma na voz de Murilo Caldas e outra na de Moreira da Silva. O curioso é que enquanto a versão de Murilo Caldas, praticamente ignorada pela historiografia, apresenta a mesma forma 68

FENERICK, José Adriano. Nem do morro nem da cidade: as transformações do samba e a indústria cultural (1920 – 1945). São Paulo: Annablume; Fapesp, 2005, p. 230.

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rítmica amaxixada da geração de Caninha, a versão de Moreira da Silva – o grande sucesso de estreia do cantor – foi gravada conforme o novo estilo, acompanhada, de fato, de uma grande batucada. E foi esta versão que levou a premiação no primeiro concurso de samba do Carnaval carioca e não a de Murilo Caldas. Portanto, foi em meio à batucada que Caninha lançou a crítica de que o samba do morro não era samba de verdade. Como é de se imaginar, a crítica à batucada feita ao som de batucada não teve tanta repercussão. Aos poucos a própria palavra batucada estava sendo inserida ao léxico do mundo do samba e o samba do morro, que já era destaque em todas as instâncias da indústria musical, logo passaria a ser incorporado às temáticas das canções como se verá com mais detalhes no próximo capítulo. No que tange às diferenças e polêmicas levantadas entre o estilo antigo e o novo, para Sandroni, o que estava em questão era a própria identificação e representação do gênero. Para o autor o que passou a ser tratado como uma “evolução” do samba era, na realidade, a estruturação de um novo gênero já que após um levantamento das muitas análises feitas a respeito do que teria sido a “transformação” – seja pela questão corporal, pela diferenciação racial, por renda ou por relações de experimentação musical –, as explicações não lhe parecem, sob qualquer perspectiva isolada, capazes de encerrar a questão explicando o que de fato representou a inovação69. Embora tenha sido entendida como “modernização” e tenha ensejado as disputas de legitimidade, para o autor tratava-se da criação de um novo gênero inspirado no anterior e nas condições de produção já existentes. De todo modo, como ainda observa Sandroni, as versões de Ismael Silva e Orestes Barbosa passaram a ser adotadas pelos críticos do samba – a identificação de Pelo telefone enquanto maxixe é bastante conhecida ao passo que o questionamento de se Se você jurar é samba ou não jamais teve repercussão. Para o antropólogo Hermano Vianna, o que estava em questão também era a pureza do samba. Para o autor, até o início da década de 1930 não havia um “gosto” musical fixado ou, ainda, um gênero que se sobrepusesse significativamente aos demais e, como vimos, o que se tinha era a estruturação da indústria musical brasileira em torno da canção popular. Até o final dos anos 1920 uma gama de gêneros era gravada, com algum destaque para a modinha e a cançoneta, e mesmo os artistas e grupos musicais apareciam nos catálogos das gravadoras lançando canções de diversificados gêneros. Os 69

SANDRONI, op. cit., p. 137 a 142.

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grupos de maior sucesso nas décadas de 1910 e 1920 eram justamente os que mantinham repertório variado, com fortes inspirações nordestinas. Neste momento o diálogo entre o rural e o urbano ainda era significativo e, de certo modo, as produções culturais não estavam ausentes desse trânsito de influências. Seria apenas no início da década de 1930 que o “gosto popular” se fixaria em um gênero: o samba. No período que vai de 1931 a 1940 o samba e a marcha juntos foram responsáveis por um total de 3401 fonogramas gravados, o equivalente a 50,71% de todo o repertório nacional70 e, com raras exceções, o que chegou aos discos foi um gênero já estruturado conforme as influências iniciadas no Estácio. Nas palavras de Vianna: A “fixação” desses gêneros acontece ao redor do samba de escolas de samba, que passou a ser conhecido como samba de morro. O interessante é que o “autêntico” nasce do “impuro”, e não o contrário (mas em momento posterior o “autêntico” passa a posar de primeiro e original, ou pelo menos de mais próximo das “raízes”). O primeiro samba misturou muitas “expressões” musicais, logo foi “amaxixado” e, depois “depurado” pelos compositores do Estácio. (Op. cit., 122)

Na avaliação do autor não foi o samba de morro que se tornou o “gosto popular”, mas foi ele, em todas as condições socioculturais e de mercado ao qual estava inserido, que ajudou a definir “o gosto popular”. Do lado comercial, o novo estilo estava sendo criado em um momento em que a indústria musical passava por transformações que favoreciam sua ascensão, o desenvolvimento da radiodifusão tornava possível a distribuição da música popular em escalas até então inimagináveis, os novos espaços de produção e a nova estruturação do gênero intensificavam cada vez mais sua condição de mercadoria. No que diz respeito às condições socioculturais, ao contrário do samba feito pela geração da Tia Ciata, o novo estilo representava a modernidade para aqueles que queriam se modernizar. De todo modo, como evolução ou criação, no final dos anos 1920 um grupo de malandros do Estácio de Sá instituiu uma cisão no samba. E a memória dos “velhos tempos” vez ou outra voltaria a ser cantada, como na canção de Wilson Batista e Haroldo Lobo lançada em 1944, mostrando que ao contrário do que se podia imaginar, 70

SEVERIANO; MELLO: 1997, p. 84.

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no tempo do “antes”, Não era assim71 (mas em meados dos anos 1940 o antigo já não era mais a Cidade Nova uma vez que, como se verá, o reconhecimento do morro como a origem do gênero seria fundamental para a história que o samba contaria de si): Não era assim Que a bateria falava Não era assim As cabrochas Não sambavam assim Você vai lá em São Carlos Mangueira, Salgueiro, Matriz Todo morro enfim Pode perguntar se era assim Não havia bateria Era tudo diferente A cabrocha não sambava Nesse ritmo tão quente Pergunte ao João da Bahiana Que vai responder por mim Se o samba era assim

Tocava por prazer, não tocava por dinheiro Para entendermos a ascensão do novo estilo e as representações que o samba faria de si mesmo a partir de então, é preciso considerar uma série de questões relativas ao mercado mencionadas ao final do último tópico. A mais importante delas foi, certamente, a passagem do sistema mecânico para o elétrico nas captações sonoras no mesmo momento em que o samba moderno estava sendo gestado. A nova tecnologia consistia, grosso modo, na gravação feita a partir de um microfone, que havia sido desenvolvido para o rádio pela Western Eletric e adaptado para a indústria fonográfica em 1924 pelos engenheiros da Victor Talking Machine, nos EUA. No Brasil a novidade chegou em 1926 com a apresentação da “victrola ortofônica” a uma grande plateia de convidados da Victor no luxuoso Teatro Phoenix e a mudança de qualidade sonora foi facilmente percebida desde esta suntuosa 71

“Não era assim” (Wilson Batista e Haroldo Lobo), Déo. 78 rpm, Continental, 1944.

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apresentação. O sistema mecânico de gravação apresentava enormes dificuldades e, quase sempre, impossibilidades para a captação de sons percussivos nos sulcos dos discos havendo até o final dos anos 1920 poucas tentativas destes registros e quase todas com resultados de baixa qualidade. Mas o microfone utilizado nas gravações elétricas quebrava essa barreira tornando possível a captação dos instrumentos de percussão com maior nitidez no mesmo momento em o “samba de sambar”, marcado pelo surdo e pelas batucadas, era criado no Rio de Janeiro. Uma das consequências mais imediatas dessa revolução tecnológica foi o fim da

“era

Figner”

no

monopólio

da

indústria

musical

brasileira

graças

à

internacionalização do mercado. O processo remonta à criação da gigante Transoceanic Trading Company, fundada pela Carl Lindstron em 1919 a partir da fusão dos principais selos que tinham por objetivo a recuperação do abalo sofrido durante a Primeira Guerra Mundial. O projeto principal consistia na concentração de investimentos em países americanos a partir da criação de filiais com registros nacionais que excluíam, portanto, as empresas locais intermediárias dos negócios. A primeira filial da Transoceanic foi em Buenos Aires, de onde já começava a intervir, ainda que timidamente, no mercado brasileiro. Mas já em 1926 a empresa funda a Transoceanic-Odeon na cidade do Rio de Janeiro. Em pouco tempo Figner perderia não apenas a exclusividade de produção e distribuição dos discos Odeon, como perderia a própria gravadora, os direitos autorais comprados e, a partir do início dos anos 1930, passaria a ser apenas um distribuidor de discos nas praças do Rio de Janeiro e Niterói72. Do outro lado, a concorrente RCA Victor que já havia introduzido o sistema elétrico no país e também tinha filial no Rio de Janeiro, faz apostas semelhantes às da Transoceanic para recuperar o dinheiro perdido durante a guerra. Sem o controle da Casa Edison ou qualquer empresa intermediária, a indústria musical brasileira passa a ser controlada definitivamente pelas patentes internacionais. Mas mesmo com a internacionalização do mercado de música no Brasil, a Casa Edison deixava como legado as bases sobre as quais ele se expandiria, alcançando em pouco tempo amplas dimensões e movendo enormes somas de dinheiro 73. Figner já

72

FRANCESCHI, op. cit., p. 235 a 237 e TINHORÃO: op. cit., p. 29. Marc Hertzman mostra como apenas na primeira metade de 1930 os contratos assinados ainda por Fred Figner para o pagamento de músicos chegaram ao total de 103:389$250, representando quase nove vezes 73

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havia levado aos discos os artistas populares do Rio de Janeiro e, principalmente, a primeira geração de sambistas; havia ajudado a construir um Rei do Samba e havia lançado o “novo estilo” através do qual sairiam os grandes nomes da Era de Ouro – Francisco Alves, o maior símbolo da música popular nesta nova geração, já tinha contrato de exclusividade com a Casa Edison que acabou sendo cedido à TransoceanicOdeon em 1932 e motivou a contratação de Carmen Miranda pela RCA Victor como o nome a fazer frente ao sucesso do Rei da Voz no catálogo da concorrente. No mesmo momento em que o samba estava se estruturando enquanto gênero musical a poucos quilômetros de distância da loja de Figner na rua do Ouvidor, a própria indústria brasileira estava formando seus sucessos, buscando os artistas e os gêneros que chegariam aos discos e seriam distribuídos em quase todo o país. É inegável que o esquema desenvolvido por Figner e seguido pelas demais gravadoras de música era promissor. O Brasil tanto tinha um público consumidor de música como artistas suficientes para preencher as demandas e a maior prova disso é que a Transoceanic-Odeon e a RCA Victor viram no mercado musical brasileiro as melhores condições para se recuperarem da crise sofrida pela indústria musical e, de fato, encontraram os resultados almejados (tanto que jamais deixaram suas filias e os investimentos no país). Do lado dos artistas populares, todas essas transformações levaram cada vez mais à identificação do gênero como uma mercadoria alterando até mesmo as maneiras de produzir e se relacionar com as canções. Como se viu, durante a primeira fase os sambas eram feitos com o amparo das tias baianas, cujo posicionamento social já era de significativo destaque. Em suas casas circulavam também músicos, intelectuais e políticos de diferenciadas posições sociais. O espaço assegurava certo prestígio às manifestações culturais lá realizadas – ao menos em relação àquelas que se fazia entre os grupos mais marginalizados do Rio de Janeiro – e por mais diversificados que fossem os personagens envolvidos, de certo modo eram todos “convidados” das anfitriãs. E nestes ambientes misturados (e de certo modo limitados), os sambas eram experiências coletivas ainda muito carregados da influência das antigas umbigadas. A própria estrutura musical do chamado samba de partido-alto leva a esta associação já

mais do que todo o montante pago pela Casa Edison em todo o ano de 1911, quando Figner se deu conta da importância de deter os direitos autorais das composições que gravava (Op. cit., p. 171).

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que a partir de um refrão fixo, improvisava-se em roda as demais partes da letra cantada. A partir de Pelo Telefone a prática sofre as primeiras alterações em relação ao mercado. Muitas dessas composições coletivas (os refrãos acompanhados de partes improvisadas de maior sucesso entre os presentes ou até mesmo de novas criações trabalhadas sobre temáticas já conhecidas por quem participava das rodas) são registradas e ganham tanto um “autor” quanto uma forma fixa, única. Mas mesmo com a transformação do partido-alto “praticado” em canção e sua chegada ao mercado de música, o samba de roda, improvisado e vivido coletivamente não deixa de existir. Ele continua tendo seu caráter de “encontro” sendo realizado por algum tempo ainda na casa das tias baianas e, posteriormente, nos quintais de outros personagens da cidade. E dada a dimensão que a indústria musical havia alcançado até o final dos anos 1920 é de se imaginar que esse partido-alto praticado e não comercializado era o samba mais encontrado no Rio de Janeiro. Mas a nova geração já não pertence mais totalmente a essa forma de vivenciar o samba. Para começar, em vez de improviso o novo estilo tem a “segunda parte” também fixa. O samba, mais do que um “encontro”, se torna cada vez mais uma canção ou um gênero musical (embora nos dois momentos sempre tenha mantido, para os significados dados a si mesmo, a representação maior de prazer). Se para alguns isso representava o fim da “naturalidade” e da “essência” do samba, na perspectiva comercial ele estava totalmente adequado aos desfiles do Carnaval, aos concursos musicais e ao que ia para os discos e para as ondas de rádio. Em relação aos espaços de produção das canções e socialização dos sambistas também há uma mudança significativa: em vez das casas das tias baianas, os artistas se encontravam nas Escolas de Samba e nos botequins. Sabe-se que as Escolas de Samba, os cordões e os ranchos carnavalescos vivenciavam o samba nos períodos festivos do calendário anual e, no começo dos anos 1930, já estavam em quase todos os morros e bairros do Rio. Era através deles que os sucessos se confirmavam no Carnaval ou na Festa da Penha. No restante do ano os botequins dividiam com as Escolas de Samba o abrigo dos sambistas da cidade que, neles, também vivenciavam o samba, compunham, divulgavam suas canções, trocavam

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estribilhos e faziam parcerias. Eles eram os locais ideais para aqueles que buscavam oportunidades para romper as barreiras do mercado fonográfico 74. É preciso ter em conta, porém, que o botequim não tinha como função atender ao sambista “consciente” de sua potencialidade. O espaço como parte importante do cotidiano de trabalhadores (e malandros) cariocas, enfim, da “gente comum” da cidade acabou servindo também à ascensão comercial do gênero dada a alta rotatividade a que estava sujeito já que ao contrário das casas como a de Ciata, eles eram locais públicos. Alguns ficaram mais conhecidos no meio do samba como o bar Apolo, o Carvalho e os cafés Nice, Papagaio, Talia e Carlos Gomes. A presença constante de diferentes figuras do universo sambista em alguns deles (e aqui é possível considerar os compositores, os comprositores ou “compositores dos sambas dos outros”, os músicos, os cantores e, também, os personagens que inspiravam canções) fizeram com que o local chegasse a ser considerado um “escritório” do malandro – como bem marcou Noel em Conversa de Botequim75. Por um lado, essa caracterização se dava por passarem boa parte do tempo lá, mas por outro porque nesses locais muitos malandros também ganhavam (parte de) seu sustento. Neste ponto, é preciso salientar algumas transformações pelas quais a questão autoral passou na virada dos anos 1920 para os anos 1930. A primeira delas foi um novo trato comercial em que se negociava a própria autoria entre compositores. Como explica Sandroni: Havia várias modalidades de compra de sambas: o caso mais drástico era aquele em que o autor, em troca de uma soma fixa, cedia não só os direitos autorais como o reconhecimento da autoria – ou seja, seu nome não aparecia nem no disco, nem na partitura. Em outros casos, os direitos autorais eram vendidos mas a autoria era reconhecida, no disco, na partitura ou em ambos. Por fim, havia o caso em que um cantor propunha uma barganha segundo a qual ele gravaria o samba se lhe fosse cedida uma parte dos direitos autorais. (Op. cit., p. 47)

74

Como é fácil deduzir a partir dos depoimentos dos personagens dessa história, o Rio de Janeiro a partir de meados dos anos 20 já era algo como um “celeiro de bambas”, com compositores e tocadores anônimos por todos os lados. Poucos tinham acesso às gravadoras e menos ainda ao rádio. E é apenas destes poucos que nos restam algumas informações (ainda que na maior parte dos casos seja apenas o nome registrado em gravações a que tivemos acesso, com o risco sempre presente de que talvez aquele nome não corresponda, de fato, ao autor da canção). 75 “Conversa de botequim” (Noel Rosa e Vadico), Noel Rosa. 78 rpm, Odeon, 1935.

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De acordo com o modus operandi da época, a última modalidade parecia ser a mais vantajosa para os compositores outsiders e era considerada por eles como uma “parceria” e não como uma simples venda – tida como menos honrosa para o sambista. O nome mais conhecido a exercer esse modo de parceria era, sem dúvidas, Francisco Alves, o Rei da Voz. O prestígio que o cantor já tinha em todo o país era um grande artifício para os compositores do momento, mesmo os já conhecidos como Ismael Silva e Bide, com quem Francisco Alves manteve “parceria” de longa data, pagando um valor fixo para gravar as composições dos dois bambas do Estácio em troca de ter seu nome registrado na autoria das composições. Houve quem considerasse esses acordos uma “exploração” aos sambistas pobres e mais afastados dos centros de decisão do mercado. Em Na roda do samba, novamente, Vagalume tece longos comentários sobre a questão ao mostrar como os artistas contemporâneos – do começo da década de 1930 – trocavam a tradição por dinheiro, ao venderem por módicas quantias seus sambas para os “exploradores” que, em sua visão, não tinham talento, não entendiam de samba e faziam dele um mero produto76. Por outro lado, houve também quem considerasse o processo normal, uma vez que a própria condição social e a posição desses artistas em relação ao mercado os tornava dependentes dessas “parcerias” ou mesmo da venda de sambas. Depoimentos dados anos depois por aqueles que fizeram parte dessa história fazem crer que enquanto a “parceria” era justificada, vender um samba não era uma atitude vista como bons olhos, afinal, para o mundo do samba – ou para a memória que o samba criou para si – seu valor não era taxado em dinheiro. A compra e venda de sambas se estendeu por todo o período e, como já foi dito, funcionou para alguns artistas como ponte até a indústria fonográfica ainda que, novamente, aquele que detinha a autoria, a casa de música com a cessão dos direitos de gravação e reprodução e, principalmente, a gravadora lucrassem de fato com canções vendidas quase sempre por trocados. As defesas de que dispunham os artistas populares neste momento não eram tão distantes das que marcaram a geração anterior, embora a partir dos anos 1930 já fosse visível uma maior organização em busca de proteções legais, pressão ao governo e acordos com o mercado que favorecessem os compositores. As principais organizações no começo da década eram as próprias Escolas de Samba, as associações carnavalescas e a SBAT. 76

HERTZMAN, op. cit., 169.

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Para começar o segundo ponto relativo aos direitos autorais é preciso ter em conta que a SBAT, que supostamente havia sido inaugurada graças aos abusos cometidos por Figner contra as propriedades intelectuais de Chiquinha Gonzaga, havia crescido consideravelmente desde 1917 e protegia tanto as obras teatrais quanto as musicais, acompanhando toda a movimentação das leis internacionais a respeito dos direitos de autoria e cobrando do governo brasileiro um tratamento condizente com aquele destinado aos artistas em outros países. A Sociedade funcionava como um forte intermediário entre os autores e o governo, mas, principalmente, em relação às arrecadações do mercado. Seu papel mais importante para os filiados era, sem dúvidas, o de fiscalizar as diversas instâncias da indústria musical para certificar que os direitos (e as remunerações) dos autores estavam sendo respeitados. Embora no tempo de sua fundação o tratamento dispensado aos “homens de letra” e aos compositores de música não tivesse diferenças expressivas – uma vez que os maiores rendimentos de ambos era, ainda, a publicação em revista o que não diferenciava autores de texto e de partituras –, com o fortalecimento da indústria fonográfica e a meteórica expansão do rádio no país, as cisões começaram a aparecer. Era amplamente conhecido e debatido o caráter elitista da Sociedade, onde autores de teatro e compositores eruditos se destacavam – não por acaso, o primeiro presidente da SBAT era ninguém menos que João do Rio. Um dos principais pontos de divergência era em relação à hierarquia das modalidades de associação, dividida em 1928 entre os sócios-filiados (detentores dos “grandes direitos”) e os sócios vestibulares (detentores dos “pequenos direitos”) quando uma grande quantidade de compositores populares cada vez mais conhecidos na indústria fonográfica e em alguns casos até mesmo nas revistas, acorria à Sociedade como melhor garantia de fiscalização para a execução de suas obras. Sobre essa diferenciação, estava evidenciada também a separação social que ela encerrava: Grande parte desses novos afiliados, muitos deles negros ou mulatos, de ordinário oriundos das áreas marginalizadas da cidade, faziam contraste com os sócios autores. Esses autores quase sempre eram sócios que, com raras exceções, não chegavam a auferir rendas importantes, mas, geralmente, tinham seus empregos na burocracia da Capital Federal, atuavam na imprensa ou nas profissões liberais, graças às suas condições de educação, sem excetuar as relações

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sociais muitas vezes granjeadas nas atividades teatrais. Já os compositores populares geralmente reclamavam das pequenas quantias que recebiam, e sacavam vales contra rendas futuras, criando problemas para a contabilidade. (BARROS: 2001, p. 291)

O desprestígio da filiação de sócio de pequenos direitos começava já ao assinar o contrato quando lhes era solicitada a cessão dos direitos das partituras à SBAT que, após as devidas arrecadações, fazia a distribuição dos rendimentos conforme a categoria de cada um. Uma composição erudita, por exemplo, rendia muito menos à Sociedade que uma popular nos ganhos totais das casas de reprodução, mas, por se enquadrar na categoria de “grandes direitos”, acabava revertendo mais dinheiro a seu compositor do que ganhava um compositor popular e, coletivamente, as distribuições de “pequenos direitos” logo superaram as das obras teatrais embora a hierarquia (tanto no rendimento individual quanto na proteção cabida às modalidades) permanecesse a mesma 77. Essa pouca proteção no caso dos sambistas ganhava importância ao se considerar o difícil processo de profissionalização pelo qual passava o artista popular brasileiro em relação às dinâmicas da indústria musical. Se para os compositores já renomados e com grande destaque tanto nas gravadoras quanto no rádio – como Noel Rosa, Ari Barroso, Mário Lago e Custódio Mesquita, este último sendo, inclusive, um dos principais diretores da SBAT nos anos 1930 e 1940 – os esquemas de remuneração pelas composições já eram desfavoráveis, para os mais desconhecidos ou que enfrentavam maiores barreiras ao epicentro do mercado musical, as dificuldades de encontrar sustento exclusivo com a música eram enormes. Uma das alternativas sempre discutida era a criação de uma entidade exclusivamente dedicada à proteção dos direitos dos compositores o que de fato foi feito em 1938 com a fundação da Associação Brasileira de Compositores e Autores (ABCA) e em 1942, com a dissolução da ABCA e criação da União Brasileira dos Compositores (UBC). Para Jairo Severiano, as mobilizações para fundar entidades próprias “demonstrava que o pessoal da música já estava conscientizado para constituir uma classe profissional”78. De fato, a profissionalização cada vez se acelerava mais, embora a fundação das novas associações não tenha acabado com os problemas de arrecadação 77

Para as tabelas de arrecadação da SBAT ver: BARROS: op. cit., p. 287 a 310; HERTZMAN: op. cit., p. 174 a 181. 78 SEVERIANO: 1987, p. 82.

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e distribuição. O que se via era a substituição das antigas divisões hierárquicas entre compositores e “homens de letras” para a diferenciação entre os próprios compositores populares – a partir das distinções sociais, de importância comercial e de educação musical formal. A profissionalização dos artistas de música popular ocorria, entretanto, mesmo que muitos compositores cujos nomes eram frequentes em discos e periódicos não pudessem contar unicamente com essa profissão. Mas, antes que se viabilizassem essas “soluções”, a SBAT era a associação suficientemente capaz de enfrentar as “guerras” travadas pelo artista popular nos idos dos anos 1930. As principais delas talvez tenham sido o “outro lado” do desenvolvimento tecnológico: o cinema e o rádio. O caso do cinema, ou mais especificamente o “cinema falado”, foi um dos que mais movimentou o mercado musical no início dos anos 1930 já que, de início, foi tido como um grande vilão tanto para os autores de teatro quando para os músicos. Para os primeiros, o cinema passava a competir em bilheteria e em espaços79, passando em pouco tempo a superar as peças teatrais nas duas vertentes. Já para os músicos, a chegada do cinema falado era a perda de mais um campo de atuação no mercado musical uma vez que não eram mais necessários os conjuntos para acompanhar as exibições dos filmes mudos. São conhecidas as reivindicações contrárias ao cinema falado neste momento, como a carta dos músicos de Juiz de Fora endereçada a Getúlio Vargas e a marcha dos compositores populares feita às portas do Palácio do Catete em 1930 para que a “profissão de músico” fosse melhor assistida pelo Estado. Até mesmo artistas como Pixinguinha e João da Bahiana foram parte da marcha denunciando as condições críticas nas quais viviam os artistas brasileiros. Uma das motivações para todas essas demandas foi a chegada de Vargas ao poder após a Revolução de 1930. Os músicos acreditavam na eficácia das reivindicações porque ainda em 1928 Vargas havia se mostrado simpático aos artistas quando exercia mandato de deputado federal pelo Rio Grande do Sul, ao tomar frente no Decreto 5492 – a Lei Getúlio Vargas – que reconhecia a profissão dos músicos contratados ou organizados em associação (o que aumentava ainda mais a importância de entidades como a SBAT, a ABCA e a UBC). Ainda nos tempos de exclusividade da SBAT, a Sociedade já denunciava a necessidade de diferenciar o direito de possuir um exemplar de uma obra e o de reproduzi-la indiscriminadamente obtendo lucros sobre a reprodução, sem que o 79

HERTZMAN, op. cit., p. 176.

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detentor dos direitos legais da obra fosse remunerado de acordo com o uso que dela fosse feito. A acusação tinha amparo nas ponderações legais feitas em países europeus que consideravam que a compra de um disco, por exemplo, não transmitia ao comprador o direito de tocá-lo publicamente. No Brasil das décadas de 1930 e 1940, o caso estava diretamente relacionado ao crescimento do rádio que já despontava como o maior distribuidor e popularizador da canção popular, presente na programação oficial, nas propagandas e até mesmo nos intervalos entre os programas. Desde a introdução da radiodifusão no país com o discurso do presidente Epitácio Pessoa no dia 7 de setembro de 1922, durante as comemorações do centenário da Independência no Rio de Janeiro, até os primeiros anos da década seguinte, o rádio ainda não tinha seu potencial de entretenimento explorado. As 19 estações que haviam até a Revolução de 1930 dedicavam-se, principalmente, à apresentação de conferências sobre Higiene e saúde pública e, aos poucos, a programações de música erudita. O modelo era a rádio Sociedade de Roquette Pinto, pioneiro da radiodifusão no país, que postulava o novo meio de comunicação como tendo uma função primordialmente educativa. Foi a chegada de Getúlio Vargas ao poder e as medidas tomadas pelo governo federal em relação à nova atividade que impulsionaram as transformações na radiodifusão brasileira. Ao final de 1945, ano em que Vargas deixaria o Catete, o país já contava com mais de cem estações, cerca de 85% dos domicílios do Rio de Janeiro e São Paulo com ao menos um aparelho de rádio80 e mais um lucrativo setor da indústria musical desenvolvido com forte apoio da canção popular. O ponto de partida para a expansão do rádio foi a regulamentação dos serviços de radiodifusão em todo o território nacional, com o Decreto nº 21111, já em 1932. A perspectiva adotada pelo governo provisório era a de que o rádio era um interesse nacional e que, portanto, seria regulado pelo Estado. Por outro lado, ficava liberada a veiculação de publicidade modificando o financiamento das rádios, mantidas até então principalmente com a “mensalidade” dos associados. A partir desta regulamentação o rádio iniciava sua fase comercial e abria espaço para o desenvolvimento do processo de profissionalização dos músicos populares, quando, ainda em fevereiro de 1932, foi ao ar pela Rádio Phillips o programa de Ademar Casé. O Programa Casé entrou para a história da música brasileira por ter introduzido no rádio os grandes nomes da música popular, casando entretenimento e 80

Ibidem, p. 171 e 172.

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publicidades criativas. Nos primeiros dias de exibição o espaço para o samba ainda era tímido, já que apenas a primeira parte era dedicada à música popular. Mas, como conta Sérgio Cabral, em pouco mais de um mês o programa foi se modificando graças à resposta do público aos cantores populares: “Em abril, Almirante era contratado como cantor. Pouco depois chegava a vez de Noel Rosa. Sílvio Caldas passou a cantar, assim como Carmen Miranda, Gastão Formenti, Mário Reis, Albênzio Perrone, Francisco Alves etc.” (CABRAL: 2005, p. 84). Quanto aos salários, também segundo Cabral, por programa apresentado Francisco Alves ganhava Rs 50$000 (cinquenta mil réis), Carmen Miranda Rs 40$000 e Sílvio Caldas Rs 30$000. Noel Rosa, por sua vez, já em 1933 recebia Rs 50$000 pelos programas apresentados de dia e Rs 30$000 pelos noturnos. A manutenção do Programa Casé, portanto, não era barata e se sustentava apenas da publicidade de produtos variados – do pão da Padaria Bragança, por exemplo, ao “purgante” Manon –, sinal de que a audiência despertava o interesse dos anunciantes. Mas o grande problema não era o dinheiro pago aos cantores participantes dos programas de rádio e sim o que se pagava pela reprodução das canções gravadas em estúdio. Até 1933 o pagamento dos direitos autorais pelas emissoras de rádio, quando existia, era de cerca de Rs 90$000 mensais (menos do que Francisco Alves recebia pela apresentação de dois programas de Ademar Casé) para que as canções fossem tocadas quando decidissem os produtores dos programas. A luta encampada pela SBAT era de que se pagasse de acordo com a exibição das peças e, para começar, aumentou a cobrança das emissoras para Rs 500$000. A resposta foi a “greve do rádio”, quando as cinco principais estações do Rio de Janeiro saíram do ar em 11 de julho de 1933. Após intervenção do governo a questão ficou acertada com um aumento menor, fixado em Rs 300$000, embora a questão dos direitos pagos pela exibição de músicas gravadas nas programações de rádio ainda fossem se estender por longos anos 81. De um lado, a SBAT queria os direitos autorais reconhecidos e as produções valorizadas, de outro, as rádios consideravam a cobrança abusiva. Para os artistas populares ficava o receio de perder os direitos profissionais que aos poucos vinham conquistando (mesmo que não fossem totalmente respeitados) ou de sofrer boicote das estações e não terem mais suas músicas divulgadas. O rádio já era o maior responsável pela popularização das canções gravadas e, ao longo das décadas de 1930 e 1940, empregou grande parte dos músicos conhecidos no Rio de Janeiro (alguns – 81

CABRAL: 2005, p. 101.

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especialmente os brancos das classes médias – como cantores, outros – especialmente os músicos negros - como ritmistas com menores salários82). Conforme o mercado de música se desenvolvia, não bastava apenas emplacar composições nas gravadoras. Era preciso também estar inserido de algum modo nas rádios, ter o nome estampado em jornais e revistas, fazer parcerias com compositores conhecidos e, principalmente, conseguir que os grandes nomes do rádio e dos discos interpretassem suas canções. Isso somado a todas as transformações sofridas tanto pela indústria musical quanto pelo samba, pelas práticas e pelo cotidiano do sambista, representavam a consagração do processo de mercantilização pelo qual todos os artistas mencionados nesse trabalho de algum modo fizeram parte. O samba era, sem dúvidas, uma mercadoria e já era reconhecida a possibilidade de ganhar dinheiro com ela. Ainda assim, no conteúdo das canções, ou seja, para as representações que os sambas faziam de si, a associação à simples mercadoria não era das mais honrosas. É o caso, por exemplo, de O Juca do pandeiro83 de Wilson Batista e Augusto Garcez, gravado em 1943 por Araci de Almeida. Aqui temos o reconhecimento do samba que não era feito simplesmente para o mercado: Lá no Largo do Estácio Eu conheci o Juca O Juca do Pandeiro Dava gosto a gente ver Tocava por prazer Não tocava por dinheiro não Tinha alma de artista Era um malabarista Com o pandeiro na mão „Cherchez la femme‟ Sempre a mulher na vida do homem Por ela deixou o pandeiro Por ela quase não tem O nome na história Esse Juca que eu falo 82 83

Para as relações raciais na indústria musical nos anos 1930 e 1940 VER: HERTZMAN, op. cit., cap. 8. “O Juca do pandeiro” (Wilson Batista e Augusto Garcez), Araci de Almeida. 78 rpm, Odeon, 1943.

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Hoje tem cabelo branco Não tem um centavo no banco Mas tem uma mulher na memória

Neste samba temos ao menos dois pontos curiosos, o primeiro diz respeito à valorização de quem “tocava por prazer” e não “por dinheiro” em uma canção gravada pela Odeon envolvendo artistas que, de longa data, já eram parte do mercado musical. O segundo ponto é a localização do sambista que tocava por prazer: o Estácio de Sá. Se em 1933 Vagalume podia acusar os sambistas do Estácio – e os continuadores do estilo “samba de morro” – de trocarem a tradição por dinheiro, dez anos depois a perspectiva já não era a mesma. O samba de morro já era entendido como sendo o verdadeiro e, não por acaso, lá estava um de seus representantes. Novas informações surgem na segunda parte da canção e ficamos sabendo que o Juca “Hoje tem cabelo branco” e “Não tem um centavo no banco”. A motivação ao contrário do que parecia sugerir seu posicionamento ante o mercado de música não era o fato de não fazer samba “por dinheiro”, mas o de ter se envolvido com uma mulher que o havia feito deixar o pandeiro de lado („Cherchez la femme‟, já dizia Alexandre Dumas). Por culpa da mulher ou por não ter sido incorporado à dinâmica da indústria fonográfica, o Juca do pandeiro “quase” caiu em esquecimento, ficando fora da história dos sambistas apesar de todas as suas qualidades como músico. Houve casos também em que a “facilidade” para se ganhar dinheiro com samba (em comparação ao trabalho formal) era reconhecida, como em Terra boa84 do mesmo Wilson Batista85, agora em parceria com Ataulfo Alves, gravada um ano antes por Orlando Silva: “Que terra boa para se ganhar o pão / Tem batucada, tem luar, tem violão / Terra da liberdade / Onde o verso é um esporte / Por esta terra / Dou meu peito à própria morte”. Fazer verso não parecia um grande esforço e, somando-se isso a elementos básicos do samba (a batucada, o luar e o violão) acessíveis a qualquer um, era possível obter o “pão” do sambista. A canção traz ainda uma associação muito comum a todo o cancioneiro: o samba e a Nação. Era do Brasil que se referia o Cantor das multidões ao cantar a “terra 84

“Terra boa” (Ataulfo Alves e Wilson Batista), Orlando Silva. 78 rpm, Victor, 1942. Por mais que não se possa atribuir a Wilson Batista qualquer tendência ou defesa ideológica (o que se percebe facilmente analisando as temáticas de suas composições), é inegável que ele, como qualquer sambista de seu tempo, promovia a “defesa do samba” e não fugia às representações comuns a seu mundo. 85

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boa” onde se podia viver de samba. Ao descrever as qualidades do país na última estrofe, o “panteão” lembrado rendia homenagens a figuras diversas: “Terra de Santos Dummont / Carlos Gomes, Rui Barbosa / O grande Duque de Caxias / Castro Alves, Noel Rosa”, finalizando com a exaltação ao presidente Getúlio Vargas, caracterizado como “um grande homem / Destemido e braço forte”. A associação, portanto, ia além da constatação de que no Brasil o samba era tanto um ganha-pão quanto um esporte (a mercadoria e o prazer), ela colocava um sambista, o Poeta da Vila, entre os “heróis” da Pátria, como sendo um de seus motivos de orgulho. Em Pra fazer o nosso samba e Quem cantar meu samba, mencionadas anteriormente neste capítulo, a representação do gênero como uma característica (essencial) do brasileiro já estava presente. No primeiro caso, a “receita” que garantia um samba de verdade era aquela capaz de fazê-lo “bem brasileiro”. No último, cantar o samba era como um certificado de nacionalidade, uma maneira de provar que se era um “bom brasileiro”. E essas foram apenas duas das muitas maneiras com que as canções autorreferentes tematizaram, lado a lado, o samba e o Brasil. Mais do que a identificação nacional do gênero, essa associação exaltava o samba a partir de uma característica que comprovava o seu valor: ele era o símbolo da Nação. Brasil, esquentai vossos pandeiros Tratar a questão nacional (ou as representações do Brasil) nos sambas do período analisado não é um dos objetivos específicos deste trabalho, embora ela tangencie diversos pontos ao longo de todos os capítulos uma vez que a caracterização do samba como o orgulho do brasileiro ou aquilo que o país tem de melhor é, certamente, uma das representações mais frequentes do próprio samba nos sambas gravados a partir dos anos 1930. Por ora, a questão nacional será abordada na medida em que nos ajuda a compreender a ascensão do samba moderno e como este estilo construiu as representações do samba que são de interesse deste trabalho. Nos próximos capítulos o nacional voltará a ser mencionado em diferentes perspectivas: sobre como relacioná-lo ao Brasil não se tratava de uma questão de territorialidade e, mais especificamente no terceiro capítulo, sobre como o samba – em sua condição já reconhecida de símbolo da Nação – se relacionava com valores socialmente defendidos como essenciais da nacionalidade brasileira.

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A historiografia já dedicou incontáveis páginas para explicar, em diferentes aspectos, a nacionalização do gênero. A perspectiva nacional é, normalmente, a adotada para se entender qualquer que seja a questão relacionada ao samba neste período, seja considerando a participação do Estado e das elites políticas na ascensão do gênero ou nas representações do país feitas pelo cancioneiro 86. Temos importantes estudos apontando o peso da repressão na Era Vargas, como, por outro lado, temos excelentes trabalhos pontuando também as inúmeras formas de resistência dos compositores populares a essas investidas repressoras. Novas pesquisas apontam que para além das estratégias de sobrevivência dos artistas – e da própria arte, o samba – talvez se tenha superdimensionado as barreiras que o Estado e as elites impunham à canção popular. De todo modo, mesmo quando se tenta diminuir a presença ou a relevância do Estado para a produção das canções, ele não deixa de ser o referencial. Neste trabalho a perspectiva adotada é a de que o maior “compromisso” dos sambas era com a defesa e a construção do próprio samba e, portanto, nosso interesse está naquilo que ele dizia de si. As considerações acerca do Estado e os discursos do nacional entram nessa história na medida em que ao exaltar suas qualidades, muitos sambas exaltaram também o Brasil. Já no célebre exemplo dos sambas ditos de exaltação, Aquarela do Brasil87, de Ary Barroso, é possível ver como ao saudar o Brasil também se está falando de samba. O gênero, assim como o verde das matas ou os coqueiros “que dão coco”, aparece como a característica mais elementar do país e já é dotado de ancestralidade, como se sempre tivesse sido assim. Nesta canção ele é relacionado às “cortinas do passado”, à “mãe preta” dos tempos da escravidão e às donas que arrastavam os vestidos nos salões. Tratava-se, afinal, de uma “terra de samba e pandeiro”. O nacionalismo ufanista foi uma das principais marcas da obra de Ary Barroso (que também compôs sobre outros temas comuns ao cancioneiro de seu tempo). O sucesso de Aquarela do Brasil foi estrondoso desde o seu lançamento, rendendo novas

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Para os diferentes aspectos da questão nacional relacionados ao samba VER, especialmente: NAPOLITANO, Marcos. História e Música: História cultural da música popular. Belo Horizonte: Autêntica, 2005; NETTO, Michel Nicolau. Música brasileira e identidade nacional na mundialização. São Paulo: FAPESP/Annablume, 2009; ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 1985; PARANHOS, Adalberto de Paula. Os desafinados: sambas e bambas no “Estado-Novo”. Tese de Doutorado. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2005; TATIT, Luiz. O século da Canção. 2. ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008; TINHORAO: 1998 e VIANNA: 2007. 87 “Aquarela do Brasil” (Ary Barroso), Francisco Alves. 78 rpm, Odeon, 1939.

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gravações, versões e análises que atravessariam o século. E na esteira da canção gravada por Francisco Alves, outras com a mesma tônica foram compostas por Ary. Exaltava-se as belezas e riquezas do Brasil que podiam ser tanto a fauna e a flora, a luz da lua ou as águas do mar, quanto os “representantes do povo” – a mulata e os “morenos”. Mas, sobretudo, exaltava-se o samba. Em Brasil moreno88, gravada dois anos depois por Cândido Botelho, a introdução e partes da melodia de Aquarela do Brasil são retomadas, embora a temática agora já valorize mais explicitamente a musicalidade nacional. Aqui, o Brasil é incentivado a conhecer os sons do sertão, a ouvir o violão, o canto dos pássaros, o ritmo com o qual bate o seu coração e, como é de se imaginar, é no samba (especificamente os dos batuques feitos ao sereno) que o “Brasil moreno” se encontra. Como Ary Barroso outros compositores tematizaram a grandiosidade do país e fizeram versos com juras de amor à Pátria. Heitor dos Prazeres, por exemplo, em 1932 lançou o seu Progresso89 na voz de Fernando de Castro Barbosa. Nesta canção, além de ressaltar o orgulho do Brasil e afirmar a necessidade de defender sua bandeira, há ainda a associação ao samba: “Brasil, terra do samba de fato / Por essa terra eu me mato”. A rima garantia que entre as características gloriosas estivesse o samba “de fato” e a consequência que isso trazia para o sambista. Exageros à parte, a tematização estava em acordo com o que era cantado repetidamente no momento. Herivelto Martins e Benedito Lacerda lançaram na voz de Alzirinha Camargo, em 1936, um bom exemplo de um samba que utilizava a defesa e elogio ao Brasil como artifício para consagrar o próprio samba, a partir da muito repetida definição do gênero como sendo o Ritmo do coração90: E enfim meteram o samba Na cabeça do estrangeiro Nem que seja preciso Eu cantar o ano inteiro O samba é alegria O samba é paixão O samba tem o mesmo

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“Brasil moreno” (Ary Barroso e Luiz Peixoto), Cândido Botelho. 78 rpm, Odeon, 1941. “Progresso” (Heitor dos Prazeres), Fernando de Castro Barbosa. 78 rpm, Columbia, 1932. 90 “Ritmo do coração” (Benedito Lacerda e Herivelto Martins), Alzirinha Camargo. 78 rpm, Odeon, 1936. 89

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Ritmo do coração O samba quando é triste faz chorar E quando é alegre faz cantar É a melodia encantada Que revela nossas mágoas Sem a gente dizer nada O samba é melodia feiticeira Que deve dominar a terra inteira Um samba saltitante, Alegre e bem brejeiro Diz quanto é feliz O povo brasileiro

Como nesta canção, falava-se em tantas outras do samba como sendo a Canção nacional91. Na canção de Ari Monteiro e Peterpan, por exemplo, maldizer o samba não é visto apenas como uma ofensa ao gênero, mas como uma falta de nacionalismo: Samba, não precisa de ostentação Basta um pandeiro e um violão Um tamborim, uma cuíca Um chocalho e um cavaquinho Vejam só que bom que fica O samba é a nossa canção nacional Não gosta do Brasil Quem do samba falar mal

Na segunda parte da canção há ainda outra maneira de associar o gênero e o Brasil muito explorada no período: a relação com outros gêneros musicais. Em Canção nacional as canções nacionais de outras Nações são apresentadas conforme sua origem. O mais curioso é que ao falar do samba é sugerida certa “dificuldade” para que ele fosse alcançado. Ao contrário do que diziam as outras canções, aqui não é como se o samba existisse “desde sempre” e não tivesse sido sempre a característica mais essencial do brasileiro. Mesmo sendo uma exceção ao que se repetia no cancioneiro (como se verá, Peterpan será responsável por outras exceções trabalhadas a seguir), o samba 91

“Canção nacional” (Ari Monteiro e Peterpan), Quatro Ases e Um Coringa. 78 rpm, Odeon, 1945.

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permanecia sendo reconhecido como uma característica do país. Ainda que a caracterização fosse recente. Donde estás corazón Quando a gente ouve um tango Lembra logo da argentina Na América do Norte O fox-trote é quem domina O bolero é mexicano E a rumba é do cubano E o fado é português No Brasil temos o samba Custou, mas chegou a nossa vez

No caso de Foi em 150092 de Roberto Martins, Moreira da Silva também canta uma menção ao fado português, mas a partir de uma breve e confusa “história” do Brasil, em que a solução para o “problema” nacional era a identificação direta com o samba: “Resolveu o caso, cada um para o seu lado / Nós aqui cantando samba / E eles lá cantando fado”. Em outros casos a relação com outros gêneros era francamente marcada pelo apontamento da superioridade do samba. Em Micróbio do samba93, por exemplo, Odete Amaral dá voz ao sambista que se garante nas rodas, por ter o “micróbio do samba” nas veias: (...) Duvido que exista quem possa igualar O estilo da bossa que eu tenho pra dar Meu corpo já treme e até bamboleia Eu tenho o micróbio do samba na veia Ninguém me convence o que eu já sei de cor Que a dança do samba é o que há de melhor

No caso de Quero um samba94 de Wilson Batista e Valdemar Gomes, Araci de Almeida canta o absurdo que é estar em um baile no Rio de Janeiro – descrito como “A terra de Sinhô / O berço de Noel” – onde não se toca samba: “Não danço tango, nem swing, nem a rumba / Gosto do choro, do batuque, da macumba / Sou brasileira, tenho 92

“Foi em 1500” (Roberto Martins), Moreira da Silva. 78 rpm, Columbia, 1934. “Micróbio do samba” (Amado Regis) Odete Amaral. 78 rpm, Odeon, 1942. 94 “Quero um samba” (Wilson Batista e Valdemar Gomes), Araci de Almeida. 78 rpm, Odeon, 1943. 93

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a pele da cor do sapoti / Gosto do samba porque faz meu corpo sacudir”. Assim como Araci, Carmen Miranda foi uma das cantoras do período que mais canções gravou representando as belezas de um Brasil sambista. Para além da própria imagem artística construída em cima da Pequena notável – com “motivos brasileiros” – e da carreira internacional de grande repercussão, Carmen tem um vasto repertório que exalta tanto o país quanto o gênero, conforme se verá ao longo de todo este trabalho. Aqui, vale destacar o Imperador do samba95 gravado por ela em 1937 em que, como em uma procissão Real, os gêneros organizados hierarquicamente saúdam o samba: Silêncio, façam alas Ordem, respeito e nem um grito de bamba Quero os tamborins de grande gala Que vai passar o Imperador do Samba A Imperatriz Marcha também Na frente de um garboso batalhão E vem a Princesa Rumba Pra ver Sua Majestade Também vem a Macumba (Por isso eu peço muito silêncio) Com o Tango e a Valsa vem também Entoando um hino de louvor Vêm a Embolada e a Toada E vem o Blues americano Pra saudar o Imperador

Com significados semelhantes, o gênero era muito cantado como aquilo que representava o Brasil para o mundo (e não apenas como um exercício nacionalista para os próprios brasileiros), algo como a Alma de um povo96 ou o “Diplomata sonoro do meu país”, como na representação de Benedito Lacerda e Darci de Oliveira em Samba97, que tinha por objetivo percorrer os rincões do universo apresentando a todos o que o país tinha de melhor. Cantar samba às vezes tomava a forma de uma missão, como em

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“Imperador do samba” (Valdemar Silva), Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1937. “Alma de um povo” (Amado Regis e Sinval Silva), Odete Amaral. 78 rpm Victor, 1938. 97 “Samba” (Benedito Lacerda e Darci de Oliveira), Anjos do Inferno. 78 rpm, Columbia, 1942. 96

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Cheguei, vi e gostei98 gravado por Odete Amaral em 1938: “Cheguei, vi e gostei / Por isso pra roda do samba eu entrei / E um compromisso eu assumi / De ir ao estrangeiro / Provar o valor do samba brasileiro”. Em casos como o grande sucesso Brasil pandeiro99, de Assis Valente, o tom missionário assume ainda a faceta de que aos outros era importante conhecer o samba e seus elementos, e não o contrário, de que o samba teria a necessidade de se fazer conhecido no exterior. A falta de expressões que assemelhassem às qualidades do samba fazia com que essa missão fosse, finalmente, a vitória “dessa gente bronzeada”. De fato, o samba aos poucos se tornava um gênero de moderado sucesso internacional, conhecido e, definitivamente, associado ao povo brasileiro. Como visto, não se tratava de “qualquer samba”, mas do estilo carioca, urbano, o samba moderno que havia superado as marcas rurais e “atrasadas” do estilo anterior (bem como de outros gêneros contemporâneos), acompanhando o processo de modernização pelo qual o próprio país passava. Portanto, se ao se dizer brasileiro o samba exaltava sua importância ou sua “vitória”, era em relação ao Rio de Janeiro que ele marcava sua identificação. Na voz de Carmen Miranda, ainda em 1934, O samba é carioca100: O samba para ser bem brasileiro Tem que ser feito no Rio de Janeiro O carioca não tem medo de muamba E podem mesmo falar mal Mas no samba ele é bamba Embora não querendo Todos têm que dar valor Porque o povo carioca É francamente do amor É de arrelia que Quando o samba é brasileiro Desafia todo mundo E na cadência é o primeiro

98

“Cheguei... vi... gostei” (Amado Regis e Marcílio Oliveira), Odete Amaral. 78 rpm, Victor, 1938. “Brasil pandeiro” (Assis Valente), Anjos do Inferno. 78 rpm, Continental, 1941. 100 “O samba é carioca” (Osvaldo Silva), Carmen Miranda. 78 rpm, Victor, 1934. 99

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Quando ele é carioca Corre o mundo e não é sopa É ouvido e é visado E desacata até na Europa

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CAPÍTULO 2 O samba vem de lá (alegria também)

Quando Aurora Miranda entrou nos estúdios da Odeon em 1934 para gravar os versos que consagravam de vez o Rio de Janeiro como a “Cidade Maravilhosa / Cheia de encantos mil” 101, a ideia de que por ali morava o “Coração do meu Brasil” já corria as ruas da cidade há muito tempo. Naquele momento o Rio ainda era capital do país e, embora tivesse que disputar cada vez mais espaços de poder com as elites paulistanas, era por lá que as grandes decisões eram tomadas. A cidade ainda neste período enfrentava os impactos da modernidade que, em teorias um pouco alheias a sua realidade, haviam ensejado transformações no espaço urbano desde as últimas décadas do século anterior. Era neste entremeio de cidade e capital que o Rio definia seus contornos ao mesmo tempo em que, em suas ruas, se discutia os próprios contornos do país. E ao buscar as definições do Estado-Nação, os ideólogos do nacional – políticos e intelectuais –, encontravam no Rio de Janeiro os modelos para o Brasil. Culturalmente, o Rio “fazia sentido”. A cidade fervilhava, desenvolvia linguagens modernas e capazes de unificar ou equilibrar as muitas contradições sociais que marcavam os processos pelos quais o país passava. Equilibrar essas contradições era, de certo modo, resolver os “problemas” que inviabilizavam a Nação. E, entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras do XX, o Rio de Janeiro parecia dar as respostas necessárias. Na cidade-capital os projetos de modernização da região central ao lado da ocupação crescente pelas populações mais abastadas da região beira-mar na Zona Sul já permitiam que a Cidade de São Sebastião102, na década seguinte, fosse cantada por Francisco Alves em comparação às outras áreas urbanas do país: “Não há Cidade mais bela / Suave aquarela pintada por Deus”. Em relação ao cancioneiro popular o Rio era, de fato, o “Berço do samba e das lindas canções / Que vivem n'alma da gente”. 101 102

“Cidade maravilhosa” (André Filho), André Filho e Aurora Miranda. 78 rpm, Odeon, 1934. “Cidade de São Sebastião” (Nássara e Wilson Batista), Francisco Alves. 78 rpm, Odeon, 1941.

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Neste período houve uma enorme quantidade de gravações fazendo menção à identificação entre Rio de Janeiro e samba. Se o Rio era a Cidade Maravilhosa, o samba só podia ser, sempre, uma das “Duzentas sublimes belezas / Que as outras cidades não têm”. Nos versos cantados por Francisco Alves até mesmo a representação do céu carioca podia ser associada à cadência do samba: Rio Cidade de São Sebastião Rio do cavaquinho, flauta e violão Teu céu é um grande pandeiro Crivado de estrelas de brilho sem par Pandeiro que faz a cadência De um povo que canta e sabe sambar (...)

A cidade já era o berço consagrado do samba desde a ascensão do estilo moderno. As canções de maior sucesso nos discos e nas rádios de todo o país eram feitas por lá, quando não tratavam do próprio Rio associado às representações do gênero. Ele era tido como o lugar que havia fornecido ao país algo de que se orgulhar. Mas analisando as canções gravadas nos anos 1930 e na primeira metade da década de 1940 percebe-se um aspecto repetido inúmeras vezes: conforme a delimitação do mundo do samba se acentuava era preciso dizer com mais precisão qual era sua origem. O amplo e diversificado Rio de Janeiro, cujo cotidiano era atravessado por diversos conflitos e contradições sociais, não seria suficiente para localizar as origens verdadeiras e mais profundas do gênero e de seus bambas. Mesmo que o samba tivesse surgido oficialmente em 1916 e apenas nos anos 1920 fosse se estruturar na maneira como seria conhecido, já na década de 1930 ele passa a cantar seu nascimento em um longínquo passado onde tudo era diferente e melhor. E este passado era espacialmente delimitado ao morro – sempre oposto à cidade que aqui já não é mais o Rio, mas outro Rio – ou, especificamente, a certos morros e a certos bairros do subúrbio carioca. É sobre esta localização dos espaços de origem do samba, cantada em tantos conflitos no próprio gênero, que esse capítulo vai tratar. Para além das disputas que atravessam toda a definição do mundo do samba, interessam mesmo que tangencialmente aquelas que competem ao outro mundo: o que não é tão pefeito e

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prazeroso quanto o cantado, aquele onde os encantos mil se confundem em meio às contradições da cidade-capital. Cidade Maravilhosa Uma das grandes contradições que atravessou a formação social brasileira foi provavelmente o descompasso entre o povo que existe por aqui e a sociedade que alguns querem criar. Ao menos esta era a grande questão para os intelectuais e as elites brasileiras no final do século XIX. Se por um lado eles ansiavam a modernização que faria do país algo próximo às grandes nações europeias, por outro, eles tinham que lidar com a realidade de uma enorme população escravizada (a escravidão já era vista com horror nos novos tempos, mas, no Brasil, ainda era parte fundamental da economia). A Abolição em 1888 ou a República que teve início no ano seguinte não conseguiram solucionar a questão: o Brasil era uma terra de homens livres, mas miseráveis. No caso do Rio de Janeiro essa contradição estava às vistas de qualquer passante já que compunha a paisagem do centro da cidade onde coexistiam as sedes dos Poderes, empresas, comércios e uma enorme população pobre amontoada em cortiços. As imagens pitorescas desses cortiços onde “uma enorme população pobre” se “amontoava” foram amplamente representadas na literatura e na historiografia brasileira ao longo do século XX e nas últimas décadas do anterior, e o que se tem é que eles eram algo como o espaço da barbárie, onde não há salubridade e com uma gente desprovida de quaisquer noções de higiene. Viviam por lá os trabalhadores pobres (livres ou não) da cidade que precisavam residir próximos aos locais de trabalho – em meados do XIX, as atividades ligadas ao comércio e à indústria estavam concentradas na região central103. Para além destes, os espaços abrigavam também “vagabundos e malandros”, categorias que podiam contemplar tanto os homens livres não afeitos ao trabalho quanto a cada vez maior quantidade de libertos e escravos fugidos não assimilados nas relações produtivas da cidade. Passado maio de 1888, os cortiços se tornaram também o destino de uma enorme população recém-liberta que chegava às ruas do Rio por força da lei, mas sem que o Estado lhe proporcionasse qualquer tipo de amparo. Essa configuração 103

As informações sobre atividades industriais no Rio de Janeiro dos séculos XIX e XX foram retiradas de: ABREU, Maurício de Almeida. A evolução urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPLANRIO/Zahar, 1987, p. 54 a 59; 79 a 86.

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populacional bastava para que o lugar fosse “definido como um verdadeiro „inferno social‟, [...] antro da vagabundagem e do crime, além de lugar propício às epidemias, constituindo ameaça à ordem social e moral” (VALLADARES: 2005, p. 24). Por volta da década de 1970 até as primeiras do século XX, a intelectualidade brasileira manteve intenso contato com o pensamento cientificista que, em meados do XIX, impactava os homens de ciência (e de letras) da Europa. Como aponta Lilia Schwarcz em O Espetáculo das Raças, correntes diversas do pensamento evolucionista se mesclavam ao ideário positivista e às perspectivas de determinismo racial nos processos de entendimento das contradições e nos projetos de construção da Nação e, mais do que uma simples importação, a intelectualidade brasileira acabou desenvolvendo novas perspectivas destas ideias, adaptadas as suas questões cotidianas104. No Rio de Janeiro, as adaptações destas correntes de pensamento – que, no século XIX, não ensejavam pesquisas e produções propriamente científicas – logo foram relacionadas aos problemas sociais que precisavam ser tratados, sanados pelo Estado: as epidemias. De fato, o Rio passou por surtos epidêmicos de febre amarela e cólera na década de 1850 com altos índices de mortalidade e logo a propagação dessas doenças foi associada às condições de habitação da população pobre105. Data também dos anos 1850 o reconhecimento da existência dos cortiços por parte do poder público e o entendimento de que lá viviam esses pobres e, portanto, os problemas de salubridade. Para se ter ideia da importância atribuída a essa questão foi criado na Corte um órgão para tratar exclusivamente das questões de higiene, a “Junta Central de Higiene”, e, no que se refere às questões legais, a Câmara Municipal passou a deliberar sobre a situação das habitações populares. Embora ainda nesta mesma década já houvesse propostas de melhoria das condições de cortiços, hotéis, hospedarias e estalagens, o que acabou virando lei em um primeiro momento foi a proibição da criação de novos cortiços sem autorização da Câmara e aprovação da Junta, sem que fossem tomadas quaisquer medidas relativas aos já existentes 106.

104

SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: Cientistas, Instituições e Questão racial no Brasil 1870 – 1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. 105 Sobre as epidemias na Corte VER: CHALHOUB, Sidney. “Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial”. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 106 Para as medidas administrativas relativas aos cortiços VER: ABREU: op. cit, p. 49 e 50; CHALHOUB: op. cit, p. 30 e 32; MATTOS, Romulo Costa. Pelos pobres!: As campanhas pela

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Nos anos que se seguiram a questão tomou nova forma e a perspectiva da Higiene, ancorada no cientificismo adaptado aos problemas da cidade, passou a ditar as relações dos cortiços com as esferas de poder já com a ideia da intervenção estatal como caminho para o Rio de Janeiro são, limpo e, enfim, moderno. Já no primeiro relatório da Comissão de Melhoramentos da Cidade do Rio de Janeiro – o primeiro plano conjunto da cidade, segundo Maurício de Abreu –, ainda em 1875, os problemas de higiene, circulação e beleza do centro são apontados como os que deviam sofrer intervenção do Estado. As contradições urbanas da região central já eram o foco das atenções quando, na nova República, médicos e engenheiros passaram a ocupar cada vez mais cargos administrativos e a vislumbrar como solução novas modalidades de habitação popular. O primeiro passo não foi a transferência da população para essas novas moradias – que nesta época não passavam de conjecturas – mas a caçada aos cortiços. A história do desmonte do Cabeça de Porco – um símbolo da Higiene e do sanitarismo na administração pública do Rio – foi narrada por Sidney Chalhoub como uma verdadeira “operação de guerra” realizada em janeiro de 1893. O prefeito Barata Ribeiro teria mobilizado autoridades políticas, fiscais, guardas, exército, armada, brigada policial, imprensa e curiosos, para dar fim ao maior cortiço do Rio que, supostamente, já chegara a abrigar quatro mil pessoas. Chalhoub resgata a notícia do desmonte dada pelos jornais da época mostrando como apesar dos avisos da demolição ainda havia moradores tentando retirar móveis e colchões do Cabeça de Porco antes que ele viesse a baixo 107. Com esta grande operação, o Rio de Janeiro punha em prática a caçada aos cortiços do centro em nome da Higiene e limpeza urbana. Nos primeiros anos do século XX o prefeito Pereira Passos levaria esta perspectiva a novos patamares. Com o projeto de Embelezamento e Saneamento da Cidade a administração municipal proibiu o comércio informal de alguns produtos nas ruas do Centro – atividade da qual se ocupava parcela significativa da população carioca – e deu prosseguimento à caçada aos cortiços que haviam resistido à gestão Barata Ribeiro. Além disso, o projeto de Pereira Passos foi responsável pela demolição de várias casas da região central, onde também viviam trabalhadores pobres, para que diversas ruas fossem alargadas. O projeto era claro: saneamento de um lado e construção de habitações populares e o discurso sobre as favelas na Primeira República. Tese de Doutorado. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2008, capítulos 2 e 3; VALLADARES, Licia do Prado. A invenção da favela: do mito de origem a favela.com. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. 107 CHALHOUB: op. cit., p. 15 a 20.

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embelezamento do outro. E, para esta última perspectiva, além das ruas alargadas o Rio de Janeiro viu pela primeira vez a moderna pavimentação com asfalto; jardins e estátuas foram levantados em áreas estratégicas, pavilhões arquitetônicos foram construídos, a conexão entre o Centro e a Zona Sul foi melhorada e, finalmente, foi aberta a Avenida Central levando de vez os ares de modernidade para o Centro108. Neste momento, a cidade podia se descentralizar com as expansões para o sul e para o norte porque já nos anos 1850 foram feitos os primeiros investimentos, da iniciativa privada, significativos para a mobilidade urbana: em 1858 foi inaugurado o primeiro trecho da Estrada de Ferro Dom Pedro II (atual Central do Brasil) e em 1859 a primeira linha de bonde de burro (ligando a atual Praça Tiradentes à Tijuca). Da década seguinte até o ano de 1902 a malha urbana do Rio de Janeiro viveu a primeira fase de expansão acelerada, cabendo aos bondes (primeiro os de burro e depois os elétricos) ligar o Centro à região portuária, às áreas mais próximas da Zona Norte e, principalmente, à Zona Sul109. Aos trens caberia viabilizar a expansão da cidade para as regiões mais afastadas do atual subúrbio: em 1870 a estação de Cascadura já contava com dois trens diários, cujos horários estavam ajustados ao início e fim dos expedientes do centro da cidade, e o aumento da demanada com o adensamento da região incentivou a inauguração de mais estações fazendo com que as linhas de ferro chegassem, ainda no final no século XIX, até Madureira. Ocorre também nas últimas décadas do XIX o deslocamento industrial do Centro para o bairro de São Cristóvão – ocupado até então por casarões de famílias abastadas que começavam a migrar para as regiões beira-mar da Zona Sul – e bairros próximos como Vila Isabel e Tijuca. Com as novas facilidades de transporte, a migração do eixo industrial para o subúrbio, o desmonte dos cortiços e o encarecimento das habitações nas regiões centrais da cidade, a faixa que acompanhava a estrada de ferro logo foi povoada por trabalhadores em busca de moradias mais acessíveis. Essa nova perspectiva de expansão fez com que incentivos fiscais fossem concedidos às empresas 108

ABREU: op. cit., p. 59 a 67. Sobre vias de transporte urbano no Rio de Janeiro VER: ABREU: op. cit., p. 43 a 58; SANTOS, Noronha. Meios de transporte no Rio de Janeiro: história e legislação. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura / Departamento Geral de Doc. e Inf. Cultural, Divisão de Editoração, 1996; SILVA, Maria Lais Pereira. Os transportes coletivos na cidade do Rio de Janeiro: tensões e conflitos. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes / Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1992. 109

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que construíssem “vilas operárias” para seus funcionários com moradias construídas sob critérios de Higiene, o que de fato ocorreu em finais do XIX e princípios do XX, absorvendo uma pequena parcela da população que vinha sendo desabrigada na implementação dos projetos de modernidade. Assim, “Trem, subúrbio e população de baixa renda passavam a ser sinônimos aos quais se contrapunha a associação bonde/zona sul/estilo de vida „moderno‟” (ABREU: op. cit., p. 57). Mas a higienização e desconcentração populacional do centro do Rio levou, além do norte e do sul, a uma terceira via de expansão: o alto. Uma das primeiras ocupações massivas, irregulares e desordenadas de um morro carioca remete novamente ao desmonte do Cabeça de Porco em 1893 quando, no desfecho do episódio narrado por Chalhoub, parte dos moradores do cortiço saíram de lá com pedaços de madeira e móveis que resistiram à demolição e foram às encostas do morro mais próximo, mais tarde chamado de Providência110. A eles se juntaram soldados recém-chegados da guerra de Canudos que ali ficaram para pressionar o Ministério da Guerra a pagar os soldos atrasados. E foi de Canudos que o morro recebeu o nome pelo qual ficaria conhecido no início do século XX e que depois passaria a denominar indiscriminadamente qualquer morro com ocupação irregular e desordenada: Favella. Para Licia Valladares o morro da Favela passou a ser chamado de tal forma não apenas porque lá os combatentes de Canudos encontraram a planta favela que cobria a região do sertão baiano onde Antônio Conselheiro levantou sua cidade, mas porque do lado de baixo a população enxergava no alto do morro um mundo desconhecido, estrangeiro e perigoso como o descrito por Euclides da Cunha em Os Sertões e que tanto impacto causava na intelectualidade carioca. A Favela é vista, portanto, como o sertão, a não-cidade de Canudos formada no Rio por aqueles que antes viviam no “inferno social”. E se com a virada do século os cortiços – existindo ainda apenas de maneira residual – haviam sido esquecidos pela intelectualidade carioca, ávida por embelezar e modernizar suas ruas, havia agora a Favela e, mais tarde, as favelas como novo alvo das preocupações sociais. Eram estes os novos espaços tidos como da

110

Embora o Morro da Providência tenha sido consagrado como a primeira favela carioca, outros morros são apontados como tendo passado por processos de ocupação anteriores a ele. Licia Valladares, por exemplo, aponta o Morro de Santo Antônio, a Quinta do Caju, a Serra Morena e a Mangueira (que não corresponde ao atual Morro da Mangueira, mas a uma extinta ocupação em Botafogo) como sendo anteriores à Providência, datando de cerca de 1881 (VALLADARES: 2000, p. 7 a 8).

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“vagabundagem e do crime” e que, na perspectiva dos da cidade, constituíam as novas ameaças às “ordens social e moral”. Em sua tese de doutorado, Romulo Costa Mattos (2008) realizou uma importante análise do período de emergência das favelas no Rio de Janeiro a partir dos discursos que a colocavam em questão tanto na imprensa quanto nos debates políticos. Nas discussões oficiais, as ocupações nas encostas de morro não eram tidas ainda como um problema habitacional (como eram as habitações coletivas na cidade) nos primeiros anos do século XX, mas um “problema de polícia”111. Esta perspectiva era endossada pelo debate público uma vez que na imprensa, os morros ocupados, especialmente a Favela, tinham espaço cativo nas crônicas policiais 112. Como apontam as análises de Mattos, a despeito das diferenças editoriais e dos públicos supostamente distintos que acompanhavam os veículos midiáticos na Primeira República, “os jornais da grande imprensa se harmonizavam quanto ao objetivo de unificar normas, padrões e valores a serem disseminados na República em construção” (Op. cit, p. 95) e todos tinham como fundamento o ideal de progresso e civilização. O autor fez um levantamento de matérias jornalísticas sobre as favelas publicadas nos cinco periódicos de maior destaque no período evidenciando como havia um consenso nas representações do espaço como sendo um antro de conflitos, violência e desordem. Os habitantes do morro da Favela apareciam frequentemente nas crônicas policiais como as “classes perigosas” tanto pelo comportamento violento e criminoso inato (ou ao qual tinham “tendência”), quanto pelos riscos de contágio de moléstias variadas que representavam. É a partir desta expansão do Rio de Janeiro onde cada espaço já surgia com significações específicas relacionadas à gente e às condições sociais que o compunha que, nos anos 1930 e 1940, o samba vai localizar a sua origem e delimitar os espaços em que existia em essência, de modo puro e legítimo. Em seguida, será traçado um esboço do mapa das origens do samba, a partir do que eles diziam e de como esses espaços eram identificados nas próprias canções. O roteiro começa na Favela e tem como estações finais Madureira e Cascadura.

111 112

Ibidem, p. 122 a 133. Ibidem, p. 94 a 122.

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Berço do samba e das lindas canções Localizado na região portuária do Rio, entre os bairros da Gamboa e da Saúde, o morro da Favela 113 foi sem dúvidas um dos lugares mais cantados pelos sambas dos anos 1930 e 1940, dividindo o primeiro lugar somente com o morro da Mangueira. Se para a intelectualidade carioca a Favela, desde os primeiros anos do século XX, era o reduto de toda a gente indesejável ao cenário da Cidade Maravilhosa, como visto anteriormente, para o cancioneiro a história era bem diferente: longe de ser um problema, a Favela era cantada como sendo o berço do samba, um lugar de alegria, de gente bamba que sabia sambar de verdade. Em gravação de 1936, por exemplo, Francisco Alves cantava as saudades de um tempo feliz que o personagem de Favela114 associava ao morro graças, principalmente, ao samba: “Favela das noites de samba / Berço de ouro dos bambas”. Em Favela morena115, de 1943, Odete Amaral também identifica o lugar como o “Berço do samba dolente / Da melodia morena / Que fere a alma da gente”. E com o reconhecimento de fundador do samba, o morro da Favela também seria cantado com a ancestralidade dos “bons tempos” e a profundidade histórica de um passado quando tudo era melhor. Até mesmo o samba: Favela, minha Favela Eu hoje choro com saudade de você Naquele tempo feliz Que para mim eram flores Oh favela dos meus amores Não ouço mais batucada 113

Há uma dificuldade em identificar quando as canções se referem especificamente ao morro da Favela ou às favelas de modo geral. De acordo com as pesquisadoras Jane Oliveira e Maria Marcier (OLIVEIRA, MARCIER: 1998, p. 66 a 71), somente a partir dos anos 50 é que as canções passam a usar o termo “favela” para se referir aos morros de um modo geral. Para chegarem a esta conclusão, as pesquisadoras utilizaram como critério de análise do significado do termo a grafia do “F” (se iniciado em letra maiúscula ou minúscula). Entretanto, durante a análise das fontes para este trabalho, encontrei documentos diversos referentes à mesma canção (como a partitura registrada, o contrato de cessão de direitos e o catálogo da gravadora, por exemplo) que não mantinham um padrão quanto à grafia do termo “favela”. Portanto, o método desenvolvido pelas pesquisadoras pode não ser suficiente. Mas, de todo modo, entre os anos de 1930 e 1945 o morro da Providência ainda era, de fato, conhecido como morro da Favela e, mesmo que as canções possam se referir a outro espaço que não àquele, como se verá, as significações dadas a todos os morros no período analisado se repetem. 114 “Favela” (Roberto Martins e Valdemar Silva), Francisco Alves. 78 rpm, Victor, 1936. 115 “Favela morena” (Estanislau Silva e João Peres), Odete Amaral. 78 rpm, Odeon, 1943.

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Não vejo briga no morro Nem as cabrochas a gritarem por socorro Tudo aqui é diferente, nada existe igual Até mesmo o samba que era o meu ideal

Nesta canção de 1938 116, aquele tempo feliz é recordado como se houvesse passado sem deixar vestígios e até mesmo a violência da Favela, que o samba em poucas ocasiões reconhecia, é lembrada com saudade. Em Como a Favela mudou117 o saudosismo de Herivelto Martins identifica, mais uma vez, o lugar como origem do gênero musical e afirma também que com o advento das transformações (do samba, do morro e até mesmo da percepção dos sambistas) os encantos acabaram: “De que forma a Favela mudou / Como triste a Favela ficou / Só parece que tudo morreu / Lá no morro onde o samba nasceu”. Em relação ao bairro onde estava a Favela, o grupo Quatro Ases e um Coringa também cantou o passado glorioso do samba: “Gamboa já foi o berço dourado / A glória do batuque respeitado / Mas hoje vive triste e abandonada / Gamboa já não tem mais batucada”118. Mas o entendimento de que o samba havia mudado e os tempos áureos da Providência não existiam mais não foram suficientes para que ao longo do período analisado a Favela não aparecesse ao lado dos principais redutos do samba quando as canções delimitavam a territorialidade do gênero. Mesmo conquistando novos espaços, os sambistas sempre retornariam ao morro da Favela como veremos a seguir e, apesar de toda a ancestralidade que era associada ao local (e das transformações e demolições que ele sofreu), nos versos de Heitor dos Prazeres em Até que enfim Favela119, de 1945, o morro ainda não morreu: Até que enfim apareceu a Favela Favela que todo mundo esqueceu Lá vem ela, lá vem ela Descendo o morro Para mostrar que não morreu

116

“Favela dos meus amores” (Roberto Cunha), Gilberto Alves. 78 rpm, Columbia, 1938. “Como a Favela mudou” (Herivelto Martins e Rogério Nascimento), Castro Barbosa. 78 rpm, Columbia, 1939. 118 “Gamboa” (Orestes Xavier), Quatro Ases e Um Coringa. 78 rpm, Odeon, 1942. 119 “Até que enfim Favela” (Heitor dos Prazeres), Nelson Gonçalves. 78 rpm, Victor, 1945. 117

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É hora de afinar nossos violões Vamos alegrar nossos corações Na hora do povo sambar Favela não pode faltar Agora sim o povo vai cantar Favela reapareceu Favela ainda não morreu Lá vem ela, lá vem ela Descendo o morro Para mostrar que não morreu

Descendo o morro da Providência e atravessando a Gamboa, logo se chegava à praça mais importante da história do samba. Ao lado da casa da famosa Tia Ciata onde, entre tantas histórias, Donga supostamente teve as inspirações de Pelo Telefone, a Praça Onze foi um reduto de sambistas dos primeiros tempos, sediou por anos as comemorações de rua do Carnaval e vivenciou o primeiro desfile de Escolas de Samba do Rio. A praça foi tematizada em diversas canções sempre como um espaço relacionado aos desfiles das Escolas e dos cordões, o lugar por excelência do Carnaval, onde se encontrava samba de verdade (a primeira geração, embora fizesse parte da história da Praça Onze, aos poucos já não fazia mais parte da história cantada do gênero). Em Oi, Maria120, de 1932, Moreira da Silva cantava os desfiles de cordões que aconteciam no lugar um ano antes da autorização para a primeira disputa de Escolas de Samba. A canção nos apresenta uma Maria sambista que não media esforços para festejar o Carnaval: “Oi, Maria, samba de noite e de dia / A madrinha do cordão tem a pele cor de bronze / Vem a pé de Deodoro, segurando o estandarte / Pra dançar na Praça Onze”. O lugar também era o cenário da (quase) história de amor entre uma morena do morro da Mangueira e um enamorado que a observava sambar e gargalhar, sem desviar a atenção do samba, em Foi na Praça Onze121. A praça aparece também em Cansado de sambar122 em meio a muitas das significações que o samba atribuía a si mesmo. Aqui, além de se reafirmar como o que 120

“Oi, Maria” (Assis Valente), Moreira da Silva. 78 rpm, Victor, 1932. “Foi na Praça Onze” (Max Bulhões e Milton de Oliveira), Fausto Paranhos. 78 rpm, Victor, 1937. 122 “Cansado de sambar” (Assis Valente), Bando da Lua. 78 rpm, Victor, 1936. 121

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havia de melhor, algo pelo qual se daria a própria vida, é possível encontrar também um Rio de Janeiro onde as diferentes atribuições (das cidades e da capital) estão em conflito. Para o mundo do samba, o reconhecimento vem com as significações já relacionadas a ele e com a exaltação dos espaços também já legitimados em tantas outras canções – ou seja, quem legitima o samba neste mundo cantado, são os próprios versos de outros sambas – mas para além dele, para as relações que o samba estabelecia entre aqueles que o vivenciavam e as instâncias socialmente reconhecidas como legitimadoras de produções e expressões culturais, talvez fosse preciso outro tipo de reconhecimento como na canção do polêmico Assis Valente: (...) Eu nasci na Praça Onze Dou a vida pra sambar Já sambei lá na Favela Salgueiro, Portela e Estácio de Sá Vou sambar lá no Catete Pro „seu presidente‟ me condecorar

Em 1941 a Praça Onze de Junho foi descaracterizada em função de novas reformas urbanas que ampliavam as ligações entre o Centro e a Zona Norte da cidade, com a abertura da avenida Presidente Vargas. A partir de então, o lugar deixou de sediar os desfiles das Escolas de Samba e as comemorações do Carnaval de rua, mas continuou a ser cantado pelo cancioneiro popular que agora já o tematizava com saudade. Volta e meia a Praça Onze surge em sambas que rememoram um Rio antigo como um lugar onde havia samba de verdade, a partir das atribuições construídas ainda no período analisado neste trabalho. Entre 1941 e 1945 o fim da praça foi lamentado, por exemplo, pela Amélia na Praça Onze123: Adeus, Praça Onze, adeus / Com os olhos rasos d'agua, ela cantava assim / Já sabemos, que vais desaparecer / Mas de ti, não havemos de esquecer. Com a impossibilidade de as agremiações carnavalescas continuarem os desfiles no local, novas canções foram gravadas cantando tanto a saudade da praça quanto a necessidade de as Escolas se organizarem para que um novo ponto de centralização do samba fosse encontrado e tanto o Carnaval quanto o gênero musical não saíssem prejudicados. É o

123

“Amélia na Praça Onze” (Cícero Nunes e Herivelto Martins), Linda Batista. 78 rpm, Victor, 1942.

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caso de Voz do morro124 de Geraldo Pereira – em que Mangueira, Portela, Salgueiro e Favela se preparam para dar continuidade ao Carnaval: “Mesmo sem a Praça todos hão de ver / Que as escolas não deixarão de descer” – e de Praça Onze125, a mais conhecida exaltação à praça composta pelo sempre saudosista Herivelto Martins em parceria com Grande Otelo, para o concurso de samba do Carnaval de 1942. Aqui já é possível notar a ancestralidade que seria atribuída a ela, com o reconhecimento de que nos novos passos do samba o passado seria sempre lembrado: Vão acabar com a Praça Onze Não vai haver mais Escola de Samba, não vai Chora o tamborim Chora o morro inteiro Favela, Salgueiro Mangueira, Estação Primeira Guardai os vossos pandeiros, guardai Porque a Escola de Samba não sai Adeus, minha Praça Onze, adeus Já sabemos que vais desaparecer Leva contigo a nossa recordação Mas ficarás eternamente em nosso coração E algum dia nova praça nós teremos E o teu passado cantaremos

Saindo da Praça Onze e ultrapassando os limites da Cidade Nova chegamos ao Estácio de Sá. O bairro era tido desde os primórdios do samba não apenas por um espaço de vivência do gênero – como era o caso da Praça Onze –, mas por um local onde ele era feito. Lá foi gestado o “samba moderno”, hoje conhecido apenas como o “samba carioca” – ou, simplesmente, o samba –, como apresentado no capítulo anterior. Também vem de lá a primeira Escola de Samba, a Deixa Falar, que levava para o Carnaval de rua esse novo jeito de fazer samba. Nas canções do período analisado tanto o Estácio quanto o morro do bairro, o São Carlos, aparecem sempre ao lado dos inquestionáveis lugares de bamba, como é o caso do já citado Cansado de sambar e de 124

“Voz do morro” (Geraldo Pereira), Moreira da Silva. 78 rpm, Odeon, 1942. “Praça Onze” (Grande Otelo e Herivelto Martins), Castro Barbosa e Trio de Ouro. 78 rpm, Columbia, 1941. 125

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Se o samba morrer126, onde o bairro chora junto à Mangueira e ao Rio Comprido as tristezas de um hipotético Brasil sem samba. Noel Rosa também exaltou o Estácio ao lado da Visa Isabel, Oswaldo Cruz e dos morros da Matriz, da Mangueira e do Salgueiro no polêmico Palpite infeliz127, mas foi em O x do problema128, samba encomendado por Aracy de Almeida ou por Emma D‟Ávila 129, que o poeta da Vila deu ao Estácio de Sá a consagração cantada de terra de bamba: Nasci no Estácio Eu fui educada na roda de bamba Eu fui diplomada na Escola de Samba Sou independente conforme se vê Nasci no Estácio O samba é a corda, eu sou a caçamba E não acredito que haja muamba Que possa fazer eu gostar de você Eu sou diretora da escola do Estácio de Sá E felicidade maior neste mundo não há Já fui convidada Para ser estrela do nosso cinema Ser estrela é bem fácil Sair do Estácio é que é O X do problema Você tem vontade Que eu abandone o Largo do Estácio Pra ser a rainha de um grande palácio E dar um banquete uma vez por semana Nasci no Estácio Não posso mudar minha massa de sangue Você pode crer que palmeira do Mangue 126

“Se o samba morrer” (Alcebíades Barcelos e Valfrido Silva), Carlos Galhardo. 78 rpm, Victor, 1933. “Palpite infeliz” (Noel Rosa), Aracy de Almeida. 78 rpm, Victor, 1935. 128 “O x do problema” (Noel Rosa), Aracy de Almeida. 78 rpm, Victor, 1936. 129 De acordo com os biógrafos Carlos Didier e João Máximo, Noel havia dado o samba às duas cantoras. Emma D‟Ávila cantou O X do problema em apresentação da revista Rio Follies e, em seguida, Aracy de Almeida o gravou com o selo Victor. (DIDIER, MÁXIMO: 1990, p. 370). 127

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Não vive na areia de Copacabana

Indo ao sudoeste, o Estácio de Sá faz fronteira com a Tijuca. Os morros deste bairro começaram a ser ocupados no início do século XX em decorrência, principalmente, da derrubada do morro do Castelo nas reformas do prefeito Carlos Sampaio que tinham em vista as comemorações do centenário da Independência. Foi o caso do morro do Salgueiro, cuja ocupação remete ao início dos anos 1920. Ainda que esta data seja muito próxima ao recorte temporal aqui analisado, o Salgueiro já era cantado com a ancestralidade de uma legítima terra de bamba, como nos já citados Palpite infeliz de 1935 e Cansado de sambar de 1936. De fato, entre o final da década de 1920 e o início dos anos 1930, o morro do Salgueiro, como quase todos os bairros e morros do Rio, foi sede de vários grupos carnavalescos que até meados da década se tornariam Escolas de Samba. E, assim como o Estácio, o Salgueiro também seria citado em diversas canções que identificam os espaços de samba legitimados no Rio. Todos esses casos ocorrem em sentidos muito próximos aos exemplos já apresentados, sempre com a exaltação e delimitação do samba. Em 1943, por exemplo, o grupo Quatro Ases e um Coringa gravou uma canção muito interessante de Wilson Batista, Jorge de Castro e Haroldo Lobo, Se não fosse eu130, em que o “samba natural lá do Salgueiro” apresenta sua carteira de identidade e se diz responsável não apenas pelo canto do Rio, mas por todo o samba brasileiro. No mesmo ano Wilson Batista, agora em parceria com Germano Augusto, lançou Gosto mais do Salgueiro131 na voz de Araci de Almeida. Aqui, a sambista de destaque e já reconhecida não troca o samba ou o morro do Salgueiro por algo “assim à toa” como uma vida de “bacana” em Copacabana, ainda mais no período do Carnaval, e deixa claro o que é prioridade: Não posso sair do Salgueiro Estamos em fevereiro Você quer me levar pra Copacabana Quer me ver toda bacana, Mas já tenho um pandeiro 130

“Se não fosse eu” (Wilson Batista, Jorge de Castro e Haroldo Lobo), Quatro Ases e Um Coringa. 78 rpm, Odeon, 1943. 131 “Gosto mais do Salgueiro” (Wilson Batista e Germano Augusto), Araci de Almeida. 78 rpm, Odeon, 1943.

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Sambar primeiro! Sambar primeiro! Gosto muito de você Mas tenho amor ao meu Salgueiro Eu sou lá no morro a porta-estandarte Já ganhei medalha, sambar é uma arte Já me batizaram „O samba em pessoa‟ Mas não deixo o Salgueiro Assim à toa

Deixando o Salgueiro e atravessando a Tijuca em cerca de cinco quilômetros chega-se a um dos mais cantados entre todos os lugares de bamba: o morro da Mangueira. Aqui a ocupação remete à expansão ferroviária da cidade e à vila operária construída na região pela Companhia Estrada de Ferro Leopoldina, na virada do século. Como nas outras estações, primeiro houve o povoamento da faixa que acompanha a linha do trem para, em seguida, se chegar às encostas do morro. E é com referência à ferrovia que a Mangueira entra para a história do samba como sede da primeira campeã do Carnaval carioca: a Estação Primeira de Mangueira. O morro ficou famoso também por ter sido morada de grandes sambistas, como Cartola e Carlos Cachaça – que teria chegado à região aos oito anos de idade porque o pai, funcionário da Central do Brasil, teve direito a uma moradia na vila operária 132. Assim como o Estácio e o Salgueiro, a Mangueira é sempre mencionada nas muitas canções que citam os lugares de bamba no Rio e, como a Favela e a Praça Onze, foi tema de inúmeras canções que ora exaltavam as maravilhas do lugar, ora sentiam as transformações que ele sofria. Mas é em Mangueira133 que Assis Valente e Zequinha Reis coroam o morro como o irradiador da alegria dizendo que o samba vinha de lá. As mulheres do lugar aparecem como superiores às outras por serem filhas do samba. E, na defesa de tantas qualidades, é possível até mesmo ironizar outros morros que supostamente disputariam a legitimidade de pai do gênero: Não há, nem pode haver Como Mangueira não há 132

A chegada de Carlos Cachaça à Mangueira foi narrada em entrevista concedida a Sérgio Cabral e está descrita em: CABRAL: 1996, p. 261 e 262. 133 “Mangueira” (Assis Valente e Zequinha Reis), Bando da Lua. 78 rpm, Victor, 1935.

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O samba vem de lá Alegria também Morena faceira Só Mangueira tem Mangueira está sempre Em primeiro lugar A onde a cadência Do samba rompeu Deixa São Carlos falar Deixa o Salgueiro dizer Morena que até nem é bom se falar Na qualidade ela é superior É carinhosa no amar Filha do samba e do amor

Em mais uma canção lamentando a descaracterização da Praça Onze, Herivelto Martins curiosamente inverte esta lógica até então aplicada às terras de bamba: o samba não nasceu em Mangueira, foi a Mangueira que nasceu sambando. Em Mangueira não134, é possível lidar com o fim de todos os morros desde que deixassem a Mangueira cantar: Acabaram com a Praça Onze Demoliram praças e ruas, eu sei Podem até acabar com o Estácio O velho Estácio de Sá Derrubem todos os morros Derrubem meu barracão Silenciar a Mangueira, não! (...)

Aqui, é inevitável fazer um intervalo no roteiro das raizes do samba para comentar uma inusitada e fictícia história envolvendo o morro da Mangueira, a Praça Onze, a Segunda Guerra Mundial, as Escolas de Samba e algumas excelentes canções do período: o caso do Cabo Laurindo, herói nacional e mestre de bateria da Mangueira. A primeira relação explícita entre Laurindo e o morro, antes mesmo de sabermos de 134

“Mangueira não” (Herivelto Martins e Grande Otelo), Francisco Alves e Trio de Ouro. 78 rpm, Odeon, 1943.

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suas supostas aventuras militares, é na ocasião de seu assassinato “atrás de uma ribanceira lá no morro de Mangueira”, cantado nos versos de Germano Augusto e José Peixoto em gravação de 1942. Em Sem cuíca não há samba135 sabemos que o corpo de Laurindo é encontrado desfigurado, conforme indica a canção: “O pobre coitado nem se conhecia / Se não fosse o São Jorge de ouro / Que sempre no peito trazia”. Não há dúvidas de que se trata do Laurindo das demais canções porque o personagem se constrói em cima das mesmas características: (...) Todo mundo sambava Todo mundo cantava sorrindo Quando ouvia a cuíca, Na mão de Laurindo, mugindo Pra provar que ele tem amigos de fato Lá na sede da Escola de Samba Vão inaugurar seu retrato

A referência à cuíca cujo toque remonta ao “boi mugindo” leva ao que parece ser a primeira aparição de Laurindo no cancioneiro popular, em Triste cuíca136 de Noel Rosa, quase uma década antes. Neste triste samba estruturado como um soneto italiano conhecemos a mulher e a amante de Laurindo, vemos sua importância para o samba e sabemos que ele “sumiu”: Parecia um boi mugindo Aquela triste cuíca Tocada pelo Laurindo O gostoso da Zizica Ele não deu à Zizica A menor satisfação E foi guardar a cuíca Na casa da Conceição Diferente o samba fica Sem ter a triste cuíca 135

“Sem cuíca não há samba” (Germano Augusto e João Antônio Peixoto), Isaura Garcia. 78 rpm, Columbia, 1942. 136 “Triste cuíca” (Hervé Cordovil e Noel Rosa), Araci Almeida. 78 rpm, Victor, 1935.

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Que gemia feito um boi A Zizica está sorrindo Esconderam o Laurindo Mas não se sabe onde foi

Aqui supõe-se que “esconder” é uma maneira de dizer como e por qual razão se deu a morte violenta de Laurindo cantada depois por Isaura Garcia. Mas como a história não acaba assim, é possível imaginar também que ele partiu para lutar na guerra – neste caso é preciso desconsiderar as datas das canções e supor que a morte foi cantada em 1942, mas só se deu ao final da Segunda Guerra Mundial – ou que tenha apenas se escondido, de fato, no Rio de Janeiro. Também em 1942 é a vez de Herivelto Martins começar a contar parte desta história. Em sua versão não há qualquer referência à morte ou violência, mas o destaque na Escola de Samba está presente. O Laurindo137 de Herivelto é um mestre de bateria desesperado com o fim da Praça Onze: “Laurindo sobe o morro gritando / „Não acabou a Praça Onze, não acabou‟ / Vamos esquentar os nossos tamborins / Procure a portabandeira / Põe a turma em fileira / E marca o ensaio pra quarta-feira”. Na segunda parte da canção a Escola chega para o ensaio e não encontra mais ninguém, já que a praça havia sido descaracterizada no ano anterior. A saída foi ir embora cantando e deixando o Laurindo inconsolável para trás. Em novembro de 1943, Herivelto lança pela Odeon outra canção sobre o personagem que seria um grande sucesso no Carnaval de 1944, Quem vem descendo138. Desta vez, em vez de subir o morro gritando pela Praça Onze, ele o desce seguido por uma “caravana” aos lamentos. Como não podia deixar de ser, o lamento cantado pela “turma” de Laurindo era a recordação de um prêmio de bronze conquistado ao sambar na Praça Onze. Em 1943 Laurindo volta a ser tema de samba em Lá vem Mangueira139 de Wilson Batista, Haroldo Lobo e Jorge de Castro, lançado ao final de dezembro pela Continental. Desta vez a Escola de Samba volta a ser identificada como sendo a Estação Primeira de Mangueira que descia o morro sem que Laurindo – provavelmente o mestre, como nas canções de Herivelto – estivesse à frente da bateria. Curiosamente quem 137

“Laurindo” (Herivelto Martins), Trio de Ouro. 78 rpm, Odeon, 1942. “Quem vem descendo” (Herivelto Martins e Pretinho Príncipe), Trio de Ouro. 78 rpm, Odeon, 1943. 139 “Lá vem Mangueira” (Haroldo Lobo, Jorge de Castro e Wilson Batista), Déo. 78 rpm, Continental, 1943. 138

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responde à questão e faz a primeira ligação dele com a guerra é a Conceição que já havia aparecido em Triste cuíca: “Perguntei „Conceição, o que aconteceu? ‟ / Laurindo foi pro „front‟ / Esse ano não desceu”. Se havia dúvidas quanto a importância de Laurindo no samba, a partir de Lá vem Mangueira não há mais: “Mandei perguntar „sem ele aqui / Se a Escola de Samba podia sair? ‟ / Ele respondeu „pode ensaiar / Porque o povo precisa sambar‟”. O ano de 1945 foi o mais agitado dessa história. Herivelto em parceria com Heitor dos Prazeres lança nova canção mencionando o personagem que agora já aparece morto e substituído por outro, o mestre de harmonia Dodô. A Mangueira estava em luto, mas o Carnaval não podia esperar, portanto, haveria ensaio de noite e de dia nos versos de Desperta Dodô140. Mas no mesmo ano surge outra versão para a história, com Wilson Batista e Haroldo Lobo: emvez de morto, o agora Cabo Laurindo141 volta da guerra coberto de glória, “trazendo garboso no peito / A cruz da vitória”. Homenageado pelos bambas do Salgueiro, Mangueira, Estácio e Matriz, o “camarada” Laurindo, defensor da igualdade, volta anunciando que lá no morro vai haver transformação. Porém, antes que as transformações pudessem ser efetivadas (ou cantadas), os compositores Ari Monteiro e Zé da Zilda aproveitam o embalo do personagem e desmascararam o cabo no sucesso do Carnaval de 45 Conversa, Laurindo142: (...)Conversa, Laurindo Peço que não leve a mal Você não foi onde estava o rival Anda dizendo que lutou como um herói E, no entanto, nem saiu de Niterói (...)

Desta vez, outro “sobrevivente” conta que nenhum dos dois teve qualquer feito heroico na guerra e que Laurindo “Aproveitou a nossa vitória / E assim conseguiu o seu nome na história”. A resposta veio ainda em 1945 com a belíssima Comício em Mangueira143 de Wilson Batista e Germano Augusto. Nela Laurindo reconhece que não

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“Desperta Dodô” (Heitor dos Prazeres e Herivelto Martins), Trio de Ouro. 78 rpm, Odeon, 1945. “Cabo Laurindo” (Haroldo Lobo e Wilson Batista), Jorge Veiga. 78 rpm, Continental, 1945. 142 “Conversa, Laurindo” (Ari Monteiro e Zé da Zilda), Zé da Zilda. 78 rpm, Victor, 1945. 143 “Comício em Mangueira” (Germano Augusto e Wilson Batista), Carlos Galhardo. 78 rpm, Victor, 1945. 141

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chega a ser um herói de guerra, mas é a partir de suas declarações que o morro celebra os verdadeiros heróis da verdadeira vitória. Antes que se pense que a vitória em questão seria a dos Aliados na Segunda Guerra Mundial, o cabo aparece reverenciando os sambistas que tombaram para que o samba vencesse a sua guerra, afinal, o que importa para o mundo do samba é sempre o próprio samba: Houve um comício em Mangueira O cabo Laurindo falou Toda a Escola de Samba aplaudiu Toda a Escola de Samba chorou „Eu não sou herói‟, era comovente a sua voz „Heróis são aqueles que tombaram por nós‟ Houve missa campal, bandeira a meio pau Toda escola de samba rezou Laurindo então lembrou os nomes Dos sambistas que tombaram Mangueira tomou parte na vitória Mangueira, mais uma vez na história

Deixando a confusão do cabo Laurindo 144 e as histórias do morro de lado, voltamos ao roteiro do samba com um bairro que se vê desde o alto da Mangueira: a Vila Isabel. Aqui, chegamos pela primeira vez a um lugar exaltado pelas canções cuja legitimidade foi questionada por outras. Para começar a entender o questionamento é preciso considerar que nesse período a Vila abrigava, de fato, muitos nomes conhecidos no mercado de música – tanto nos discos quanto no rádio – como Francisco Alves, Orestes Barbosa, Almirante, Braguinha, Nássara e, principalmente, Noel Rosa, o pivô da polêmica. Todos esses personagens eram membros das classes médias da cidade – com exceção de Braguinha que era filho de industrial e havia nascido em meio à elite econômica do Rio – e destoavam em tudo das características que o mundo do samba cantava como as mais elementares para o sambista.

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Passado o período analisado, Laurindo voltaria a ser tema de ao menos um samba de Herivelto Martins e Grande Otelo lançado em 1959 pela Columbia, Carnaval com quem. Aqui o saudosismo dos compositores relembra o “tempo bom, que não volta mais” do Carnaval de 43 (período em que lamentavam o fim da Praça Onze) e dos personagens do cancioneiro Laurindo, Dodô e Claudionor.

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Mas não foram os únicos. Como eles, muitos compositores e intérpretes brancos e de classe média fizeram enorme sucesso no período sem que estas características pesassem quanto ao reconhecimento de sua obra. O que os diferenciava de Noel era justamente a maneira de construir as representações do samba. Noel em diversas composições rendeu homenagens aos já reconhecidos redutos de samba, mas em duas delas, Eu vou pra Vila145 e Feitiço da Vila146, cantou o seu próprio local de origem como sendo um lugar de samba também e “desafiou” os bambas consagrados – ao contrário do que foi feito pelos demais artistas não identificados com os morros ou bairros da periferia do Rio de Janeiro (Noel “voltaria atrás” em Palpite infeliz colocando a Vila entre os espaços de bamba e não acima deles, como resposta às provocações de Wilson Batista): Quem nasce lá na Vila nem sequer vacila Ao abraçar o samba Que faz dançar os galhos do arvoredo E faz a lua nascer mais cedo Lá em Vila Isabel quem é bacharel Não tem medo de bamba São Paulo dá café, Minas dá leite E a Vila Isabel dá samba A Vila tem um feitiço sem farofa Sem vela e sem vintém Que nos faz bem Tendo nome de princesa Transformou o samba Num feitiço decente Que prende a gente O sol na Vila é triste, samba não assiste Porque a gente implora: „Sol, pelo amor de Deus, não venha agora Que as morenas vão logo embora‟

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“Eu vou pra Vila” (Noel Rosa), Bando de Tangarás. 78 rpm, Parlophon, 1930. “Feitiço da Vila” (Noel Rosa e Vadico), João Petra de Barros. 78 rpm, Odeon, 1934.

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Eu sei tudo que faço, sei por onde passo Paixão não me aniquila Mas tenho que dizer, modéstia à parte Meus senhores, eu sou da Vila

Porém o ponto fundamental do “questionamento” à legitimidade da Vila está no questionador, o jovem compositor Wilson Batista. A despeito das polêmicas que as diversas interpretações de Feitiço da Vila (e da “briga” dos compositores) suscitam ainda hoje, é preciso reconhecer que as disputas musicais sempre estiveram presentes na música popular brasileira e, raramente, foram além de brincadeiras de compositores e das paixões dos fãs. No caso „Noel Rosa x Wilson Batista‟, o primeiro já era um dos compositores mais gravados e com os maiores sucessos do país quando o segundo estava apenas começando. Desafiar o bamba do momento era, de fato, uma maneira bem malandra de se destacar. A vasta e diversificada obra de Wilson Batista revela como o compositor aproveitava as ocasiões para tirar samba – sem compromisso com qualquer temática ou ideologia em especial que não o próprio samba – e tinha por hábito compor músicas que dialogassem com canções de outros autores (como foi o caso do cabo Laurindo). Mas, como o que nos interessa aqui é o que diziam as canções, durante a breve carreira de Noel, o poeta da Vila teve que provar a certidão de sambista do bairro, mostrando que não tinha medo dos bambas e que, na roda de samba, também era um bacharel. Após a morte prematura de Noel em 1937 (e o esforço de Almirante para reconstruir sua memória) a Vila Isabel seria incluída definitivamente no hall de espaços reconhecidos nos sambas. Em Já que está deixa ficar147, por exemplo, tanto o bairro quanto seu poeta já aparecem em 1941, em meio àqueles que sempre foram exaltados pelas canções: Está bom até demais (já que está deixa ficar) O meu pinho soluçou (deixa o pinho soluçar) Minha nega requebrou (deixa a nega requebrar) O meu barco navegou (deixa o barco navegar) Salve o morro de Mangueira, meu Salgueiro Praça Onze e também Vila Isabel

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“Já que está deixa ficar” (Assis Valente), Anjos do Inferno. 78 rpm, Columbia, 1941.

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Salve a lua prateada Bonita namorada de Sinhô e de Noel (...)

Ainda em 1941 seriam lançados outros dois sambas de sucesso falando do bairro. Em Samba da Vila148 de Cyro Monteiro e Mário Amorim, Marilú cantava: “O samba mimoso, choroso e gostoso / Na Vila é que tem”. Já no Samba de 42149, que mantinha diálogo com o sucesso Emília150, a dona de casa de Wilson Batista “enlouquece” ao ouvir o samba que a Vila estava lançando para o Carnaval de 1942, foge para Vila Isabel e “(...) diz que não é mais aquela / Que não lava mais panela / Diz que vai viver sambando”. Além desses, muitos sambas gravados homenagearam a Vila Isabel após a morte de Noel Rosa, inclusive Terra boa e Quero um samba com autoria de Wilson Batista, apresentados ao final do capítulo anterior. No caminho inverso ao apresentado por Noel em Eu vou pra Vila, saímos da Vila Isabel e chegamos a Piedade, por onde já passavam a estrada de ferro e os bondes da Light. Além da menção nesta canção de 1930, o bairro aparece também nos versos de Ary Barroso, em Um samba em Piedade151, confirmando que por lá também se encontra batuque de alta categoria: Eu fui num samba Pra matar minha saudade Na Piedade Rapaziada no batuque nunca falha Quando a roda está formada Bate até chapéu de palha Gente danada Pra sambar tá sempre boa Samba a filha da criada E a família da patroa (...)

Pegando o trem em Piedade, duas estações depois chegava-se a Cascadura. Por lá, em uma canção de 1938, Moreira da Silva dizia haver uma Nega da gafieira152 que 148

“Samba da Vila” (Cyro Monteiro e Mário Amorim), Marilú. 78 rpm, Victor, 1941. “Samba de 42” (Arnaldo Paes, Henrique Batista e Marília Batista), Arnaldo Amaral. 78 rpm, Columbia, 1941. 150 “Emília” (Haroldo Lobo e Wilson Batista), Vassourinha. 78 rpm, Columbia, 1941. 151 “Um samba em Piedade” (Ary Barroso), Sílvio Caldas. 78 rpm, Victor, 1931. 152 “Nêga da gafieira” (C. de Farias), Moreira da Silva. 78 rpm, Columbia, 1938. 149

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se sacudia pelo salão do baile ao ouvir choro ou samba de breque. Embora todos os bairros e morros citados aqui sejam sempre associados ao samba, Cascadura foi palco de uma história musical curiosa em uma famosa gravação de Francisco Alves. Em Vão pro Scala de Milão153 encontramos nas ruas do bairro um escarcéu que ninguém mais atura: dois cantores aprendizes de música erudita. E é no ritmo de samba que a canção de Ary Barroso rejeita as óperas cantadas por lá que seriam capazes de fazer Rossini morrer novamente. Na canção Isso não se atura154, de Assis Valente, Cascadura aparece mais uma vez rejeitando a cultura erudita e nesta vai além, não atura sequer o samba que não se enquadra nas características do samba legítimo. Passando Cascadura chegamos a dois bairros que figuram incontestes entre aqueles que originaram o samba: Madureira e Oswaldo Cruz. Enquanto as rodas de samba do Estácio, da Cidade Nova e da Mangueira estavam transformando o jeito de se fazer samba e descobrindo novos bambas, Oswaldo Cruz e Madureira não ficavam atrás. Ainda em 1931 o Bando de Tangarás gravaria Madureira155 – na esteira do sucesso de Na Pavuna156 e das primeiras gravações contendo batuques e referência a bairros cariocas – cantando a participação e, até mesmo, influência do bairro nos rumos do gênero musical: “Até parece que o samba que vem de lá / Traz a influência daquele lugar”. Os grandes nomes agora são Paulo da Portela, Heitor dos Prazeres, „seu‟ Natal e Alcides Dias – mais conhecido pelo insinuante codinome de “Malandro Histórico da Portela” – fundadores da Vai Como Pode, mais tarde Portela, que ao lado da Estação Primeira e da Deixa Falar formaria a tríade percussora das Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Nas canções, Oswaldo Cruz e Madureira também têm sua legitimidade de bamba reconhecida e, como visto nos exemplos já apresentados em relação a outros bairros, os dois espaços também são citados quando se quer falar do samba de verdade. No caso de Vou sambar em Madureira157, o lugar desponta como destino seguro pra quem deseja entrar na batucada: (...)No Largo de Madureira 153

“Vão pro Scala de Milão” (Ary Barroso), Francisco Alves. 78 rpm, Odeon, 1937. “Isso não se atura” (Assis Valente), Carmen Miranda. 78 rpm, Columbia, 1941. 155 “Madureira” (Homero Dornelas), Bando de Tangarás. 78 rpm, Odeon, 1931. 156 “Na Pavuna” (Almirante e Homero Dornelas), Bando de Tangarás. 78 rpm, Odeon, 1929. 157 “Vou sambar em Madureira” (Haroldo Lobo e Milton de Oliveira), Jorge Veiga. 78 rpm, Continental, 1945. 154

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Só não samba quem não quer De domingo à terça-feira Todos brincam pra chuchu Não precisa ter dinheiro Só precisa de um pandeiro Pra sambar em Madureira Vem gente até de Bangu

Da estação de Oswaldo Cruz à de Deodoro estão cerca de cinco quilômetros. Ao longo de nosso trajeto, o bairro já foi citado quando a madrinha do cordão de Oi, Maria enfrentava uma longa caminhada carregando um estandarte só para dançar na Praça Onze. Mas a distância em relação à região central da cidade não impediu que Deodoro também fosse celebrado em algumas canções como sendo terra de quem realmente entendia do assunto. É em Deodoro que o roteiro dos lugares tradicionais do gênero, iniciado no morro da Favela, chega ao fim com uma composição de Ary Barroso e Lamartine Babo gravada em 1934 com o acompanhamento de um batuque muito animado: E o samba continua158. Em Deodoro Mesmo na rua onde eu moro Tem um samba enfezado De pessoal matriculado E a lua espia do céu, intrigada „O passo da batucada Em Deodoro é assim‟ Olha o pandeiro Olha a cuíca, o omelê E o samba continua Até o sol nascer

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“E o samba continua” (Ary Barroso e Lamartine Babo), Almirante e os Diabos do Céu. 78 rpm, Victor, 1934.

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Onde o samba não se faz Os morros da Favela, do São Carlos, da Mangueira e do Salgueiro tinham o certificado de bamba atestado pelas canções. A Praça Onze, palco do Carnaval e vizinha da Cidade Nova, atravessaria o século sendo cantada em sambas de velhas e novas gerações. A Pequena África de Heitor dos Prazeres, onde estavam também Gamboa e Estácio, era uma incontestável terra de samba legítimo. Piedade, Cascadura, Madureira, Deodoro... por onde o trem pudesse passar levando a gente que dizia ser dona da alegria, o samba fincava raízes. Mas, mesmo que aos batuques dos bairros mais afastados já se reconhecesse legitimidade, era no morro que ela se encontrava de fato, conforme cantavam as canções. O morro cantado era sempre o lugar onde morava a felicidade, onde se sabia aproveitar os prazeres que a vida tem e onde se prezava pelos mais elevados valores morais – os do mundo do samba. Todas as características atribuídas ao morro eram semelhantes ao que se dizia do próprio samba, portanto, não poderia ser de outro lugar as suas raízes mais profundas. Para atestar essa superioridade e, ao mesmo tempo, ratificar a legitimidade do espaço como o berço do samba, muitas canções utilizaram como artifício a desqualificação daquilo que seria seu oposto mais imediato: a cidade. No início deste capítulo, ao mencionarmos a formação das favelas do Rio de Janeiro, foi dito como desde o começo do século XX havia uma percepção de que o mundo que se formava nos morros ocupados era outro e estrangeiro à cidade. As canções analisadas do período repetiram essa mesma dissociação entre os espaços ficando de um lado o morro, o mundo do samba e os prazeres da vida e, de outro, a cidade. A diferença estava na perspectiva já que para o cancioneiro não era o morro que não cabia na cidade, e sim a cidade que aparecia representada como o não-morro. Faltava à cidade tudo aquilo que se cantava como sendo fundamental, aquilo pelo qual o sambista era capaz de matar e morrer, ou seja, acima de tudo, na cidade faltava samba. Mas a dupla condição apontada nas representações do samba – de pai do prazer e filho da dor – não permitia que a exaltação viesse dissociada de algum reconhecimento de que no morro havia também um cenário assolado pela pobreza. Muitas canções tematizaram, de fato, as condições precárias que existiam por lá, embora estivessem sempre sugerindo que a miséria material era insignificante se comparada à imensa riqueza simbólica de que eram donos. Como nos versos de 97


Herivelto Martins quando as desapropriações no morro da Mangueira aparecem como um desrespeito à “velha tradição” do samba 159: “Barracão é sinônimo de pobreza / Barracão é antônimo de tristeza / Quem tira de um sambista o barracão / Ou não gosta de samba / Ou não tem coração”. Em O morro começa ali 160 temos de início o espaço sendo associado ao gênero musical, “O morro começa ali / Onde o sambista sorri / Ao choro dos violões”, em seguida, a relação deste com a cidade, “O morro só principia onde acaba a hipocrisia / Que domina nos salões”, e, então, a pobreza surge, mas com o lirismo de quem parece não se importar com ela: “No morro é diferente / Todo mundo é inteligente / Embora sem instrução / Há perfume pela mata / Castelos feitos de lata / Onde não mora a ambição”. A canção segue a maneira como o mundo do samba construía suas características mesmo quando os compositores não tinham qualquer relação com o morro: Heber de Boscoli começou sua vida artística diretamente no rádio, comandando programas de sucesso ao lado de Ary Barroso e Lamartine Babo; Custódio Mesquita, nascido no bairro de Laranjeiras em uma família de classe média alta, era um nome influente no rádio e na indústria musical (foi diretor da SBAT por quase todo o período de análise deste trabalho). Para cantar o morro nesse momento não era preciso conhecelo de fato, já que o essencial todos sabiam: o samba vinha de lá. A vida no alto era sempre vista com nostalgia como na canção de Assis Valente161: “Eu vivia no morro cantando e sambando / Ao som do lamento do meu violão / Mas um dia vim pra cidade / Hoje vivo chorando em vão a minha saudade”. Nesta canção além da superioridade cultural há também os valores morais como algo que qualifica o morro já que “(...) na cidade só tem mentira e falsidade”. De fato, são raras as canções em que a cidade não aparece como um mal ou o lugar das desilusões. Em Volte pro morro162, por exemplo, Ademilde Fonseca canta a cidade como saída inviável e ilusória para a pobreza material, já que no alto as pessoas ao menos são solidárias e companheiras. Embaixo, a pobreza maltrataria ainda mais a gente pobre que descia, em vão, em busca de oportunidade: Depois que ele desceu do morro 159

“Venderam o morro” (Herivelto Martins), Trio de Ouro. 78 rpm, Odeon, 1945. “O morro começa ali” (Custódio Mesquita e Heber de Boscoli), Joel e Gaúcho. 78 rpm, Odeon, 1941. 161 “Eu vivia no morro” (Assis Valente), Sônia Carvalho. 78 rpm, Victor, 1936. 162 “Volte pro morro” (Benedito Lacerda e Darci de Oliveira), Ademilde Fonseca. 78 rpm, Columbia, 1942. 160

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Passa fome pra cachorro Se ofereço o meu socorro Ele diz que não quer Não, não, não quer Diz que não depende De favores de mulher Diz que não quer E com isso faz arder meu coração E não há quem faça Esse homem mudar de opinião Pra viver na cidade Atirado nas ruas como um cão Ele que volte pro morro E venha viver no meu barracão

No período de análise deste trabalho viver no barracão era sempre cantado como preferível à vida da cidade, se não fosse porque as relações de trabalho já estabelecidas ou a oferta de habitações populares do lado de baixo eram insuficientes para absorver toda a população do Rio – como no caso de Volte pro morro –, a cidade não seria uma alternativa porque o mundo perfeito do samba não cabia nela. Em 1935 Carmen Miranda gravou Se gostares de batuque163 de Kid Pepe, cantando o reconhecimento, por parte de uma personagem rica da cidade, de que a vida no morro, mesmo “não tendo nada”, era melhor que a dela: Se gostares de um batuque Tem batuque que é produto brasileiro Sobe o morro e vai ao samba E lá verás que gente bamba Está sambando no terreiro Pois tudo aquilo é bem brasileiro Eu queria ter a vida dessa gente, meu bem Que para o rico é diferente E eu deixo de bom grado a cidade

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“Se gostares de batuque” (Kid Pepe), Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1935.

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Para viver naquele morro E gozar felicidade A vida eles levam cantando Esquecem tudo e assim vão passando Sobe o morro e entra na batucada Para ver que humilde gente Tão feliz não tendo nada

Seguindo esta temática, a canção que melhor sintetizava o jeito de se representar a Vida no morro164 foi composta por Aníbal Cruz e gravada em 1942 por Odete Amaral: Lá no morro todo caixote é cadeira Todo colchão é de esteira Vela é iluminação Terra batida é assoalho pra dança Tamanco é sapato que dá elegância Piteira é cachimbo com o fumo de rolo Água é refresco bebida com bolo Rico é visita no meio da gente Pedra arrumada é fogão bem eficiente Ir lá no morro é saber da verdade Não há fingimentos como há na cidade Tudo no morro é tão diferente Todo vizinho é amigo da gente Há um batuque, nossa maravilha Toda cabrocha é decente e família Tudo no morro é melhor que na cidade Tanto na dor, como na felicidade Quando a cidade adormece sonhando O morro penetra na noite cantando

A simplicidade do morro em contraposição à felicidade que havia lá, sempre relacionada ao samba, era a maneira padrão de se referir ao lugar. Até mesmo essa imagem do anoitecer era bastante explorada como forma de representar o cotidiano do 164

“Vida no morro” (Hanibal Cruz), Odete Amaral. 78 rpm, Odeon, 1942.

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alto pautado pela batucada. Ela esteve presente em, por exemplo, Exaltação da Favela165, Luar do morro166, Batuque no morro167 e E o mundo não se acabou168, sempre mostrando como por lá se sabia aproveitar a vida. De modo geral, a vida neste morro anônimo, cuja representação parecia funcionar a todos do Rio de Janeiro, era tida como uma “festa” constante, interrompida apenas com o raiar do dia (ou em casos extremos como a ameaça do “fim do mundo” em E o mundo não se acabou). Do outro lado, em relação à cidade, são as raras as canções que não se valem desta imagem do morro sambista para ironizar os artistas ou as músicas do lado de baixo. A negação ao outro, ao que não faz parte do mundo do samba ou, simplesmente, à cidade, funciona também como estratégia de reafirmação do autêntico e de suas características definidoras. Não interessava à identidade e à memória que o gênero construía de si o reconhecimento das trocas culturais que envolviam o samba neste momento ou mesmo da circulação das canções entre ambientes e classes distintas. Na história cantada a pureza estava entre a população pobre dos morros e a cidade era, se não inimiga, ao menos oposta a eles. É o que se começa a ver já em 1930 com Vou voltar pra Mangueira169, samba ainda bastante amaxixado que, mesmo assim, reconhecia a autenticidade no morro: “Só lá no morro que se vê felicidade / Não aceitam, portanto, a falsidade / Existe lá quem toque tamborim assim / Cantando samba que não há cá na cidade”. Em Minha embaixada chegou170 Carmen Miranda cantava quatro anos depois a história feliz do samba, restrito ao morro e aos bambas de lá, que faz com que o povo esqueça “(...) sua tristeza, mentindo à natureza, sorrindo a sua dor”. O interessante desta canção para o que estamos discutindo aqui são os primeiros versos da última estrofe, quando o sambista desce para a cidade e o resultado é nada menos que o fim do samba: “Já não se ouve a batucada, a serenata não há mais / E o violão deixou o morro e ficou pela cidade / Onde o samba não se faz”. Menos trágico do que Assis Valente, porém ainda seguindo a linha das canções que não encontram samba na cidade, Benedito Lacerda e Gastão Viana compuseram 165

“Exaltação da Favela” (Custódio Mesquita e Dan Malio), Irmãs Pagãs. 78 rpm, Odeon, 1936. “Luar do morro” (Valfrido Silva), Odete Amaral. 78 rpm, Victor, 1937. 167 “Batuque no morro” (Herivelto Martins, Humberto Porto e Ozon), Dalva de Oliveira e Dupla Preto e Branco. 78 rpm, Odeon, 1938. 168 “E o mundo não se acabou” (Assis Valente), Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1938. 169 “Vou voltar pra Mangueira” (Vicente), Simão. 78 rpm, Columbia, 1930. 170 “Minha embaixada chegou” (Assis Valente), Carmen Miranda. 78 rpm, Victor, 1934. 166

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Adeus Estácio171 gravado em 1938 pelo Trio de Ouro, explicando que a diferença entre os lugares era o estilo de vida. Nesta canção, o Estácio como o Catumbi (bairro da região central, vizinho da Praça Onze) mesmo não sendo morros aparecem identificados a alguns deles: a Mangueira, o Salgueiro e a Favela. E, ao contrário do que vimos até agora e do que se encontra na maioria das canções, o sambista se despede dos espaços legítimos dos bambas e está disposto até mesmo a deixar o samba: Adeus Estácio, adeus, eu vou partir Adeus, Mangueira, adeus Catumbi Adeus, Salgueiro, adeus minha Favela Vai dizer a minha amada Que eu parto pensando nela Vou pra cidade, vou bancar o grã-fino Trocar o samba pelo tango do cassino Se por acaso o ambiente não me agradar Vocês tenham paciência Mas eu tenho que voltar

Em Adeus Estácio havia a possibilidade de um retorno ao morro (ou aos bairros “quase morros”) caso a cidade não atendesse as expectativas de quem queria ascender socialmente. O morro ainda é tido aqui como um refúgio, mesmo que já seja possível haver algum trânsito entre o lado de cima e o de baixo. É preciso apontar ainda que a oposição teve também um „outro lado‟ que não via na cidade o espaço certo ou provável dos desterros. O caso extremo e a maior exceção ao discurso do mundo do samba encontrado na análise de centenas de canções entre os anos 1930 e 1945 é Lenda do morro172, de Afonso Teixeira e Peterpan, gravada em 1944 pelo grupo Quatro Ases e Um Coringa. Nesta canção, mais do que eximir a cidade, há o questionamento à legitimidade do morro como um espaço de samba e às maravilhas que ele abrigaria: Já percorri os morros dessa cidade [Favela, Salgueiro, Mangueira] Pra ver se era verdade o que dizem por aí 171 172

“Adeus Estácio” (Benedito Lacerda e Gastão Viana), Trio de Ouro. 78 rpm, Odeon, 1938. “Lenda do morro” (Afonso Teixeira e Peterpan), Quatro Ases e um Coringa. 78 rpm, Odeon, 1944.

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E ver de perto o sambista bamba Que é quem faz o bom samba E vejam só o que eu vi Vi coisa que não foi sopa Vi muita tina de roupa Vi muito aluguel barato A gente logo percebe Que água que boi não bebe Lá no morro é mato Vi muita coisa engraçada Vi em cada encruzilhada Um feitiço, uma muamba Eu vi carne de cachorro Sabe o que eu não vi no morro? Samba!

Lenda do morro, como o próprio nome sugere, tratava de „uma história fantasiosa‟, transmitida oralmente: a história do samba. A canção já começa dizendo que o intuito do personagem falante era averiguar justamente o que “dizem por aí” sobre as relações entre o “bom samba”, o “sambista bamba” e o morro. Como vimos, as canções do período estabeleciam repetidamente esta relação, localizando os dois primeiros elementos no terceiro. Mas aqui o personagem inicia a descrição daquilo que havia nos morros elencando ascpectos que confirmavam suas precárias condições ao mesmo tempo em que aponta o feitiço e a mumba, características comumente associadas ao mundo do samba. O grande ponto da canção está no desfecho, onde após “encontrar” no morro uma série de elementos, o que não se via por lá era o samba. A canção foi o maior sucesso do compositor Peterpan e teve, de fato, grande repercussão em seu lançamento, mas a temática não chegou a influenciar o discurso padrão do cancioneiro. Apesar deste questionamento evidente às origens que o samba dizia ter, não se pode afirmar que a disputa entre o morro e a cidade chegou a acontecer nas canções ou „fora‟ delas. O que se via, em um aspecto geral, era a afirmação simbólica do que seria o samba de verdade com a confirmação de suas raízes até mesmo por aqueles que não se relacionavam com elas. 103


Nos anos 1940 começaram a ser gravadas algumas canções que tentavam emplacar a cidade, através da menção a bairros da Zona Sul, como espaços de samba. Mas isto ocorria sem que houvesse a desqualificação ou descaracterização do morro enquanto o autêntico, como em Lenda do morro. São exemplos desta abordagem as canções Samba da Gávea173 e Samba de Botafogo174. No último Nássara conta, em meio a menções de ruas do bairro, as animadas folias que ocorriam por lá. Mas é em Samba da Gávea que a questão da territorialidade fica mais evidente: Falam tanto do Estácio e do Salgueiro Dizem até que o pandeiro e a cuíca lá têm outro som Venham ver como o samba aqui na Gávea é bom A Gávea é um paraíso e quem quiser conhecer Pega um bonde Jockey Clube Não paga nada pra ver A noite fala a cuíca do Humaitá ao Leblon Venham ver como o samba aqui na Gávea é bom

Não há uma tentativa de reconhecer na Gávea, no Humaitá ou no Leblon a identificação de berço do samba, embora se afirme que ele também existe nesses bairros. E a menção ao Estácio e ao Salgueiro, como foi feita, se não for mais um reconhecimento da legitimidade desses espaços é, ao menos, o reconhecimento de que eles já estavam consagrados. Para que a disputa fosse justa é feito o convite: “Venham ver como o samba aqui na Gávea é bom”. Em 1940 foi lançado um Samba de Copacabana175, que, ao contrário do que sugeria o nome, não chegava a considerar o bairro como um lugar de bambas, tematizando apenas a praia e a mulher. Mas a existência de um samba “de Copabacabana” neste período já é curiosa por si só. O bairro era uma das principais nomeações específicas para a genérica “cidade” quando as canções enfatizavam o que era estrageiro ao samba. Em O x do problema e Gosto mais do Salgueiro apresentadas no tópico anterior, por exemplo, a suposta vida de negação ao samba era diretamente associada ao local. No primeiro caso, sobre porque a sambista não deixaria o Estácio de 173

“Samba da Gávea” (João Batista de Oliveira e Osvaldo Lobo), Araci de Almeida. 78 rpm, Odeon, 1942. 174 “Samba de Botafogo” (E. Frazão e Nássara), Dircinha Batista. 78 rpm, Odeon, 1940. 175 “Samba de Copacabana” (E. Frazão e Nássara), Ciro Monteiro. 78 rpm, Odeon, 1940.

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Sá: “Nasci no Estácio / Não posso mudar minha massa de sangue / Você pode crer que palmeira do Mangue / Não vive na areia de Copacabana”. E no segundo: “Não posso sair do Salgueiro / Estamos em fevereiro / Você quer me levar pra Copacabana / Quer me ver toda bacana / Mas já tenho um pandeiro”. Copacabana era o lugar das pessoas “bacanas”, dos ricos que, aparentemente, em nada se relacionavam com o mundo do samba. A exceção vinha em uma composição do estilo antigo, com autoria de Pixinguinha e Cícero de Almeida, gravada por Patrício Teixeira em 1932. O Samba de fato176 para Pixinguinha, como se viu no capítulo anterior, não era o que se fazia no Estácio ou no Salgueiro e sim o partido-alto das casas das tias baianas. Por lá a rotatividade social era conhecida e estimulada, de modo que se podia afirmar sem maiores problemas que o “Samba do partido-alto / Só vai cabrocha que samba de fato / Só vai mulato filho de baiana / E a gente rica de Copacabana / (...) Doutor formado de anel de ouro / Branca cheirosa do cabelo louro”. Com a ascenção do novo estilo, o modo de cantar sua afirmação já não permitia que a gente rica de Copacabana, os doutores e as brancas de cabelo loiro ocupassem os mesmos espaços dos “mulatos” na representação do que era o “samba de fato”. Ao menos não sem que ficasse estabelecida alguma relação de superioridade por parte dos bambas. Há ainda outro exemplo curioso de uma canção que supostamente tenta emplacar um novo bairro como espaço de samba, o Eu quero é sambar177 composto pelo polêmico Peterpan de Lenda do Morro, agora em parceria com Alberto Ribeiro. Esta canção ficou conhecida como O samba de São Cristóvão e chegou a ser bastante comentada na imprensa no ano de 1945 por constar no repertório que Dircinha Batista estreava em boites de Copacabana178 (o que já nos dá indícios tanto da circulação da canção quanto do público para quem Peterpan escrevia). Aqui, sob o pretexto de exaltar o próprio samba e não especificações dele, há o apontamento de São Cristóvão como mais um reduto de sambistas – uma perspicaz ironia feita à repetição temática do cancioneiro que tanto cantava a questão da territorialidade: Se o samba é da Bahia Ou se é de outro lugar 176

“Samba de fato” (Cícero de Almeida e Pixinguinha), Patrício Teixeira. 78 rpm, Victor, 1932. “Eu quero é sambar” (Alberto Ribeiro e Peterpan), Dircinha Batista. 78 rpm, Continental, 1944. 178 “Dyrcinha Baptista, a nova „estrela‟ do „Atlântico‟”, A noite; Rio de Janeiro, 2 de janeiro de 1945, p. 3. 177

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O que é que tem, ora essa? Isso não me interessa O que eu quero é sambar Fala-se tanto em Mangueira E no Estácio de Sá E até, ultimamente, já se fala em Paquetá Os sambistas, os seus temas não renovam E, no entanto, há outros bairros [Por exemplo, São Cristóvão]

A ideia de que a origem territorial do samba não era relevante foi muito rara nesse período. A quantidade de canções dizendo se o samba era da Bahia ou de outro lugar no mesmo momento em que o gênero definia sua estrutura musical, se consolidava como mercadoria e passava a ser a representação dos cariocas (e, consequentemente, dos brasileiros), como se viu, é um forte indício de que a questão muito interessava aos construtores do mundo do samba. Dizer de onde ele vinha e a quem pertencia era uma das maneiras mais fundamentais de dizer o que era o samba e o que ele representava. E ao esvaziar os significados dos espaços tão repetidamente aclamados como sendo os autênticos tentava-se dizer que, na verdade, o samba já havia ocupado espaços diversos e a busca pelas “origens” em nada ajudava aqueles que queriam apenas sambar. O exemplo mais contundente dessa rara desterritorializaçao do samba é Feitio de Oração179 com letra de Noel Rosa e melodia de Vadico, gravado ainda em 1933. Aqui, enquanto rende uma belíssima homenagem ao samba, o „Poeta da Vila‟ não situa sua origem no morro ou na cidade (ou ainda em Vila Isabel). Desta vez o samba nasce no “coração” daqueles que conseguem traduzir as dores e alegrias de uma paixão. Ou seja, para fazer samba não é preciso ou não basta ser do morro ou da cidade, não é a origem que garante a qualidade da canção ou o título de bamba. Não era tão simples assim, afinal, “Ninguém aprende samba no colégio”. O privilégio de ser sambista não vinha mais com o local de nascimento e sim com a capacidade de transformar sentimentos em versos:

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“Feitio de Oração” (Noel Rosa e Vadico), Francisco Alves e Castro Barbosa. 78 rpm, Odeon, 1933.

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Quem acha vive se perdendo Por isso agora eu vou me defendendo Da dor tão cruel desta saudade Que por infelicidade Meu pobre peito invade Por isso agora lá na Penha Vou mandar minha morena Pra cantar com satisfação E com harmonia Esta triste melodia Que é meu samba em feito de oração Batuque é um privilégio Ninguém aprende samba no colégio Sambar é chorar de alegria É sorrir de nostalgia Dentro da melodia O samba na realidade não vem do morro Nem lá da cidade E quem suportar uma paixão Sentirá que o samba então Nasce no coração

É importante observar que embora a canção pareça encerrar a questão das disputas territoriais e muitas vezes seja tratada desta maneira, não foi isso o que aconteceu. Após a gravação de Feitio de Oração o cancioneiro teve ainda uma enorme quantidade de canções dizendo de onde o samba vinha e exaltando essas origens (inclusive Feitiço da Vila que foi gravada pela primeira vez no ano seguinte). Em 1933, ano singular para as disputas de origem do samba – quando foram publicados os livros de Orestes Barbosa e Vagalume, além da gravação e premiação de É batucada de Caninha – a história que o samba contaria de si ainda não estava totalmente definida. Ainda se questionava a autenticidade do samba de morro, o esvaziamento que a mercantilização das canções poderia causar e qual personagem representaria o gênero. Noel Rosa exercia um papel de mediador nesse cenário, assim como a Vila Isabel estava representativamente situada entre a “cidade” – que seria algo como 107


Copacabana – e o “morro” – cujas representações nas canções também identificam alguns bairros como o Estácio de Sá e os mais afastados da Zona Norte. Localizar a origem do samba em uma relação não territorial era também uma maneira de dar nova perspectiva às discussões, podendo até mesmo inserir quem ocupasse o espaço intermediário como alternativa à polarização. De fato, Noel e os demais sambistas da Vila no início dos anos 1930 formavam a geração que despontava na música popular no momento em que a indústria musical já apresentava condições mais concretas para a profissionalização do artista. E é nesta condição de importante intermediário que Noel pode dizer que a origem do samba não era o morro ou a cidade, dando a ela até mesmo uma localização anterior e mais impactante do que as possibilidades que comportavam a disputa territorial. Esta era a exceção à regra, como foram também O samba de São Cristóvão, Samba de Botafogo, Samba da Gávea e, principalmente, Lenda do morro. Mas mesmo essas exceções relativas aos espaços de origem dão continuidade à ideia mais primária defendida pelo cancioneiro de que o que importa, antes de mais nada, é reverenciar o samba como se vê em O samba não morre180: Eu vi a Favela desaparecer Eu vi a Lapa se transformar Eu vi morrer a Praça Onze Eu vi tudo isto sem reclamar Mas felizmente ficou o samba E com o samba ninguém pode acabar Pois nele existe uma lembrança singela Da Praça Onze, da Lapa e da Favela Não é preciso haver Salgueiro Nem Estácio de Sá Mangueira pode emudecer Vila Isabel pode acabar Pode acabar o romance Um luar e um violão 180

“O samba não morre” (Arlindo Marques Júnior e Marino Pinto), Quatro Ases e um Coringa. 78 rpm, Odeon, 1944.

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Tudo pode acontecer Menos o samba morrer

A polícia não consente A suposta “morte” do samba, que não podia acontecer, foi também um assunto bastante explorado nas canções do período, como se verá com detalhes no próximo capítulo. Por um lado, ela dizia respeito à exaltação e à defesa do gênero e de tudo aquilo a ele associado, mas, por outro, dizia respeito à maneira como os espaços na cidade do Rio de Janeiro eram ocupados e sentidos. Havia um discurso comum nas canções, e que perdurou no imaginário do samba, sobre a perseguição de que ele era vítima desde sua origem (ou até mesmo antes, na origem atemporal comumente mencionada na narrativa da história do samba) ainda que fosse, também desde a origem, um gênero amplamente aceito pelo mercado de música e rapidamente tenha se tornado o símbolo musical da cidade do Rio de Janeiro e, em última instância, do Brasil. Essa perseguição cantada apontava, mais uma vez, a divisão espacial da cidade e os lugares cabidos ao samba. Na canção Isso não se atura – mencionada no roteiro do gênero quando o bairro de Cascadura, no subúrbio do Rio, aparece representado como um espaço onde não se aceitava erudição cultural –, entre tantas questões, Assis Valente tematiza na voz de Carmen Miranda a disputa entre o samba do morro e os da cidade: (...)O sambista do café Ai, Eu não quero falar mal Só se lembra da morena Quando chega o carnaval Diz que o samba cá do morro Já nasceu de pé quebrado Mesmo assim nosso capenga Corre o mundo e é cantado Batucada na avenida A polícia não consente Aparece o tintureiro

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E „seu guarda‟ leva a gente Já vi moço na cidade Com fraqueza na farinha Retocado e perfumado Parecendo uma mocinha (...)

A disputa é tratada aqui em duas perspectivas: a superioridade simbólica do samba do morro em comparação ao do famoso Café Nice, o samba da cidade (já que mesmo sendo mal falado é verdadeiro em relação aos valores que defende, neste caso representados pela “morena”, e, acima de tudo, porque é ele que “corre o mundo e é cantado”), e a perseguição de que é vítima. A canção deixa bem pontuado que o “tintureiro”, a viatura, só leva a gente que faz a batucada nas ruas, uma vez que o “consentido” pela força policial seria apenas aquele samba dos cafés. Portanto, ao mesmo tempo em que temos o reconhecimento do samba do morro em oposição ao da cidade como aquele que, de fato, tem repercussão comercial, temos que só o da cidade era aceito pelas forças repressoras. Por mais contraditório que fosse, o samba que fazia sucesso em todo o mundo era representado como sendo aquele que era reprimido pela polícia do Rio de Janeiro. Esta contradição marcou o cancioneiro popular do período e se tornou uma questão fundamental para a história do samba que, a partir disso, se tornava a história de um vencedor. Na obra de Assis Valente a contradição entre o reconhecimento e a proibição é trabalhada de maneira a exaltar justamente o papel ativo do sambista – que em Valente se equivale ao povo – na produção cultural e identitária da Nação. Não há qualquer ressalva em se gravar samba em sua grande maioria com a interpretação da cantora brasileira mais conhecida de todos os tempos – Carmen Miranda –, em selos das principais marcas da indústria musical, dizendo que o samba era proibido ou perseguido. E, embora essa característica seja muito acentuada na obra de Assis Valente, não é exclusiva dele, sendo um elemento muito repetido nas canções que tanto falam da perseguição do samba quanto de certo samba. Noel Rosa, por exemplo, se enquadrava muito bem na categoria de “sambista do café” e foi um dos que tematizou a questão na perspectiva do certo samba. O compositor reconheceu em Eu vou pra Vila, já em 1930, a diferença de tratamento policial dispensado aos bairros de classe média em relação às regiões periféricas: 110


Não tenho medo de bamba Na roda de samba Eu sou bacharel Andando pela batucada Onde eu vi gente levada Foi lá em Vila Isabel Na Pavuna tem turuna Na Gamboa gente boa Eu vou pra Vila Aonde o samba é da coroa Já saí de Piedade Já mudei de Cascadura Eu vou pra Vila Pois quem é bom não se mistura Quando eu me formei no samba Recebi uma medalha Eu vou pra Vila Pro samba do chapéu de palha A polícia em toda a zona Proibiu a batucada Eu vou pra Vila Onde a polícia é camarada

A canção já começa com o enfrentamento do personagem sambista da Vila aos bambas já consagrados e segue com sua apresentação como um bacharel das rodas de samba. Para exaltar seu espaço e sua legitimidade enquanto sambista, o personagem bacharel formado e medalhista em samba percorre as batucadas de lugares já aclamados para, então, elevar a Vila Isabel a uma posição superior. Os versos mais interessantes, no entanto, aparecem ao final, onde vemos uma polícia permissiva para com os sambas dos bairros de classe média. Após andar pelas batucadas, sair de Piedade e mudar de Cascadura, é nos limites da Vila Isabel que uma batucada como a gravada no estúdio da Parlophon parecia ser permitida.

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Eu vou pra Vila foi gravada em 1930 pelo Bando de Tangarás na esteira de sucessos como No Grajaú, iaiá181, No Sarguero182, Na Pavuna e Na Gamboa183 (os dois últimos, anteriores a Eu vou pra Vila, têm inclusive versos retomados na canção de Noel), em que os espaços específicos de samba aparecem diretamente tematizados e relacionados à batucada ou ao universo simbólico do novo estilo. Essas canções, de certo modo, inauguraram a tradição das representações da territorialização do samba trabalhada ao longo deste capítulo e, como se vê, desde o início Noel Rosa inseria a Vila Isabel nas disputas por legitimidade. O samba No Sarguero, gravado pelo Grupo Gente do Morro também em 1930, além da territorialização do gênero em associação aos elementos que consagravam o samba de morro, tratava também da questão policial. Aqui, ao contrário do que parecia ocorrer entre os sambistas da Vila Isabel, a polícia não era nada camarada: Tava no samba Lá no Sarguero Veio a polícia Me jogou no tintureiro O samba bom É do morro do Salgueiro Fala muito o tamborim E também o meu pandeiro Eu sou do samba Enfezo no tamborim Quem pega peso é guindaste Trabalho não é pra mim Tava sambando Quando a polícia chegou Foram logo me ripando Minha cabrocha chorou 181

“No Grajaú, iaiá” (Dan Malio Carneiro e José Francisco de Freitas), Mário Reis. 78 rpm, Odeon, 1929. O Grajaú não aparece no roteiro do samba porque, embora esta canção tenha feito sucesso no ano de 1930, não repercutiu a ponto de inserir o bairro como um espaço frequentemente tematizado nos sambas. 182 “No Sarguero” (Idelfonso Norát e Benedito Lacerda), Grupo Gente do Morro. 78 rpm, Brunswick, 1930. 183 “Na Gamboa” (Jota Machado), Grupo da Alegria. 78 rpm, Columbia, 1930

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Eu enfezado Vi a cabrocha chorando Enfrentei o delegado Iam quase me matando

A canção nos apresenta uma abordagem violenta com uma polícia que chega “ripando” (batendo) e colocando o sambista, destacado nas batidas do pandeiro e do tamborim, no camburão sem que fique claro o que teria ocasionado a prisão. Sabemos que o ritmista não é afeito ao trabalho e que ele se envaidece disso, por outro lado, a maneira como esta informação aparece sugere mais que ele estava comprovando sua adesão ao samba do que apontando a razão de sua querela com a polícia. Seria um dos casos em que o sambista se dizia vítima de perseguição por causa do samba? Em 1934, Germano Augusto expõe a questão de maneira mais clara em Se a sorte me ajudar184, apontando mais uma vez o tratamento diferenciado que a polícia reservava aos sambistas do morro e aos da cidade. Aqui, a questão não é o comportamento malandro ou o fato de ser sambista simplesmente, mas o lugar onde tudo isso era bem aceito. A “parte fraca”, provavelmente a população marginalizada afeita aos discursos da ordem e do progresso, é apontada também como uma das motivadoras da perseguição do “folgado” – o malandro-sambista dos morros – que no “tempo do antes” tinha sua importância – a de criador do samba – reconhecida, mas, agora, só lhe restava a repressão: (...) Quem faz seus versos E no morro faz visagem Leva sempre desvantagem Dorme sempre no distrito Entretanto, quem é rico E faz samba na avenida Quando abusa da bebida Todo mundo acha bonito Antigamente O folgado era cotado 184

“Se a sorte me ajudar” (Germano Augusto), Aurora Miranda e João Petra de Barros. 78 rpm, Odeon, 1934.

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E era bem considerado Ia ao baile de casaca Hoje em dia por despeito Ele é sempre perseguido E é mal compreendido Pela própria parte fraca

Até mesmo Pixinguinha teve seu nome associado às significações negativas dadas à força policial. Em Carnavá taí185, marcha musicada pelo bamba da antiga geração e gravada por Carmen Miranda em 1930, a folia de fevereiro é reverenciada como o que havia de melhor, desde que a polícia não aparecesse para atrapalhar: “Carnavá taí [tá mesmo] / Vamo vadiá [vamo embora] / Vamo vadiá / Se a polícia não atrapaiá”. No já citado E o samba continua de Ary Barroso e Lamartine Babo gravado em 1934 por Almirante, o “samba enfezado” feito no bairro de Deodoro só permitia a presença de gente entendida do assunto como garantia de que se a polícia chegasse, encontraria ordem: “O samba também tem organização / Só entra lá quem tem razão / Se acaso a polícia chega pra ver / O samba continua até o sol nascer”. A maneira como a atuação policial era cantada sugeria que o gênero ou a reunião dos músicos em si era alvo constante da repressão e, ainda mais, passível de penalização. Em termos legais, é preciso observar que entre os anos de 1930 e 1945 estiveram em vigor dois Códigos Penais (o de 1890 e o de 1940, que o substituiu após sanção do presidente Getúlio Vargas) e em nenhum deles havia a criminalização ou qualquer menção ao samba, à batucada ou a qualquer gênero musical. A legislação, porém, tipificava a vadiagem e a capoeira. O artigo 399 do Código de 1890 previa prisão de 15 a 30 dias ao “vadio”, definido como quem: Deixar de exercitar profissão, officio, ou qualquer mister em que ganhe a vida, não possuindo meios de subsistencia e domicilio certo em que habite; prover a subsistencia por meio de occupação prohibida por lei, ou manifestamente offensiva da moral e dos bons costumes.

Já o artigo 402, também de 1890, previa prisão de dois a seis meses ao “capoeira” – aquele que “fizesse exercicios de agilidade e destreza corporal conhecidos

185

“Carnavá taí” (Pixinguinha e Josué de Barros), Carmen Miranda. 78 rpm, Victor, 1930.

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pela denominação capoeiragem” em locais públicos. O Código de 1940, por sua vez, apenas menciona a vadiagem e a ociosidade no artigo 93, em relação à internação em colônia agrícola ou em instituto de trabalho, de reeducação ou de ensino profissional aos já condenados a pena com privação de liberdade. O samba, portanto, enquanto gênero ou encontro musical não era crime e, oficialmente, não havia perseguição a ele. Porém, é preciso fazer duas ponderações a essa relação „samba x perseguição‟. Em primeiro lugar, as canções encontradas ao longo desta pesquisa que reclamavam algum abuso policial datam em sua grande maioria de 1930 ou dos primeiros anos da década (com exceção de Isso não se atura que foi gravada por Carmen Miranda em 1941), quando a perseguição era representada como uma questão contra o samba. Após esse período são mais comuns as canções que se referem a ameaças genéricas ao samba ou a questões pontuais como o risco de não haver Carnaval em função da descaracterização da Praça Onze ou da Segunda Guerra Mundial, ou, ainda, o risco de não haver mais batucadas em decorrência da “lei do silêncio” de 1941 186. Com as mudanças político-culturais advindas da consolidação do governo de Getúlio Vargas e a tentativa de apropriação do samba pelo discurso oficial, principalmente a partir do Estado Novo, a relação do samba com a perseguição não é mais representada nas canções da mesma maneira (mas essas possíveis ameaças ao gênero são o objeto de análise do próximo capítulo). Em segundo lugar, havia brechas na definição de vadio e nas relações que ela estabelecia com o mundo do samba que podiam fazer com que a perseguição a determinados indivíduos fosse cantada como uma perseguição aos hábitos deles, ou seja, ao próprio samba. A parcela da população negra, pobre e marginalizada relacionada ao samba187 na cidade do Rio de Janeiro era bastante significativo e, nessas condições, “deixar de exercitar profissão” ou não possuir um “domicílio certo em que 186

O artigo 42 do Decreto-Lei nº 3.688 de 3 de outubro de 1941 considerava a perturbação a alguém, ao trabalho ou sossego alheios com abuso de instrumentos sonoros ou sinais acústicos uma contravenção à paz pública, com pena de multa ou prisão prevista de 15 dias a três meses. A lei motivou Herivelto Marins a compor Para de gritar, gravada em 1943. “Para de gritar” (Herivelto Martins), Linda Batista. 78 rpm, RCA Victor, 1943. 187 É preciso lembrar que os músicos citados neste trabalho compõem uma pequena parte das pessoas relacionadas ao samba no início do século XX, os artistas que chegaram ao mercado musical. A definição do “sambista” é muito imprecisa primeiro porque não contempla apenas os envolvidos na produção cultural, mas, também, aqueles que escutavam ou vivenciam o samba, e, em segundo lugar, porque mesmo entre os envolvidos no fazer do samba como produto havia uma enorme diversidade social e de posicionamento ou status na indústria musical, como se viu no capítulo anterior.

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habite” não era incomum (o personagem de No Sarguero, por exemplo, embora reclame da atuação policial estava, de fato, infringindo a lei). Em um momento ainda muito próximo da escravidão, sem que qualquer tipo de política de inserção social tivesse sido implementada para os filhos e netos do cativeiro, o artigo 399 não era a criminalização do samba, mas podia ser compreendido como a perseguição a uma parcela da população a ele associada e indesejada para a cidade em busca da modernidade. Do lado da polícia, a atuação era respaldada na manutenção da ordem e da segurança no espaço público, e, ainda, na regulação e fiscalização do domínio privado, conforme o poder a ela investido pelo Estado republicano, o qual nem sempre era bem aceito ou compreendido nas diversas camadas que compunham o todo social. Nas primeiras décadas do século XX tanto os limites da atuação repressora quanto os espaços cabidos às instituições policiais não eram suficientemente definidos, resultando em abusos em variados níveis ou, ainda, na estruturação da ação policial a partir das emergências do cotidiano e das definições de uma ética própria, nem sempre adequada aos códigos oficiais ou aos ideais dos modelos sociais. Manter o controle de uma cidade no limite da modernidade e da pobreza (pesadas as consequências e os fatores diversos a ela associados) requeria uma força policial adequadamente treinada e aparelhada, o que estava distante da realidade carioca no início do século XX188. Dentre as estratégias possíveis de atuação estavam a identificação dos grupos populares supostamente mais aptos a praticar crimes ou a causar distúrbios à ordem social – os “indivíduos perigosos” – e a identificação e maior policiamento das áreas tidas como mais “perigosas” – que no início do século XX correspondiam às regiões relacionadas a grande parte dos trabalhadores da cidade (como o morro da Providência, representado pela imprensa como um lugar de vagabundos e criminosos 189) e, mais ainda, aos ociosos ou indivíduos que não exerciam atividades profissionais regulares. Se não os músicos envolvidos na produção do samba comercial, o personagem sambista representado pelo cancioneiro certamente se encaixava bem à identificação do vadio ou desordeiro e ao local onde aparentemente se podia encontra-los, portanto, ao alvo das preocupações policiais.

188

Para a organização das polícias cariocas como instituições e para a atuação policial no início do século XX VER: BRETAS, Marcos Luiz. A Guerra das Ruas: Povo e Polícia na Cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997. 189 Ibidem, p. 74.

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A prática de criminalização da pobreza e o tratamento destinado aos negros (especialmente aos negros pobres) nas primeiras décadas da República compunham um fator social e essencial desta percepção do samba como vítima de perseguição. Mas havia ainda outro lado. Em Making Samba, Marc Hertzman faz um interessante levantamento dos processos penais relativos ao artigo 399 do Código de 1890 dos distritos de Santana e Santo Antônio – responsáveis também pela região da “Pequena África”, Praça Onze, Gamboa e toda a Zona Portuária – e de depoimentos de músicos apreendidos. Hertzman conclui que em nenhum dos casos registrados a que teve acesso os instrumentos musicais ou as músicas em si foram mencionadas como motivação direta ou indireta das ocorrências. Mesmo as interpretações que poderiam ser utilizadas para enquadrar sambistas na Lei da Vadiagem, caso a perseguição fosse de fato ao samba, parecem não ter ocorrido. As conclusões de Hertzman para este ponto são de que, de fato, o samba não era ilícito ou tido como crime e, logo, o sambista não era perseguido por ser sambista, mas pelas atividades criminosas que praticava ou era acusado de praticar. Geraldo Pereira, por exemplo, foi detido por porte ilegal de arma de fogo e por ter ameaçado o proprietário de um café com ela. Baiaco, além das acusações de vadiagem, também foi detido por roubo. Como eles, outros sambistas também foram detidos por questões relativas à violência: Dois homens, Sílvio Fernandes e Noel Rosa, enfrentaram acusações de defloramento. Outros, incluindo Benedito Lacerda, Hilário Jovino Ferreira, Jamelão (José Bispo Clementino dos Santos), Oswaldo Santiago e Paulo da Portela (Paulo Benjamin de Oliveira) foram presos por envolvimento em confrontos corporais ou armados, muitos dos quais ocorreram durante ou próximo a festivais públicos. Enquanto muitos casos ocorreram durante o Carnaval, nenhum deles inclui qualquer referência à música. Não há, simplesmente, evidência alguma de que a música teve qualquer papel nessas prisões. 190 (HERTZMAN: op. cit., p. 47)

190

Traduzido do original: “Two men, Sílvio Fernandes and Noel Rosa, faced deflowering charges. Others, including Benedito Lacerda, Hilário Jovino Ferreira, Jamelão (José Bispo Clementino dos Santos), Oswaldo Santiago, and Paulo da Portela (Paulo Benjamin de Oliveira) were arrested for involvement in fistfights or armed confrontations, several of which occurred during or around public

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Hertzman faz uma associação entre o que previa a lei, os processos criminais envolvendo os músicos e os depoimentos dados por muitos deles nas décadas de 1960 e 1970 para o Museu da Imagem e do Som, apontando como, anos depois, as prisões e acusações relativas a crimes diversos se tornaram uma história de perseguição ao samba. Do lado das canções, como se viu, o samba já era representado como sendo vítima há muito tempo. A narrativa de um samba perseguido, mas popular, criminalizado, mas exaltado, vinha sendo construída desde o seu surgimento, mesmo que naquele momento os sambistas enfrentassem problemas com a lei em nada relacionados com o fato de serem sambistas. São raras as canções em que a presença repressora é justificada pela violência, por ocasião de uma briga, por alguma atividade ilícita ou crime de qualquer ordem praticado pelos sambistas, afinal, como nos versos de Wilson Batista e Germano Augusto191, quem “é do samba, não é de briga”. Nas raras ocasiões em que a violência foi tematizada com o sambista como agente192, houve sempre uma justificativa: ou se estava defendendo a honra masculina ou a honra do sambista bamba. De todo modo, se a força policial atuasse em situações como estas o samba permanecia vítima de ataques, já que o que estava em jogo era a sua defesa. Em Barulho no morro193, por exemplo, Isaura Garcia canta a história de uma “briga de honra” em meio ao samba quando o Pedro beija a cabrocha do José. A polícia precisa intervir, mas, ainda assim, o resultado é inevitável: José é assassinado, Pedro sai do samba preso, o morro se silencia e a cabrocha, por sua vez, vai embora com um terceiro que já a estava admirando. No caso da violência justificada pela defesa da honra do sambista, um bom exemplo foi cantado por Moreira da Silva em O Chang Lang se queimou, de sua autoria em parceria com José Figueira. Nesta canção, o malandro relata a briga que teve com um chinês dono de um restaurante onde ele havia comido sem

festivals. While several cases took place during Carnival, none included a single reference to music. There is, quite simply, no evidence that music played any role in these arrests.”. 191 “Benedito não é de briga” (Wilson Batista e Germano Augusto), Quatro Ases e Um Coringa. 78 rpm, Odeon, 1945. 192 O personagem sambista raramente era associado a brigas ou crimes nas letras das canções, embora tenha sido cantado diversas vezes em associação com a violência doméstica. Dado o número expressivo de canções que tematizaram a violência contra a mulher e a particularidade com que o assunto foi tratado, alguns casos serão objeto de análise no próximo capítulo. 193 “Barulho no morro” (Roberto Martins), Isaura Garcia. 78 rpm, Victor, 1944.

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pagar. A “ignorância” do chinês que não aceitou receber o pagamento em outra ocasião é o mote para a confusão: Eu fui a um restaurante chinês E peguei o gordurame Sem ter os arames E disse ao China: “Pra semana pagarei” O Chang Lang se queimou comigo Sem ter razão Na durindana, disse “Aqui não é pensão, Se você quer comer de graça Você tem que trabalhar! Deixe em depósito O seu chapéu de palha Vá-se embora, por favor Vá que eu não sou teu pai” Em altas rodas de malandros Sempre fui considerado Fui batuqueiro respeitado Me queimei com A ignorância do chinês Dei-lhe um esculacho Pra servir-lhe de lição Mas o chinês que Também tinha queixo duro Se queimou, partiu pra dentro de mim Pra fazer a luta Meteu a mão lá no cantão Puxou de um pé de pilão E ordenou que eu lhe pagasse a refeição [Mas eu que estava sem tostão] Dificilmente o malandro perde o controle

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Eu disse: “Está bem vou pagar” Meti a mão lá na duana Ao invés de grana Puxei da minha navalha Tomei o meu chapéu de palha Pra poder me desguiar „Mas, Chang Lang, não adianta sujeira Se me agarro com você Derrubo toda a prateleira‟ Time is money quer dizer Tempo é dinheiro O velho tempo é grana E eu estou na durindana [Eu pago a conta pra semana]

Neste samba de breque, mesmo com o personagem reconhecendo que não pagou a conta e que foi quem iniciou a briga ao “dar um esculacho” no chinês, o Chang Lang é culpado, primeiramente, por se irritar “sem ter razão” e, em segundo lugar, por não ter considerado sua posição de “batuqueiro respeitado”, afinal, pedir como depósito justamente o chápeu de palha era um ataque à própria identidade do malandro. Diante da ofensa, o que assegura sua honra é a lembrança do respeito que sempre teve nas rodas de samba e é em defesa dela, uma defesa ao samba, que ele justifica o uso da navalha. Defender o samba das “muitas ameaças”, vencer a “guerra” e contornar a perseguição policial eram posturas esperadas do sambista representado nas canções. No mundo social os indivíduos relacionados ao samba lidavam com perseguições (ou com a força repressora da polícia) motivadas por fatores sociais, raciais ou até mesmo criminais. Especificamente em relação ao campo de produção cultural, os entraves e as dificuldades enfrentadas pelos compositores e intérpretes tinham também motivações sociais e raciais, como também fatores diretamente associados à própria dinâmica comercial. Em nenhum caso a “perseguição” se devia ao samba. Mas, ainda assim, os sambas gravados insistiam em cantar os perigos que ele corria e o que o sambista de verdade – aquele que, a priori, existe no mundo imaginário do samba – deveria fazer para salvá-lo. 120


CAPÍTULO 3 Inimigo do Samba

Em 1942 o „cantor das multidões‟, Orlando Silva, deu voz a uma exaltada defesa do „samba brasileiro‟. Um Inimigo do samba194 havia sido reconhecido e o perigo era anunciado: tratava-se de alguém que o queria “matar”. Era como se o impossível – não gostar de samba – se tornasse real e, com isso, o sambista precisasse reagir: Pra você que é inimigo número um Do samba brasileiro Pra você matar o samba Tem que me matar primeiro Mesmo assim, depois de morto Ainda lhe darei trabalho Morre o homem, fica a fama E com a fama lhe atrapalho Destruir não é grandeza Me desculpe meu senhor Construir é que é nobreza É ter arte e ter valor Você fala o ano inteiro Mal do samba sem pensar Mas no mês de fevereiro [cá pra nós] Você samba até cansar de sambar

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“Inimigo do samba” (Ataulfo Alves e Jorge de Castro), Orlando Silva. 78 prm, Odeon, 1942.

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A canção já começa com um aviso ao anônimo, porém mais importante inimigo do samba: ante ameaças, haverá resistência195. Como em outras composições do período, para defender o samba, o sambista parece ser capaz de dar a própria vida chegando ao ponto de mostrar que nem mesmo com a sua morte o samba iria se acabar – ou perderia sua “fama”. Sabemos ainda que o inimigo em vez de ajudar a “construir” – talvez sendo um compositor também – se dedicava a destruir o gênero. Mais uma vez, construir o samba ou o seu mundo aparece como aquilo que realmente importa, um ato de nobreza, de arte e valor. A canção não deixa claro o que ou quem o está ameaçando, mesmo que pareça estar em diálogo direto com seu “inimigo número um”, deixando margem para que qualquer perigo fosse contemplado. A aparente contradição entre a canção e as ideias gerais construídas pelo mundo do samba – se o samba era tudo o que havia de melhor, como não gostar dele? – se resolve na última estrofe: aquele que passava todo o ano tentando diminuir o gênero era, na verdade, um dos que sambava no Carnaval. O Inimigo do samba nesta e em outras canções era representado, portanto, da única maneira que poderia caber na construção do mundo ideal e imaginário do samba: um personagem inexistente. Como na canção gravada por Odete Amaral em 1943, para o sambista Até a natureza samba196: “Quando vejo todos sambando / Ao som da linda melodia / Que o samba tem / Eu sinto em mim / A própria natureza sambando também”. Em quase todos os casos a representação do inimigo segue a estrutura apresentada no capítulo anterior em que o samba, nascido na pobreza dos morros, encontra sua oposição naqueles que representariam os habitantes da cidade – onde o samba não se faz – embora apontem sempre o fato de que o opositor só queria ser sambista também. É assim que as madames e os doutores – ou a sociedade – são cantados no período como os “maus sujeitos” cujo discurso é de quem não gosta de samba, mas, na realidade – aquela construída no mundo do samba –, anseiam o momento de cair na batucada. No caso de A vida é um samba197, a tal sociedade rejeita o samba por vergonha preferindo manter as aparências com os gêneros estrangeiros. Do lado do povo, oposto à

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Para o conceito de resistência VER: CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1994. 196 “Até a natureza samba” (Alcídes Rosa e Sebastião Gomes), Odete Amaral. 78 rpm, Odeon, 1943. 197 “A vida é um samba” (Ivanir Ribeiro), Sônia Carvalho. 78 rpm, Columbia, 1937.

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sociedade, o que importa é a batucada: um produto brasileiro, o “grito de orgulho de uma raça”: (...) Samba tu és um grito De orgulho de uma raça Samba, vai se sambando Sem sentir que a vida passa Samba, eu continuo Sambando com calor E vou cantando Pra esconder a minha dor Lá na cidade A sociedade por vaidade Não dança o samba Com vergonha de sambar E dança a rumba Que é produto estrangeiro Mas o samba é brasileiro E o povo deve sambar

Por mais que o gênero seja cantado como pertencente ao morro e sua versão da cidade seja quase sempre desmerecida, a quantidade de canções representando seu falso inimigo ou aqueles que fingem não gostar dele, sugere ter sido fundamental lembrar como era impossível resistir ao gênero. É o caso de Isso não se atura, canção de Assis Valente já mencionada em duas ocasiões no capítulo anterior (quando o bairro de Cascadura valoriza a cultura popular em detrimento da erudita e a respeito da cisão entre o samba do morro e o da cidade) e que merece, ainda, uma análise da primeira parte, não transcrita anteriormente. Dentre as muitas críticas feitas por Valente neste samba, até mesmo o Japão – ou elementos que poderiam lembrar o país – não resiste ao samba. Ao se referir às madames da sociedade, o compositor faz menção à personagem japonesa Madame Butterfly que na ópera homônima de Puccini vive uma trágica história de amor com um oficial americano ao final do século XIX. Na versão de Assis Valente a tragédia de Madame Butterfly não chega a acontecer e, pelo contrário, ainda que ela se diga afeita à cultura erudita e avessa à batucada, ao cair da noite não se 123


contém e cai no samba da “Kananga do Japão”, uma conhecida agremiação carnavalesca que por essa época se localizava na lendária Praça Onze: Isso não se atura, meu bem Lá em Cascadura Lá em Cascadura Isso não se atura A Madame Butterfly Diz que Beethoven é seu querido Quando ouve a batucada Põe o dedo no ouvido Diz que o samba é coisa e tal Faz barulho e inté se zanga Mas a noite toda prosa Dança um samba na Kananga (...)

Nas composições de Valente a „Dona Sociedade‟ aparece sempre como o avesso da alegria, como em Sapateia no chão, já mencionado no primeiro capítulo ao mostrar que o samba era um remédio para os problemas daquela gente que nada tinha além de dinheiro: “Eu não quero falar mal da Dona Sociedade / Mas o povo lá de casa é que brinca de verdade”. Ainda que oposta ao samba, a sociedade representada por Assis Valente reconhecia no gênero todo o valor que ele dizia ter e é também de sua autoria a composição mais conhecida no período a tematizar um personagem da sociedade que queria ser sambista. Em Camisa Listada198, um “doutor” aproveita a ocasião do Carnaval para fazer as vezes de folião: Vestiu uma camisa listada E saiu por aí Em vez de tomar chá com torrada Ele bebeu Parati Levava um canivete no cinto E um pandeiro na mão E sorria quando o povo dizia: 198

“Camisa listada” (Assis Valente), Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1937.

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“Sossega leão, sossega leão” Tirou o seu anel de Doutor Para não dar o que falar E saiu dizendo: “Eu quero mamar, mamãe, Eu quero mamar” (...)

Nesta bem-humorada crônica do Carnaval carioca, Valente constrói um personagem que para se fantasiar de malandro se vale de alguns elementos-chave: a camisa listada, a cachaça, o canivete no cinto e o pandeiro na mão. Parecia um bom começo para “sair por aí” e se misturar com a gente do samba, mas não bastava. O sambista caricaturado ainda precisava apagar os vestígios de sua verdadeira posição social tirando o anel de doutor “para não dar o que falar”. O distanciamento do doutor para com o mundo do samba está claro em toda a canção, mas ainda mais claro está o seu desejo de fazer parte dele, mesmo que apenas enquanto durasse o Carnaval. Os estrangeiros ao samba, portanto, eram representados nessas duas possibilidades: aqueles que como a Madame Butterfly desdenhavam do samba por quererem pertencer a seu mundo e aqueles que como o „doutor‟ ou a „Dona Sociedade‟ reconheciam a superioridade do gênero e, bem ou mal, tentavam se inserir. E essas representações não foram exclusividade do compositor baiano. Sinval Silva, por exemplo, lançou também na voz de Carmen Miranda o samba Alvorada199 que trazia doutores da cidade que tinham seu valor comprovado através do samba: “E até mesmo da cidade / Tinha gente que é doutor / E que sambavam de verdade / Pra mostrar o seu valor”. Já em 1930, no disco de estreia de Carmen Miranda, a Pequena notável cantava a expansão do samba em meio à alta sociedade como uma resposta a quem dizia que ele não tem valor, em Se o samba é moda200: “O samba era original / Dança dos pobres / E, no entanto, hoje / Vive nos salões mais nobres / Se o samba é moda / Vamos salvar, oi! [...] / Ainda há quem diga / Que o samba não tem valor / Mas lá se encontra / O deputado e o senador”. Em Como eu sambei201 dos polêmicos Peterpan e Afonso Teixeira, por exemplo, Emilinha Borba canta uma personagem que só encontra diversão 199

“Alvorada” (Sinval Silva), Carmen Miranda. 78 rpm, Victor, 1933. “Se o samba é moda” (Josué de Barros), Carmen Miranda. 78 rpm, Brunswick, 1930. 201 “Como eu sambei” (Afonso Teixeira e Peterpan), Emilinha Borba. 78 rpm, Continental, 1945. 200

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no samba: “Ah, como eu sambei / Há quanto tempo / Que eu não me divertia / Agora eu vou pra casa sem tostão / Mas levo o coração cheio de alegria”. Na segunda parte da canção os compositores que no ano anterior haviam lançado Lenda do morro – a grande exceção do período que não reconhecia nos morros um espaço de samba – agora dão prosseguimento ao discurso comum do cancioneiro trazendo a personagem que não se contenta com as benesses da sociedade. Não há crítica à cidade ou reconhecimento do morro e sim a exaltação do samba – seja de onde for – em oposição ao erudito e ao “dinheiro”: “De que serve pertencer à sociedade / Com dinheiro à beça pra gastar / E ter que ouvir até o fim o Rigoletto / Ou dançar o minueto / Com vontade de sambar”. Quando a sociedade era cantada como sendo o espaço relacional das elites políticas e econômicas, suas representações denunciavam o papel e a posição secundária que ocupavam na perspectiva do samba. Mesmo que os doutores e as madames não fossem, de fato, os verdadeiros inimigos, eles enquanto os principais representantes desta sociedade com seu conjunto de valores e costumes próprios eram os personagens alheios, o outro. Ainda assim, ao ganharem “voz” nas canções esses personagens serviam à construção do mundo imaginário do samba ao retificarem sua estrutura porque, a partir das posições que ocupavam em relação aos sambistas, reconheciam neste universo representado as identificações já anunciadas como as mais fundamentais: o prazer e a verdadeira alegria. Mas havia ainda outra perspectiva a se considerar em relação à sociedade que não necessariamente estava associada aos representantes das elites. Para além da questão financeira a sociedade alheia ao mundo próprio do samba tinha seus valores defendidos por outros personagens e instituições: a mulher, o trabalho e o núcleo familiar que vinha como consequência da associação destas duas categorias. Mais do que os doutores e as madames que, como se viu, só queriam pertencer ao samba também, estes eram os inimigos ou os elementos que supostamente ameaçavam a existência do samba de acordo com o que se repetia nas canções. Articulados, eles conformavam outro mundo com personagens, valores e inimigos próprios, um mundo que em tudo se alijava daquele cantado pelo samba. E é sobre esses inimigos e suas participações na história que o samba contava de si que este capítulo vai tratar.

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Amélia que era a mulher de verdade Os processos de modernização pelos quais as principais cidades brasileiras passaram durante as primeiras décadas do século XX ensejaram transformações no espaço urbano com uma significativa mobilidade populacional e o desenvolvimento de novas atividades econômicas pautadas pela crescente industrialização. Todos esses processos tiveram um impacto profundo nas dinâmicas sociais de cidades como o Rio de Janeiro, conforme se viu no capítulo anterior. Como não poderia deixar de ser, a modernidade incidiu também sobre as posições ocupadas pelos atores sociais e as relações estabelecidas entre eles e as instituições dos “novos tempos”. Um dos casos mais significativos e que mais debates acalorados rendeu foi a relação entre a mulher e a modernidade. Mudanças importantes haviam ocorrido no comportamento feminino nessa virada de século e muito se questionava sobre as consequências que a expansão dos limites dos espaços da mulher traria para toda a conformação social. Como apontam Marina Maluf e Maria Lúcia Mott202, a repercussão que as transformações do universo feminino teve entre os contemporâneos e os tipos de interpretações e discursos que propiciou soavam como um alerta: a modernidade tão almejada no campo econômico e nas modificações do espaço urbano podia ser uma ameaça para os costumes e, principalmente, para a manutenção da família. Havia uma definição muito clara dos espaços destinados às mulheres e dos papéis possíveis que elas podiam exercer, sendo o seu domínio da ordem do privado. Todo o universo feminino se resumia às questões do lar e da família, de quem ela era a geradora e mantenedora. Em contrapartida, acreditava-se que o domínio masculino era o público, sendo a rua e o mundo do trabalho os espaços próprios do homem, e, assim, sua relação para com a família também era fundamental, já que cabia a ele prover o sustento dos seus. O discurso ideológico, amparado em um cientificismo que se propunha a explicar a sociedade em determinações biológicas, entendia a mulher como sendo naturalmente apta a casar e gerar filhos, enquanto que ao homem a própria natureza teria dado a aptidão ao trabalho, por sua constituição e força física. Homem e mulher eram, portanto, entendidos como biologicamente e socialmente opostos. 202

MALUF, Marina; MOTT, Maria Lúcia. “Recônditos do mundo feminino.” In.: NOVAIS, Fernando A.; SEVCENKO, Nicolau (Org.). História da Vida Privada no Brasil, v. 3: República – da Belle Époque à Era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

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A este respeito, como mostram Maluf e Mott, concordavam conservadores e reformistas de diferentes matizes 203. Até os primeiros anos do século XX a própria legislação amparava os papéis sociais diferenciados dos gêneros conferindo diretamente ao marido a “chefia” do casamento, a responsabilidade pública da família e de todos os bens (incluindo o usufruto), até mesmo dos particulares da esposa. Com o Código Civil de 1916 a responsabilidade legal da família passou a ser dos cônjuges, embora à mulher ainda fossem consideradas inaptidões relativas para alguns atos civis comparadas apenas às limitações impostas aos pródigos, aos menores de idade e aos índios, o que, na prática, acabava garantindo sua submissão legal ao homem. O direito ao trabalho, por exemplo, era condicionado à autorização do marido ou de um juiz. Para além das discussões ideológicas e das definições legais, o que se via nas primeiras décadas do século XX era uma ocupação cada vez maior dos espaços masculinos, as ruas e os postos de trabalho, por mulheres das classes média e alta (já que, como se verá a seguir, as dinâmicas não eram as mesmas entre as parcelas mais pobres da população). Não era apenas a industrialização e as alterações populacionais advindas dos processos migratórios e de urbanização que ocasionavam essas mudanças de costume, havia também um espaço crescente no Brasil para as discussões a respeito da autonomia da mulher. Nos EUA e na Europa essa questão ganhou força após a Primeira Guerra Mundial e, aos poucos, o debate tanto ganhava a opinião pública quanto uma militância, relacionadas à imprensa brasileira. Mas as autoras alertam: Esse progresso feminino, no entanto, precisa ser tomado com cautela, uma vez que havia certos limites para a aspiração feminina: eram inúmeros os empecilhos ao acesso a determinadas profissões. As ofertas disponíveis, em geral, estavam próximas daquilo que se considerava uma extensão das atribuições das mulheres: professora, enfermeira, datilógrafa, taquígrafa, secretária, telefonista, operária das indústrias têxtil, de confecções e alimentícia. (MALUF; MOTT, p. 402)

De todo modo, essas transformações ocorriam em um curto período e eram visíveis a todos. Já no começo dos anos 1930, por exemplo, as primeiras conquistas relacionadas à emancipação e participação política das mulheres se concretizaram. As 203

MALUF; MOTT: op. cit., p. 373.

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mudanças no comportamento feminino foram amplamente representadas pela imprensa e os pontos de vista eram concordantes em eleger a modernidade como a causadora dos “desvios” sociais pelas inúmeras possibilidades de indisciplina que ofertava às mulheres. O grande receio era que a mulher moderna colocasse em risco as mulheres honestas e, por extensão, a própria família brasileira tradicional. A pesquisadora Sueann Caulfield em Em defesa da honra 204 trabalha a questão da “honra sexual” no ponto de vista legal, analisando os entendimentos em voga no período do que seria a “mulher moderna” e, para ela, o termo não se referia apenas às mulheres que trabalhavam em fábricas ou exerciam outras atividades profissionais, ele incluía também as “mulheres petulantes, agitadas, namoradeiras, voluntariosas e andróginas” (CAULFIELD: 2000, p. 162), ou seja, o termo definia todas cujo comportamento não se adequasse perfeitamente ao ideal de esposa, mãe e dona-de-casa devotada à família. A modernidade, portanto, quando relacionada aos domínios femininos não tinha a conotação de progresso social e econômico, como quando associada aos domínios masculinos. Para a mulher, ser moderna era assumir a degeneração da moral, dos valores, dos “bons costumes” 205, e, acima de tudo, de sua honra. Em relação à mulher, a honra era um conceito em disputa pelas diferentes correntes ideológicas de políticos, juristas e intelectuais, estando inevitavelmente associada à questão sexual e ao comportamento. O ponto de concordância entre conservadores e reformistas era que as mulheres honestas seriam as virgens ou as formadoras de núcleos familiares “higiênicos” – baseados no contrato matrimonial e suas relações sexuais “saudáveis”. Já os pontos de divergência eram fundamentalmente o critério definidor do que garantiria esta honra e o que fazer diante de sua perda. De acordo com o trabalho de Caulfield, os debates que antecederam a escrita do Código Penal de 1940 entre juristas de diferentes posicionamentos ideológicos acerca dos crimes de honra colocavam em foco o “defloramento”206 e as diferentes mulheres: as honestas e as modernas. 204

CAULFIELD, Sueann. Em defesa da honra: moralidade, modernidade e nação no Rio de Janeiro (1918-1940). Campina: Editora da Unicamp / Centro de Pesquisa em História Social da Cultura, 2000. 205 Ibidem, p. 186. 206 No Código Penal de 1890, o defloramento era definido como o crime de “deflorar mulher menor de idade, empregando sedução, engano ou fraude”, no Artigo 267. Com o Código Penal de 1940 o crime de defloramento é substituído pelo de “sedução”, descrito no Artigo 217 entre os crimes sexuais contra vulnerável como “seduzir mulher virgem, menor de dezoito anos e maior de quatorze, e ter com ela conjunção carnal, aproveitando-se de sua inexperiência ou justificável confiança”.

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A questão parecia ser de extrema importância no período porque, após os roubos e os crimes de lesão corporal, o defloramento era a ocorrência mais comum nos registros policiais. As denúncias normalmente eram registradas pela própria mulher ou por algum familiar seu, sob a alegação de haver sido desonrada ou seduzida e enganada sob a promessa de casamento (que, concretizado, não configuraria o crime e a desonra). Como evidencia a autora, a popularização dos debates sobre a mulher moderna começava a pôr em dúvida essas alegações, questionando o quão inocentes e ingênuas seriam as mulheres em um momento em que os costumes já estavam tão deturpados. Não seriam as mulheres as sedutoras nestes casos e não estariam elas recorrendo à justiça e à força policial para que os homens seduzidos se vissem forçados a casar?, questionavam os juristas207. Até mesmo as defesas dos acusados valiam-se da dúvida perante a honra anterior da mulher – já não seria ela uma depravada pela modernidade? Do ponto de vista da família constituída, a honra era uma contrapartida da mulher ao sustento garantido pelo marido. Era o comportamento feminino, sobretudo, o que assegurava a honra tanto do núcleo familiar quanto de grande parte da honra do próprio marido perante a sociedade, cujo crivo também estava submetido à capacidade de prover as necessidades financeiras. O impacto do comportamento feminino para a família (ou para a imagem que ela pretendia passar) era tamanho que até mesmo o uso da violência doméstica era socialmente legitimado como estratégia de contenção das mulheres, como apontam Maluf e Mott208, ainda que nenhuma lei autorizasse ou relevasse as agressões. De fato, “proteger a família” e conter o comportamento feminino pareciam ser grandes preocupações políticas e sociais de quase toda a primeira metade do século XX. Planos de educação, estatutos e decretos foram elaborados, discutidos e disputados sobre as maneiras com as quais o Estado lidaria com essas questões. No período específico de análise deste trabalho elas eram grande interesse do mineiro Gustavo Capanema, ministro da pasta de Educação e Saúde entre os anos de 1934 e 1945, para quem o Estado deveria atuar como o grande construtor da educação moral e cívica de seus cidadãos209. Capanema propôs, em 1939, o projeto de um decreto-lei para o que 207

Ibidem, p. 187. MALUF; MOTT: op. cit., p. 376 e 377. 209 BOMENY, Helena; COSTA, Vanda Maria Ribeiro da; SCHWARTZMAN, Simon. Tempos de Capanema. São Paulo: Paz e Terra/Fundação Getúlio Vargas, 2000. Principalmente o capítulo 4 “Contenção das mulheres, mobilização dos jovens”. 208

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seria um “estatuto da família”, justificado pela necessidade de aumentar a população do país em compasso com a proteção ao tão ameaçado núcleo familiar constituído unicamente através do “casamento indissolúvel” e formador do suposto “primeiro fundamento da Nação”210 – mesmo que sua vulnerabilidade sempre alardeada em nada condissesse com a ideia propagada do estado-nacional grande e forte. O estatuto elaborado pelo Ministério de Capanema previa ainda questões relativas à educação das mulheres (com o objetivo de torna-las afeiçoadas ao casamento e a suas funções de esposa, mãe e dona-de-casa), uma defesa contundente à instituição familiar com a proibição categórica de quaisquer divulgações ou propagandas contrárias a ela e, ainda, incentivos diversos, por meio de propagandas, ao casamento, com todos os pontos amparados em uma moral Católica bastante exaltada. A proposta previa a participação do Estado em toda a formação da mulher, desde a educação básica até sua atuação social na vida adulta, o que, implicitamente, já estava presente na Constituição de 1937, e, principalmente por esta razão e não pelos conteúdos que advogava, não foi promulgada. Ainda no final de 1939 é criada a “Comissão Nacional de Proteção à Família” partindo tanto das propostas de Capanema e das críticas feitas a ela pelos ministros da Justiça e das Relações Exteriores, Francisco Campos e Oswaldo Aranha, quanto dos debates que elas suscitaram entre intelectuais do período. Como o próprio nome da comissão sugere, o intuito era mais uma vez proteger a instituição familiar embora os resultados apresentados em 1940 e que levaram ao Decreto-Lei nº 3.200 de abril de 1941, chegassem a uma defesa menos intransigente da família tradicional, inclusive com maiores garantias ao trabalho feminino (como a manutenção do emprego e salário às mulheres funcionárias públicas cujos maridos fossem transferidos)211. É preciso ter em conta que todas essas deliberações sobre o núcleo familiar legítimo e a atuação profissional das mulheres, mesmo antes do governo Vargas, não condiziam com a realidade da maior parte da população brasileira. A modernidade, por exemplo, era uma questão bastante específica de áreas urbanas como o Rio de Janeiro e São Paulo. E, mesmo em relação a essas cidades, havia diferenças na maneira como camadas socioeconômicas distintas estruturavam seus núcleos familiares e vivenciavam as questões sexuais, uma vez que as definições prescritivas tinham como referência os 210 211

Ibidem., p. 127. Ibidem., p. 136.

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costumes das classes média e alta. Entre as parcelas mais pobres da população, por exemplo, o trabalho feminino era uma realidade desde os tempos da escravidão, embora pesasse também sobre as mulheres pobres casadas – como pesava a todas – a responsabilidade de exercer um trabalho exclusivamente doméstico já que, como dito anteriormente, o sustento deveria ser garantido pelo marido. Porém, mesmo esta relação familiar baseada no contrato matrimonial não condizia com a realidade da maioria da população, cujos relacionamentos amorosos e sexuais se estabeleciam em padrões diversos considerados errados, degenerados e imorais para os costumes convencionados (o correto e higiênico era unicamente a união baseada no casamento civil e religioso). De um modo muito diverso ao considerado honesto e honroso, A maioria das mulheres viviam relações conjugais consensuais, sem uma presença masculina efetiva no lar, ou convivia com companheiros que não tinham um trabalho nem efetivo nem regular. Juntamente com os serviços domésticos realizados da maneira mais dura e tradicional, cuidavam dos filhos e exerciam várias atividades ao mesmo tempo, para prover a própria subsistência e a da família. (MALUF; MOTT, op. cit., p. 400)

A historiadora Rachel Soihet analisa também em A subversão pelo riso a questão da sexualidade das mulheres das camadas mais pobres da população durante a Belle Époque ressaltando a multiplicidade de formas com que os núcleos familiares se organizavam, sendo muitos deles chefiados, de fato, por uma figura feminia. Mas para a autora a questão não se explica tão somente pelo ponto de vista econômico. Na visão de Soihet é preciso somar às dificuldades financeiras um conjunto de valores diverso “que expressava sua prática cotidiana de existência”

212

. Ou seja, o padrão comportamental

que se pretendia estabelecer às mulheres atravessava os domínios femininos da primeira metade do século XX, mas com recortes específicos de classe. De todo modo, fosse a realidade social ou as mulheres modernas a “grande ameaça” à família ideal, o fato é que para uma considerável parcela da população os limites alcançados pelas mulheres extrapolavam há muito o lar. Em relação à música brasileira são muitos os exemplos de mulheres transgressoras dos costumes, seja 212

SOIHET, Rachel. A subversão pelo riso: estudos sobre o carnaval carioca da Belle Époque ao tempo de Vargas. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1998, p. 155.

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ocupando domínios considerados naturalmente masculinos ou rompendo com os padrões sociais. Uma das principais referências nesses termos é a da liderança cultural exercida pelas tias baianas nos primeiros anos do século XX. Eram elas mulheres que trabalhavam e que tinham prestígio social considerável (ainda que retrospectivamente se costume atribuir esse prestígio aos cargos ocupados por seus maridos, como no caso da Tia Ciata). Para além dessas, a música brasileira, e em especial o samba, abriu espaço para que muitas despontassem como ícones da cultura popular na condição de intérpretes e, muito raramente, de compositoras213. Essas mulheres eram uma importante presença em uma cadeia produtiva majoritariamente masculina, onde todas as posições já analisadas no primeiro capítulo, desde as gravadoras até as associações representantes dos artistas, eram ocupadas essencialmente por homens. Mas, se no fazer do samba como produto elas eram exceções, nas tematizações das letras das canções reinavam absolutas. Sob os mais variados aspectos, as mulheres foram o tema mais cantado por todo o cancioneiro popular do período. As representações abarcavam tanto as dores do amor e o elogio à beleza feminina, quanto as críticas e acusações às mulheres. A canção mais representativa no período a tratar da temática feminina foi, certamente, Ai! que saudades da Amélia 214 de Ataulfo Alves e Mário Lago. Nela é apresentado o ideal da “mulher de verdade” em comparação à mulher exigente e, aparentemente, pouco submissa: Eu nunca vi fazer tanta exigência Nem fazer o que você me faz Você não sabe o que é consciência Não vê que eu sou um pobre rapaz Você só pensa em luxo e riqueza Tudo o que você vê, você quer 213

Nas fontes trabalhadas nesta pesquisa há composições registradas no nome de apenas quatro mulheres: Zulmira Santos, Heloísa Helena, Valentina Biosca e Marília Batista. A respeito da primeira não foi encontrada qualquer informação. Heloísa Helena foi mais conhecida nas carreiras de atriz e cantora que exerceu até meados dos anos 1970. Já Valentina Biosca foi uma influente militante das causas feministas nos anos 1920 e 1930, com atuação mais reconhecida na defesa dos direitos das mulheres operárias de fábricas, embora não tenha levado esses temas para suas canções. Marília Batista, por sua vez, foi uma das cantoras de maior sucesso no período analisado. Recebeu reconhecimento também como uma das instrumentistas e compositoras pioneiras no samba. 214 “Ai! que saudades da Amélia” (Ataulfo Alves e Mário Lago), Ataulfo Alves. 78 rpm, Odeon, 1942.

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Ai, meu Deus, que saudade da Amélia Aquilo sim é que era mulher Às vezes passava fome ao meu lado E achava bonito não ter o que comer E quando me via contrariado, dizia: „Meu filho, o que se há de fazer?‟ Amélia não tinha a menor vaidade Amélia que era a mulher de verdade Amélia não tinha a menor vaidade Amélia que era a mulher de verdade

A enorme repercussão desta canção fez com que o substantivo próprio “Amélia” atravessasse décadas representando em todo o país a dona-de-casa “compreensiva” e submissa, devotada ao marido. Na época de seu lançamento, o Carnaval de 1942, Ai! que saudades da Amélia disputava o concurso de melhor samba com a lendária Praça Onze de Herivelto Martins e Grande Otelo, cujo resultado acabou em empate. Herivelto, aproveitando o grande sucesso das duas canções no Rio de Janeiro, levou a Amélia de Ataulfo e Mário Lago para se lamentar na Praça, já na iminência de ser descaracterizada, em Amélia na Praça Onze mencionada no capítulo anterior. Aqui, a Amélia submissa lamenta tanto o fim do Carnaval e da praça (relembrando os versos do sucesso de Herivelto) quanto a situação precária a qual estava submetida em seu antigo casamento: Eu encontrei Amélia Lá na Praça Onze Sentada, lamentando Lá no chafariz O carnaval findou-se E eu não fui pra casa Não fui porque não quero Não fui porque não quis Ele andou me procurando E conseguiu me encontrar E delicadamente

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Me pediu para voltar Eu gosto muito dele Mas existe outra Amélia Que mora em minha casa E passa fome em meu lugar „Adeus, Praça Onze, adeus‟ Com os olhos rasos d'agua Ela cantava assim: „Já sabemos que vais desaparecer‟ Mas de ti, não havemos de esquecer Amélia tem um grande coração Canta samba, para não se aborrecer Acostumou-se aos reveses da vida Só não se acostumou Foi a passar sem comer

A Amélia na Praça Onze foi lançada na voz de Linda Batista no mesmo ano de 1942 e parece ter soado como uma crítica à representação da “mulher de verdade” já que, neste mesmo ano, Ataulfo Alves grava Represália215, de sua autoria, justificando a penúria da saudosa Amélia: Não, não está direito, não Você não tem a menor compreensão Você merece receber uma lição Por dizer que a minha Amélia Morreu de inanição Onde eu dizia Que a coitada não comia Era pura fantasia Era força de expressão Sua intenção foi de menosprezar Este amigo seu Chegando até a afirmar Que a Amélia morreu 215

“Represália” Ataulfo Alves.78 rpm, Odeon, 1942.

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Sua ironia foi muito infeliz Porque Amélia é apenas Simbolismo da mulher do meu país

De fato, “Amélia” se tornou o símbolo de certo comportamento feminino atribuído às mulheres ditas honestas pelos ideólogos da Nação. Mas um ano antes, em 1941, já havia sido lançada uma representação feminina da mulher devotada ao lar muito parecida com a feita por Ataulfo e Mário Lago, alcançando também certa repercussão no cancioneiro, embora sem o estrondoso sucesso de Amélia. Tratava-se de Emília216, a dona-de-casa ideal de Haroldo Lobo e Wilson Batista (que em 1944 ainda representariam, no mesmo sentido, a Guiomar217): Quero uma mulher Que saiba lavar e cozinhar E de manhã cedo Me acorde na hora de trabalhar Só existe uma e sem ela Eu não vivo em paz Emília, Emília, Emília Não posso mais Ninguém sabe igual a ela Preparar o meu café Não desfazendo das outras Emília é mulher Papai do Céu é quem sabe A falta que ela me faz Emília, Emília, Emília Eu não posso mais

Ao contrário da Amélia que, transposta ao mundo do samba por Herivelto, cantava “para não se aborrecer” e se valia do gênero para suportar as dificuldades de sua condição, Emília “enlouquece” ao ouvir o samba que a Vila Isabel havia preparado para

216 217

“Emília” (Haroldo Lobo e Wilson Batista), Vassourinha. 78 rpm, Columbia, 1941. “Guiomar” (Haroldo Lobo e Wilson Batista), Joel e Gaúcho. 78 rpm, Odeon, 1944.

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o Carnaval de 1942 e abandona suas funções de esposa e dona-de-casa para viver na batucada, no já mencionado Samba de 42218: A Vila apresenta seu samba de 42 E diz ao Salgueiro e Mangueira: „Eu não morri‟ e o Brasil inteiro Vai cantar depois o samba de 42 Emília já não quer fazer mais nada Diz que vai pra batucada Fugiu pra Vila Isabel Ficou maluca, ficou depois De ouvir o samba de 42 Emília diz que não é mais aquela Que não lava mais panela Diz que vai viver sambando Emília enlouqueceu, saiu gritando: „Quem não pode mais sou eu‟

Mulheres transgressoras (ou “modernas”) como Emília, que trocam o lar e a família pelos prazeres do samba, foram amplamente representadas nas canções do período, quase sempre com seu comportamento posto em questão e avaliado negativamente. A maior exceção a este modo de representa-las é justamente de uma canção que tem uma mulher como uma de suas compositoras: A mulher tem razão219, de Marília Batista. Neste samba gravado por Francisco Alves em 1943, há defesa ao direito de a mulher poder “se divertir”: A mulher tem razão, ninguém vai proibir E tudo o que ela quer é dar um giro por aí Você vai onde quer e se a mulher quer sair Você diz que não, que maldade Que maldade!, ela quer se divertir, João

218

“Samba de 42” (Arnaldo Paes, Henrique Batista e Marília Batista), Arnaldo Amaral. 78 rpm, Columbia, 1941. 219 “A mulher tem razão” (Henrique Batista, M. Quintanilha e Marília Batista), Francisco Alves. 78 rpm, Odeon, 1943.

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Se você prende a mulher vai ser pior Deixe que ela se divirta Vá por mim que é melhor Pra que teimar, pra que fazer oposição? Deixe ela fazer o que ela quer Ela quer se divertir, João!

Para além desta composição, o que se cantava repetidamente era que o comportamento feminino transgressor e que extrapolava os limites do lar era um grande problema para todos. Já em 1930 Mário Reis cantava os versos de Eu agora sou família220 sobre os riscos da mulher que se afasta do marido para entrar na “vida de ilusão” do samba: “Se ela descamba, abandona o protetor / Caiu no samba, perdeu pra sempre o valor”. O maior perigo estava, sem dúvidas, nas folias de fevereiro, como alertava o samba amaxixado de João da Bahiana 221: “As moças já estão malucas / Pela festa infernal / A mulher deixa o marido / Por causa do carnaval / Carnaval, meu carnaval / Eu só tenho a dizer / „Meu benzinho foi-se embora / Só por causa de você‟ ”. Foi também o Carnaval o palco de outra história do samba composta por Ataulfo Alves e Wilson Batista em que a mulher troca a família pelos prazeres das ruas, contada em duas canções: Oh, seu Oscar222 e a resposta a ela, A mulher do seu Oscar223. Na primeira, Ciro Monteiro canta o lamento de um homem honesto e trabalhador, cumpridor de seus deveres para com a família e a sociedade, que havia tentado de tudo para que a mulher deixasse sua tendência aos “maus costumes”. Mas a ruptura parecia inevitável, afinal, ela era da orgia: Cheguei cansado do trabalho Logo a vizinha me falou: “Oh! seu Oscar, tá fazendo meia hora Que a sua mulher foi embora E um bilhete deixou, veja você” O bilhete assim dizia: “Não posso mais, Eu quero é viver na orgia” 220

“Eu agora sou família” (Freire Júnior), Mário Reis. 78 rpm, Odeon, 1930. “Ai Zezé” (João da Bahiana), Patrício Teixeira. 78 rpm, Odeon, 1932. 222 “Oh, seu Oscar” (Ataulfo Alves e Wilson Batista), Ciro Monteiro. 78 rpm, Victor, 1939. 223 “A mulher do seu Oscar” (Ataulfo Alves e Wilson Batista), Odete Amaral. 78 rpm, Victor, 1940. 221

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Fiz tudo para ver seu bem-estar Até no cais do porto eu fui parar Martirizando o meu corpo noite e dia Mas tudo em vão, ela é da orgia [É... parei!]

O trabalho, tido aqui como um martírio, parece não compensar porque a contrapartida feminina ao sustento, a manutenção da honra familiar, não era cumprida. Mas os compositores dão o “direito de resposta” à mulher do „seu Oscar‟ que tem suas explicações gravadas por Odete Amaral, na época esposa de Ciro Monteiro: Com que cara eu vou Voltar pro seu Oscar Eu sei que a vizinhança Vai me reprovar Abafei de porta-bandeira Todo mundo dizia “Que morena faceira” O meu bloco fez furor Mas perdi um grande amor Que injustiça! Não quiseram interpretar O bilhete que eu deixei Pra entregar ao meu Oscar Quando eu dizia „Vou-me embora pra orgia‟ Era pro samba Sem segunda intenção Orgia de luz, de riso E alegria, minha gente Parei, fui condenada injustamente

Neste caso, a mulher não estava abandonando a família, ela apenas havia feito um “intervalo” nas obrigações domésticas para defender o seu bloco no Carnaval. Mas mesmo tendo saído exaltada e vitoriosa, havia perdido o seu Oscar injustamente, já que, 139


aqui, ir à orgia era apenas ir ao samba “sem segunda intenção”. Samba, para a mulher do „seu Oscar‟, era uma orgia de luz, riso, alegria e nada mais. Porém, o que se repetia nas canções mesmo sem relação com o período carnavalesco, era que o samba e tudo aquilo relacionado a ele funcionavam como fortes desvirtuadores ou desencaminhadores de mulheres. Em Louca pela boemia224 de Bide e Marçal, por exemplo, a vida boêmia inebria a mulher jovem capaz de deixar o marido e o lar, esquecendo-se de toda a felicidade do casamento. Neste caso, o homem se diz capaz de perdoá-la devido a sua pouca idade: “Ela é muito jovem / E ainda não tem pensar / Ela vai voltar, tenho esperança / Não conhece o mundo / Tão jovem criança”. Já em Acabou a sopa225 de Augusto Garcez e Geraldo Pereira, gravada também por Ciro Monteiro, o perdão já não é mais uma possibilidade para a mulher que mais de uma vez foi ao baile sem pedir a autorização do marido: “Pode arrumar sua roupa / Porque acabou a sopa / Volte ao baile / Vá dançar melhor / Abusou da confiança / Você já não é criança / Se eu lhe perdoar / Fará depois pior”. Há uma grande repetição dessas representações no período analisado, em que as práticas e os costumes associados aos elementos formadores do mundo do samba, próprios dos domínios masculinos, são invadidos por mulheres tomadas então por “loucas” ou “sem valor”. O comportamento indesejável frequente gerava, muitas vezes, reações diversas ao perdão ou desquite, chegando até mesmo à agressão física. São muitos os exemplos de canções que falam dos maridos que batiam nas esposas para “corrigi-las” e, mais frequentes ainda, eram as canções que traziam a violência doméstica como algo tão comum que já não surtia mais efeito. É o caso, por exemplo, de Desacato226 em que a mulher parece ter o hábito de frequentar os sambas do morro, deixando o marido em casa a sua espera, que, aparentemente, a recebe sempre com “pancadas”. Sem êxito com a violência, a melhor alternativa para a salvação do homem (já que a mulher parece incurável) é abandoná-la: “Pancada não dá jeito / Por mais que eu lhe bata / Pois ela não respeita / E sempre me desacata / Vou ver se me salvo / Enquanto está em tempo / Deixando um bilhetinho: „Adeus, adeus, mau elemento!‟”.

224

“Louca pela boemia” (Alcebíades Barcelos e Armando Marçal), Gilberto Alves. 78 rpm, Odeon, 1941. “Acabou a sopa” (Augusto Garcez e Geraldo Pereira), Ciro Monteiro. 78 rpm, Victor, 1940. 226 “Desacato” (Wilson Batista, Paulo Vieira e Murilo Caldas), Francisco Alves, Castro Barbosa e Murilo Caldas. 78 rpm, Odeon, 1933. 225

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Quando quem ganha a voz é a mulher – ainda que os versos tenham sido escritos por homens – a violência é claramente repudiada, como em Eu não sou pano de prato227, gravada por Isaura Garcia em 1941: Só agora fiquei conhecendo você Eu disse que ia ao baile Pra ver você se zangar Isso não é motivo Pra você se revidar Eu não sou pano de prato Pra suas mãos enxugar Quem quer bem não diz a gente Tudo o que você me disse O ciúme é uma tolice Que se precisa acabar E pancada, francamente Eu não posso suportar Pois eu não sou pano de prato Pra suas mãos enxugar

Além da violência física havia ainda outros sofrimentos cantados em associação às personagens femininas e o que mais teve repercussão no período foi o lamento da mulher trabalhadora, que mantinha a família e sustentava a casa enquanto o marido – a quem cabia essa responsabilidade de acordo com as prescrições do mundo social – só queria saber do samba. É o que ocorre em Fez bobagem228 de Assis Valente, em que Araci de Almeida canta as dores da mulher que sabe que no momento em que está trabalhando, o „seu moreno‟ leva outra para sambar em seu barracão. Também é o tema do desabafo Vai trabalhar229, gravado pela mesma cantora, onde a mulher alerta o marido para suas obrigações. Aqui, o problema é diretamente associado ao samba: Isso não me convém e não fica bem Eu no lesco-lesco na beira do tanque Pra ganhar dinheiro e você no samba 227

“Eu não sou pano de prato” (Mário Lago e Roberto Martins), Isaura Garcia. 78 rpm, Columbia, 1941. “Fez bobagem” (Assis Valente), Araci de Almeira. 78 rpm, Victor, 1942. 229 “Vai trabalhar” (Ciro de Souza), Araci de Almeida. 78 rpm, Victor, 1942. 228

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O dia inteiro, ai!, o dia inteiro Você compreende e faz que não entende Que tudo depende de boa vontade Pra nossa vida endireitar, você deve cooperar É forte e pode ajudar, procure emprego Deixe o samba e vai trabalhar!

Quem também se acabava no “lesco-lesco” (o trabalho pesado realizado diariamente), era a personagem feminina de Inimigo do batente230 cantada por Dircinha Batista em gravação de 1939. Como em Vai trabalhar, a mulher lamenta a situação a qual está submetida, com um marido que não trabalha e é sustentado por ela. Aqui, ser um sambista – um “poeta” – é visto como um grande defeito já que estava em franca oposição à condição de trabalhador. Eu já não posso mais A minha vida não é brincadeira Estou me desmilinguindo Igual a sabão na mão da lavadeira Se ele ficasse em casa Ouvia a vizinhança toda falando Só por me ver lá no tanque Lesco-lesco, lesco-lesco Me acabando Se eu lhe arranjo um trabalho Ele vai de manhã De tarde pede as contas E eu já estou cansada de dar Murro em faca de ponta Ele disse pra mim Que está esperando ser presidente Tirar patente no sindicato Dos inimigos do batente Ele dá muita sorte 230

“Inimigo do batente” (Wilson Batista e Germano Augusto), Dircinha Batista. 78 rpm, Odeon, 1939.

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É um moreno forte Ele é mesmo um atleta Mas tem um grande defeito Ele diz que é poeta Ele tem muita bossa Compôs um samba e quer abafar É de amargar, eu já não posso mais Em nome da forra, vou desguiar

Curiosamente, nos dois últimos exemplos apresentados o samba aparece como o grande vilão, como o é também para os homens envolvidos com as “mulheres da orgia”. Tanto a mulher trabalhadora quanto o homem trabalhador parecem ser aqueles que, de fato, não gostam de samba. Para esses personagens é o samba quem destrói o núcleo familiar e desvirtua os cidadãos honestos. Esta representação é muito diversa das demais vistas ao longo de todo o trabalho, onde o samba era sempre a maior de todas as alegrias e qualidades. Voltaremos a essa aparente contradição mais a frente, por ora, basta atentar para a maneira como as canções relacionam o samba e a família ou o trabalho, sempre como opostos e inconciliáveis. Inimigo do batente Dando prosseguimento às reflexões sobre as oposições entre a “sociedade” e o mundo imaginário do samba, é preciso considerar ainda um último ponto relativo à constituição familiar. Como dito anteriormente, a mulher e sua postura honrada eram um dos pilares da família brasileira tradicional e, o outro, era formado pelo homem trabalhador e provedor dos seus. As questões do trabalho, portanto, entendidas para além das correlações de força entre os gêneros e do âmbito da “mulher moderna”, eram fundamentos importantes na construção da cidadania brasileira e de toda a conformação do mundo social no período analisado. Desde meados do século XIX, o trabalho passava por um profundo processo de ressignificação e reposicionamento social no Brasil deixando de ser associado à escravidão para ser não apenas o assegurador da liberdade individual como também o engrandecedor da honra e dignidade do homem. Com o fim do tráfico negreiro em 1850, o avanço da pauta abolicionista e as leis que culminaram no 13 de maio de 1888, toda a organização da mão-de-obra, das remunerações, dos direitos e deveres dos 143


trabalhadores passaram a ser encarados como graves problemas pelas elites brasileiras acostumadas, até então, a tratar a questão do trabalho sob a lógica da ordem e da propriedade (de trabalhadores escravos e, logo, de sua força laboral) 231. A questão, do ponto de vista legal, como aponta Sidney Chalhoub em Trabalho, lar e botequim era impedir que a enorme massa de libertos se tornasse uma enorme massa de indivíduos ociosos e desordeiros, transformando-os em trabalhadores aptos a viver em sociedade. Para tanto, segundo o autor, foi preciso criar uma ética do trabalho valorizando o que antes não tinha valor e, então, “educar” o liberto para que ele valorizasse também o trabalho “independente das vantagens materiais” dele advindas, como o elemento supremo da vida civilizada 232. Era em relação à civilidade, à moral e à participação no todo social que os debates sobre a questão do trabalho pairavam. Neste sentido, o trabalho era tanto o que garantia a honra e os elevados valores morais, quanto era a contrapartida cidadã às benesses recebidas da sociedade. Do lado oposto ao trabalho, estava a ociosidade e a vadiagem, ameaças constantes à ordem. Nas discussões parlamentares que se seguiram à Abolição, resgatadas por Chalhoub, as explicações ao comportamento vadio inato ao brasileiro passavam até mesmo pela facilidade com que se podia obter alimento e abrigo na própria natureza, anulando, portanto, qualquer necessidade premente de exercer alguma atividade profissional. Deste modo, segundo o autor, a contenção da ociosidade irresistível aos brasileiros só poderia vir pela força da lei, ou seja, era preciso obrigar o povo a trabalhar 233. Essa necessidade se devia à associação direta feita entre vadiagem e a criminalidade, uma vez que o perigo estava não no comportamento ocioso por si, mas na correlação que viam entre ele e a pobreza. Caso o indivíduo ocioso tivesse meios de se manter, a propriedade e a ordem não estavam em ameaça por este comportamento que passava a ser circunscrito à ordem do privado, mas, caso ele fosse ocioso e miserável, a vadiagem seria um “ato preparatório do crime” e, portanto, uma questão social com a necessidade de repressão: “Os parlamentares reconhecem abertamente, portanto, que se deseja reprimir os miseráveis” (CHALHOUB: op. cit, p. 47). E o

231

CHALHOUB: 1986, p. 39. Ibidem, p. 43. 233 Ibidem, p. 46. 232

144


Código Penal de 1890, como se viu no capítulo anterior, já trazia as penalizações cabíveis a quem não exercesse uma profissão. Na virada de século, a questão do trabalho se amplia com a formação da classe operária brasileira e os conflitos advindos de sua atuação como agente político. As disputas políticas, as lutas sociais e a crise de poderes que marcaram a República Velha (tanto em virtude da crescente oposição ao sistema oligárquico controlado principalmente pelas lideranças agrárias paulistas, quanto pela crise econômica do final da década de 1920 que as afetava diretamente) levam à ordem do dia a construção de identidade dos trabalhadores brasileiros nos anos que se seguem à Revolução de 30 e à reformulação

das

ordens

política

e

sociais

em práticas

centralizadoras

e

intervencionistas. O pano de fundo eram todas as discussões em curso desde meados do século XIX e o claro posicionamento das elites de que o trabalho era a base formadora da sociedade e da moral dos indivíduos, portanto, um objeto do controle estatal. A partir de novembro de 1937, com o golpe que instituiu o Estado Novo, a centralização política amparada em um forte aparato ideológico e a intervenção do poder público nos domínios do indivíduo alcançaram novos patamares sob o pretexto de reconstruir o Estado Nacional e os alicerces da sociedade brasileira em bases díspares daquelas anteriormente em vigor e que haviam eclodido em crises: o “excesso” de liberdades políticas e a falta de direitos sociais. O tempo “do novo”, localizado no futuro, era o tempo do progresso em que, através de um amplo projeto envolvendo a defesa da industrialização, a intervenção estatal “voltada para o crescimento” e o fortalecimento da Nação, os problemas sociais, políticos e econômicos seriam sanados. O caminho para este intento era a ordem, garantida somente sob a tutela do Estado. Ao final se alcançaria o desenvolvimento e isso bastava para justificar o percurso. Maria Helena Capelato traz, em Multidões em Cena, uma análise sobre as diferentes ideias em disputa por este projeto de Nação, alertando para o fato de que nem mesmo entre os ideólogos do Estado Novo havia unanimidade para as definições do que seria o “novo” – o que também já se viu no tópico anterior, em relação às questões de gênero e da família. A princípio, o intuito do Estado era industrializar o país e alcançar o desenvolvimento econômico. Em relação ao trabalho, esta fase implicava a necessidade de disciplinar os trabalhadores, conter os conflitos sociais (como as greves

145


e os movimentos sindicais) e manter a ordem234. Com a consolidação do regime e o aprofundamento das práticas centralizadoras, intervencionistas e repressoras, somava-se a essa necessidade a reformulação da cidadania brasileira. A partir do estudo de Ângela de Castro Gomes235 sobre a constituição do projeto “trabalhista” no Estado Novo, Capelato analisa as definições da cidadania no período apontando o atrelamento inextricável entre as categorias “cidadão” e “trabalhador”. Já no período pós-Abolição e, principalmente, no pós-Proclamação, como já foi dito, o entendimento do trabalho como uma contrapartida individual à sociedade era aventado pelos parlamentares, mas, a partir do Estado Novo, esta perspectiva é aprofundada passando a ser o cerne da cidadania brasileira. Não era mais a posse dos direitos civis e políticos que definia o cidadão, mas a posse dos direitos sociais. E, na concepção da nova democracia antiliberal, os direitos sociais eram uma perspectiva futura, para quando o Estado fosse reorganizado e estivesse forte o bastante para promover a justiça social. Neste ínterim cabia a todos fazer a sua parte, contribuindo tanto para a ordem quanto para o crescimento do país e a única forma de contribuição válida era o exercício do trabalho. O dever, nesta lógica, precedia o direito, já que apenas com a plena realização do trabalho como uma atividade individual de construção coletiva é que a justiça social e, como consequência, a posse dos direitos sociais se tornariam realidade. Capelato analisa a construção simbólica deste novo sentido de cidadania a partir das diversas obras e plataformas de propaganda política do governo Vargas, como os meios de comunicação de massa e a educação cívica nas escolas, alertando para como o discurso do trabalhismo se atrelava às próprias definições da nacionalidade. O “povo brasileiro ou ainda o “bom brasileiro”, era, portanto, o povo trabalhador. Todos aqueles que não se enquadrassem nessa categoria e não exercessem seu dever para com a Nação – ou seja, os desempregados, os ociosos e os mendigos – não pertenciam à entidade coletiva que designava o “povo brasileiro” e não eram merecedores da salvaguarda do Estado. Não eram, portanto, cidadãos236.

234

CAPELATO: op. cit., p. 147. GOMES, Ângela de Castro. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro – São Paulo: IUPERJ/Vértice, 1988. 236 CAPELATO: op. cit., p. 185 e 186. 235

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O historiador Adalberto de Paula Paranhos em sua tese de doutoramento237 realizou uma importante análise das relações de trabalho a partir dos sambas gravados durante o período do Estado Novo. O objetivo de Paranhos era contrapor a crença até então defendida pela historiografia brasileira de que a população havia assimilado, aderido e reproduzido passivamente a ideologia do trabalhismo em todas as esferas da vida social, mobilizando sambas que haviam sido o dissenso em meio ao aparente consenso. O autor apresenta uma polifonia ao que antes se suponha monofônico e lança luz sobre a ação dos agentes sociais em relação à construção da identidade da classe trabalhadora e ao seu posicionamento no mundo social. Paranhos apresenta uma série de sambas que mesmo no Estado Novo carregavam em seu conteúdo textual e musical elementos que não coadunavam com o projeto de identidade operária (em alguns casos estavam em clara oposição) constituinte da própria cidadania brasileira. A pesquisa de Paranhos é imprescindível para o entendimento da posição dos compositores e intérpretes de samba na ditadura do Estado Novo, porque o autor os retira da passividade com a qual sempre haviam sido considerados e os coloca em uma posição ativa. O lugar-comum da historiografia sobre o samba (ou sobre o Estado Novo e que menciona o lugar cabido à música popular), até então, era o de que a partir de 1937 o samba havia aceitado (sendo esta aceitação encarada como uma “ação” ou não) a ideologia trabalhista e “regenerado” seu conteúdo, abraçando a valorização do trabalho e da família, ou seja, servindo como propaganda do Estado. A perspectiva do autor é a da “resistência” e da voz dada às camadas populares e, nesse sentido, ele entende que embora hegemônica, a ideologia do Estado Novo e a própria ditadura não foram totalitárias. O samba era uma entre outras possíveis vozes de dissonância. A perspectiva adotada neste trabalho não entende “o samba” simplesmente a partir da lógica da resistência e da voz dada ou da história contada pelos “debaixo”. O que mostramos ao longo dos capítulos é que as canções construíam sempre imagens de uma parcela específica das camadas mais populares a qual chamavam de “sambistas”, “bambas” ou “malandros”, sem que necessariamente o universo simbólico mobilizado fosse, de fato, relacionado a eles ou que lhes fosse dada uma posição ativa de falante (como se viu, essas categorias claramente definidas no mundo imaginário do samba eram muito mais complexas no mundo social). De todo modo, não há como não 237

PARANHOS, Adalberto de Paula. Os desafinados: sambas e bambas no “Estado-Novo”. Tese de Doutorado. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2005.

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reconhecer que com o Estado Novo e, sobretudo, a partir de 1939 com a criação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), houve um esforço enorme por parte do aparato ideológico e repressor do governo para fazer com que o discurso oficial fosse reproduzido em todos os rincões e plataformas de comunicação de massa do país. Neste cenário, com a censura, a repressão e o interesse estatal de fazer do samba um porta-voz oficial, o encontro do dissenso é, de fato, lançar luz sobre uma importante “resistência”. Como nosso objetivo aqui trata especificamente da construção do mundo imaginário do samba a partir de canções compostas e gravadas por artistas de diferentes origens e posições sociais, mas que mobilizavam o mesmo referencial simbólico para identificá-lo, não vamos nos ater à análise dos sambas que tematizaram a questão do trabalho propriamente. Muitas canções foram compostas entre 1930 e 1945 sobre a importância e o valor do trabalho, como outras tantas foram compostas em sentido contrário e grande parte delas já foi analisada por Adalberto Paranhos. Mas não há como não trazer alguns exemplos de canções que tematizaram o trabalho a partir das relações que ele estabelecia com o samba, uma vez que essas representações foram fundamentais para a formação de sua identidade. A canção Nasci no samba238 composta por Bide e Benedito Lacerda em 1932, por exemplo, traz uma oposição clara entre o samba e o trabalho: Vivo na malandragem Não quero saber do batedor Pode escrever o que vou dizer Ando melhor do que o trabalhador Não faço força, nunca fiz E jamais hei de fazer Nasci no samba E nele hei de morrer Não há riqueza que Me faça enfrentar o batedor Pois quem é rico Nunca foi trabalhador

238

“Nasci no samba” (Bide e Benedito Lacerda), Leonel Faria. 78 rpm, Odeon, 1932.

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Nesta canção não há apenas uma simples negação ao trabalho pela ponderação de que seu retorno seria insatisfatório (já que “quem é rico nunca foi trabalhador”), mas, ainda, a afirmação da superioridade do mundo do samba sobre o do trabalho com a clara definição na segunda estrofe de que este não cabia no espaço ou na própria vida do sambista. Em 1936 Moreira da Silva grava pela primeira vez o samba O trabalho me deu o bolo239 pelo selo Columbia, onde estas questões aparecem novamente. Na canção de João Golo, ao contrário da de Bide e Benedito Lacerda, o personagem não havia nascido no samba e já conhecia de perto a rotina do batente, por isso, tinha sua própria experiência para atestar a rejeição à “crueldade” do trabalho: Enquanto eu viver na orgia Não quero mais trabalhar Trabalho não é para mim Ora, deixa quem quiser falar Quando eu tenho um pesadelo Vou sonhar com o espantalho Foi porque ouvi ao longe Alguém falar em trabalho Eu agora resolvi que Não hei de ser mais tolo Marquei encontro com o trabalho O trabalho me deu o bolo Fui trabalhar O trabalho estava cruel Eu disse ao patrão “Senhor me dá meu chapéu” Eu não quero trabalhar O trabalho que vá para o inferno Se não fosse o meu amor Eu nunca que botava o terno

239

“O trabalho me deu o bolo” (João Golo), Moreira da Silva. 78 rpm, Columbia, 1936.

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Em 1939 O trabalho me deu o bolo foi regravado por Moreira da Silva no selo Odeon e, agora, categorizado sob o gênero “batucada” e não “samba”, como na gravação de 1936. Nesta versão há uma alteração na letra com a omissão da segunda e terceira estrofes, restando apenas os versos que reforçavam a experiência pessoal desastrosa com o trabalho e a consequência do esforço malsucedido: a substituição da vida de trabalhador pela vida na orgia. Em Quero meu pandeiro240 de Ataulfo Alves e Mário Lago, gravada em 1943 pelo grupo Anjos do Inferno e lançada em 1944, há uma terceira perspectiva da relação do trabalho com o samba. Se em Nasci no samba o sambista de nascença é representado como aquele que jamais trabalharia e em O trabalho me deu o bolo o personagem só se entrega à orgia após sentir, na pele, o martírio do trabalho, Quero meu pandeiro traz o trabalhador, chefe de família e cumpridor de suas obrigações que vê no Carnaval um momento de fuga: Quero meu pandeiro Quero ir pra rua sambar Trabalho o ano inteiro Para ver seu bem-estar Mas no mês de fevereiro Quero meu pandeiro Quero ir pra rua sambar Eu já deixei em casa O dinheiro do pão Da fantasia pra gurizada brincar Mas quero samba Já cumpri com a obrigação São quatro dias Você não pode zangar

Como nas canções apresentadas ao início do capítulo, este personagem é um dos representantes da “sociedade” que não vê nela todas as qualidades que o discurso oficial apregoava. Após cumprir com suas obrigações, tudo o que ele quer é “ir pra rua sambar”. Este aparente movimento de regeneração do sambista que da total aversão ao 240

“Quero meu pandeiro” (Ataulfo Alves e Mário Lago), Anjos do Inferno. 78 rpm, Continental, 19431944.

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trabalho nos sambas dos primeiros anos deste recorte temporal chega à aceitação de que é preciso cumprir seu dever (mesmo que o faça já vislumbrando o Carnaval) nas canções datadas do final do período põe em questão os limites de sua identidade. Vida melhor não há Nos anos 1930 e 1940, os “sambistas” eram um amplo e diversificado grupo de compositores e cantores de samba, mas também de frequentadores das rodas de samba e das batucadas. A definição como uma categoria específica parte, portanto, das relações que os diversos agentes sociais estabeleciam com o gênero e elas não se davam sem conflitos e disputas de posicionamento no mercado musical, fazendo com que a identificação de um indivíduo como sambista no Rio de Janeiro deste período não fosse uniforme, ou seja, não trouxesse sentidos imediatos e equivalentes, dada a complexidade da definição. Estavam em questão fatores diversos, para além das diferentes posições que ocupavam na indústria de música popular, como as relações que o sambista mantinha com outras instituições da sociedade e as posições que ocupava em outros campos. Por outro lado, quando representado nas canções, o sambistapersonagem tinha características melhor definidas: era sambista aquele que pertencia ao mundo do samba e, tanto suas ações quanto a “lógica” através da qual elas eram condicionadas, partiam da malandragem. As definições da persona malandro também nunca apresentaram um sentido comum, pairando sempre nos limites da esperteza e da criminalidade. Se para a sociedade o universo simbólico que o malandro trazia consigo o associava diretamente ao vadio e ao criminoso, nas representações musicais e literárias, de modo geral, o malandro é o indivíduo marginalizado que se vale da esperteza, o único instrumento de que dispõe, para sobreviver. A malandragem brasileira é entendida como uma estratégia, um jeitinho para contornar as adversidades do cotidiano, envolvendo, quando necessário, ações ilícitas ou moralmente reprováveis. O malandro é aquele que encontra o seu oposto no “otário” e é às custas deste outro, das vantagens que ele pode lhe dar, que o malandro vai sobrevivendo 241.

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Sobre as definições correntes de malandragem VER: DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1983; MATOS, Cláudia Neiva de. Acertei no milhar: samba e malandragem no tempo de Getúlio. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982 e VASCONCELOS, Gilberto e SUZUKI JR., Matinas. “A malandragem e a formação da música popular

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O ambiente propício para a emergência do malandro é o meio urbano, socialmente complexo e desigual, baseado em relações de solidariedade orgânicas. Não por acaso, nos sambas dos anos 1930 e 1940, onde malandro e malandragem foram fartamente representados, o personagem a princípio substitui o bamba que personificava o samba amaxixado nos anos 1920 e, conforme o estilo moderno se consolida, passa a incorporá-lo. O bamba deixa de ser apenas o “bambambã” do samba de partido-alto para ser o “bambambã” dos malandros no samba. Porém, a malandragem cantada em ritmo de samba assume maiores proporções. Ela não é apenas (mas também) uma estratégia ou, ainda, um conjunto de valores e disposições morais que pautam um estilo de vida. Nas canções ela se mostra como um sistema de disposições amplas que geram tanto as ações dos malandrossambistas – personagens indissociáveis – quanto a “lógica” imanente a elas. É a malandragem tanto enquanto o entendimento, a aceitação ou a interiorização (de modo consciente ou não) “das coisas como elas são”, ou seja, das dinâmicas sociais, quanto a malandragem enquanto a forma de agir e se posicionar no mundo que prescreve os sentidos mais elementares do mundo imaginário do samba, conforme se cantou repetidamente nas canções. Do lado dos sambistas-compositores, agentes sociais, a malandragem não deixa de ser compreendia enquanto a lógica fundamental do universo do samba. Essa era a tradição, a história que o samba havia criado para si através de compositores e canções anteriores. Seus posicionamentos no mundo social e as próprias dinâmicas referentes à produção do samba como produto comercializável já haviam se transformado ao longo dos anos 1930 e 1940 – em relação ao que eram na década anterior – e o gênero em um curto período já era produzido e consumido em camadas distintas da população. Porém, no tempo do “antes”, no tempo mítico cantado nos samba, já era a malandragem (através do malandro e de personagens correlatos) que garantia a “superioridade” dos sambistas, e de tudo o que estava relacionado a eles, sobre outros personagens do mundo social. E era essa lógica, em pouco ou nada correspondente às próprias disposições dos compositores no mundo social, que se repetia nas canções do período analisado mantendo a unidade do mundo cantado do samba.

brasileira”. In.: FAUSTO, Boris (dir.). História Geral da Civilização Brasileira: III. O Brasil Republicano (1930-1964). 4ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.

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Em Malandro sofredor242, Ary Barroso “explica” a relação da malandragem com o samba como sendo natural: “Há no samba uma tristeza / Que não posso cantar / É a própria natureza / Que quis dar ao malandro / A graça de entender / O que o samba quer dizer”. O malandro seria aquele que entende o samba e, por isso, o personagem mais habilitado a lhe dar vida, ou seja, a compor e cantar samba. Nas canções, em uma visão geral, a malandragem seria algo como o habitus do mundo do samba. Como já anunciavam Mário Reis e Francisco Alves em 1931, em O que será de mim243, a malandragem era o componente fundamental da vida do sambista e, desde o princípio, estava em franca oposição ao que se previa no mundo social: Se eu precisar algum dia De ir pro batente Não sei o que será Pois vivo na malandragem E vida melhor, não há (...) Não há vida melhor Vida melhor não há Deixa falar quem quiser Deixa quem quiser falar O trabalho não é bom Ninguém pode duvidar Trabalhar só obrigado Por gosto ninguém vai lá

Para entendermos melhor a formação desta identidade malandro-sambista (antes de tratarmos de sua suposta desconstrução com o discurso da regeneração) é preciso apresentar ainda algumas letras significativas dentre as muitas que se dedicaram ao tema. Um bom exemplo das variáveis complexas que compunham a identificação do personagem é a canção Lenço no pescoço244 de Wilson Batista:

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“Malandro sofredor” (Ary Barroso), Silvio Caldas. 78 rpm, Victor, 1933. “O que será de mim” (Ismael Silva, Nilton Bastos e Francisco Alves), Mário Reis e Francisco Alves. 78 rpm, Odeon, 1931. 244 “Lenço no pescoço” (Wilson Batista), Sílvio Caldas. 78 rpm, Victor, 1933. 243

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Meu chapéu do lado, tamanco arrastando Lenço no pescoço, navalha no bolso Eu passo gingando, provoco e desafio Eu tenho orgulho em ser tão vadio Sei que eles falam deste meu proceder Eu vejo quem trabalha andar no miserê Eu sou vadio, porque tive inclinação Eu me lembro, era criança, tirava samba-canção [Comigo não, eu quero ver quem tem razão]

Wilson Batista é talvez o maior exemplo de sambista do período analisado a vivenciar a identidade malandra. Desde o início da carreira ficou conhecido por “roubar sambas” e tem a biografia marcada por uma vida no limite da esperteza e da marginalidade245, em que a aposta no sucesso como compositor o fazia não se interessar por qualquer profissão regular. Batista teve o mérito de ter sido um dos melhores compositores do período e, embora não tenha sido suficientemente valorizado (chegando a reclamar, por exemplo, do lugar que lhe cabia na SBAT), conquistou seu espaço no mercado musical. O seu malandro no início da carreira, no entanto, era a figura que casava samba e violência (ou, no mínimo, valentia) o que, como se viu no tópico A polícia não consente, ia contra as representações positivas que o cancioneiro tanto se esforçava para associar ao gênero. Ter “orgulho em ser tão vadio” e descartar o trabalho como opção de sustento não era novidade, mas exaltar a navalha, o gingado e a “provocação” em uma associação direta com o fazer do samba parece não ter soado bem entre os sambistas de seu tempo. A resposta veio de Noel Rosa com Rapaz folgado246 (composta em 1933 e gravada apenas em 1938 por Araci de Almeida) dando início à famosa polêmica que, como o próprio Wilson Batista reconheceria mais tarde 247, abriu-lhe as portas do mercado.

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Luís Pimentel e Luiz Fernando Vieira contam na biografia do compositor que enquanto compunham a obra tentaram entrevistar Mário Lago e ocorreu o seguinte diálogo: “„Mário, poderia nos falar alguma coisa sobre Wilson Batista?‟, perguntaram. „Não. Nunca me dei com marginais‟”. PIMENTEL, Luís e VIEIRA, Luís Fernando. Wilson Batista: na corda bamba do samba. Rio de Janeiro: Relume-Dumará: Prefeitura, 1996, p. 27. 246 “Rapaz folgado” (Noel Rosa), Araci de Almeida. 78 rpm, RCA Victor, 1938. 247 PIMENTEL; VIEIRA: op. cit., p. 31.

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Deixa de arrastar o teu tamanco Pois tamanco nunca foi sandália E tira do pescoço o lenço branco Compra sapato e gravata Joga fora esta navalha Que te atrapalha Com chapéu do lado deste rata Da polícia quero que escapes Fazendo um samba-canção Já te dei papel e lápis Arranja um amor e um violão Malandro é palavra derrotista Que só serve pra tirar Todo o valor do sambista Proponho ao povo civilizado Não te chamar de malandro E sim de rapaz folgado

Esta canção foi alvo de muitas análises, normalmente ressaltando o foco da crítica de Noel não para a malandragem, mas para a carga negativa que Wilson Batista havia lhe dado, o que poderia atuar como um entrave para o processo de profissionalização que o sambista estava vivendo. De fato, Noel tenta dissociar malandragem e samba, valorizando não o orgulho de ser vadio e os elementos que compunham a indumentária do malandro-marginal de Lenço no pescoço, mas o fazer do samba: o papel, o lápis, o amor e o violão. Ou seja, seriam esses os instrumentos do sambista e não o chapéu de lado, o tamanco arrastando e a navalha no bolso. Em Se a sorte me ajudar de Germano Augusto, gravada em 1934, há também uma negação à malandragem neste sentido: “Se a sorte me ajudar / Eu vou lhe abandonar / Vou mudar de profissão / Porque a palavra malandragem / Só nos trouxe desvantagem / E você não vai dizer que não”. Neste caso está claro que o problema não é a malandragem enquanto habitus, mas como significante. Nas estrofes seguintes, transcritas no capítulo anterior, a justificativa para o abandono da “palavra malandragem” é feita: associada aos sambistas pobres dos morros, ela justificaria a perseguição da polícia que os veria não como produtores do símbolo musical nacional, mas como vadios e criminosos. 155


Mas assim como não logrou êxito em desterritorializar o samba em Feitio de Oração, o Poeta da Vila também não separa o malandro do sambista – embora a representação marginal-criminosa do malandro não tenha sido, de fato, abraçada pelo cancioneiro. Como se viu no capítulo anterior, quando as canções apontavam o sambista como autor de um crime, havia sempre um porquê. De todo modo, o próprio Noel Rosa ainda estaria envolvido em outras canções em que a malandragem é valorizada ou aparece explicitamente casada ao samba, como Escola de malandro248 gravada (e, talvez, vendida) por ele e Ismael Silva em 1932: “Fingindo é que se leva vantagem / Isso, sim, que é malandragem / [Quá, quá, quá, quá] / Enquanto existir o samba / Não quero mais trabalhar / A comida vem do céu / Jesus Cristo manda dar”. Em Capricho de rapaz solteiro249 gravada no mesmo ano em que compôs Rapaz folgado, Noel retoma mais uma vez as características que compunham as representações comuns do samba como a oposição ao trabalho e à família, apontando ainda a facilidade de sobreviver a partir do samba em contraposição à dureza do trabalho. De maneira muito similar à de Escola de malandro, o samba como possível fonte de renda está sinalizado nesta canção, embora ainda não haja a consideração de “fazer samba” como sendo propriamente trabalhar, afinal, samba e trabalho estavam em universos simbólicos opostos: Nunca mais esta mulher Me vê trabalhando Quem vive sambando Leva a vida para o lado que quer De fome não se morre Neste Rio de Janeiro Ser malandro é um capricho De rapaz solteiro (...)

Embora fosse comum a rejeição à família por parte do personagem malandrosambista, houve também muitas canções representando o que seria, neste contexto, uma “mulher de malandro”. Havia duas possibilidades para ela: sofrer com o seu homem ou

248 249

“Escola de malandro” (Orlando Luiz Machado), Ismael Silva e Noel Rosa. 78 rpm, Odeon, 1932. “Capricho de rapaz solteiro” (Noel Rosa), Mário Reis. 78 rpm, Victor, 1933.

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gostar dele justamente por sua malandragem. Em 1931, Heitor dos Prazeres descreveu a Mulher de malandro250 como sendo um pouco das duas definições: Mulher de malandro sabe ser Carinhosa de verdade Ela vive com tanto prazer Quanto mais apanha A ele tem amizade Longe dele tem saudade Ela briga com o malandro Enraivecida, manda ele andar Ele se aborrece e desaparece Ela sente saudade e vai procurar [Há um ditado muito certo: Pancada de amor não dói] Muitas vezes ela chora Mas não despreza o amor que tem Sempre apanhando e se lastimando Perto do malandro se sente bem [É, meu bem, o malandro Também tem o seu valor]

A reclamação ao comportamento malandro do marido era menos frequente do que o elogio a ele, mas também foi tema de uma grande quantidade de canções no período. Algumas como Vai trabalhar e Inimigo do batente mostravam a mulher trabalhadora que sustentava o malandro-sambista, em outras a personagem feminina se lamenta sem que haja menção ao trabalho. É o caso de Mania de malandro251 em que a mulher está cansada, vai abandonar o marido, mas, antes disso, aproveita para dizer o que pensa da malandragem de que ele tanto se orgulha: “Já se convenceste que és sabido / E não passas de um trouxa / A bancar a valentia / No morro és um desmoralizado / Pois tua malandragem / Não é mais do que mania”. Houve também o caso de Teleco-teco252, da mulher cujo marido caiu nas folias do Carnaval de 1942 e só 250

“Mulher de malandro” (Heitor dos Prazeres), Francisco Alves. 78 rpm, Odeon, 1931. “Mania de malandro” (Herivelto Martins), Aurora Miranda. 78 rpm, Odeon, 1938. 252 “Teleco-teco” (Marino Pinto e Murilo Caldas), Isaura Garcia. 78 rpm, Columbia, 1942. 251

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chegou em casa de madrugada, tocando tamborim e cantarolando o sucesso de Herivelto Martins e Grande Otelo. Irritada, a mulher cobra do marido a postura que um homem honesto, casado e chefe de família deveria ter, mas, ao final, se rende ao jeitinho da malandragem: Teleco-teco, teco-teco, teco-teco Ele chegou de madrugada Batendo o tamborim Teleco-teco, teco, teleco-teco Cantando Praça Onze Dizendo “foi pra mim” Teleco-teco, teco-teco, teco-teco Eu estava zangada e muito chorei Passei a noite inteira acordada E a minha bronquite assim comecei “Você não se dá o respeito Assim desse jeito, isso acaba mal Você é um homem casado Não tem o direito de fazer Carnaval!” Ele abaixou a cabeça Deu uma desculpa e eu protestei Ele arranjou um jeitinho Me fez um carinho e eu perdoei

Nesta grande interpretação de Isaura Garcia é possível perceber nas entonações melódicas a mudança da “braveza” para o consentimento, comportamento sempre associado às mulheres de malandro nos sambas do período. Quando representada pela voz de um homem, ela realmente prefere o jeitinho malandro de ser ao do homem comportado, como em Eu vivo sem destino 253, em que o marido abandonado explica por que foi trocado pelo “amor de um vagabundo”: “Não sou malandro, tenho o meu valor / A mulher não gosta do homem trabalhador”.

253

“Eu vivo sem destino” (Wilson Batista, Silvio Caldas e Osvaldo Santiago), Silvio Caldas. 78 rpm, Victor, 1933.

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Em 1931, Ary Barroso lançou É bamba254, na voz de Elisa Coelho, em que a mulher sente orgulho do seu malandro ser sambista, gosta de ouvir dizerem que ele é bamba e justifica seus defeitos dizendo que ele quer sim ganhar a vida, mas “o destino é que é cruel”. A interpretação da cantora carrega a fala da mulher do malandro com uma dicção pouco articulada e ressalta uma série de erros de pronúncia e concordância. Esta também era uma maneira de representar essa personagem do mundo do samba. Houve ainda outra canção com o título de Mulher de malandro255, composta por Hervé Cordovil e gravada em 1945 por Isaura Garcia, onde, como na canção homônima de Heitor dos Prazeres, a mulher paira entre o amor e o sofrimento com o malandro, embora, neste caso, tudo se resolva com o samba: “Quando ela escuta um samba / Que o malandro fez / A cidade a cantar / Sente o coração / De alegria até chora / [Malandro também sabe amar]” A temática do malandro-sambista foi explorada em diversas perspectivas pelo cancioneiro do período. Falou-se muito dos costumes, do vestuário, do morro como sua moradia, da dicção malandra, dos seus desvios de conduta, como também se cantou em muitas ocasiões a transformação comportamental pela qual o malandro estaria passando. O discurso da regeneração, o trabalho como obrigação e a necessidade de constituir família foram questões exaustivamente tematizadas. Tendo os entendimentos do samba como perspectiva, tudo isso era visto como a verdadeira ameaça que ele devia enfrentar, não porque regenerado o gênero musical samba fosse acabar, mas porque com a regeneração logrando êxito o samba representado deixaria de ser o que era. Em Quem condena a batucada256, Carmen Miranda retoma a questão dos “inimigos do samba” em relação à regeneração pondo em evidência o fato de que mudar a temática dos sambas retirando deles a esperteza, as mulheres e a boemia, não implicaria necessariamente em uma transformação comportamental dos malandros: “(...) Já falaram que o samba do morro / Não tem cotação / Só se fala em navalha / Cabrocha e até Parati / É bem fácil acabar / Com essas coisas do samba-canção / Mas eu só quero ver é acabar / Com os malandros que tem por aí”. Nos anos 1940 Wilson Batista compôs canções apontando a possibilidade de o malandro ter mudado. Em 1943, por exemplo, ele lança pelo grupo Quatro Ases e um

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“É bamba” (Ary Barroso), Elisa Coelho. 78 rpm, Victor, 1931. “Mulher de malandro” (Hervé Cordovil), Isaura Garcia. 78 rpm, RCA Victor, 1945. 256 “Quem condena a batucada” (Nelson Petersen), Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1938. 255

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Coringa o samba Se não fosse eu257, onde a personagem além de personificar em si, um ex-malandro do morro do Salgueiro, a existência do samba, faz uma descrição do que teria sido o malandro-marginal uma década antes. Agora o sambista se apresenta como bom moço, embora carregue ainda as comprovações de sua antiga identidade: Se não fosse eu O Rio se Janeiro não cantava Se não fosse eu O povo brasileiro não sambava Se não fosse eu Vivia tudo triste o ano inteiro Eu sou o samba Natural lá do Salgueiro Posso provar a minha idoneidade Eu tenho até carteira de identidade Usei navalha, salto alto E lenço no pescoço Mas, hoje, hoje eu sou bom moço

Já em História de criança258, também de Batista, Odete Amaral canta a recordação de “histórias de malandro” já localizadas em um passado distante. A partir do que se lembra dessas histórias, é feita uma caracterização do malandro e do motivo pelo qual ele não existe mais: Quando eu era criança Na hora de dormir Mamãezinha me contava As histórias de malandros Que eram tipos assim: Chinelos, cara de gato Bem brasileiros, mulato Trazendo uma ginga no passo Violão debaixo do braço 257

“Se não fosse eu” (Wilson Batista, Jorge de Castro e Haroldo Lobo), Quatro Ases e Um Coringa. 78 rpm, Odeon, 1943. 258 “História de criança” (Wilson Batista e Germano Augusto), Odete Amaral. 78 rpm, Victor, 1940.

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Gostando da Rosinha ou Risoletta Assim vivia o malandro No tempo do Camisa Preta Mas agora é diferente A história terminou Branco pode ser malandro O samba desceu o morro E ninguém mais escutou

Antigamente eu não tinha juízo Para compreendermos as transformações sofridas pelo samba e a “ameaça” que elas representavam à identidade do malandro-sambista e às estruturas do mundo imaginário do samba, é preciso ter em conta os processos de modernização (baseados no saneamento e na higienização social) que o Rio de Janeiro vinha passando desde os finais do século XIX e as implicações que eles tinham nos projetos oficiais de identificação nacional, já mencionados. Dado o alcance que o samba tinha já no início dos anos 1930, o discurso elogioso ao ócio, à vadiagem e à boemia, a negação da família e do trabalho ao lado de uma grande valorização aos elementos tidos como estrangeiros à “sociedade” caminhava em sentido oposto ao ideal de civilidade e progresso projetado tanto para a cidade quanto para o país. O problema se acirrava com a implantação do Estado Novo e os objetivos centralizadores e intervencionistas dos seus ideólogos. Em relação à aproximação e à tentativa de apropriação do samba por parte do governo Vargas, especialmente após as investidas do DIP nos anos 1940, é preciso lembrar dois pontos para além do próprio interesse estatal, uma vez que diversos agentes sociais tinham interesses também diversos neste mesmo momento envolvendo tanto o samba quanto o incentivo do Estado. O primeiro ponto é que, desde os primórdios, o samba já flertava com a oficialidade. Como se viu no primeiro capítulo, nos tempos de Tia Ciata os encontros de samba de partido-alto eram frequentados por gente de diferentes classes e posicionamentos sociais, inclusive políticos influentes. Os cordões e os ranchos carnavalescos que segundo Tinhorão haviam propiciado a estruturação musical do gênero já eram divididos entre os que tinham e os que não tinham autorização da polícia 161


(sendo essa cobiçada autorização, inclusive, um dos motivos apontados pelos percussores do samba moderno para a criação das Escolas de Samba). Logo no início dos anos 1930, os desfiles das Escolas de Samba foram não apenas autorizados como também financiados pelo governo de Pedro Ernesto. O segundo ponto diz respeito à indústria musical brasileira que desde a gravação de Pelo telefone começou a se estruturar fundamentalmente em torno do samba. Em meados da década de 1930 o samba e a marcha já eram os gêneros mais gravados e mais tocados nas rádios de todo o país. A imprensa, como era de se esperar, se adequava à situação e pautava o samba nos jornais, abria espaço para comentaristas de rádio e Carnaval, divulgava programas, espetáculos e lançamentos de discos. Ou seja, o samba era uma realidade presente no cotidiano carioca dos anos 1930 e 1940. Do lado dos artistas, a mercantilização da música popular implicava em um crescente processo de profissionalização o que acabava reforçando a proximidade de compositores e intérpretes com o Estado. O apoio da máquina estatal podia ampliar as possibilidades profissionais dos músicos tanto pela regulamentação da profissão e dos direitos de autoria quanto por meio de incentivos diversos. Paralelo a esses interesses, havia já desde o início da década de 1930 certa movimentação ao redor da regeneração dos conteúdos do samba não necessariamente relacionada aos domínios próprios dos produtores musicais. A questão havia ganhado destaque na imprensa, por exemplo, em pelo menos dois momentos significativos: o lançamento de Lenço no pescoço e o musical Sambista da Cinelândia, de Mário Lago e Custódio Mesquita, estreado em abril de 1936 pela Companhia Casa do Caboclo. O episódio envolvendo o polêmico samba de Wilson Batista ocorreu por ocasião de um artigo de Orestes Barbosa publicado no jornal A Hora onde o jornalista condenava o que considerou uma apologia ao crime musicada na voz de Silvio Caldas 259. Barbosa apontava o momento como sendo o de se fazer a “higiene poética do samba” e o ano ainda era 1933. A repercussão da denúncia de Orestes Barbosa foi tamanha que a transmissão de Lenço no pescoço foi suspensa pela Confederação Brasileira de Radiodifusão. No caso da peça Sambista da Cinelândia a “higiene poética do samba” aparecia como enredo. A história cômica se passava no morro e na praça da Cinelândia, apresentando personagens comuns ao universo do samba e a aceitação do gênero pela 259

CABRAL: 2005, p. 118.

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cidade. Desde a estreia, o musical causou alvoroço entre críticos de teatro e divulgadores culturais e foi o maior sucesso do ano de 1936 nos palcos cariocas, coroando a estreia de Custódio Mesquita como autor teatral260. As críticas passavam pela qualidade musical da obra, pela atuação do elenco, mas, também, pela temática “acertada” da regeneração do samba. A canção principal, de mesmo título 261 gravada ainda em 1936 por Carmen Miranda, conclamava os sambistas a descerem o morro com o aviso de que o gênero já era aceito não apenas pela cidade como pela Nação. Assim, a guerra que tanto se cantou do artista contra a perseguição do gênero era dada por encerrada, agora que o samba já era a sinfonia nacional: Sambista desce o morro Vem pra Cinelândia Vem sambar A cidade já aceita o samba E na Cinelândia Só se vê gente a sambar Hoje está tudo tão mudado E acabou-se a oposição Escolas há por todo o lado De pandeiro e violão O morro já foi aclamado E com um sucesso colossal E o samba já foi proclamado A sinfonia nacional

260

Entre os meses de abril e agosto de 1936, os jornais Correio da Manhã, Jornal do Brasil, Diário Carioca, A Noite, Gazeta de Notícias, O Jornal, Diário de Notícias e Diário da Noite dedicaram muitas páginas a divulgar, elogiar e comentar os bastidores do musical. Além do sucesso de bilheteria que a peça estava fazendo no momento é preciso ter em conta que parte da repercussão de Sambista da Cinelândia podia estar relacionada a um samba elogiando (e mencionando) todos os jornais cariocas, conhecido como Jornaleiro, cantado nos palcos por Diamantina Gomes. A canção não foi gravada e não foram encontrados registros de seu conteúdo, apenas os agradecimentos que alguns dos jornais citados fizeram a Mário Lago e Custódio Mesquita. Algumas menções importantes podem ser vistas nas colunas teatrais: “Nos theatros”, Correio da Manhã, 24 de abril de 1936, p. 12, 30 de abril de 1936, p. 10 e 2 de maio de 1936, p. 8; “Teatro”, Jornal do Brasil, 2 de maio de 1936, p. 12; “Theatro”, Diário Carioca, 2 de maio de 1936, p. 12; “Theatro”, Diário de Notícias, 25 de abril de 1936, p. 9. 261 “Sambista da Cinelândia” (Custódio Mesquita e Mário Lago), Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1936.

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Voltaremos ao Sambista da Cinelândia depois. Agora, o que se quer apontar é que tanto a aproximação dos sambistas com o Estado quanto a “regeneração poética do samba” já estavam em questão anos antes do golpe que instituiu o Estado Novo e envolviam múltiplos fatores e interesses. No cancioneiro a regeneração também era temática “antiga” sob diferentes abordagens. Desde os anos 1920 o samba (como outros gêneros) já tratava da necessidade (ou não) de os indivíduos transformarem seus comportamentos, buscando se adequar aos padrões da sociedade. Dentro do recorte temporal deste trabalho temos de início o “clássico” Se você jurar262 de Ismael Silva e Nilton Bastos, gravado em 1930 por Francisco Alves, onde o malandro da orgia já ponderava os “lucros” que teria com a regeneração: “Se você jurar que me tem amor / Eu posso me regenerar / Mas se é para fingir, mulher / A orgia assim não vou deixar”. Em toda a década de 1930, deixar a orgia parecia não ser algo tão simples para o malandro cantado. Afinal, como na canção de Bide e Haroldo Lobo 263, para o personagem: “A coisa melhor deste mundo é a orgia / Orgia e nada mais / Não adianta tristeza, eu digo e tenho a certeza / Que muita, muita alegria nos dá / Não há, não há, não há / Coisa melhor nesse mundo não há”. Neste caso, o que importava mesmo era a Orgia e nada mais, de modo que a regeneração não chegava a ser sequer aventada: “Eu que conheço a orgia / Sempre tive muita alegria / Não pensei até hoje / Em mudar meu viver / Se tem alguém duvidando / Do que estou falando / Vem ver pra crer”. A orgia, em alguns casos, aparecia como uma força exterior e superior ao malandro que, nestas circunstâncias, não tinha meios para resistir a ela e não podia, portanto, se regenerar. Nosso amor não convém264, gravada por Carlos Galhardo em 1938, era uma das canções a justificar a negação à regeneração desta maneira: “Eu vou lhe dizer a verdade / O nosso amor não convém / Eu gosto muito da sua amizade / Mas você sabe muito bem / A orgia, ai, a orgia / É que não deixa eu ter amizade a ninguém”. Em A voz do sangue, cuja letra foi transcrita ao início do primeiro capítulo, o sambista até acredita que precisa mudar o seu ritmo de vida, mas o samba surge como essa força exterior que controla os pés e o coração e, assim, ele “tem que” morrer sambando. Em outras canções, como Abre janela265 gravada por Orlando Silva em 1937, o malandro 262

“Se você jurar” (Ismael Silva, Nilton Bastos e Francisco Alves), Francisco Alves e Mário Reis. 78 rpm, Odeon, 1930. 263 “Orgia e nada mais” (Alcebíades Barcelos e Haroldo Lobo), Araci de Almeida. 78 rpm, Victor, 1938. 264 “Nosso amor não convém” (Peterpan e Príncipe Pretinho), Carlos Galhardo. 78 rpm, Victor, 1938. 265 “Abre a janela” (Arlindo Marques Jr. e Roberto Roberti), Orlando Silva. 78 rpm, Victor, 1937.

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tenta conciliar orgia e lar, deixando seu espaço ao lado da mulher garantido para quando a diversão acabasse: Abre a janela formosa mulher E vem dizer adeus a quem te adora Apesar de te amar como sempre amei Na hora da orgia eu vou embora Vou partir e tu tens que me dar perdão Porque fica contigo o meu coração Pode crer que acabando a orgia Voltarei para a tua companhia

Havia também o malandro que cedia e tentava buscar a regeneração, como o personagem de Adeus, orgia, adeus266: Vou deixar a orgia Quero agora descansar Já perdi minha alegria E com o samba vou parar O tempo vai passando Eu velho vou ficando No meu futuro vou pensar Adeus ao meu Salgueiro Adeus meus companheiros De sambas e serenatas ao luar

Nesta canção gravada por Moreira da Silva, o malandro precisa deixar o samba porque já perdeu a “alegria” e havia chegado a hora de “descansar”. Essa curiosa maneira de representar a orgia ou o mundo do samba como sendo, de algum modo, trabalhoso também apareceu em outras canções. Em Vou ver se posso267 de Heitor dos Prazeres, gravada em 1934 por Mário Reis, é feita toda uma representação negativa da malandragem como sendo uma perda de tempo, algo doloroso, vergonhoso e que trazia azar para o malandro. Com isso, a alternativa viável era o trabalho. Mas o interessante da canção é que ao mesmo tempo em que o trabalho surge como solução para a 266 267

“Adeus orgia adeus” (Djalma Esteves e Felisberto Martins), Moreira da Silva. 78 rpm, Odeon, 1939. “Vou ver se posso” (Heitor dos Prazeres), Mário Reis. 78 rpm, Victor, 1934.

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vergonha do personagem, ele é o que o permitirá ter uma vida mais “descansada” – um ideal da malandragem: Vou ver se posso Conseguir a trabalhar Não é negócio ser malandro Me dá azar Eu vou deixar esta vida de vadio Ser malandro é malhar em ferro frio Vou arranjar uma vida melhor Para eu viver mais descansado Eu vou trabalhar E no trabalho terei outro resultado Vou enfrentar o que aparecer Não posso viver assim É bem doloroso, é vergonhoso Não é bonito pra mim

A regeneração, como se vê, foi representada sob diversos aspectos nas canções. Houve a ponderação, a negação e, também, a aceitação. Dentre os que haviam encampado o projeto estava o Boêmio regenerado268, cantado por Ciro Monteiro em gravação de 1943. A canção trata da história de um homem que deixou a “ilusão” da boemia para se casar e constituir um lar. Neste caso, embora tenha se regenerado e considere que na vida anterior ele era iludido, o samba e a boemia são a “felicidade que já se passou”, as “noites de flores e de fantasia”. A parte mais interessante da canção está nos dois últimos versos, onde, mesmo após se regenerar abandonando o samba, é do samba que ele se vale para qualificar sua cabrocha querida. Ou seja, para demonstrar a importância que o lar e a família representavam para o personagem, ele compara sua mulher ao samba e ao “maior baile” de sua vida e, por isso, ele não precisa mais da boemia: Cantei muito samba Já dancei no baile Hoje eu não sinto saudade Da felicidade que já se passou 268

“Boêmio regenerado” (Alcides Rosa e Sebastião Gomes), Ciro Monteiro. 78 rpm, RCA Victor, 1943.

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Construí um lar Tenho um grande amor Ao lado da minha cabrocha Bem feliz eu sou Hoje eu não sinto saudade Das noites de flores e de fantasia Onde eu vivia iludido na boemia Porque tenho a minha querida Ela é o meu samba Meu maior baile da minha vida

Um dos maiores exemplos de canções apologéticas da regeneração durante o período do Estado Novo é, certamente, O bonde São Januário269 de Wilson Batista e Ataulfo Alves. Aqui, há a negação do passado como sendo um período em que o boêmio, agora regenerado, não tinha “juízo”. A regeneração é mais uma vez o movimento de abandono da boemia, do samba, da orgia, da malandragem, enfim, de tudo aquilo que forma as significações do mundo imaginário do samba. Quem trabalha é que tem razão Eu digo e não tenho medo de errar O bonde São Januário Leva mais um operário Sou eu que vou trabalhar Antigamente eu não tinha juízo Mas resolvi garantir meu futuro Vejam vocês Sou feliz, vivo muito bem A boemia não dá camisa a ninguém

Houve também quem se regenerasse em nome de um amor malsucedido e, ao fim, reconhecesse que a regeneração em si mesma não trazia felicidade, como em Jurei270, gravada por Orlando Silva já em 1945: “Jurei e deixei de jogar / Deixei de beber e sambar / Mas ainda não sou feliz porque / Não consigo deixar de gostar de 269 270

“O bonde São Januário” (Ataulfo Alves e Wilson Batista), Ciro Monteiro. 78 rpm, Victor, 1939. "Jurei” (Geraldo Pereira e Cristóvão de Alencar), Orlando Silva. 78 rpm, Odeon, 1945.

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você”. Novamente, o movimento de transformação do comportamento passa, necessariamente, pelo abandono do samba e é este o ponto que merece atenção. De fato, a regeneração se tornou uma temática das canções e, ao contrário das dúvidas e ponderações mais frequentes nos anos 1930, a partir dos anos 1940 ela aparece quase sempre como um projeto concretizado 271. O malandro, então, se torna um ex-malandro, um personagem que deixa o samba para aceitar o trabalho, ou seja, que deixa de compor o mundo do samba para ser o seu oposto. Desta forma, é apenas enquanto alteridade do malandro-sambista que o personagem “regenerado” existe. A “higienização poética do samba” seja como propaganda do Estado Novo, interesse dos sambistas em processo de profissionalização ou pressão do público, se deu apenas no nível superficial da inserção dos personagens regenerados e do discurso da regeneração nas letras dos sambas. Ela não construiu uma nova identidade para o sambista, associada aos valores e significações “da sociedade”, como tampouco transformou os sentidos do samba enquanto significante ou alterou as estruturas do mundo imaginário que ele construía em função do discurso da regeneração. Dizia-se, de fato, como pode ser observado nas canções de todo o capítulo, que o caminho de aceitação dos valores da sociedade passava necessariamente pela negação do mundo do samba e, neste movimento, reforçava-se a ideia da perseguição uma vez que a própria regeneração o condenava. Cantava-se, em ritmo de samba, que o samba era errado, indigno e o que se deveria abandonar para ser um cidadão honesto. Mas regenerar “o samba” se tornou, de algum modo, assunto das canções. O caso do Sambista da Cinelândia é um dos maiores exemplos tanto pelo conteúdo da letra quando pelo sucesso e a enorme divulgação da canção graças ao musical homônimo. O chamado ao sambista para que deixasse os morros e abraçasse a cidade como sendo parte do samba é muito significativo. Mário Lago e Custódio Mesquita, no entanto, não diminuem a importância dos morros na formação do gênero, reconhecendo

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Lembrando que, como demonstra Adalberto Paranhos, houve também o dissenso em uma quantidade significativa de canções autorizadas pelo DIP, gravadas e comercializadas. Um bom exemplo deste dissenso pela clareza com que se opunha ao ideal do trabalho é O amor regenera o malandro [“O amor regenera o malandro” (Sebastião Figueiredo), Joel e Gaúcho. 78 rpm, Columbia, 1940.] onde, após uma eloquente defesa à regeneração e à aceitação do trabalho para que o malandro mereça o amor, há uma mudança de sentidos com o breque no último verso: “Dizem que o amor regenera o malandro / Sou de opinião de que todo malandro tem que se regenerar / E, ainda mais, se compenetrar / Que todo mundo deve ter o seu trabalho para o amor merecer/ [...] Para merecer carinho / Tem que ser trabalhador / [Que horror!]”.

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inclusive seu papel e afirmando que o espaço era aclamado com um “sucesso colossal” por aqueles que estavam do lado debaixo. O ponto fundamental deste chamado era o anuncio de que não havia mais necessidade de os sambistas continuarem com as velhas temáticas do morro (as temáticas do samba), afinal, “a cidade já aceita o samba / [...] hoje está tudo tão mudado e acabou-se a oposição”. Sendo o samba do morro a “sinfonia nacional”, ele deveria agora fazer jus ao título representando adequadamente a Nação. No ano seguinte Carmen Miranda gravou outra canção significativa sobre o processo de regeneração poética do samba, Cabaré no morro272, de Herivelto Martins. Nela os elementos formadores do mundo do samba continuam relacionados, embora a personagem principal da canção já não se identifique mais com eles. Conforme desce as ladeiras e se afasta desses elementos, ela deixa de ser parte do mundo “incivilizado”, deixa o atraso (o morro, o barracão, o botequim, a orgia e a malandragem) para trás. Neste movimento a personagem vislumbra a possibilidade de ascender socialmente e, com isso, seu objetivo passa a ser voltar para, enfim, civilizar o morro: Fundaram um cabaré no morro E cismaram que eu devia frequentar Fiz pé firme, disse mesmo: “Eu lá não vou, só quero ver Quem é que vai me obrigar” O meu cabrocha, que foi sempre a meu favor Desta vez também veio contra mim Não sei por quê, estou ficando diferente Já não gosto de malandro Nem frequento botequim (...) E vim descendo, batucando os meus tamancos Abandonando a malandragem, o barracão Embora sendo nascida no morro e criada na orgia Vi que essa gente não tem civilização E resolvi a mim mesma de voltar Se a vida um dia, se Deus quiser, melhorar 272

“Cabaré no morro” (Herivelto Martins), Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1937.

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Com um ricaço pendurado no meu braço Vestido de seda, capote de forro Civilizarei o morro!

A falta de civilidade é identificada precisamente nas características que o samba se orgulhava em ter. Deste modo, higienização do samba, regeneração do malandro e civilização do “povo” se tornam vertentes de um mesmo processo. Em 1940 Carmen Miranda gravou uma brilhante crônica de Assis Valente, sobre um tipo de investida estatal sobre os domínios próprios do samba. Recenseamento273 dá voz a uma das mulheres malandras que acompanhavam o marido na defesa e construção do gênero. Aqui, a personagem se vê obrigada a lidar com um representante do Estado, o “agente recenseador”, que em virtude do Recenseamento Geral de 1940 274 decide bisbilhotar a vida do morro. De forma bastante irônica ela consegue driblar as inconvenientes perguntas descrevendo o mundo do samba como se estivesse descrevendo um mundo do brasileiro ideal, dizendo o que o Estado gostaria de ouvir: Em 1940, lá no morro, começaram o recenseamento E o agente recenseador esmiuçou a minha vida Que foi um horror! E quando viu a minha mão sem aliança Encarou para a criança que no chão dormia E perguntou se meu moreno era decente E se era do batente ou era da folia Obediente eu sou a tudo que é de lei Fiquei logo sossegada e falei então: “O meu moreno é brasileiro, é fuzileiro E é quem sai com a bandeira do seu batalhão A nossa casa não tem nada de grandeza Mas vivemos na pobreza sem dever tostão Tem um pandeiro, tem cuíca e tamborim

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“Recenseamento” (Assis Valente), Carmen Miranda, Odeon, 1940. Rel.: A nossa Carmen Miranda, Odeon, 1965. 274 Sobre o Recenseamento Geral de 1940, as impressões dos recenseadores e as reações da população, principalmente em relação ao morro da Favela, VER: BITTENCOURT, Danielle Lopes. O morro é do povo: memórias e experiências de mobilização em favelas cariocas. Dissertação de mestrado. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2012; cap. 1.

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Um reco-reco, um cavaquinho e um violão” Fiquei pensando e comecei a descrever Tudo, tudo de valor que o meu Brasil me deu: Um céu azul, um Pão de Açúcar sem farelo Um pano verde-amarelo, tudo isso é meu Tem feriado que pra mim vale fortuna A Retirada de Laguna vale um cabedal Tem Pernambuco, tem São Paulo e tem Bahia Um conjunto de harmonia que não tem rival

Conforme analisa o historiador Adalberto Paranhos, Recenseamento mobiliza diversos elementos do universo dos sambistas como sendo tudo o que o Brasil podia dar à mulher. Era no samba que a suposta família regenerada encontrava sua “riqueza”: Seu “moreno”, como tudo leva a crer nem de longe poderia ser catalogado no exército regular de trabalhadores do Brasil, ele que seria porta-bandeira (ou melhor, mestre-sala) de escola de samba. No barraco em que moravam, faltava tudo [...] só não faltavam os apetrechos reclamados pelo samba. Afinal de contas, o que o “Estado Novo” lhes deu? O azul do céu, um cartão postal (o Pão de Açúcar), uma bandeira (apequenada aqui na menção a um reles pano verdeamarelo). Além do mais, a louvação aos feriados entra em contradição aberta com a idealização do trabalho que ganhava força naqueles dias. (PARANHOS: op. cit., p. 150)

No mundo imaginário do samba a malandragem nunca deixou de ditar os costumes, as práticas e as percepções dos seus personagens. Mesmo que o sambista decidisse tomar o bonde e ir ao trabalho, trocar a orgia por uma só mulher e, até mesmo, se apercebesse que o trabalho dá dignidade ao homem, ele precisaria abandonar o samba para seguir em frente. Tudo isso era cantado e gravado em ritmo de samba, muitas vezes com o intuito de concorrer nas disputas do Carnaval organizadas com o apoio da prefeitura. Essa aparente contradição nos mostra como as apropriações e os diferentes usos do samba feitos pelas diversas camadas da sociedade foram efetivos. O samba cantava temáticas distintas, abordava perspectivas discordantes e contraditórias porque não estava, de fato, compromissado com qualquer discurso ou instituição. Ele não 171


respondia a alguém ou resistia a algo. Porém, toda a polifonia e diversidade do cancioneiro tinha um ponto convergente sobre o qual uma enorme quantidade de canções se dedicou sem grandes alterações: a construção da identidade do próprio samba. E é Carmen Miranda, em composição de Laurindo de Almeida 275, quem sinaliza o que talvez fosse o grande significado do samba para o sambista: Você queria aprender o samba Mas sua cabecinha Não deve andar boa A sua voz é desclassificada Não tem ritmo nem nada Você não entoa Você nasceu foi para ser granfina Andar na seda e discutir francês Se compenetre que o samba é alta bossa E é pra nego de choça que não fala o inglês (...) Um samba exige tal simplicidade É justamente o que você não tem Eu desejava que você soubesse Que o samba é a prece do João Ninguém

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“Você nasceu pra ser granfina” (Laurindo de Almeida), Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1939.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS O samba não vai morrer

Dizem que os anos 60 foram fatais para o velho samba. Novos movimentos musicais encabeçados por uma juventude de classe média dividida entre os “engajados”, os “festivos ” (ou “alienados”) e os “revoltados” (aparentemente com a música e não com o sistema, como eram os “engajados”) reformularam a musicalidade popular brasileira chegando ao ponto de, nos finais do século, decretarem o “fim da canção” – a linguagem musical mais brasileira desde o século XIX276. Por um lado, os engajados não viam o que comemorar, suas canções já não cantavam mais prazer e, quando o faziam, já não se exaltava mais os “bons tempos”. Felicidade mesmo, nesse momento, não estava mais no passado e sim em um hipotético futuro de liberdades políticas e direitos sociais. Os festivos, por sua vez, comemoravam os prazeres da vida. Mas seus prazeres eram outros. Não estavam mais na batida de um pandeiro ou no gingado das cabrochas e sim nos acordes das guitarras elétricas e no estilo de vida americanizado. Os revoltados eram um pouco dos dois grupos e muito mais. Algo que, a seu tempo, não se entendia muito bem. Queriam experimentar novos sons, novos temas e novas liberdades. Dizem que desconstruíram a canção (ainda que, desconstruída mesmo, ela só tenha sido ao final dos anos 1980, quando a periferia de São Paulo resolveu representar a si mesma em uma musicalidade diferente). Os jovens Caetano Veloso e Gilberto Gil, os maiores nomes do grupo, ao lado de outros músicos se apropriaram da Bossa Nova (que supostamente havia “depurado” o velho samba nos anos 1950), do velho samba e do rock, resgataram as sonoridades regionais e o que mais pudessem para a experiência estética que resultou no álbum Tropicália, lançado em

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Para os movimentos da “MPB” engajada, “Jovem Guarda” e “Tropicália” VER: NAPOLITANO: 2005; NAVES, Santuza Cambraia. Canção popular no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010., e¸ TATIT, Luiz. O século da Canção. 2. ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008.

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1968 pela Philips Records. O que era um experimento, passou a ser um movimento. Vez ou outra homenageavam o velho samba. Vez ou outra debochavam dele. Passados 25 anos e alguns movimentos musicais, Caetano Veloso e Gilberto Gil lançaram o álbum Tropicália 2 pela Warner Music Group. Muitas sonoridades já haviam sido experimentadas, a música brasileira se abrira para novas influências chegando ao ponto de o próprio termo “Música Popular Brasileira” designar tantos sons que já não se sabia mais do que se tratava. A Tropicália, que nos anos 1960 havia inovado e amedrontado a canção, “voltou” em 1993 com um movimento contrário, de “reconstrução”. A última faixa do álbum, um samba ao melhor estilo dos velhos tempos, retomou o que havia de mais primordial para o mundo do samba (que, a bem da verdade, ainda que em menores dimensões nunca deixou de ser o que era). Em Desde que o samba é samba277, Caetano e Gil sintetizam parte do discurso sambista, mobilizando alguns dos elementos mais caros ao cancioneiro dos anos 1930 e 1940: A tristeza é senhora Desde que o samba é samba é assim A lágrima clara sobre a pele escura Anoite a chuva que cai lá fora Solidão apavora Tudo demorando em ser tão ruim Mas alguma coisa acontece No quando, agora, em mim Cantando eu mando a tristeza embora O samba ainda vai nascer O samba ainda não chegou O samba não vai morrer Veja, o dia ainda não raiou O samba é pai do prazer O samba é filho da dor O grande poder transformador

Se uma “lesão” havia sido feita ao samba e ao seu mundo imaginário com a introdução de novos elementos sonoros e simbólicos ao cancioneiro nacional, ainda

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“Desde que o samba é samba”, Caetano Veloso e Gilberto Gil. CD Tropicália 2, WMG, 1993.

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havia algo capaz de recompô-lo, ou, como nos termos das ciências biológicas, regenerálo. A narrativa que o samba havia criado para si nas décadas de 1930 e 1940 era muito complexa e explorava todos os fatores necessários para que ele fosse um vencedor. Ele era a alegria, mas era probido; era do morro, mas tocava no mundo inteiro; era perseguido pela sociedade, mas invejado por ela; era do vadio, do boêmio e do malandro, mas era a sinfonia nacional. O samba era a fragilidade com o risco sempre iminente de acabar, mas era também a maior grandeza e orgulho do “povo”. Todas essas representações jamais abandonaram as letras dos sambas ou as imagens que popularmente se atribui a ele. O lugar ideal, o mundo imaginário do samba, foi construído e reconstruído às custas de milhares de canções a partir da apropriação e ressignificação de elementos que conformavam o cotidiano de parte da população carioca no período em que se dava a estruturação do samba como um gênero musical específico. E é fundamentalmente a partir do que diziam as canções (ou seja, do que se ouvia nos rádios, nos dicos, no Carnaval, como também do que se cantarolava no dia-a-dia) e não somente das movimentações dos bastidores ou dos depoimentos de algumas celebridades – muito provavelmente desconhecidos da maioria da população –, como se costuma afirmar, que se forjou a história do samba. Uma história essencialmente cantada. Desde que o samba é samba é assim.

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FONTES “A batucada começou” (Ary Barroso), Odete Amaral. 78 rpm, Odeon, 1941. “A cubana no samba” (Pedro Caetano e Valfrido Silva), Quatro Ases e um Coringa. 78 rpm, Odeon, 1944. “A guerra acaba amanhã” (Herivelto Martins e Grande Otelo), Francisco Alves. 78 rpm, Odeon, 1944. “A mulher do seu Oscar” (Ataulfo Alves e Wilson Batista), Odete Amaral. 78 rpm, Victor, 1940. “A mulher tem razão” (Henrique Batista, M. Quintanilha e Marília Batista), Francisco Alves. 78 rpm, Odeon, 1943. “A porta-estandarte” (Herivelto Martins), Linda Batista. 78 rpm, Victor, 1942. “A roda do samba” (Amado Régis e Marcílio Vieira), Odete Amaral. 78 rpm, Victor, 1938. “A vida é um samba” (Ivanir Ribeiro), Sônia Carvalho. 78 rpm, Columbia, 1937. “A voz do sangue” (Wilson Batista e Valfrido Silva), Newton Teixeira e Orquestra Fonfon. 78 rpm, Odeon, 1941. “Abre a janela” (Arlindo Marques Jr. e Roberto Roberti), Orlando Silva. 78 rpm, Victor, 1937. “Acabou a sopa” (Augusto Garcez e Geraldo Pereira), Ciro Monteiro. 78 rpm, Victor, 1940. “Acertei no milhar” (Geraldo Pereira e Wilson Batista), Moreira da Silva. 78 rpm, Odeon, 1940. “Acorda escola de samba” (Benedito Lacerda e Herivelto Martins), Sílvio Caldas. 78 rpm, Odeon, 1936. “Adeus batucada” (Sinval Silva), Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1935. 176


“Adeus Estácio” (Benedito Lacerda e Gastão Viana), Trio de Ouro. 78 rpm, Odeon, 1938. “Adeus Favela” (Nelson Trigueiro e Paulo Pinheiro), Carmem Barbosa. 78 rpm, Columbia, 1939. “Adeus orgia adeus” (Djalma Esteves e Felisberto Martins), Moreira da Silva. 78 rpm, Odeon, 1939. “Ai! que saudades da Amélia” (Ataulfo Alves e Mário Lago), Ataulfo Alves. 78 rpm, Odeon, 1942. “Ai Zezé” (João da Bahiana), Patrício Teixeira. 78 rpm, Odeon, 1932. “Alegria” (Assis Valente e Durval Maia), Orlando Silva. 78 rpm, Victor, 1937. “Alegria do nosso Brasil” (Heitor dos Prazeres), Nilton Paz. 78 rpm, Columbia, 1939. “Alegria na casa de pobre” (Abel Neto), Ataulfo Alves. 78 rpm, Odeon, 1940. “Alma de um povo” (Amado Regis e Sinval Silva), Odete Amaral. 78 rpm Victor, 1938. “Alvorada” (Sinval Silva), Carmen Miranda. 78 rpm, Victor, 1933. “Amanhã eu dou” (Assis Valente), Araci de Almeida. 78 rpm, Victor, 1942. “Amélia na Praça Onze” (Cícero Nunes e Herivelto Martins), Linda Batista. 78 rpm, Victor, 1942. “Ao voltar do samba” (Sinval Silva), Carmen Miranda. 78 rpm, Victor, 1934. “Aquarela do Brasil” (Ary Barroso), Francisco Alves. 78 rpm, Odeon, 1939. Rel.: caixa (cx.) Apoteose do samba (v.1, CD nº2), EMI, 1997. “Aula de música” (Haroldo Barbosa e Herivelto Martins), Linda Batista. 78 rpm, Victor, 1942. “Assobia um samba” (Ary Barroso), Linda Batista. 78 rpm, Victor, 1945. “Até amanhã” (Noel Rosa), João Petra de Barros. 78 rpm, Odeon, 1932.

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“Até a natureza samba” (Alcídes Rosa e Sebastião Gomes), Odete Amaral. 78 rpm, Odeon, 1943. “Até que enfim Favela” (Heitor dos Prazeres), Nelson Gonçalves. 78 rpm, Victor, 1945. “Baiana falsificada” (Herivelto Martins), Trio de Ouro. 78 rpm, Odeon, 1943. “Barulho no morro” (Roberto Martins), Isaura Garcia. 78 rpm, Victor, 1944. “Batente” (Almirante), Bando de Tangarás. 78 rpm, Parlophon, 1930. “Batuca nega” (Ary Barroso), Quatro Ases e um Coringa. 78 rpm, Odeon, 1942. “Batuca no chão” (Assis Valente), Ataulfo Alves. 78 rpm, Odeon, 1944. “Batuque na cozinha” (Nássara e Rubens Soares), Joel e Gaúcho. 78 rpm, Odeon, 1937. “Beijo bamba” (André Filho), Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1936. “Benedito não é de briga” (Wilson Batista e Germano Augusto), Quatro Ases e Um Coringa. 78 rpm, Odeon, 1945. “Bilhete branco” (Henrique Gonçalez), Moreira da Silva. 78 rpm, Victor, 1941. “Boêmio” (Ataulfo Alves e J. Pereira), Orlando Silva. 78 rpm, Victor, 1937. “Boêmio regenerado” (Alcides Rosa e Sebastião Gomes), Ciro Monteiro. 78 rpm, RCA Victor, 1943. “Bola preta” (Assis Valente), Bando da Lua. 78 rpm, Victor, 1937. “Bom dia avenida” (Grande Otelo e Herivelto Martins), Trio de Ouro.78 rpm, Odeon, 1943. “Bom elemento” (Euclides Silveira), Artur Camilo. 78 rpm, Columbia, 1931. “Boneca de piche” (Ary Barroso e Luiz Iglésias), Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1938. “Brasil!” (Benedito Lacerda e Aldo Cabral), Francisco Alves e Dalva de Oliveira. 78 rpm, Continental, 1939. 178


“Brasil moreno” (Ary Barroso e Luiz Peixoto), Cândido Botelho. 78 rpm, Odeon, 1941. “Brasil pandeiro” (Assis Valente), Anjos do Inferno. 78 rpm, Continental, 1941. “Cabaré no morro” (Herivelto Martins), Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1937. “Cabide de mulambo” (João da Bahiana), Patrício Teixeira. 78 rpm, Odeon, 1932. “Cabo Laurindo” (Haroldo Lobo e Wilson Batista), Jorge Veiga. 78 rpm, Continental, 1945. “Caboca” (Ary Barroso), Francisco Alves. 78 rpm, Odeon, 1933. “Cachorro vira-lata” (Alberto Ribeiro), Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1936. “Camisa listada” (Assis Valente), Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1937. “Canção do trabalhador” (Ari Kerner), Carlos Galhardo. 78 rpm, Victor, 1940. “Canção nacional” (Ari Monteiro e Peterpan), Quatro Ases e Um Coringa. 78 rpm, Odeon, 1945. “Cansado de sambar” (Assis Valente), Bando da Lua. 78 rpm, Victor, 1936. “Cantora de samba” (Amado Régis), Linda Rodrigues. 78 rpm, Continental, 1945. “Capital do samba” (José Ramos), Gilberto Alves. 78 rpm, Odeon, 1942. “Capricho de rapaz solteiro” (Noel Rosa), Mário Reis. 78 rpm, Victor, 1933. “Carnavá taí” (Pixinguinha e Josué de Barros), Carmen Miranda. 78 rpm, Victor, 1930. “Cem por cento brasileira” (Ary Barroso), Anjos do Inferno. 78 rpm, Columbia, 1943. “Cena de Senzala” (Ary Barroso e André George), Cândido Botelho. 78 rpm, Odeon, 1941. “Chega Zé” (Valentina Biosca e Zé Pretinho), Patrício Teixeira. 78 rpm, Victor, 1941. “Cheguei... vi... gostei” (Amado Regis e Marcílio Oliveira), Odete Amaral. 78 rpm, Victor, 1938. “Chula-ô” (Ary Barroso), Morais Neto. 78 rpm, Odeon, 1941. 179


“Cidade de São Sebastião” (Nássara e Wilson Batista), Francisco Alves. 78 rpm, Odeon, 1941. “Cidade maravilhosa” (André Filho), André Filho e Aurora Miranda. 78 rpm, Odeon, 1934. “Cidade romance” (Gastão Viana e Mário Rossi), Carlos Galhardo. 78 rpm, Victor, 1945. “Coisas do Carnaval” (Ary Barroso), Quatro Ases e um Coringa. 78 rpm, Odeon, 1942. “Coisas Nossas” (Noel Rosa), Noel Rosa. 78 rpm, Columbia, 1932. “Com a vida que pediste a Deus” (Ismael Silva), J. B. de Carvalho. 78 rpm, Odeon, 1939. “Comício em Mangueira” (Germano Augusto e Wilson Batista), Carlos Galhardo. 78 rpm, Victor, 1945. “Comigo não” (Heitor Catumbi e Valentina Biosca), Carmen Miranda. 78 rpm, Victor, 1934. “Como a Favela mudou” (Herivelto Martins e Rogério Nascimento), Castro Barbosa. 78 rpm, Columbia, 1939. “Como eu sambei” (Afonso Teixeira e Peterpan), Emilinha Borba. 78 rpm, Continental, 1945. “Comprei uma fantasia de pierrô” (Alberto Ribeiro e Lamartine Babo), Francisco Alves. 78 rpm, Victor, 1936. “Confissão de malandro” (Gilberto Martins), Moreira da Silva. 78 rpm, Victor, 1933. “Conversa, Laurindo” (Ari Monteiro e Zé da Zilda), Zé da Zilda. 78 rpm, Victor, 1945. “Conversa de botequim” (Noel Rosa e Vadico), Noel Rosa. 78 rpm, Odeon, 1935. “Cuíca, pandeiro e tamborim” (Custódio Mesquita), Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1936.

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“Deixa esse povo falar” (Arlindo Marques Júnior e Roberto Roberti), Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1935. “Deixa falar” (Nelson Petersen), Ary Barroso e Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1938. “Desacato” (Wilson Batista, Paulo Vieira e Murilo Caldas), Francisco Alves, Castro Barbosa e Murilo Caldas. 78 rpm, Odeon, 1933. “Despedida de Mangueira” (Aldo Cabral e Benedito Lacerda), Francisco Alves. 78 rpm, Columbia, 1939. “Desperta Dodô” (Heitor dos Prazeres e Herivelto Martins), Trio de Ouro. 78 rpm, Odeon, 1945. “Deve ser o meu amor” (Ary Barroso), Sônia Carvalho. 78 rpm, Victor, 1936. “Dinheiro não há” (Benedito Lacerda e Ernani Alvarenga), Leonel Faria. 78 rpm, Odeon, 1932. “Diplomata” (Henrique Gonçalves), Moreira da Silva. 78 rpm, Odeon, 1942. “Disseram que eu voltei americanizada” (Luiz Peixoto e Vicente Paiva), Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1940. “Dona Emília” (Glauco Viana e Noel Rosa), Almirante e Bando de Tangarás. 78 rpm, Parlophon, 1930. “Doutor em samba” (Custódio Mesquita), Mário Reis. 78 rpm, Victor, 1933. “É bamba” (Ary Barroso), Elisa Coelho. 78 rpm, Victor, 1931. “É do barulho” (Assis Valente e Zequinha Reis), Bando da Lua. 78 rpm, Victor, 1935. “É fingimento dela” (Henrique Batista e Marília Batista), As três Marias. 78 rpm, Victor, 1943. “É negócio casar” (Ataulfo Alves e Felisberto Martins), Ataulfo Alves. 78 rpm, Odeon, 1941. “E o mundo não se acabou” (Assis Valente), Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1938. 181


“E o samba continua” (Ary Barroso e Lamartine Babo), Almirante. 78 rpm, Victor, 1934. “Elogio da raça” (Assis Valente), Carmen Miranda. 78 rpm, Victor, 1933. “Emília” (Haroldo Lobo e Wilson Batista), Vassourinha. 78 rpm, Columbia, 1941. “Essa mulher tem qualquer coisa na cabeça” (Cristóvão de Alencar e Wilson Batista), Ciro Monteiro. 78 rpm, Victor, 1942. “Escola de malandro” (Orlando Luiz Machado), Ismael Silva e Noel Rosa. 78 rpm, Odeon, 1932. “Escravo do samba” (Antenor Borges e René Bittencourt), José Gonçalves. 78 rpm, Victor, 1939. “Este samba foi feito pra você” (Assis Valente), Mário Reis. 78 rpm, Victor, 1935. “Etc” (Assis Valente), Carmen Miranda. 78 rpm, Victor, 1932. “Eu agora sou família” (Freire Júnior), Mário Reis. 78 rpm, Odeon, 1930. “Eu gosto da minha terra” (Randoval Montenegro), Carmen Miranda. 78 rpm, Victor, 1930. “Eu gosto do samba – parte 1” (Ary Barroso), Dircinha Batista. 78 rpm, Odeon, 1940. “Eu gosto do samba – parte 2” (Ary Barroso), Dircinha Batista. 78 rpm, Odeon, 1940. “Eu não sou pano de prato” (Mário Lago e Roberto Martins), Isaura Garcia. 78 rpm, Columbia, 1941. “Eu quero é sambar” (Alberto Ribeiro e Peterpan), Dircinha Batista. 78 rpm, Continental, 1944. “Eu quero um samba” (Haroldo Barbosa e Janet de Almeida), Namorados da Lua. 78 rpm, Continental, 1945. “Eu sou o samba” (Dias da Cruz e Garcez), Dircinha Batista.78 rpm, Odeon, 1942. “Eu trabalhei” (Jorge Faraj e Roberto Roberti), Orlando Silva. 78 rpm, Victor, 1940. 182


“Eu vivia no morro” (Assis Valente), Sônia Carvalho. 78 rpm, Victor, 1936. “Eu vivo sem destino” (Wilson Batista, Silvio Caldas e Osvaldo Santiago), Silvio Caldas. 78 rpm, Victor, 1933. “Eu vou comprar” (Heitor dos Prazeres), Moreira da Silva. 78 rpm, Victor, 1933. “Eu vou pra Vila” (Noel Rosa), Bando de Tangarás. 78 rpm, Parlophon, 1930. “Exaltação da Favela” (Custódio Mesquita e Dan Malio), Irmãs Pagãs. 78 rpm, Odeon, 1936. “Faceira” (Ary Barroso), Sílvio Caldas. 78 rpm, Victor, 1931. “Família do samba” (Alcyr Pires Vermelho, Antônio Almeida e Osvaldo Santiago), Aurora Miranda. 78 rpm, Victor, 1939. “Falsa baiana” (Geraldo Pereira), Ciro Monteiro. 78 rpm, Victor, 1944. “Favela dos meus amores” (Roberto Cunha), Gilberto Alves. 78 rpm, Columbia, 1938. “Favela morena” (Estanislau Silva e João Peres), Odete Amaral. 78 rpm, Odeon, 1943. “Favela querida” (Cristóvão de Alencar e Silvio Pinto), Orlando Silva. 78 rpm, Victor, 1941. “Feitiço da Vila” (Noel Rosa e Vadico), João Petra de Barros. 78 rpm, Odeon, 1934. “Feitio de Oração” (Noel Rosa e Vadico), Francisco Alves e Castro Barbosa. 78 rpm, Odeon, 1933. “Fez bobagem” (Assis Valente), Araci de Almeira. 78 rpm, Victor, 1942. “Filosofia” (André Filho e Noel Rosa), Mário Reis. 78 rpm, Columbia, 1933. “Fiz um samba” (José Borba), Francisco Alves. 78 rpm, Continental, 1940. “Foi em 1500” (Roberto Martins), Moreira da Silva. 78 rpm, Columbia, 1934. “Foi na Praça Onze” (Max Bulhões e Milton de Oliveira), Fausto Paranhos. 78 rpm, Victor, 1937. 183


“Força de malandro” (Hervé Cordovil e Jaime Tolomi), Mário Reis. 78 rpm, Victor, 1933. “Gamboa” (Orestes Xavier), Quatro Ases e Um Coringa. 78 rpm, Odeon, 1942. “Ganha-se pouco mas é divertido” (Wilson Batista e Ciro de Souza), Araci de Almeida. 78 rpm, Victor, 1941. “Ganhei um samba” (Zulmira Santos), Dircinha Batista. 78 rpm, Odeon, 1939. “Gente bamba” (Sinval Silva), Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1937. “Ginga” (Amado Regis), Odete Amaral. 78 rpm, Victor, 1938. “Good-bye” (Assis Valente), Carmen Miranda. 78 rpm, Victor, 1932. “Golpe errado” (Cristóvão de Alencar, David Násser e Geraldo Pereira), Ciro Monteiro e Benedito Lacerda. 78 rpm, Victor, 1945. “Gosto mais do Salgueiro” (Wilson Batista e Germano Augusto), Araci de Almeida. 78 rpm, Odeon, 1943. “Guarda este samba” (Saint-Claire Sena), Carlos Galhardo. 78 rpm, Victor, 1937. “Guiomar” (Haroldo Lobo e Wilson Batista), Joel e Gaúcho. 78 rpm, Odeon, 1944. “Hildebrando” (Wilson Batista e Haroldo Lobo), Ciro Monteiro. 78 rpm, Victor, 1941. “História de criança” (Wilson Batista e Germano Augusto), Odete Amaral. 78 rpm, Victor, 1940. “História do Brasil” (Lamartine Babo), Almirante. 78 rpm, Victor, 1933. “Inimigo do batente” (Wilson Batista e Germano Augusto), Dircinha Batista. 78 rpm, Odeon, 1939. “Inimigo do samba” (Ataulfo Alves e Jorge de Castro), Orlando Silva. 78 rpm, Odeon, 1942. “Imperador do samba” (Valdemar Silva), Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1937. “Isaura” (Herivelto Martins e Roberto Roberti), Francisco Alves. 78 rpm, Odeon, 1944. 184


“Isso não se atura” (Assis Valente), Carmen Miranda. 78 rpm, Columbia, 1941. “Já que está deixa ficar” (Assis Valente), Anjos do Inferno. 78 rpm, Columbia, 1941. “Jacaré te abraça” (Assis Valente), Araci de Almeida. 78 rpm, Odeon, 1944. “Jurei” (Geraldo Pereira e Cristóvão de Alencar), Orlando Silva. 78 rpm, Odeon, 1945. “Lá vem ela chorando” (Janet de Almeida e Pereira Matos), Joel e Gaúcho. 78 rpm, Odeon, 1944. “Lá vem Mangueira” (Haroldo Lobo, Jorge de Castro e Wilson Batista), Déo. 78 rpm, Continental, 1943. “Laurindo” (Herivelto Martins), Trio de Ouro. 78 rpm, Odeon, 1942. “Lenda do morro” (Afonso Teixeira e Peterpan), Quatro Ases e um Coringa. 78 rpm, Odeon, 1944. “Leva meu samba” (Ataulfo Alves), Ataulfo Alves. 78 rpm, Odeon, 1940. “Linda Morena” (Lamartine Babo), Bando da Lua. 78 rpm, Victor, 1937. “Lenço no pescoço” (Wilson Batista), Sílvio Caldas. 78 rpm, Victor, 1933. “Louca pela boemia” (Alcebíades Barcelos e Armando Marçal), Gilberto Alves. 78 rpm, Odeon, 1941. “Luar do morro” (Valfrido Silva), Odete Amaral. 78 rpm, Victor, 1937. “Macumba de Mangueira” (Almirante), Januário de Oliveira. 78 rpm, Columbia, 1930. “Madureira” (Homero Dornelas), Bando de Tangarás. 78 rpm, Odeon, 1931. “Malandragem” (Ary Barroso), Vicente Celestino. 78 rpm, Columbia, 1939. “Malandro” (André Filho), Carmen Miranda. 78 rpm, Victor, 1930. “Malandro medroso”, Noel Rosa. 78 rpm, Parlophon, 1930. “Malandro sofredor” (Ary Barroso), Silvio Caldas. 78 rpm, Victor, 1933. “Mangueira” (Assis Valente e Zequinha Reis), Bando da Lua. 78 rpm, Victor, 1935. 185


“Mangueira” (Bide e Kid Pepe), Gaúcho e Joel. 78 rpm, Odeon, 1936. “Mangueira não” (Herivelto Martins e Grande Otelo), Francisco Alves e Trio de Ouro. 78 rpm, Odeon, 1943. “Mangueira querida” (Constantino Silva), Roberto Paiva. 78 rpm, Victor, 1941. “Mania da falecida” (Wilson Batista e Ataulfo Alves), Ciro Monteiro. 78 rpm, Victor, 1939. “Mania de malandro” (Herivelto Martins), Aurora Miranda. 78 rpm, Odeon, 1938. “Marcolina” (Assis Valente), Carlos Galhardo. 78 rpm, Victor, 1934. “Me segure” (Assis Valente), Quatro Ases e um Coringa. 78 rpm, Odeon, 1943. “Menina fricote” (Henrique Batista e Marília Batista), Araci de Almeida. 78 rpm, Victor, 1940. “Meu país verdadeiro” (Herivelto Martins e Pinto Filho), Dalva de Oliveira e Francisco Alves. 78 rpm, Odeon, 1942. “Meu rádio e meu mulato” (Herivelto Martins), Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1938. “Micróbio do samba” (Amado Regis) Odete Amaral. 78 rpm, Odeon, 1942. “Minha embaixada chegou” (Assis Valente), Carmen Miranda. 78 rpm, Victor, 1934. “Minha terra tem palmeiras” (João de Barro e Alberto Ribeiro), Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1936. “Moreno batuqueiro” (Germano Augusto e Kid Pepe), Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1939. “Mulata cor de jambo” (Heitor dos Prazeres), Franciso Alves. 78 rpm, Odeon, 1937. “Mulher de malandro” (Heitor dos Prazeres), Francisco Alves. 78 rpm, Odeon, 1931. “Mulher de malandro” (Hervé Cordovil), Isaura Garcia. 78 rpm, RCA Victor, 1945. “Na aldeia” (Euclides Silveira e Quidinho), Mário Reis. 78 rpm, Odeon, 1931. 186


“Na batucada da vida” (Ary Barroso e Luiz Peixoto), Carmen Miranda. 78 rpm, RCA Victor, 1934. “Na Gamboa” (Jota Machado), Grupo da Alegria. 78 rpm, Columbia, 1930. “Na Pavuna” (Almirante e Homero Dornelas), Bando de Tangarás. 78 rpm, Odeon, 1929. “Não deixarei o morro” (Jurací Araújo e L. A. Pimentel), Odete Amaral. 78 rpm, Victor, 1937. “Não era assim” (Wilson Batista e Haroldo Lobo), Déo. 78 rpm, Continental, 1944. “Não há” (Heitor dos Prazeres), Carmen Costa. 78 rpm, Victor, 1943. “Não nasci pra trabalhar” (Freire Júnior), Francisco Alves. 78 rpm, Parlophon, 1930. “Não quero não” (Assis Valente), Bando da Lua. 78 rpm, Victor, 1938. “Não sou família” (Bulhões e H. Rodrigues), Araci Cortes. 78 rpm, Odeon, 1931. “Não tem tradução” (Noel Rosa), Francisco Alves. 78 rpm, Odeon, 1934. “Não tenho juízo” (Haroldo Lobo e Wilson Batista), Araci de Almeida. 78 rpm, Odeon, 1944. “Nasci no samba” (Bide e Benedito Lacerda), Leonel Faria. 78 rpm, Odeon, 1932. “Nêga” (Heitor dos Prazeres), Lolita França e Murilo Caldas. 78 rpm, Victor, 1939. “Nêga da gafieira” (C. de Farias), Moreira da Silva. 78 rpm, Columbia, 1938. “Negro está sambando” (Hervé Cordovil e Humberto Porto), Dalva de Oliveira e Dupla Preto e Branco. 78 rpm, Columbia, 1939. “No Grajaú, iaiá” (Dan Malio Carneiro e José Francisco de Freitas), Mário Reis. 78 rpm, Odeon, 1929. “No morro de São Carlos” (Hervé Cordovil e Orestes Barbosa), Moreira da Silva. 78 rpm, Victor, 1933.

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“No Sarguero” (Idelfonso Norát e Benedito Lacerda), Grupo Gente do Morro. 78 rpm, Brunswick, 1930. “Nobreza” (Assis Valente), Irmãs Pagãs. 78 rpm, Columbia, 1939. “Nós queremos sambar” (Max Bulhões e Mário de Oliveira), Linda Batista. 78 rpm, Victor, 1945. “Nosso amor não convém” (Peterpan e Príncipe Pretinho), Carlos Galhardo. 78 rpm, Victor, 1938. “Nosso presidente continua” (Haroldo Lobo e Wilson Batista), Arnaldo Amaral. 78 rpm, Continental, 1944. “Numa roda de samba” (Heloísa Helena), Heloísa Helena. 78 rpm, Victor, 1937. “O Alberto bronqueou” (Wilson Batista e Haroldo Lobo), Araci de Almeida. 78 rpm, Odeon, 1945. “O amor regenera o malandro” (Sebastião Figueiredo), Joel e Gaúcho. 78 rpm, Columbia, 1940. “O bonde São Januário” (Ataulfo Alves e Wilson Batista), Ciro Monteiro. 78 rpm, Victor, 1939. “O Chang Lang se queimou” (Moreira da Silva e José Figueira), Moreira da Silva. 78 rpm, Columbia, 1939. “O dia morreu” (Assis Valente e Oliveira Freitas), Sônia Carvalho. 78 rpm, Victor, 1935. “O homem que se casa é feliz” (Correa da Silva e Oduvaldo Lacerda), Moreira da Silva. 78 rpm, Victor, 1941. “O Juca do pandeiro” (Wilson Batista e Augusto Garcez), Araci de Almeida. 78 rpm, Odeon, 1943. “O malandro entristeceu” (Ernani Dantas e Martinez Grau), Anjos do Inferno. 78 rpm, Columbia, 1936-1937. 188


“O morro começa ali” (Custódio Mesquita e Heber de Boscoli), Joel e Gaúcho. 78 rpm, Odeon, 1941. “O nosso samba” (Ivanir Ribeiro), Sônia Carvalho. 78 rpm, Odeon, 1945. “O que será de mim” (Ismael Silva, Nilton Bastos e Francisco Alves), Mário Reis e Francisco Alves. 78 rpm, Odeon, 1931. “O samba começou” (Assis Valente), Irmãs Pagãs. 78 rpm, Victor, 1937. “O samba é carioca” (Osvaldo Silva), Carmen Miranda. 78 rpm, Victor, 1934. “O samba e o tango” (Amado Regis), Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1937. “O samba na Gamboa” (A. Alexandrino, Ciro de Souza e R. Marques), Moreira da Silva. 78 rpm, Odeon, 1945. “O samba não morre” (Arlindo Marques Júnior e Marino Pinto), Quatro Ases e um Coringa. 78 rpm, Odeon, 1944. “O samba que eu queria” (Saint-Claire Sena), Francisco Alves. 78 rpm, Victor, 1936. “O teu cabelo não nega” (Lamartine Babo e Irmãos Valença), Bando da Lua. 78 rpm, Victor, 1937. “O trabalho me deu o bolo” (João Golo), Moreira da Silva. 78 rpm, Columbia, 1936. “O último samba” (Laurindo de Almeida), Roberto Paiva. 78 rpm, Odeon, 1938. “O x do problema” (Noel Rosa), Aracy de Almeida. 78 rpm, Victor, 1936. “Oh, seu Oscar” (Ataulfo Alves e Wilson Batista), Ciro Monteiro. 78 rpm, Victor, 1939. “Oi, Maria” (Assis Valente), Moreira da Silva. 78 rpm, Victor, 1932. “Olha ela” (Peterpan e Russo do Pandeiro), João Petra de Barros. 78 rpm, Victor, 1934. “Orgia e nada mais” (Alcebíades Barcelos e Haroldo Lobo), Araci de Almeida. 78 rpm, Victor, 1938. “Outras mulheres” (Wilson Batista e Jorge de Castro), Carlos Galhardo. 78rpm, Victor, 1945. 189


“Palacete de malandro” (Custódio Mesquita), João Petra de Barros. 78 rpm, Victor, 1933. “Palacete do Catete” (Ciro de Souza e Herivelto Martins), Francisco Alves. 78 rpm, Odeon, 1945. “Palpite infeliz” (Noel Rosa), Aracy de Almeida. 78 rpm, Victor, 1935. “Para de gritar” (Herivelto Martins), Linda Batista. 78 rpm, RCA Victor, 1943. “Para o samba entrar no céu” (Almirante, J. Rui e Nássara), Bando de Tangarás. 78 rpm, Victor, 1931. “Para um samba em cadência” (Randoval Montenegro), Carmen Miranda. 78 rpm, Victor, 1932. “Paris” (Alberto Ribeiro e Alcyr Pires Vermelho), Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1938. “Pensão do Catete” (Lamartine Babo e Milton Amaral), Jaime Brito. 78 rpm, Victor, 1937. “Pixaim” (Herivelto Martins e Grande Otelo), Trio de Ouro. 78 rpm, Odeon, 1943. “Por amor a este branco” (Custódio Mesquita), Carmen Miranda. 78 rpm, Victor, 1933. “Pra fazer nosso samba” (Luiz Peixoto e Vicente Paiva), Dircinha Batista. 78 rpm, Continental, 1945. “Pra minha morena sambar” (Sinval Silva), Ciro Monteiro. 78 rpm, Victor, 1945. “Pra que discutir com madame” (Janet de Almeida e Haroldo Barbosa), Janet de Almeida. 78 rpm, Continental, 1945. “Praça Onze” (Grande Otelo e Herivelto Martins), Castro Barbosa e Trio de Ouro. 78 rpm, Columbia, 1941. “Primeira linha” (Heitor dos Prazeres), Benedito Lacerda. 78 rpm, Brunswick, 1930. “Progresso” (Heitor dos Prazeres), Fernando de Castro Barbosa. 78 rpm, Columbia, 1932. 190


“Quando me vejo no samba” (Getúlio Marinho), Patrício Teixeira. 78 rpm, Victor, 1933. “Quando o samba acabou” (Noel Rosa), Mário Reis. 78 rpm, Odeon, 1933. “Quando o sol apareceu” (J Portela), Moreira da Silva. 78 rpm, Odeon, 1941. “Quebra morena” (Heitor dos Prazeres), Trio de Ouro. 78 rpm, Odeo, 1942. “Quem cantar meu samba” (E. Frazão e Oduvaldo Lacerda), Orlando Silva. 78 rpm, Victor, 1941. “Quem condena a batucada” (Nelson Petersen), Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1938. “Quem duvidar que apareça” (Assis Valente), Quatro Ases e um Coringa. 78 rpm, Odeon, 1942. “Quem vem descendo” (Herivelto Martins e Príncipe Pretinho), Trio de Ouro. 78 rpm, Odeon, 1943. “Quero meu pandeiro” (Ataulfo Alves e Mário Lago), Anjos do Inferno. 78 rpm, Continental, 1943-1944. “Quero um samba” (Wilson Batista e Valdemar Gomes), Araci de Almeida. 78 rpm, Odeon, 1943. “Rapaz folgado” (Noel Rosa), Araci de Almeida. 78 rpm, RCA Victor, 1938. “Receita” (Ataulfo Alves e João Bastos Filho), Carlos Galhardo. 78 rpm, Victor, 1938. “Recenseamento” (Assis Valente), Carmen Miranda, Odseon, 1940. “Refletindo bem” (Wilson Batista e J. Cascata), Murilo Caldas. 78 rpm, Victor, 1939. “Represália” Ataulfo Alves.78 rpm, Odeon, 1942. “Risoleta” (Cícero de Almeida), Mário Reis. 78 rpm, Odeon, 1930. “Risoleta” (Moacir Bernardino e Raul Marques), Luiz Barbosa. 78 rpm, Victor, 1937. “Ritmo do coração” (Benedito Lacerda e Herivelto Martins), Alzirinha Camargo. 78 rpm, Odeon, 1936. 191


“Roda de samba” (Sinval Silva), Trio de Ouro. 78 rpm, Odeon, 1944. “Sabor do samba” (Germano Augusto e Kid Pepe), Patrício Teixeira. 78 rpm, Victor, 1934. “Salão azul” (Henrique Batista), Marília Batista. 78 rpm, RCA Victor, 1944. “Salve a Portela” (Clênio França e Orestes Xavier), Gilberto Alves. 78 rpm, Odeon, 1944. “Salve Mangueira” (Kid Pepe), Bando da Lua. 78 rpm, Victor, 1936. “Samba” (Benedito Lacerda e Darci Olveira), Anjos do Inferno. 78 rpm, Columbia, 1942. “Samba” (Hervé Cordovil), Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1935. “Samba da Boa Vontade” (Noel Rosa e João de Barro), Noel Rosa, Parlophon, 1931. Rel.: cx. Noel pela primeira vez (CD nº1), Funarte/Velas, 2000. “Samba da Gávea” (João Batista de Oliveira e Osvaldo Lobo), Araci de Almeida. 78 rpm, Odeon, 1942. “Samba da liberdade” (João Alves Castilho), Jorge Fernandes. 78 rpm, Odeon, 1930. “Samba da saudade” (Ronaldo Lupo e Saint-Claire Sena), Gastão Formenti. 78 rpm, Victor, 1934. “Samba da vida” (Valfrido Silva), Heloísa Helena. 78 rpm, Victor, 1937. “Samba da Vila” (Cyro Monteiro e Mário Amorim), Marilú. 78 rpm, Victor, 1941. “Samba de 42” (Arnaldo Paes, Henrique Batista e Marília Batista), Arnaldo Amaral. 78 rpm, Columbia, 1941. “Samba de Botafogo” (E. Frazão e Nássara), Dircinha Batista. 78 rpm, Odeon, 1940. “Samba de Copacabana” (E. Frazão e Nássara), Ciro Monteiro. 78 rpm, Odeon, 1940. “Samba de fato” (Cícero de Almeida e Pixinguinha), Patrício Teixeira. 78 rpm, Victor, 1932. 192


“Samba de roça” (Humberto Teixeira e Lauro Maia), Orlando Silva. 78 rpm, Odeon, 1945. “Samba pro concurso” (Geraldo Pereira), Moreira da Silva. 78 rpm, Odeon, 1943. “Sambista da Cinelândia” (Custódio Mesquita e Mário Lago), Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1936. “Sapateia no chão” (Assis Valente), Carmen Miranda. 78 rpm, Victor, 1936. “Saudade de um batuqueiro” (A. Alexandrino, Elpídio Viana e Max Bulhões), J. B. de Carvalho. 78 rpm, Odeon, 1940. “Saudosa Favela” (Heitor dos Prazeres), Araci de Almeida. 78 rpm, Victor, 1940. “Se a sorte me ajudar” (Germano Augusto), Aurora Miranda e João Petra de Barros. 78 rpm, Odeon, 1934. “Se gostares de batuque” (Kid Pepe), Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1935. “Se não fosse eu” (Wilson Batista, Jorge de Castro e Haroldo Lobo), Quatro Ases e Um Coringa. 78 rpm, Odeon, 1943. “Se o morro não descer” (Herivelto Martins e Darci de Oliveria), Araci de Almeida. 78 rpm, Victor, 1936. “Se o samba é moda” (Josué de Barros), Carmen Miranda. 78 rpm, Brunswick, 1930. “Se o samba morrer” (Alcebíades Barcelos e Valfrido Silva), Carlos Galhardo. 78 rpm, Victor, 1933. “Se você deixar” (Assis Valente), Irmãs Pagãs. 78 rpm, Columbia, 1936-1937. “Se você jurar” (Ismael Silva, Nilton Bastos e Francisco Alves), Francisco Alves e Mário Reis. 78 rpm, Odeon, 1930. “Sem compromisso” (Geraldo Pereira e Nelson Trigueiro), 78 rpm, Continental, 1944. “Sem cuíca não há samba” (Germano Augusto e João Antônio Peixoto), Isaura Garcia. 78 rpm, Columbia, 1942. 193


“Seu Getúlio” (Lamartine Babo), Almirante e Bando de Tangarás. 78 rpm, Odeon, 1931. “Só conheço uma” (Assis Valente), Bando da Lua. 78 rpm, Victor, 1936. “Só falta pancada” (Nássara e Roberto Cunha), Araci de Almeida. 78 rpm, Victor, 1938. “Solfejo em ritmo de samba” (E. Frazão e Roberto Martins), Odete Amaral. 78 rpm, Victor, 1945. “Sou bom chefe de família” (J Batista e Joel de Almeida), Joel e Gaúcho. 78 rpm, Odeon, 1942. “Sou eu que dou as ordens” (Heitor dos Prazeres), Araci de Almeida. 78 rpm, Odeon, 1945. “Subi no morro” (João de Deus e Sebastião Figueiredo), Odete Amaral. 78 rpm, Odeon, 1943. “Té logo sinhá” (Assis Valente), Namorados da Lua. 78 rpm, RCA Victor, 1942. “Teleco-teco” (Marino Pinto e Murilo Caldas), Isaura Garcia. 78 rpm, Columbia, 1942. “Tem francesa no morro” (Assis Valente), Araci Cortes. 78 rpm, Victor, 1932. “Tenha pena de mim” (Babaú e Ciro de Souza), Aracy de Almeida. 78 rpm, Victor, 1937. “Terra boa” (Ataulfo Alves e Wilson Batista), Orlando Silva. 78 rpm, Victor, 1942. “Terra de sol” (Osvaldo Santiago e Peri Piraja), Alda Verona. 78 rpm, Odeon, 1930. “Terra do samba” (Cristóvão de Alencar e Silvio Pinto), Francisco Alves. 78 rpm, Odeon, 1941. “Trabalha” (Pedro Camargo e Roberto Roberti), Edmundo Silva. 78 rpm, Odeon, 1943. “Trabalho” (Felisberto Martins e Lupicínio Rodrigues), Ataulfo Alves. 78 rpm, Odeon, 1944. “Triste cuíca” (Hervé Cordovil e Noel Rosa), Araci Almeida. 78 rpm, Victor, 1935. 194


“Um samba em Piedade” (Ary Barroso), Sílvio Caldas. 78 rpm, Victor, 1931. “Vai trabalhar” (Ciro de Souza), Aracy de Almeida. 78 rpm, Victor, 1942. “Vão pro Scala de Milão” (Ary Barroso), Francisco Alves. 78 rpm, Odeon, 1937. “Venderam o morro” (Herivelto Martins), Trio de Ouro. 78 rpm, Odeon, 1945. “Vida no morro” (Hanibal Cruz), Odete Amaral. 78 rpm, Odeon, 1942. “Você e o samba” (Ari Monteiro e Peterpan), Emilinha Borba. 78 rpm, Continental, 1945. “Você nasceu pra ser granfina” (Laurindo de Almeida), Carmen Miranda. 78 rpm, Odeon, 1939. “Volta pra casa, Emília” (Antônio Almeida e J. Batista), Vassourinha. 78 rpm, Columbia, 1942. “Voltaste ao teu lar” (Heitor dos Prazeres), Sílvio Caldas. 78 rpm, Victor, 1933. “Voltei, Favela” (Augusto Garcez e Ciro de Souza), Carlos Galhardo. 78 rpm, Victor, 1940. “Voltei pro morro” (Luiz Peixoto e Vicente Paiva), Carmem Miranda. 78 rpm, Odeon, 1940. “Vou dá um jeito” (Heitor dos Prazeres), Murilo Caldas. 78 rpm, Victor, 1932. “Vou sambar em Madureira” (Haroldo Lobo e Milton de Oliveira), Jorge Veiga. 78 rpm, Continental, 1945. “Vou ver se posso” (Heitor dos Prazeres), Mário Reis. 78 rpm, Victor, 1934. “Vou voltar pra Mangueira” (Vicente), Simão. 78 rpm, Columbia, 1930. “Voz do morro” (Geraldo Pereira), Moreira da Silva. 78 rpm, Odeon, 1942.

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