DA CENSURA E DO UFANISMO À LIBERDADE CRIATIVA: O SAMBA-ENREDO NOS ANOS DE CHUMBO E NO ANTOLÓGICO 1985 Jackson Raymundo*1
“Samba, oh samba Tem a sua primazia Em gozar de felicidade Samba, meu samba Presta esta homenagem Aos heróis da liberdade” Silas de Oliveira, Mano Décio e Manoel Ferreira, “Heróis da Liberdade”
RESUMO: Uma das manifestações culturais mais arraigadas pelo país, os desfiles de escolas de samba não ficaram imunes à apetência propagandística dos governos ditatoriais, assim como à censura por eles estabelecida. Durante o regime militar, se, por um lado, algumas escolas de samba fariam sambas-enredo ufanistas, desconsiderando contradições sociais, enaltecendo as “glórias” e reiterando slogans governamentais, por outro lado canções defenderiam a “liberdade”, destacariam o protagonismo de negros e mulheres na história do Brasil, fariam a denúncia da escravidão e, burlando a censura, deixariam mensagens subliminares de crítica ao presente e esperança no futuro. A contenção temática - e também linguística - a que as escolas de samba se submeteram nos anos de ditadura geraria um momento de “libertação” geral (ou “a hora da gozada”, segundo o pesquisador Fábio Fabato): no carnaval de 1985, o ano que marca o fim do regime, as letras das escolas de samba vieram, em sua maioria, carregadas de crítica política e de versos plenos de hedonismo e afrouxamento moral (com esses elementos se misturando, às vezes). O objetivo da pesquisa, então, é analisar o samba-enredo, a canção dos desfiles de escolas de samba, no contexto dos Anos de Chumbo e no ano que marca o fim da ditadura e a abertura política. Por delimitação metodológica (acesso às letras e representatividade), o corpus da pesquisa se restringe aos sambas-enredo das escolas do Grupo Especial do Rio de Janeiro, nos carnavais de 1969 a 1974 e de 1985, totalizando 78 canções.
ABSTRACT: One of the most deeply rooted cultural expressions across the country, the parades of samba schools were not immune to the appetite advertising of dictatorial governments and censorship established by them. During the military regime, some schools would bloodproud samba-plot, disregarding social contradictions, extolling the "glories" and reiterating government slogans. Other songs defend the"freedom", would emphasize the role of blacks and women in the history of Brazil, would denunciation of slavery and outwitting the censorship, let subliminal critical messages to the present and hope for the future. The thematic and linguistic contention that the samba schools underwent in the years of dictatorship would generate a moment of "liberation" general (or the “time of cum”, according to researcher Fabio Fabato): the carnival of 1985, the year that marks the end of the regime, the lyrics of samba schools came laden with political critique and verses full of hedonism and moral loosening (blending with these elements sometimes). The purpose of this research, then, is to analyze the samba-plot, the song of parades of samba schools, in 1
Graduado em Letras/UFRGS. Mestrando em Letras/UFRGS, especialidade Literatura Brasileira.