Nós somos batutas: uma antropologia da trajetória do grupo musical carioca Os Oito Batutas e suas ar

Page 96

Durante minha estadia no Rio de Janeiro, pude acompanhar alguns eventos que celebravam a carreira de Villa-Lobos, com a abertura do Ciclo de Palestras por Anaïs Flechet, - historiadora francesa, autora de “Villa-Lobos à Paris – Un écho musical du Brésil” (Flechet, 2004) -, com o tema “Villa-Lobos e a vida musical parisiense na década de 1920”. A apresentação foi estimulante, tocando temas como o nacionalismo, o exotismo, a síntese musical e as estratégias de V-L para entrada na vida musical parisiense, mas fiquei pensando durante a palestra sobre o lugar da música popular na tal “vida musical” que tanto enfatizava Flechet. Como afirmou a palestrante, V-L, que teve como mecenas Arnaldo Guinle, soube se utilizar do imaginário europeu sobre o Brasil, elaborando através das idéias de “selvagem” e “exótico” um fecundo artifício de marketing. Neste sentido, movido pelo meu interesse de pesquisa é claro, acabei perguntando sobre alguma possível relação entre as sociabilidades construídas nas passagens dos Batutas em 1922 e a de Villa-Lobos em 1923 em Paris, contando de que este último, como afirmou Flechet, soube se utilizar do imaginário europeu sobre o Brasil em sua relação com o “selvagem” e “exótico”; além da relação com Guinle como mecenas das viagens. O que tive como resposta à minha enfadonha pergunta foi uma atitude veemente da palestrante – seguida de falas até mais veementes da platéia, composta de musicólogos e músicos eruditos – da separação dos mundos: de um lado os dancings e cabarés, correspondentes às manifestações populares, e de outro os salões e teatros, palcos das Artes (com A) e da aristocracia. O que me chama a atenção não é a divisão em si, mas a veemência de seu estatuto de verdade incontestável. Ora, dicotomias desta natureza têm intrinsecamente algo de arbitrário, mas mantê-las como indissolúveis chega a ser preocupante. O que pareceu estar préestabelecendo a resposta à minha pergunta era muito mais um conceito de Arte, com A, e seu correlato Música, com M, sendo uma visão culturalista, elitista e sem dúvida equivocada, responsável pela impossibilidade de pensar este mundo correspondente permeado por relações com outros. Para encerrar o assunto, Flechet me respondeu: “minhas fontes não dizem nada sobre estas relações”, se referindo a Batutas/Villa-Lobos em Paris. Fiquei pensando se ela por acaso chegou a perguntar algo neste sentido para as suas “fontes”!134 134

Menezes Bastos (2004, 2005) e Vianna (2008) já sugerem a importância das associações entre Villa-Lobos e artistas “eruditos” franceses (e outros) com os músicos populares. Estas

96


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.