Gostariamos de relembrar o modernista Oswald de Andrade que no Manifesto da Poesia Pau-Brasil de 1924 afirma que “o carnaval do Rio é o acontecimento religioso da raça” (Oswald de Andrade apud Telles 1978 p. 266), e quatro anos mais tarde afirmara no Manifesto Antropófago: “antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade” (Oswald de Andrade apud Telles 1978 p. 298). Como vimos, na marchinha, a invenção ou a descoberta se dá dois meses depois do carnaval. Segundo o enunciador folião da marchinha, o carnaval, com a sua inversão momentânea (circunscrita à semana que antecede a quaresma) da estrutura classista e estanque da sociedade brasileira, como nos lembra o sociólogo Roberto da Matta (1978) em Carnavais, malandros e heróis, é, anacronicamente, anterior a própria invenção/descobrimento da nação, já que é a partir dessa inversão que as diversas classes e povos que constituem o Brasil podem acontecer como povo brasileiro, como também afirma Oswald no Manifesto Poesia Pau-Brasil. É, a partir da inversão do carnaval, que na marchinha é anterior à conquista colonialista, que os brasileiros vislumbram a felicidade mítica dos nossos povos autóctones até o momento em que são surpreendidos pela dominação colonial portuguesa. Na segunda parte da marchinha, desenvolve-se o mote antecipado no refrão. Assim, a história da construção da identidade brasileira é narrada sob o ponto de vista irônico e bem humorado do enunciador-folião brasileiro. Do descobrimento ao carnaval, ponto de partida e de chegada da marchinha em questão, pode-se perceber o percurso do hibridismo na construção da identidade brasileira, que como nos lembra Homi K. Bhaba (1998. p. 166): “intervém no exercício da autoridade não meramente para indicar a impossibilidade de sua identidade, mas para representar a imprevisibilidade de sua presença”.
Depois Ceci amou Peri Peri beijou Ceci Ao som... Ao som do “Guarani” Do Guarani ao Guaraná Surgiu a feijoada E mais tarde o Parati
De Cabral à invenção do Brasil, a marchinha passa pelo esforço dos Românticos na construção da identidade brasileira, nos anos seguintes à Independência Brasileira, destacando a obra O Guarani de José de Alencar e a sua posterior transformação em opera empreendida pelo maestro Carlos Gomes. Dando prosseguimento à canção carnavalesca, Lamartine Babo,
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