"Será que já raiou a liberdade?": Abolição e negritude nas escolas de samba do Rio de Janeiro

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"Será que já raiou a liberdade?": Abolição e negritude nas escolas de samba do Rio de Janeiro Renata Bulcão Lassance Campos∗ O objetivo deste trabalho é discutir a imagem do negro no Carnaval das escolas de samba como uma construção – consciente ou não – que foi sendo alterada gradativamente, desde as primeiras décadas de desfiles até os dias atuais. Nesse sentido, propomos a análise de três momentos distintos: o primeiro refere-se à década de 1930, período de formação das escolas de samba e de definição de seus propósitos e sentidos. O segundo momento se aproxima dos anos de 1960, quando a figura do negro será resgatada de forma distinta, com destaque para os carnavais de Fernando Pamplona. Por fim vamos nos deter ao ano de 1988, comemoração do centenário da Abolição, para rastrear de que forma esse assunto foi tratado por algumas escolas. A década de 1920 foi um momento crucial para a história cultural brasileira: o modernismo e a negrofilia fazem com que os intelectuais brasileiros se voltem para suas próprias realidades, procurando resgatar as características próprias do país e construir uma identidade que se adequasse à população que aqui vivia, ao menos em termos de discurso. A valorização se volta para as expressões negras do Carnaval, na medida em que se tornam o grande diferencial do Brasil em relação à Europa, como podemos perceber no trecho retirado da crônica escrita por Berilo Neves no Diário de Notícias, em 4 de fevereiro de 1932: O Carnaval carioca não é uma farra anônima e sim, uma expressão do gênio da Raça e, como tal tem que continuar espontâneo e livre para que continue a existir. Cada povo tem uma certa festa ou manifestação de arte da qual respira e vive. (...) Tirem-nos essas manifestações de sentimento e ficaremos, talvez, completamente despersonalizados. Porque ou imitemos a França (na literatura sobretudo) ou copiemos os Estados Unidos (principalmente depois do cinema), o fato é que estamos sempre macaqueando alguém ou alguma coisa. Só o carnaval é privativamente nosso, irrevogavelmente nosso. (...) Ora, um povo que cria alguma coisa de próprio e inconfundível é um povo que tem grandes qualidades para vencer... (NEVES, 1932)

Graduada em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História Cultural da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e bolsista do Cnpq. ∗


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