PAULO DA PORTELA, UM HERÓI CIVILIZADOR Edson Farias (Prof. de Sociologia da UFBa e Doutorando em Ciências Sociais, IFCH-Unicamp) Rio de Janeiro/ Teu perfume, teu tempero/ É o azul do mar/ O teu olhar coral/ A água viva de sal espraida no teu corpo de luz/ Esse poder que Deus deu/ Quando o Rio se Lamenta/ Uma onda arrebenta sensual e traz de lá/ Sereia liberta da teia das redes para encantar/ E vem num cavalo-marinho sobre as águas reinar/ O brilho da veste de brisa no altar/ Iorubá de Iemanjá no mar/ Rio de Janeiro o poeta num veleiro veio te contar/ Que o carioca vê a mata atlântica inteira na palma de um coqueiro solar/ Esse é o povo que dança nas ruas/ E o turista que desce na pista do lugar/ Quer se tornar moreno/ Primo de Ogun, afilhado de Orixá/ Faz Jogo do Bicho na sombra leve de um flamboyant/ Em tardes azuis reza no Maracanã/ A oração do futebol e o gol é o Sol. (Guinga e Aldir Blanc - grifo meus)
INTRODUÇÃO: A presente comunicação toma a biografia de Paulo Benjamin de Oliveira, o Paulo da Portela, um dos nomes cujo pionerismo inscreve-se nas história e lenda do samba carioca, dentro do objetivo de compreender o significado pertinente às táticas e mesmo estratégias de distinção e individuação implementadas nas ações sociais de sujeitos estigmatizados etnicamente. Observa-se, sobretudo, as saídas criativas fulcradas no campo do entretenimento, orientando suas condutas por um sentido de especialização das atividades baseadas em habilidades culturais-artísticas, que viabilizaram mudanças no perfil da inserção no concerto societário, embora sua consciência prática comparticipasse dos limites estruturais da sociedade. Nascido quando a então capital do país era sacudida pela execução do projeto de “modernizá-la”, parte da reordenação sócio-política, cultural e econômica do país, Paulo integrou a população, sobretudo negro-mestiça, que teve de reconstituir-se material e simbolicamente enquanto grupo social nos subúrbios da cidade. Definiu-se aí um herói civilizador; esteve na vanguarda do processo que constituiu o sambista como artista popular e protagonista da imagem turística do Rio de Janeiro.
INDIVÍDUO, SOCIOLOGIA E BIOGRAFIA O objetivo expresso, porém, enfrenta de início uma dificuldade, a um só tempo, teórico-metodológica e epistemológica. Porque retoma inexoravelmente o problema em torno dos nexos, para falar como Giddens (1989:XVIII), da dualidade ontológica da teoria social, ou seja, a dualidade agente individual e coletividade nas ciências sociais - algo hoje manifesto nos esforços em guindar a teorização sociológica do abismo dicotômico que a grande maioria das escolas e correntes teóricas abriram entre ação e estrutura, durante o século vinte1. Mostra Elisa Reis que as concepções a respeito do homo sociologicus seja em Durkheim ou em Weber, clássicos da disciplina, estão perpassadas pela dualidade fundada sobremaneira na oposição ao homo economicus, vicejada no âmbito da teoria 1
Faço referência aos esforços de diversas abordagens da sociologia, como apresentam-se em contemporâneos trabalhos, a exemplo dos de Giddens, Alain Touraine, Habermas, Bourdieu, Skcpol, entre outros, cuja insatisfação com os modelos teóricos predominantes no pós-guerra, evolucionismo, estrutural-funcionalismo, interacionismo simbólico, etnometodologia e estruturalismo, além das correntes do marxismo, revela-se na tendência dos últimos em operar dicotomicamente privilegiando ou ação e ou estrutura.