FORMAÇÃO DE REDES NAS MÍDIAS SOCIAIS: PROCESSOS, RELAÇÕES E CAPITAL SOCIAL

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FORMAÇÃO DE REDES NAS MÍDIAS SOCIAIS: PROCESSOS, RELAÇÕES E CAPITAL SOCIAL Por Monica Franchi Carniello Resumo Uma das características do ambiente midiático contemporâneo é a possibilidade relacional viabilizada pelas mídias estruturadas em rede. Esse artigo tem como objetivo discutir o processo de formação de redes nas mídias digitais, de maneira a compreender como se articulam a sociabilidade e os processos de formação de capital social nesse contexto. Para tal, foi construída uma revisão de literatura pautada no conceito de redes, no ambiente midiático contemporâneo e na concepção de capital social. A pesquisa caracteriza-se como exploratória, com abordagem qualitativa e coleta de dados por meio de entrevistas, conduzidas com atores sociais atuantes em redes em ambiente on line. Verificou-se que um dos representativos elos de ligação da sociedade é a informação, uma vez que é o compartilhamento de informações que agrupa as redes nas mídias sociais, fomentando o capital social de ponte. Palavras-chave: comunicação digital; redes; capital social; mídias sociais.

Introdução A inovação tecnológica é uma característica marcante do século XX, que altera vários campos da atuação humana, dentre as quais as mídias. O processo de digitalização dos meios de comunicação, que viabilizou a reestruturação organizacional midiática para a forma de rede, ampliou o acesso dos usuários, gerou novas possibilidades de produção de conteúdo, difundiu as ferramentas de produção de conteúdo, rompeu com a hegemonia dos grandes grupos de mídia e, portanto potencializou em grande dimensão a comunicação humana. Ao ampliar os fluxos comunicativos, necessariamente promove a interação social e gera novas oportunidades de socialização que extrapolam os limites geográficos, configurando uma espacialidade interacional específica. Esse contexto, que se consolida na primeira década do século XXI, quando as especificidades do que se denomina cultura digital se delineiam com mais precisão, resulta em formas de interação e agrupamentos sociais específicos, bem como em diversas aplicações da comunicação digital por parte de indivíduos, instituições formais e não formais.


Os agrupamentos humanos se estruturam em redes sociais, compreendidas como “estruturas dinâmicas e complexas formadas por pessoas com valores e/ou objetivos em comum, interligadas de forma horizontal e predominantemente descentralizada” (SOUZA; QUANDT, 2008, p.34). Em ambiente midiático, as redes se tornam ainda mais evidentes como uma dimensão da sociedade contemporânea, e os fluxos de comunicação são elemento essencial dessa forma de organização humana. As perspectivas e abordagens sobre esse processo sociocomunicativo advém de áreas do conhecimento distintas, tais quais a Psicologia, Sociologia, Antropologia, oscilando entre posicionamentos que foram elencados com Heim (1999, p.31-45) como realistas ingênuos, idealistas e céticos. Independente do olhar analítico adotado, é fato que o tema é passível de estudo devido a presença ostensiva das mídias no cotidiano, permeando relações de trabalho, consumo e pessoais. Segundo Wolton, 2003, p.107), as novas tecnologias "estão em todos os lugares, no trabalho, no lazer, nos serviços, na educação..." O foco dessa pesquisa está nas relações manifestadas nas mídias sociais, que consistem nas mídias que em sua essência se constituem como colaborativas. “Refiro-me às mídias sociais como o conjunto de todos os tipos e formas de mídias colaborativas” (TORRES, 2009, p. 113). Mayfield (2007, s/p) afirma que "as mídias sociais constituem ferramentas com características Web 2.0, ou seja, possibilitam a elaboração, o intercâmbio e o compartilhamento de experiências, comentários, dentre outros, instituindo uma conectividade entre fonte e recepção" Se possuem a integração entre os usuários como premissa, viabilizam, portanto, relações sociais entre indivíduos, o que por sua vez possibilita a formação de redes sociais, compreendidas como agrupamentos de usuários com origens, finalidades e atuações distintas. Como a convergência das mídias implica a circulação e reconfiguração das mensagens entre as mídias, que operam em uma plataforma única, a digital, a distinção do conteúdo e usos torna-se mais sutil e difícil de identificar, em função da hibridização de sua finalidade. O objetivo desse artigo é discutir o processo de formação de redes nas mídias digitais, de maneira a compreender como se articulam a sociabilidade e os processos de comunicação nesse contexto e sua relação com formação de capital social. Para tal, faz-se necessário abordar os conceitos de redes sociais e sua tipologia; de mídias sociais; bem como de capital social, que se ambientam no contexto midiático contemporâneo. 1.

Referencial teórico 1.1.

Caracterização do contexto midiático contemporâneo


Para compreender as relações entre mídia e tecnologia, toma-se como referência conceitual a definição de Pross (1971), que estabeleceu uma categorização das mídias que permite a compreensão da evolução das mídias

e tecnologias de comunicação

desenvolvidas pelo homem. A proposição de Pross está na classificação das mídias em primária, secundária e terciária.

A mídia primária pode ser compreendida como o próprio corpo e suas

potencialidades físicas, sensoriais e cognitivas, já que, nessa instância, o processo de comunicação se dá sem o uso de quaisquer aparatos. O diálogo presencial é a melhor ilustração da mídia primária. Já na mídia secundária o emissor faz uso de aparatos para se comunicar, tais quais papel e caneta, por exemplo, e o emissor decodifica a mensagem sem a necessidade de qualquer aparato. Nessa fase a tecnologia já se faz presente no processo de comunicação, cuja mediação imprime maior grau de complexidade aos fluxos comunicacionais. Na chamada mídia terciária, ainda segundo Pross, emissor e receptor fazem uso de aparatos para a viabilização do processo de comunicação, o que contempla as mídias eletrônicas e digitais, todas pautadas em complexos aparelhos de codificação e decodificação. Ressalta-se que as três dimensões midiáticas coexistem na sociedade. Conforme tecnologias passaram a ser utilizadas com fins de ampliação dos fluxos de comunicação, novas possibilidades de interação se delineiam. Essas possibilidades de interação, bem como a própria concepção de interatividade, se refletem nas teorias da comunicação que foram formuladas a partir dos estudos midiáticos. Retomando uma das teorias da comunicação de massa pioneiras, datada do início do século XX, a Teoria Hipodérmica, definida como “um processo iniciado nos meios de comunicação, que atingem os indivíduos provocando determinados efeitos” (ARAÚJO, 2007, p.126) bem reflete uma primeira leitura que concebia os fluxos de comunicação como via de mão única, e as mídias como onipotentes. As características das mídias existentes na época conduziram a essa leitura das mídias, bem como o estado da arte dos conceitos e estudos sociológicos vigentes na época. Em tal concepção, obviamente superada, a presença de interatividade é mínima e talvez pouco percebida e discutida, uma vez que o conceito se forma de maneira mais consistente em um período posterior. Nas teorias que sucedem essa primeira abordagem da comunicação, especialmente da escola norte-americana, observa-se uma gradual ruptura com a concepção de um receptor passivo, o que abre uma porta para a reflexão sobre a interatividade das mídias. McLuhan (1974) permeia, de certo modo, a perspectiva de interatividade ao categorizar os meios de comunicação em meios quentes e meios frios. Segundo o autor, o


meio quente prolonga um único de nossos sentidos, com uma alta saturação de dados (por ele denominado de “alta definição”) como é o caso da fotografia e do rádio, que não deixam muita coisa a ser complementada ou preenchida pelo receptor da mensagem. Verifica-se, portanto, a identificação de baixa interatividade. Já os meios frios, segundo McLuhan (1974), proporcionam mais envolvimento, com maior profundidade e expressão integral, dentre os quais estão o telefone e a fala. Verifica-se um maior nível de interatividade nos meios frios. Para o autor, os meios quentes excluem e os meios frios incluem. Tal concepção reflete um contexto midiático pautado prioritariamente nas mídias eletrônicas e impressas, que consolidaram a comunicação de massa, que se reconfigura com o advento das mídias digitais estruturadas em rede. “Os meios de comunicação de massa constituem apenas uma pequena parte de uma indústria da informação que é cada vez mais dependente das ferramentas de distribuição da Internet para entregar seus produtos” (DIZARD JUNIOR, 1998, p.25). A concepção da comunicação de massa implica na baixa interação entre emissor e receptor e entre receptor e mensagem, premissas da interatividade. No contexto contemporâneo da comunicação emissor e receptor não existem mais isoladamente, emergindo a figura do emissor-receptor. Apesar da superação da categorização de McLuhan (1974) em meios quentes e meios frios, o autor nos deixa uma perspectiva para nortear a atualização do seu pensamento no novo cenário midiático, ao afirmar que "os efeitos da tecnologia comunicativa não ocorrem aos níveis das opiniões e dos conceitos: eles se manifestam nas relações entre os sentidos e nas estruturas da percepção"(Mc LUHAN, 1971, p.52). A convergência das mídias resultou em uma unidade de plataforma, a linguagem digital, porém gerou também uma multiplicidade de aparelhos, todos compatíveis com uma metamídia: o computador. As mídias adquiriram a possibilidade da emulação, ou seja, de incorporação de uma a outra, apropriando-se de suas funções e possibilidades. A tecnologia trouxe também o chamado « tempo zero da comunicação », aproximando o processo de comunicação mediado por máquinas ao tempo real. Com o rompimento das fronteiras do tempo e do espaço, tudo passa a ficar exposto. Uma das diferenças entre as chamadas novas mídias em relação às mídias tradicionais, conforme destaca Manovich (2001), é a representação numérica, ou seja, todas as informações das mídias digitais podem ser colocados em termos matemáticos, podem ser manipulados e programáveis. A representação digital faz com que toda imagem seja inerentemente mutável, criando signos eternamente modificáveis. Se as mídias analógicas foram necessárias para o funcionamento de uma sociedade de massa, que consagrou a emergência e consolidação da atividade publicitária, a maleabilidade das


mídias digitais vai proporcionar exatamente a possibilidade de interferência da mensagem (manipulação) por parte dos usuários A modularização ou estrutura fractal das mídias também é uma característica específica das mídias digitais. As combinações dos “módulos” podem se dar de infinitas formas, como é o caso do conteúdo da world wide web. Essa possibilidade combinatória reformula o olhar do espectador, que desenvolve novos processos cognitivos de leitura baseados na não-linearidade da informação. Outro ponto característico das mídias digitais, ainda conforme Manovich (2001), é a questão da automação. Nas novas mídias, várias operações de criação, manipulação e acesso são desempenhados pelas máquinas e softwares, o que elimina, pelo menos em parte, o processo criativo, ou o desloca para outras fases do processo. Miconi (2008, p.146) observa que vivemos uma fase prolongada de transição, "na qual as velhas e as novas formas de comunicação se entrelaçam e se sobrepõem num duplo movimento de adequação das mídias generalistas e alguns tipos de inovações [...] e de enquadramento de algumas estruturas tradicionais de sentido nas novas plataformas [...]." É fato que as mídias digitais proporcionaram leituras distintas do mundo. "The interface shapes how the computer users conceives of the computer itself. [...] By organizing computer data in particulars ways, the interface provides distinct models of the world". (MANOVICH, 2000, p.64-65) É nesse contexto, marcado pela co-produção de conteúdo, viabilizado pela interatividade, que se ambientam as chamadas comunidades virtuais, grupos que se relacionam por meio das mídias sociais, constituindo redes sociais. "A Internet permite conversas entre seres humanos que eram simplesmente impossíveis em uma era de comunicação de massas" (LEVINE et al., 2000, p.12). Tais possibilidades relacionais modificam a formação e os processos sociais. Segundo Di Felice (2008, p.20) o elemento midiático e os aspectos tecnológicos sempre modificaram a vida pública, transformando o "acesso ao debate e à participação em um fato técnico-comunicativo". Esse contexto remodela a sociedade contemporânea, que passa a se configurar como uma "sociedade em rede"(CASTELLS, 1996).

1.2.

A perspectiva da sociedade em rede

As redes se configuram como uma nova forma de organização das atividades humanas,

potencializadas

e

evidenciadas

pelos

sistemas

de

comunicação


contemporâneos. Castells (1996) compreende esse fenômeno como uma nova estrutura social, que fundamenta o que ele designou de "sociedade em rede". É possível identificar alguns dos principais efeitos da sociedade em rede, entre eles o processo de individualização das mídias, o que Miconi (2008) nomeou como personal media, que se refere à "customização" do conteúdo midiático à escala individual. Outro efeito é a emergência de novas formas de agregação social, foco de estudo dessa pesquisa, viabilizado pela estrutura de comunicação em rede. Ao compreender a sociedade contemporânea com uma organização na qual a rede é a estrutura principal, Castells (1996) visualiza a Internet como viabilizadora de uma configuração social, superando a leitura simplista de resumi-la em um sistema fractal. Importante ressaltar que o conceito de rede extrapola os limites da mídia, e sim se aplica à estrutura social como um todo, evitando uma leitura determinista de que a mídia define a organização sociedade, negligenciando as outras variáveis que incidem sobre a dinâmica social. As redes constituem uma proposta democrática de realização do trabalho coletivo e de circulação do fluxo de informações, elementos essenciais para o processo cotidiano de transformação. [...] Uma estrutura em rede – que é uma alternativa a estrutura piramidal – correspondente também ao que seu próprio nome indica: seus integrantes se ligam horizontalmente a todos os demais, diretamente ou através dos que os cercam (WHITAKER, 2007, p. 4).

Segundo Duarte, Quandt e Souza (2008, p.14), "[...] grande parte das estruturas cognitivas, infra-estruturais e sociais, em um futuro próximo, funcionará sob a forma de redes, ou estarão sob sua influência direta". Tal configuração social impacta nos valores e estruturas organizacionais existentes até então. Conforme Rifkin (2000, p.11), "essa nova era vê as redes tomarem o lugar dos mercados e a noção de espaço substituir a de propriedade" [tradução da autora]. Torna-se necessário compreender como são articuladas as redes. Rheingold (2002) destaca características da organização das pessoas na era digital: - ausência de um controle centralizador imposto; - autônoma natureza das subunidades; - alta conectividade entre as subunidades, e - casualidade não-linear de iguais influenciando iguais. [tradução nossa] Castells (1996, p.191), responsável por cunhar e disseminar o termo "sociedade em rede"em ambiente acadêmico, identifica cinco tipos de redes, sob a perspectiva da nova economia: redes de fornecedores; redes de produtores; redes de clientes; redes de alianças; redes de cooperação tecnológica.


O conceito de rede pode ser identificado em sistemas estruturais de seres vivos, bem como ser transposta para o campo social, enfoque desse estudo. Capra (2008, p.22) afirma que “redes sociais são, acima de tudo, redes de comunicação que envolvem linguagem simbólica, restrições culturais, relações de poder etc.”. Ora, se são sistemas de comunicação, com o advento das mídias digitais, as redes sociais foram potencializadas. O autor destaca ainda que “os sistemas sociais trocam informações e ideias em redes de comunicação”. Para ele, as redes sociais fundamentam-se no reino do sentido. E fortalecida, assim, a relação das redes sociais com a comunicação, expressa na emergência das mídias sociais. Portanto, a emergência das redes afeta estruturalmente a sociedade, no campo cognitivo e organizacional. Nesse trabalho, ressalta-se a distinção entre redes sociais e mídias sociais, partindo da premissa de que as redes sociais existem também em ambiente off line. "Redes sociais são estruturas dinâmicas e complexas formadas por pessoas com valores e/ou objetivos em comum, interligadas de forma horizontal e predominantemente descentralizada" (SOUZA e QUANDT, 2008, p.34). As mídias sociais são elementos potencializadores de formação de redes sociais. Souza e Quandt (2008, p. 35) destacam algumas características gerais das redes sociais, com ênfase nas que se formam e/ ou atuam por meio das mídias sociais: - redes sociais podem assumir diferentes formatos e níveis de formalidade no decorrer do tempo. - redes sociais podem surgir em torno de objetivos diversos: políticos, econômicos, culturais, informacionais, entre outros. - redes sociais informais são baseadas em alto fluxo de comunicação e inexistência de contratos formais reguladores do resultado das interações.

É fato que , "com as novas tecnologias de informação e comunicação, as redes se tornaram um dos fenômenos sociais mais proeminentes de nossa era" (CAPRA, 2008, p.18). Tal contexto amplia as possibilidades de formação e interação das redes sociais, uma vez que a possibilidade de comunicação é elemento essencial para que os elementos que compõem a rede compartilhem significados, o que evidencia a dimensão simbólica das redes sociais.

1.3.

Processo relacional em ambiente midiático: redes e mídias sociais

Uma abordagem simplista das mídias sociais, permeada pelo senso comum, seria a atribuição às mídias a todo o processo social vivenciado na contemporaneidade.


Consiste em um erro analítico isolar o objeto de seu contexto, o que resulta em um recorte excessivo da pesquisa. É fato que as mídias estão presentes de forma intensa na sociedade atual, no entanto é relevante ressaltar que "não devemos cair no equívoco de julgar que as transformações culturais são devidas apenas ao advento de novas tecnologias e novos meios de comunicação e cultura" (Santaella, 2003, p.24). Bourdieu (2007) confirma tal posicionamento: Contra todas as formas do erro 'interaccionista' o qual consiste em reduzir as relações de força a relações de comunicação, não basta notar que as relações de comunicação são, de modo inseparável, sempre relações de poder que dependem, na forma e no conteúdo, do poder material ou simbólico acumulado pelos agentes (ou pelas instituições) envolvidos nessas relações [...] (BOURDIEU, 2007, p.11)

Portanto, para compreender a formação de grupos e as relações sociais em ambiente midiático, torna-se necessária a consideração da articulação desses grupos em outros espaços relacionais, independente desses espaços existirem em ambiente on ou off line. Não se trata da negação de que as mídias sociais tem um papel determinante nas relações sociais contemporâneo, mas sim de evitar a consideração isolada do espaço relacional das mídias sociais. Santaella (2008, p.21) denomina esses espaços de espaços intersticiais, uma vez que " eles têm a tendência de dissolver as fronteiras rígidas entre o físico, de um lado, e o virtual, de outro, criando um espaço próprio que não pertence nem propriamente a um, nem ao outro". Ressalta-se que "sem que os espaços físicos e os espaços digitais anteriores deixem de existir, cria-se, na verdade, um terceiro tipo de espaço, inteiramente novo [...]" (SANTAELLA, 2008, p.22). Tal afirmação reforça a importância dos espaços sociais previamente existentes ao surgimento das mídias sociais como elementos que constituem e influenciam diretamente a formação de grupos em ambiente midiático. Já Planells (2002) decompõe o conceito de ciberespaço, ao destacar a sua imaterialidade física e sua condição de espaço praticado. Para o autor, "este espacio (social) del que nos ocupamos se caracteriza por existir en una dimensión que no tiene existencia material, física" (PLANELLS, 2002, p.237). Em relação ao espaço praticado, o autor destaca o caráter eminentemente social do ciberespaço. "La referencia a un (ciber)espacio praticado nos pone sobre la pista de una cualidad ontológica determinante del ciberespacio en general: su paticularidad eminentemente social" (PLANELLS, 2002, p.240). A esse espaço Castells (1999) atribui o nome de "espaço dos fluxos", no qual as relações interculturais, economicas e sociais ocorrem em tempo real. "O espaço de fluxos é


a organização material das práticas sociais de tempo compartilhado que funcionam por meio de fluxos" (CASTELLS, 1999, p.436) Para compreender o lugar das mídias sociais nas relações sociais, Ferreira (2008) propõe o conceito de midiatização, resultante da relação entre dispositivos, processos sociais e processos de comunicação. Enfatiza a relação de influência bilateral entre esses elementos, reforçando a interconexão entre as variáveis. Os dispositivos são configurados conforme determinados processos sociais, mas também são por ele configurados; que os dispositivos afetam os processos de comunicação, assim como são delineados por esses; e que os processos de comunicação e a produção social estão em relação, inclusive no que se refere às práticas sociais estruturadas e às distribuições das condições de existência individuais e institucionais (FERREIRA, 2008, p. 2-3).

A partir dessas reflexões, torna-se possível entender que no ambiente das mídias digitais podem ser formadas redes sociais, mas que estas não dependem exclusivamente das mídias para serem viabilizadas. "Rede social é gente, é interação, é troca social. É um grupo de pessoas, compreendida através de uma metáfora de estrutura, a estrutura da rede social" (RECUERO, 2009, p.29). Com o advento das mídias sociais, as redes existem, dialogam, atuam também em ambiente on line, que se constitui como uma outra espacialidade relacional. Lemos (2008) a nomeia de espaço informacional, que consiste em múltiplas camadas de conexão entre o físico e o virtual. É fato que as relações e práticas sociais ocorrem em simultaneidade em espaços físicos e virtuais. Retomando Planells (2002, p.241), Este ciberespacio como espacio praticado se caracteriza por la maleabilidad de los contenidos sociales y por la flexibilidad de los vínculos sociales. Esto se ve posibilitado, a su vez, por la no materialidad física, que permite un tráfico de sociabilidades y juegos identitarios fluido, líquido, liberado de muchas de las barreras físicas que la distancia o el cuerpo han impuesto, tradicionalmente, sobre la sociabilidad humana.

Tal contexto incita a reflexão sobre o tipo de relações, ou laços, que são estabelecidos nesses ambientes informacionais. Wolton (2003, p.103) se posiciona ao afirmar que "estimulam-se indivíduos organizacionais ‘sem rosto’ (ou seria outro rosto?), a virtualização das relações e dos diálogos. É a “era das solidões interativas” segundo que Wolton". Tal concepção homogeniza as relações possíveis via mídias digitais. Defendo a ideia de que há uma variedade de relações que podem ocorrem no espaço informacional, que depende , entre outros fatores, de como essa relação se articula também fora do espaço virtual. Daí o intento desse artigo, que propõe uma discussão sobre a relação social nas mídias sociais e a formação de capital social, de maneira a permitir uma leitura metodológica que abranja a gama relacional que ocorre em ambiente on line.


A partir da instauração de um fluxo permanente de comunicação midiática e do desdobramento de múltiplas conexões entre usuários, instituições e sistemas, entre suportes de interfaces dinâmicas, há formas de relacionamento surgindo e sendo estabelecidas no âmbito de uma nova cultura midiática. (NICOLAU, 2008, p.2)

As mídias sociais são mais do que facilitadoras nas relações sociais, uma vez que essas relações trazem mudanças significativas nas próprias relações. A própria possibilidade de criar e compartilhar mensagens com velocidade altera os discursos dos grupos. "Social media has exploded as a category of online discourse where people create content, share it, bookmark it and network at a prodigious rate" (ASUR;. HUBERMAN, 2010, s/p). Para compreender como se articulam as relações sociais nas mídias sociais, faz-se necessário compreender os elementos que as caracterizam. Segundo Recuero (2009), as redes sociais se compõem de dois elementos, os atores sociais, denominados "nós", e suas conexões, que são os laços sociais e interações (RECUERO, 2009). Tais redes sociais podem se constituir tanto fora quanto no espaço das mídias sociais que, conforme já abordado, geram uma terceira dimensão. Uma das conseqüências do advento das mídias sociais é a exposição, a visibilidade que os grupos adquirem, acrescido da mobilidade, uma vez que é possível fazer parte de redes independente da localização geográfica. Santaella (2007) afirma que a internet minimizou, progressivamente, os obstáculos materiais que dificultavam a troca de informações, o que provocou uma transmutação da percepção do tempo e espaço e da concepção dos modos de viver e de se relacionar. As plataformas nas quais operam as mídias digitais em geral permitem: construir um perfil público ou semi-público em um sistema interligado, articular uma lista de outros usuários com os quais eles compartilham uma conexão, e ver e cruzar suas listas de conexões e aquelas feitas por outros no sistema (BOYD & ELLISON, 2007, s/p).

Tais relações possuem níveis distintos de força e constituição. Marques (1999, p.46) afirma que “a análise de redes nos permite identificar detalhadamente os padrões de relacionamento entre atores em uma determinada situação social, assim como as suas mudanças no tempo”. O autor afirma ainda que as redes são estruturadas por “vínculos entre indivíduos, grupos e organizações construídos ao longo do tempo. Esses vínculos têm diversas naturezas, e podem ter sido construídos intencionalmente, embora a sua maioria tenha origem em relações herdadas de outros contextos” (MARQUES, 1999, p.46). Recuero (2009) propõe os conceitos de laço, interação e relação social como elementos das redes sociais. Segundo Wasserman e Faust apud Recuero (2009), laço é aquilo que estabelece ligação entre dois atores. A autora explicita ainda que "Um laço é composto por relações sociais, que por sua vez, são constituídas por interações sociais.


Uma interação social é aquela ação que tem um reflexo comunicativo entre o indivíduo e seus pares" (RECUERO, 2009, p.1-2). Elias (1994), ao propor um conceito de sociedade que superasse a ideia de conjunto de indivíduos, se apoia na ideia de rede. É a essa rede de funções que as pessoas desempenham umas em relação a outras, a ela e nada mais, que chamamos 'sociedade'. Ela representa um tipo especial de esfera. Suas estruturas são o que denominamos 'estruturas sociais'. E, ao falarmos em 'leis sociais' ou 'regularidades sociais', não nos referimos a outra coisa senão a isso: às leis autônomas das relações entre as pessoas individualmente consideradas. (ELIAS, 1994, p.23)

Essas relações, no caso das redes sociais digitais, são parcialmente definidas pela mídia social, que possui regras e ferramentas que regulam o processo. Para compreender as redes, assim como para compreender a sociedade, é preciso pensar na estrutura do todo para compreender as partes individuais. "[...] é necessário desistir de pensar em termos de substâncias isoladas únicas e começar a pensar em termos de relações e funções" (ELIAS, 1994, p.25). Nesse aspecto, Castells (1999) foi assertivo ao propor uma leitura da sociedade a partir de sua estruturação em rede. Pelas abordagens apresentadas, infere-se que as constituições relacionais das redes são múltiplas. Essa ideia é reforçada por Marques (1999, p.46) ao afirmar que "o pressuposto central da análise de redes sociais [...] é o de que o social é estruturado por inúmeras dessas redes de relacionamento pessoal e organizacional de diversas naturezas". Transpõe-se essa perspectiva para as redes atuantes nas mídias sociais. Bauman (2003, p.17) não usa o termo redes, mas apresenta uma perspectiva de agrupamento a partir do conceito de comunidade, por ele definida como "entendimento compartilhado do tipo natural e tácito". Tal entendimento é o que ocorre, de forma natural, nas redes sociais em ambiente midiático que se formam espontaneamente. Não se aplica a redes criadas intencionalmente, com finalidade mercadológica ou institucional, mas sim às redes que se formam a partir de interesses comuns de indivíduos. Para compreender a variedade de possíveis agrupamentos nas redes sociais digitais, partindo da premissa da variação relacional, faz-se necessário estabelecer parâmetros para definir a origem, tipologia e objetivos dos grupos, tema abordado a seguir. Carniello (2012) propõe uma parametrização dos grupos que atuam no espaço interacional das mídias sociais. Tal sistematização é uma concepção metodológica que visa fornecer subsídio para os estudos da área, bem como organizar o conhecimento já produzido sobre o assunto. Para tal, foram usados conceitos e parâmetros já propostos por autores, bem como sugeridas novas proposições.


Conforme Carniello (2012), a parametrização proposta contempla as seguintes dimensões das redes que atuam nas mídias sociais: - quanto ao objetivo: refere-se à intencionalidade do grupo, a finalidade com a qual foi criado, independente da gênese ser decorrente de relações sociais anteriores ou terem se iniciado no espaço das mídias sociais. Propõe-se categorizar as redes em comerciais, institucionais, pessoais e temáticas. As comerciais referem-se a empresas que fazem uso das mídias sociais para divulgação de ofertas, buscando conquistar clientes e efetivar ações de venda, caracterizando a finalidade mercadológica. As institucionais também se referem a redes formadas por empresas/ organizações, mas que buscam apresentar a estrutura da empresa com o intuito de promover uma imagem institucional e/ou mesmo dialogar com seus públicos, sem a finalidade comercial imediata. A terceira categoria refere-se a redes formadas por pessoas físicas e, por fim, identificam-se os grupos de base temática, cuja formação se deu por um interesse comum a algum assunto, como, por exemplo, uma rede de pessoas que apreciam o cinema nacional. As redes sociais “são comumente produzidas cm um propósito, seguindo determinado design, e incorporam determinado sentido (CAPRA, 2008, p.23), o que se relaciona diretamente com o objetivo da rede. - quanto ao fluxo de comunicação: refere-se ao uso dos recursos de comunicação das mídias sociais, partindo da premissa da potencialidade colaborativa desses meios. Capra (2008) define as redes sociais como redes de comunicação, evidenciando sua dimensão simbólica. Para propor tal categorização, parte-se da ideia de Galindo (2002), que distingue reatividade de interatividade. Para o autor, interatividade implica em uma bidirecionalidade, o que significa que ser interativo é ser imprevisível, ou seja, ter comunicação de mão dupla com a ativa participação dos atores. Adaptando essa ideia, propõe-se a categorização dos fluxos de comunicação em um grupo que atua nas mídias sociais como reativos, participativos e colaborativos. O fluxo reativo indicaria as respostas de membros do grupo a partir de um estímulo de outro membro do grupo, tal qual uma pergunta ou a solicitação de uma tarefa. O fluxo participativo seria a manifestação voluntária dos membros do grupo ao emitir mensagens, sem a necessidade de um estímulo de outro ator/ liderança do grupo. Já o fluxo colaborativo seria o uso da potencialidade máxima das ferramentas das mídias sociais que resultariam em uma concepção de um discurso coletivo, no qual um ator pode complementar e interferir diretamente na mensagem do outro, tal qual a construção de um texto literário coletivo. - quanto aos laços sociais: segundo Granovetter apud Recuero (2009), os laços sociais podem ser categorizados em fortes e fracos. Laços fortes são aqueles que se caracterizam pela intimidade, pela proximidade e


pela intencionalidade em criar e manter uma conexão entre duas pessoas. Os laços fracos, por outro lado, caracterizam- se por relações esparsas, que não traduzem proximidade e intimidade (RECUERO, 2009, p.2).

- quanto à tipologia dos vínculos: cabe nesse item verificar se os elos são formais ou informais. Para ilustrar um vínculo informal, cita-se o exemplo de um grupo de amigos. “As estruturas informais são redes de comunicação fluídas e flutuantes” CAPRA, 2008, p. 26). Um vínculo formal pode ser expressa por um grupo de profissionais que formam uma rede para discutir um projeto em construção. - quanto à institucionalização: nesse aspecto, é observado se o grupo é institucionalizado, o que caracteriza a posição do grupo na sociedade. Um grupo de condôminos organizado pelo síndico que discute as questões relativas ao condomínio é um grupo institucionalizado, uma vez que o condomínio existe formalmente, possui estatuto com regras de conduta e normas e é reconhecido legalmente pelo município. Já um grupo de amigos não é institucionalizado. - quanto à temporalidade: identifica de o grupo/ rede é efêmera, criada a partir de um tema por acontecimento pontual, ou se é duradouro, pautado em relações que perduram; - quanto à constituição: considera a gênese da rede, ao verificar se esta se deu no espaço das mídias sociais ou se é decorrente de uma história social anterior e que passou a atuar também no espaço das mídias sociais, ganhando visibilidade e novas possibilidades relacionais entre os atores. - quanto aos atores no grupo: identificação dos papeis desempenhados pelos atores, suas inter-relações on e off line e a estrutura hierárquica das relações on e off line, que pode ser centralizada ou descentralizada. Atores são considerados mais centrais quando apresentam uma quantidade maior de relacionamentos com um número maior de atores da rede, ou desempenham um papel social caracterizado por alta conectividade com outros atores, ou estão em posição hierárquica superior, ou apresentam maior amplitude de abrangência nos seus elos ou, ainda, apresentam alta conectividade com atores chave na conexão entre subgrupos da rede. Se todos os membros do grupo possuem graus semelhantes de conectividade, a rede é predominantemente descentralizada. (SOUZA; QUANDT, 2008, p. 34-35)

O Quadro 1 sistematiza a parametrização proposta para as redes sociais que atuam em ambiente midiático. Quadro 1 - Parametrização das redes sociais em ambiente midiático Dimensões quanto ao objetivo

Categorias Comerciais


Institucionais Pessoais Temáticas quanto ao fluxo de comunicação

Reativos Participativos Colaborativos

quanto aos laços sociais

Fortes Fracos

quanto à tipologia dos vínculos

Formal Informal

quanto à institucionalização

Institucionalizados Não institucionalizados

quanto à temporalidade

Efêmeros Duradouros

quanto à constituição

Relacionados à uma história social anterior

quanto aos atores

Possuem relacionamento off line

Formados/ oriundos em ambiente on line Possuem relacionamento apenas on line Possuem relacionamento on e off line Estrutura hierárquica do grupo em ambiente off line Estrutura hierárquica do grupo em ambiente on line

Fonte: Carniello (2012, p.8).

A partir da compreensão da variedade relacional que as redes sociais podem assumir em ambiente on line, retoma-se o objetivo do artigo que consiste na discussão sobre a relação entre redes nas mídias sociais e formação de capital social. Para tal, tornase necessária a conceituação de capital social.

1.4.

Redes e formação de capital social

As relações sociais desencadeadas pelo sistema midiático em rede geram agrupamentos que podem resultar em constructos sociais representativos. A questão gira em torno do tipo de relação que quais resultados sociais tais agrupamentos podem gerar. Para fundamentar teoricamente essa discussão, tomaremos por base o conceito de capital social. Tal termo ganhou maior visibilidade em âmbito acadêmico a partir da década de 1980, quando Pierre Bourdieu (1980) lança o conceito de capital social, definido-o como um ativo individual, que resulta na possibilidade do alcance de objetivos que, individualmente, seriam difíceis ou impossíveis de atingir. As bases conceituais do capital


social haviam sido lançadas anteriormente, em especial nos estudos de Tocqueville que, apesar de não usar o termo propriamente dito, conduziu estudos em meados do século XIX, nos Estados Unidos, sobre relações sociais, enfatizando a busca de objetivos comuns por grupos das comunidades, os mecanismos usados e os resultados alcançados” (MELIM, 2007, p. 51). O termo, ainda que mencionado na obra de Jane Jacobs (1961) e outros autores, ganha visibilidade especialmente no final do século XX. A partir da década de 1990, o Banco Mundial incorpora o conceito de capital social, equiparando-os em termos de importância aos outros tipos de capital que incidem sobre projetos de desenvolvimento de uma sociedade, sendo eles o capital natural, o capital financeiro e o capital humano. D´Araújo (2010, p.10) define capital social como “a capacidade de uma sociedade de estabelecer laços de confiança interpessoal e redes de cooperação com vistas à produção de bens coletivos.” Ora, a comunicação é o processo viabilizador para estabelecimento de relações sociais, que podem resultar em laços de confiança. Se as formas de comunicação foram potencializadas, infere-se que o espaço para as relações sociais também foi ampliado. É nessa espacialidade que se formam vínculos sociais, que podem assumir formatos distintos e níveis de formalidade diversos no decorrer do tempo. É a intensidade dos vínculos que fomenta a formação de capital social. Compreende-se por capital social como um conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à participação em uma rede durável de relações de reconhecimento mútuo (BOURDIEU, 1980). O acúmulo de capital social que uma pessoa dispõe depende do alcance da rede de relações que constrói. Coleman (1988 apud MELIM, 2007) afirma que há relação entre a formação do capital social e o tipo de estrutura social que une os grupos. Essa variabilidade das relações sociais, que se reproduz no espaço midiático, fundamenta a problemática desse artigo, pautada na seguinte questão: como se estabelece a relação entre redes nas mídias sociais e formação de capital social? Que tipo de capital social é formado nas redes em ambiente midiático? Segundo Moraes (2003) o capital social compõe-se das relações sociais institucionalizadas, que são resultantes de práticas culturalmente incorporadas em determinada sociedade, que de alguma maneira cooperam para aumentar a força da sociedade. Já Bourdieu (1980) define o capital social como uma força agregadora dos recursos, reais ou potenciais, que tornavam possível o sentimento de pertencimento às determinadas instituições ou grupos. Tais agrupamentos, pautados na cooperação e


confiança, permitem que os grupos atinjam objetivos que, individualmente, seriam impossíveis ou muito difíceis de se atingir. Rosas e Cândido (2008, p. 74-75) definem capital social como "sendo aquele relacionado às diversas formas, condições e possibilidades de interação, parceria e cooperação entre as instituições, entre as pessoas, e entre as instituições e as pessoas, a partir de práticas de reciprocidade e relações de confiança entre eles". Para Matos (2009, p. 35) o capital social é visto como componente da ação coletiva, ativando as redes sociais. Ele representa um conjunto de elementos com os quais uma classe social garante sua reprodução, incluindo o capital econômico, o capital cultural [...], o capital simbólico [...]. O conjnto desses tipos de capital circula em redes sociais e possui características que justificam a adoção do termo capital: passibilidade de acumulação (capital mobilizável), convertibilidade (capital humano transformado em capital social) e reciprocidade (indicadores de confiança).

Para Coleman apud Matos (2009, p.36), há três características constituintes do capital social: as expectativas e obrigações que fundamentam a confiança entre os membros da rede; a estrutura social para gerar os fluxos de informação, e as normas que regem o processo. No caso das mídias sociais, a circulação de informações torna-se intensa e favorável para a formação de capital social. As normas, no entanto, são redigas e limitadas às possibilidades tecnológicas das mídias sociais e a confiança dependerá de variáveis de constituição do grupo. Portanto, o espaço das mídias sociais é favorável , mas não mandatório, na formação de capital social. O Banco Mundial, na década de 1990, corroborou com conceito de capital social, relacionando-o às instituições, relações e normas sociais que dão qualidade às relações interpessoais em uma sociedade. O capital social pode ser categorizado a partir de três dimensões de capital social: - bonding social capital (capital social de ligação), que deriva de ligações entre pessoas com características sociodemográficas semelhantes, como família, vizinhos, amigos (PUTNAN, 2000); - bridging social capital (capital social de ponte), que se forma a partir de agrupamentos de pessoas de origens étnicas ou profissionais distintas (PUTNAN, 2000); - linking social capital (capital social de conexão) composto pela interrelação entre pessoas de classes sociais menos favorecidas e indivíduos que têm posições de autoridade, como partidos políticos, bancos, e enfim, agrupamentos que se configuram como diferenciais de poder para aqueles que o possuem (WOOLCOCK; NARAYAN, 1999).


Uphoff (2000) propõe outra nomenclatura para o capital social, categorizando-o em estrutural e cognitivo. O capital social estrutural relaciona-se com os formatos de organização social existentes na sociedade, formais ou informais, que se constituem como instrumentos de desenvolvimento das comunidades, normalizando as relações sociais, definindo papeis e regras de maneira a viabilizar o comportamento cooperativo. Já o capital social cognitivo é resultado de processos mentais fortalecidos pela cultura e ideologia de um grupo, por normas sociais, valores, atitudes e crenças, que por sua vez também colaboram para uma conduta cooperativa. Confiança, solidariedade e reciprocidade são valores comuns para o estabelecimento das relações sociais que, se partilhadas entre os membros do grupo, promovem as condições para que os indivíduos trabalhem em prol do bem comum (UPHOFF, 2000). Tais concepções servirão de parâmetro para compreender o tipo predominante de capital social gerado pelas redes das mídias digitais, um dos objetivos específicos deste trabalho que permitirá estabelecer a relação entre mídias sociais e capital social. A relação entre mídias sociais e capital social é assunto passível de estudo, que despertou interesse de pesquisadores mas que ainda suscita discussão. Uma hipótese sobre essa relação é levantada por Matos (2009, p. 140), ao afirmar que a internet suplementaria e ampliaria o capital social ao se adicionar à configuração existente de comunicação e mídia, para facilitar as relações sociais correntes e os movimentos seguidos de engajamento cívico e socialização.

Recuero (2005) afirma que a comunicação mediada por computador aumenta a conexão entre as pessoas, aumentando assim o senso de comunidade. No entanto, a mera existência do canal de comunicação em rede não é suficiente para garantir a constituição de laços fortes de relação, nem a sedimentação de capital social nesse ambiente. Defendo que, para compreender a relação entre capital social e mídias sociais, é preciso ampliar o conceito de capital social para além das relações pessoais físicas/ presenciais. De fato, se nos atermos ao conceito tal qual compreendido atualmente, as mídias sociais tem seus limites na formação de capital social, visto que elas possibilitam a intensa troca de informações, o que não necessariamente resultará no acúmulo de capital social. No entanto, em uma sociedade no qual a informação é um ativo intangível, ter acesso rápido e privilegiado à informação pode ser um fator de extremam relevância social. Matos (2009, p.150) valida esse argumento ao afirmar que a Internet pode estar contribuindo para novas formas de interação em diferentes tipos de comunidade, mas que o uso generalizado de indicadores e padrões de medida do capital social pode não ser adequado para captar o impacto dessas novas formas de comunicação em todas as 'localidades'.


As dimensões que são consideradas pela proposição de mensuração de capital social elaborada pelo Banco Mundial (2003) aborda as seguintes dimensões:

Quadro 2 - Dimensões do capital social Dimensões

Conteúdo

Grupos e redes

Refere-se à natureza e extensão do indivíduo em organizações sociais, redes formais e informais. É a dimensão mais associada ao capital social.

Confiança e solidariedade

Busca dimensionar a relação entre os membros dos grupos sociais dos quais participa. Os tipos de questões propostas priorizam as relações possíveis em grupos de proximidade geográfica. torna-se necessário adaptá-las para mídias sociais em ambiente on line.

Ação coletiva e cooperação

Considera como os indivíduos trabalham em conjunto em prol de uma causa ou situação de crise. Também priorizam as relações possíveis em grupos de proximidade geográfica.

Informação e comunicação

Diz respeito ao acesso às mídias e informação, premissa para viabilizar a formação de capital social. No caso das redes social em ambiente digital, o acesso às mídias é fundamental.

Coesão e inclusão social

Mensura a equidade ou diferenças sociais dos membros que compõem os grupos.

Autoridade e ação política

Mensura o empoderamento, felicidade e influência do indivíduo nas ações coletivas e na situação política.

Fonte: Adaptado pela autora de Banco Mundial (2003, p.8)

Para o alcance dos objetivos dessa pesquisa, propõe-se o método a seguir.

2.

Método A pesquisa caracteriza-se como exploratória, de abordagem qualitativa, com

coleta de dados por meio de análise documental e entrevista. Exploratória por tratar de um assunto que, por sua atualidade, é passível de estudo mais aprofundado. Quanto à abordagem, a pesquisa é classificada como qualitativa, visto que pressupõe uma investigação de processos e aspectos sociologicamente construídos e que não são mensuráveis numericamente. Foram realizadas entrevistas estruturadas com membros ativos participantes dos grupos selecionados como amostra. O instrumento de coleta de dados foi composto por


22 questões, e contemplo as dimensões do capital social, conforme Quadro 3. Foram consideradas as dimensões, mas o instrumento de coleta de dados foi elaborado especificamente para essa pesquisa, visto que se fez necessário considerar o fato das redes estudadas estarem em ambiente on line.

Quadro 3 – Estrutura do instrumento de coleta de dados Dimensões

Questões

Comentário

Grupos e redes

1,2,4,5,6,20,21,22

Objetivou-se compreender a gênese da rede, a relação on line - off line da rede e a participação dos entrevistados em outras redes

Confiança e solidariedade

7,8

Objetivou-se compreender a dimensão das relações de confiança entre os atores da rede

Ação coletiva e cooperação

9,10,11

Objetivou-se compreender o tipo de mobilização e/ou articulação dos membros participantes da rede

Informação e comunicação

3,13,17,18

Objetivou-se identificar como ocorrem os fluxos de comunicação da rede, além da mídia social estudada

Coesão e inclusão social

16

Objetivou-se identificar a homogeneidade do perfil social dos grupos

Autoridade e ação política

12,14,15,19

Objetivou-se identificar a dimensão que o grupo adquiriu via mídias sociais e seu poder de articulação e ação na sociedade

Fonte: Elaborado pela autora, 2012.

Como população da pesquisa foram considerados os grupos existentes na rede social Facebook, que é de grande utilização em escala mundial. O Facebook foi a mídia social escolhida por apresentar um grande crescimento dos usuários no Brasil, conforme Gráfico 1


Gráfico 1 – Minutos de uso por visitante Fonte: Comscore, 2010

Por se tratar de pesquisa qualitativa e, portanto, não há compromisso com a representatividade amostral, foi estabelecida uma amostra mínima de 20 entrevistas, usando como critério da amostra por saturação e foram realizadas 23 entrevistas. Glaser & Strauss originalmente conceituaram saturação teórica como sendo a constatação do momento de interromper a captação de informações (obtidas junto a uma pessoa ou grupo) pertinentes à discussão de uma determinada categoria dentro de uma investigação qualitativa sociológica.

(FONTANELLA; RICAS; TURATO, 2008, p.18). Ressalta-se o

caráter qualitativo da pesquisa, ao detacar que "para efeito de análise dos dados, as relações entre os atores são consideradas tão fundamentais quanto os próprios atores" (HANEMANN apud SOUZA e QUANDT, 2008, p. 33). A escolha dos entrevistados se deu por intencionalidade, a partir da análise documental da atividade do grupo ao qual o entrevistado pertence na rede social. A identidade dos entrevistados foi preservada e os mesmos foram nomeados, no artigo, como Entrevistado 1 (E1), Entrevistado 2 (E2) e assim sucessivamente. As entrevistas foram pré-agendadas por mensagem pelo Facebook, por meio de envio de um texto de apresentação da pesquisa e convite para participação. Após aceite, cada entrevista foi realizada por meio do chat do Facebook. As entrevistas foram realizadas entre julho e setembro de 2012.

3.

Resultados e Discussão Os resultados, decorrentes das entrevistas realizadas com atores de redes nas

mídias sociais, foram organizados a partir das dimensões consideradas nos estudos de capital social.


3.1.

Dimensão Grupos e redes

Nessa dimensão, objetivou-se compreender a gênese da rede, a relação on line - off line da rede e a participação dos entrevistados em outras redes. A primeira questão referia-se às finalidades dos grupos. Ressalta-se que foram selecionados apenas grupos categorizados como temáticos, ou seja, que se reuniram espontaneamente e não por ação comercial ou institucional de uma empresa. Os assuntos abordados são os mais diversos, permitindo o compartilhamento de interesses comuns em uma escala muito mais ampla do que na era da comunicação de massa. Os agrupamentos sociais foram potencializados, com o intuito de divulgar, debater e saber das novidades, segundo a fala dos entrevistados. Ter acesso à informação e um espaço para se manifestar é percebido como um valor social, algo importante e que faz parte da rotina dos atores presentes nas mídias sociais e condizente com a sociedade contemporânea estruturada em rede, na qual a circulação de informação é um valor. Na fala dos entrevistados reproduzidas (E18 e E20) abaixo, verifica-se que o acesso rápido à informação é compreendido como uma vantagem a ser alcançada pelo agrupamento. "Unir os jogadores e reunir dicas e novidades" (E18). "A finalidade do curso é informar mais rápido do que e-mail, e não somente isso, trocar informações, dicas de cursos, vagas de empregos" (E20).

Nessa fala observa-se que ter acesso à informação nova e algo almejado, é uma vantagem propiciada pela rede de pessoas com interesses comuns. Condiz com o conceito de capital social de Bourdieu (1980), que afirma que o agrupamento resulta na possibilidade do alcance de objetivos que, individualmente, seriam difíceis ou impossíveis de atingir. O objetivo de divulgação também aparece como uma finalidade do grupo na fala de vários entrevistados, o que significa que ser visto, ser conhecido é algo que pode ser alcançado por meio da formação de redes nas mídias sociais. A segunda questão valida também o pensamento de que a informação é vista como um valor. Ao se questionar sobre a motivação da formação dos grupos, é ressaltado a necessidade do coletivo como base para a troca de informações. "Tendo em vista que os jogos sociais demandam que você tenha vários vizinhos e contato social, os grupos do Facebook são uma ótima ferramenta para encontrar pessoas para te ajudar a jogar. Como tenho muitos amigos no Facebook que jogam diversos jogos, sempre os adiciono para encontrarem novos vizinhos e isso acaba tornando o grupo


grande". (E18) Verifica-se que há vantagem individual e coletiva na formação dos grupos, conforme Bourdieu (1980). Abaixo são reproduzidas outras falas de entrevistados que revelam as motivações para formação dos grupos em ambiente midiático. "Ter mais um canal de divulgação de nosso espaço"(E15). Nesse grupo, que já existia off line, a mídia social é um canal de divulgação. "A motivação maior foi meu amor pela cidade e ver a situação precária que ela se encontra, também fui muito motivado pelas aulas da faculdade que me fizeram perceber como as mídias sociais mudam o ambiente em que vivemos" (E17). "Criar o grupo iria facilitar ficar sabendo de programas parecidos e de talvez combinarmos de ir juntos"(E2). Importante ressaltar que em muitos casos a iniciativa em criar uma rede social na plataforma Facebook partiu de uma atitude individual. Também se destaca o fato de alguns entrevistados relatarem que o processo foi simples, referindo-se à usabilidade da ferramenta, sem racionalizar o processo social de formação dos grupos. "Simples, criei, convidei algumas pessoas, sugeri que as mesmas fossem adicionando outros membros, e assim fui expandindo"(E9). Quanto ao processo de formação, verifica-se duas vertentes distintas: grupos que existiam em ambiente off line e foram criados com fins de ampliar a visibilidade, divulgação ou simplesmente facilitar a comunicação entre os membros participantes; e grupos que foram criados em ambiente on line. Para os grupos que possuíam uma história social anterior, a mídia social é compreendida como um facilitador, uma extensão de relações previamente existentes. Para os grupos que surgiram em ambiente on line, a mídia social foi um viabilizador de um tipo de relação social que provavelmente não aconteceria sem a existência da mídia. Dos grupos que nasceram on line, são raros aqueles que estendem sua atuação para além do ambiente midiáticos. Quanto ao tempo de existência dos grupos, verifica-se que pelo fato de a ferramenta Facebook ser relativamente recente, a maioria dos grupos não ultrapassa os dois anos de existência. Somente redes que existiam anteriormente em ambiente off line ou em outras mídias sociais tem um tempo de existência maior. Em relação à participação em outros grupos nas mídias sociais, o comportamento é bem variado, oscilando entre pessoas que participam de outras redes nas mídias sociais e outras que não participam de outros grupos. Uma especificidade é que apenas dois entrevistados afirmaram participar de outros grupos off line. "Nenhum... só do Sampa Azul mesmo"(E15).Tal fato demonstra que os entrevistados associam as redes sociais ao ambiente midiático, não identificando os grupos que não fazem uso de mídias sociais


como redes, tais quais família, grupos religiosos, entre outros. Tal perspectiva imprime no senso comum uma associação direta entre redes e mídias sociais. 3.2.

Dimensão confiança e solidariedade

Quando questionados sobre a confiança nos membros do grupo,

a maioria

afirma confiar, mas referindo-se ao compartilhamento de informações. "Sim, até porque todas as informações são postas à prova por todos os que comentam" (E6). "sim, acredito que as dicas, ou respostas, são confiáveis. Normalmente são debatidas por mais que uma pessoa, o que torna as informações mais democráticas"(E18). Essa troca de informações, por sua vez, é parcialmente regulada pela própria dinâmica da mídia social, cujas ferramentas permitem ou não determinadas intervenções. "Cultura, então, emerge da rede de comunicações entre indivíduos e, assim que emerge, produz restrições a suas ações. Em outras palavras, as regras de comportamento que restringem as ações dos indivíduos são produzidas e continuamente reforçadas pela própria rede de comunicações" (CAPRA, 2008, p.23-24). Existe um acordo tácito coletivo de como usar o Facebook, e outras regras mais específicas podem ser instituídas pelo grupo, que se auto regula. "Uma rede social ou comunidade produz e conserva um limite cultural, não material, que impõe restrições ao comportamento de seus membros" (CAPRA, 2008, p.28). Não há menção de elos de confiança que extrapolem a troca de informações, com exceção de alguns grupos que tem uma história social anterior fora das mídias sociais. Verifica-se que há um limite relacional entre os membros de grupos nas mídias sociais no quesito confiança, que se limita ao que a mídia pode proporcionar: a facilidade na troca de informações. O ambiente midiático, por si só, não induz a elos de confiança mais fortes, que, quando estabelecidos, ocorrem em outros espaços relacionais das redes, que coexistem com o espaço das mídias sociais.

3.3.

Dimensão ação coletiva e cooperação

Referente a cooperação, quando questionados se um membro do grupo já ajudou outro, os que citam situações se referem sempre à ajudo por meio da troca de informações. "Sim, sempre existem casos assim. Diariamente pessoas perguntam sobre dúvidas quanto ao jogo, e membros acabam respondendo. Eu acredito que este seja o conceito básico do grupo. Membros se ajudando"(E18).


"Sim, já aconteceu. Uma moradora de um bairro afastado reclamou muito de que sua rua estava sem iluminação, e toda vez que chegava do trabalho tinha gente usando drogas e se prostituindo, sem contar o lixo que as pessoas jogavam lá. Postamos uma foto da rua num dia a noite, e mandamos nosso pedido a Prefeitura para que providências fossem tomadas, passou 3 dias e a Prefeitura colocou poste, limpou o mato da calçada e o problema que a colega tinha acabou"(E17). "No sentido de dar informações, esclarecimentos, dicas ou ingressos sobrando, sim"(E2). Verifica-se, nas falas dos entrevistados, que a ação coletiva e cooperação está pautada na troca de informações e não se expande para outras dimensões além da finalidade objetiva do grupo. Em muitos casos, as pessoas não se conhecem pessoalmente e não tem outras referências sociais do grupo além do explicitado no grupo, o que limita os laços de confiança para aquilo que o ambiente das mídias sociais pode propiciar: troca de informações.

3.4.

Dimensão informação e comunicação

Alguns dos grupos analisados existiam em outra mídia social, como blogs, Orkut ou sites, mas a maioria aderiu ao ambiente on line após a emergência do Facebook. Mesmo aqueles que já existiam on line, confirmam que com a migração para a plataforma Facebook a repercussão do grupo foi ampliada. "Existia um grupo no Messenger, mas não surtia tanto efeito quanto com o grupo do Facebook"(E20). Tal situação permite afirmar que a mídia social Facebook, no caso, por suas características, usabilidade e recursos disponibilizados de fato ampliou as possibilidades relacionais entre as pessoas, uma vez que houve a criação de grupos cuja gênese está no ambiente da mídia social. Capra (2008, p.28) reforça a importância das mídias no processo relacional ao afirmar que "com as novas tecnologias de informação e comunicação, as redes se tornaram um dos fenômenos sociais mais proeminentes de nossa era".

3.5.

Dimensão coesão e inclusão social

A dimensão coesão e inclusão social é um item que, nas redes das mídias sociais, não possui muito peso. A maioria dos grupos afirma haver uma diversidade de perfis sociais entre os membros, mas as informações sobre esse perfil são restritas. "Há perfis sociais distintos" (E9). Alguns grupos afirmam não ter conhecimento detalhado sobre o perfil social. Há duas leitura para esse fenômeno: as mídias sociais são inclusivas, no


sentido de que não reproduz necessariamente as relações de diferenciação social da sociedade. Com requisitos mínimos, como a capacidade de leitura e o acesso à Internet, pessoas com perfis sociais diversos estão aptas a participar de grupos que compartilhem interesses comuns. Essa variável - perfil social - não é representativa quando se trata de troca de informações. A segunda leitura é que essa aceitação social ocorre exatamente pelo fato de, geralmente, não haver um contato maior que extrapole os limites das mídias sociais. Supõe-se que em ambiente off line essa convivência de pessoas com perfis sociais distintos não necessariamente se reproduziria tal qual nas mídias sociais. Verifica-se que os grupos que existiam off line antes de formar a rede nas mídias sociais têm perfis sociais mais homogêneos. Intere-se que as mídias sociais aproximam o diálogo e viabilizam a troca de informações entre pessoas que teriam poucas chances de convivência e contato próximo no ambiente off line.

3.6.

Dimensão autoridade e ação política

O maior ganho das redes nas mídias sociais é o da visibilidade, o que, em algumas situações, pode resultar em elemento de pressão ou ação, como é o caso dos grupos Sapucaí Mirim Jovem e Usuários do Metrô de São Paulo. O elemento de ação, no entanto, parte sempre da informação. "Ficou mais fácil a procura sobre novidades, a concentração em um só lugar ajudou a todos nesse assunto pois já sabem onde ir para procurar esse esclarecimento"(E6). "A praticidade e rapidez de se conectar e a rapidez no compartilhamento de informações"(E7). A maioria dos grupos não é institucionalizada. Vale lembrar que a amostra de grupos selecionada foi a de grupos temáticos (CARNIELLO, 2012), que se formam espontaneamente na rede e não decorrentes de uma ação mercadológica ou institucional de uma empresa. Portanto, verifica-se que é um comportamento usual das redes temáticas manterem-se informais. Esse fato reforça que o vínculo principal entre os membros é a troca de informação na plataforma midiática, situação para a qual a formalização é desnecessária. Avaliando as dimensões abordadas nas entrevistas, verifica-se que predomina o bridging social capital (capital social de ponte), que, conforme Putnan (2000) se forma a partir de agrupamentos de pessoas de origens étnicas ou profissionais distintas. Não há laços mais fortes para grupos que se formaram essencialmente nas mídias sociais além da cooperação, reciprocidade e confiança no processo de compartilhamento de informações. Redes que apresentam outros vínculos extrapolam os limites das mídias sociais. O fato do


elo de ligação entre os membros do grupo estar pautado prioritariamente na troca de informações não significa que o capital social não exista, uma vez que indivíduos e grupos conseguem atingir objetivos que, sem a presença nas mídias sociais, seriam mais difíceis ou impossíveis de se atingir. No entanto é um capital social de ponte, pois liga pessoas de características sociais distintas em torno de um assunto em específico, sem laço mais sólidos no caso de grupos que existem exclusivamente nas mídias digitais. Essa característica dessas redes pautadas no compartilhamento de informações, em uma primeira leitura pode parecer de baixo capital social, se considerarmos os aspectos teóricos que fundamentam o conceito. No entanto, defendo a ideia de que é necessário atualizar o conceito para o contexto midiático contemporâneo, no qual a informação é um ativo intangível e de alto valor. Fazer parte de redes que detém informações relevantes pode ser, no cenário atual, uma forma de sociabilidade que viabiliza uma série de objetivos, o que condiz com a premissa do capital social. Essa situação não minimiza a importância das relações de cooperação entre vizinhos, família e outros grupos ou instituições sociais. Ela coexiste com as relações sociais de outros espaços, inaugurando uma nova espacialidade relacional que não substitui as anteriores, mas abre possibilidades de outras formas de relações que, como vimos, está pautada no compartilhamento de informações, um ativo de valor do mundo contemporâneo. Além disso, a estrutura de comunicação digital em rede possibilitou a ampliação dos interlocutores,

que são

escolhidos

prioritariamente a

partir da afinidade no

compartilhamento de informações, deixando de lado outros aspectos do perfil social. Pode-se afirmar que, um importante elo de ligação da sociedade atual é a informação, que estabelece vínculos em uma relação possível apenas por meio das mídias sociais. Há uma fragmentação dos interesses, que são direcionados para interlocutores com afinidade temática.

- bridging social capital (capital social de ponte), que se forma a partir de agrupamentos de pessoas de origens étnicas ou profissionais distintas (PUTNAN, 2000);

Considerações finais Este capítulo (discorrido no formato de artigo científico) teve como objetivo discutir o processo de formação de redes nas mídias digitais, de maneira a compreender como se articulam a sociabilidade e os processos de formação de capital social nesse contexto. A busca de suporte teórico e caminhos metodológicos para fundamentar e compreender o cenário midiático contemporâneo faz parte do universo da pesquisa


acadêmica no campo da comunicação, uma vez que "um aspecto que singulariza essas tecnologias é sua capacidade de engendrar novas formas de sociabilidade, novas formas de ação social, e o que nos interessa aqui mais proximamente, novas formas de produção de si, novos processos de subjetivação" (CALVINO, 2009, p.46). Com a convergência das mídias, que passam a ser pautadas na linguagem digital, conceitos anteriormente delineados se dissolvem ou se remodelam, uma vez que os fluxos de comunicação ganham novos contornos. Cabe aos pesquisadores de comunicação identificar, conceituar e compreender as características que fundamentam esse cenário, bem como discutir as mudanças geradas em vários campos da sociedade, entre elas nas formas de agrupamento social, objeto desse artigo. Dentre os grupos estudados, no entanto, é possível verificar grupos que se constituíram a partir de uma rede existente em ambiente off line e outros cuja gênese é essencialmente on line. A maioria dos grupos que se originou nas mídias sociais sem um vínculo social anterior restringe suas atividades ao meio digital, não existindo encontros presenciais ou com encontros esparsos e pontuais, pautados mais na realização de um objetivo do grupo do que na figura pessoal dos membros. Relacionando com os tipos de capital social, verifica-se uma relação direta entre a gênese do grupo e o tipo de capital social predominante. Entre os grupos existentes nas mídias sociais cuja origem é pautada em grupos sociais anteriormente existentes tende a predominar o bonding social capital (capital social de ligação), uma vez que este que este deriva de ligações entre pessoas com características sociodemográficas semelhantes. Já nos grupos que se formaram exclusivamente em ambiente on line, tende a predominar o bridging social capital (capital social de ponte), que se forma a partir de agrupamentos de pessoas de origens étnicas ou profissionais distintas. Nesse caso, o agrupamento de pessoas socialmente distintas se dá por um tema de interesse comum, mas essa ligação via mídias sociais não é forte o suficiente ou não demanda o agrupamento presencial off line para que seus objetivos sejam alcançados. Partindo da premissa de que o capital social pode ser compreendido como um ativo individual, que resulta na possibilidade do alcance de objetivos que, individualmente, seriam difíceis ou impossíveis de atingir (BOURDIEU, 1980), verifica-se que os membros dos grupos, em geral, conseguem, em função da rede criada, obter benefícios com o grupo ao manterem-se informados sobre o assunto de interesse. Aqueles que existiam em ambiente offline anteriormente mantém as atividades e afirmam que o grupo ganhou mais visibilidade após criação do perfil no Facebook. A visibilidade é compreendida como uma vantagem, algo valioso, constituindo um objetivo coletivo do grupo, alcançado pela rede criada, portanto, por meio de capital social.


Ao relatarem sobre o processo de criação do grupo no Facebook, a maioria dos entrevistados se limitou a descrever a simplicidade do uso da ferramenta. Verifica-se que a mídia, pelo fato de ser acessível e amigável quanto à utilização, acaba por favorecer as iniciativas de criação de grupos. A mídia em si, por sua estrutura colaborativa, fomenta a criação de redes, inclusive entre pessoas com características sociodemográficas distintas, potencializado a formação de capital social de ponte (bridging). No aspecto confiança, verificou-se que os entrevistados dizem confiar nos membros participantes, mas observa-se que essa confiança, em geral, se limita ao ato de postar informações livremente no perfil. Tal aval se dá pela própria estrutura da mídia social, no caso o Facebook, e na aceitação de suas regras de funcionamento. É um acordo tácito dos usuários, que compartilham com o modus operandi da mídia . Quanto à participação de outras redes, os respondentes, em sua maioria, afirmaram não participar de redes em ambiente off line. Verifica-se que eles não identificam os grupos aos quais pertencem, como família, trabalho, vizinhos, amigos como redes sociais. Para eles, a formação de redes é um processo que se dá por meio das mídias sociais. Refletindo sobre a relação entre formação de capital social e as redes em ambiente midiático, verifica-se um fenômeno que é característico desse cenário, o que pode ser denominado de fragmentação social a partir do critério informação. Se em um período anterior às mídias digitais estruturadas em rede todos os assuntos do cotidiano social eram compartilhados

com um círculo relativamente restrito de pessoas que

compunham o rol de convivência de um indivíduo, no contexto atual os interlocutores podem ser agrupados e selecionados conforme afinidade de interesse na informação, e, em muitos casos, esse é o único vínculo entre os participantes de uma rede. No entanto, esse vínculo é suficiente para que os objetivos daquele indivíduo em relação ao grupo do qual participa seja atingidos, mesmo porque seus objetivos estão diluídos por vários grupos de interesse, on line e off line, e não concentradas apenas em um círculo restrito de convivência. O fato de o vínculo nas redes ser mais pontual, não impede que seja gerado capital social a partir dessa relação, no entanto, predominará o capital social de ponte (bridging), sem, necessariamente, um maior estreitamento das relações fora das mídias sociais. À guisa de conclusão, são sistematizados abaixo os principais aspectos observados referente à relação entre redes nas mídias sociais e capital social: - as redes temáticas das mídias sociais são pautadas prioritariamente no elemento informação. A segmentação dos grupos se dá prioritariamente pautado no tipo de informação de interesse, desconsiderando outros aspectos do perfil social dos membros;


- os agrupamentos nas mídias sociais são muito mais numerosos, visto que as pessoas buscam grupos variados conforme temas de interesse. Se antes da emergência das mídias sociais todos os assuntos de interesse eram compartilhados por grupos limitados de pessoas, com os quais havia uma convivência social presencial mais ou menos intensa, as mídias sociais permitem a formação de grupos conforme interesse e especialização em outros temas. Há uma pulverização dos eixos de ligação, cuja base de segmentação é a informação. Um dos representativos elos de ligação da sociedade é a informação; - apesar de as ligações das mídias sociais, na maioria das vezes, se limitarem ao compartilhamento de informações, com limites na construção de laços mais fortes nessa espacialidade relacional, pode-se afirmar que há formação e acúmulo da capital social, com ênfase no capital social de ponte, uma vez que o acesso à informação é um valor da sociedade contemporânea e permite o alcance de objetivos individuais e grupais. Identificou-se a necessidade de atualizar o conceito e, principalmente, os instrumentos de mensuração de capital social para esse novo cenário midiático, que impacta na estrutura relacional da sociedade. A pesquisa apresentada é um ponto de partida conceitual e metodológico que visa contribuir com estudos sobre as mídias sociais, buscando romper com visões que homogeneizam e exaltam a emergência das redes sociais na Internet como um fenômeno isolado e universal, em sim propõe um olhar mais detalhado sobre os tipos de redes, vínculos e laços que existem no espaço das mídias sociais sem desconectá-los da história social do grupo fora do ambiente midiático e da formação de capital social. Sugere-se a replicação desse estudo em todos os tipos de grupos existentes nas mídias digitais, em pesquisas futuras.


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