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ABDULA MANAFI DIPLOMATA

Internacionais, onde cursei Relações Internacionais e Diplomacia. Como estava entre os melhores estudantes, o ISRI convidou-me para ficar ligado à Instituição no corpo docente, algo que aceitei com prazer. Em 2004, o ISRI me enviou para Cairo para fazer o Mestrado em Estudos do Médio Oriente, tornando-me no segundo moçambicano com essa especialidade, depois do falecido Dr. Carlos Tembe (antigo Edil da cidade da Matola).

Como é que foi este processo de se tornar um diplomata? Desafios que enfrentou?

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R: O processo é meio anedótico. Quando estava na Manyanga, sempre tive dificuldades com matemática (nunca gostei dessa disciplina), me sentia e sinto mais a vontade com disciplinas que puxem pela minha parte criativa. Portanto, quando terminei a 10ª, na época, éramos orientados a escolher a direcção a seguir: Letras com matemática, Letras sem a dita cuja, e ciências. Eu ainda não sabia exactamente o que queria seguir, mas sabia que não devia ter matemática e em conversa com um amigo, eu lhe disse que por ser preguiçoso e sonhador, gostava de ter uma profissão que me ajudasse a conhecer outros países, outras línguas, e não trabalhar tanto assim. Ele me disse existia uma profissão parecida, que tinha a ver com embaixadas e algo parecido. Fiz uma pequena pesquisa e descobri que tinha que fazer relações internacionais e diplomacia no ISRI.

Ora, na época, o desafio era precisamente entrar no ISRI porque muitos diziam que era uma Instituição da Frelimo (falso) e que para lá entrar tinha que ter cunhas (falso). Mas, quando fui lá, na altura na Julius Nyerere, adjacente ao Hotel Polana, fiquei a saber que existiam 35 vagas para um universo de mais de 3 mil candidatos de todo Moçambique. Mas, também me lembro de dizer ao amigo que me acompanhava no acto da inscrição que, a partir daquele dia, tinham restando apenas 34 vagas. Ele, meio a brincar, disse,

“mas, Manafi, ainda nem fizeste o exame de admissão, como sabes tens essa confiança?”, eu respondi: “o que é para mim, ninguém me vai tirar e eu fui feito para isto.”

Quando estava a terminar a formação no ISRI,tive o privilégio de ser orientado pelo Dr. Patrício José, Vice-Reitor na época (2002), que considero meu mentor. Ele procurou saber qual era a minha ideia de tema para monografia de licenciatura. Quando eu lhe disse que queria escrever sobre refugiados, ele me aconselhou a pensar dountra forma, mais no sentido da minha identidade enquanto muçulmano porque Moçambique precisava de gente assim. Foi essa conversa que mudou todo o meu foco e, por causa da mesma, segui o caminho que estou a trilhar. Na verdade, escrevi uma monografia sobre “Cooperação Moçambique e Países Árabes: Passado, Presente e Futuro” sob supervisão da Dra. Anícia Lalá e grande ajuda do actual Embaixador de Moçambique na Arábia Saudita, Dr. Faizal Cassam, aos quais sou eternamente grato. Na mesma monografia, entre as recomendações que fizera, consta uma onde dizia que seria importante Moçambique ter gente no seio da Organização de Cooperação Islâmica (OCI), uma espécie de Nações Unidas para os países da maioria muçulmana de que Moçambique é membro desde 1994.

Não tive a sorte de iniciar a carreira diplomática no Ministério dos Negócios

Estrangeiros e Cooperação do meu país, mas tive o privilégio de fazê-lo na OCI em 2007 com a prestimosa orientação e ajuda dos quadros do MINEC que na altura estavam na Embaixada de Moçambique em Cairo com quem tivera o prazer de privar quando estava a fazer o meu mestrado na Universidade Americana em Cairo. Sou grato pelo apoio que as autoridades competentes moçambicanas me proporcionam para o sucesso das minhas diversas missões no estrangeiro desde Abril de 2007, onde me tornei no primeiro moçambicano a trabalhar na OCI.

Em que consiste o seu cargo atual?

Actualmente estou a viver na bonita cidade de Astana, capital do Cazaquistão, onde sou Conselheiro para a Cooperação e Coordenação no Secretariado da Organização Islâmica para Segurança Alimentar (IOFS), esta que é uma agência da OCI e equiparada à FAO ou Programa Mundial de Alimentação (PMA). Tenho a árdua tarefa de coordenar todos os aspectos relativos à cooperação da IOFS com os seus parceiros internacionais, particularlmente outras Agências da OCI e as das Nações Unidas. Sou ainda responsável por coordenar a execução de dois programas importantes de segurança alimentar, um para África e outro para o Afeganistão.

Antes de Cazaquistão, o Manafi esteve antes na Turquia. Como tem sido a experiência em viver no exterior?

Viver no exterior é um grande desafio e tem que ser para pessoas fortes mentalmente porque somos obrigados a recomeçar um lar sempre que nos movimentamos. Para além disso, há aniversários dos que nos são especial que perdemos, casamentos em que estamos ausentes, e tantas outras situações que nos aproximaríam da família e que não podemos disfrutar. Portanto, nestes 16 anos de carreira, tive que recomeçar quatro vezes: de 2007 à 2017, em Jeddah, na Arábia Saudita, onde os meus dois filhos nasceram, idioma oficial é árabe e toda uma cultura e forma de estar diferente da que estamos habituados em Moçambique, depois em Istambul, Turquia, de 2017 à 2019, com a língua turca como pano de fundo, de 2019 à 2021 em Maputo (fácil porque estou em casa), e desde 2021 aqui no Cazaquistão, onde poucos falam inglês e temos que nos habituar com o russo e/ de medirmos as palavras e pensarmos um milhão de vezes antes de dizer/fazer algo ou um gesto porque o que é normal em Moçambique pode ser um insulto para quem está lidar connosco. Por exemplo, aqui no Cazaquistão é uma grande mal-criadice assobiar para chamar atenção à uma pessoa ou cazaque e ainda uma cultura e forma de estar também diferenciados dos anteriores países. Portanto, é uma riqueza cultural e de vivências que vamos acumulando, mas de extrema exigência de controlo de depressão por sentirmos saudades de casa, da família, da praia, da comida e da forma de ser/estar com moçambicanos. Quando nos misturamos com culturas que são diferentes da nossa, temos que ter a sensibilidade porque eles acreditam que isso se faz apenas para os cães… enfim…(risos).

Como você descreveria o papel de um diplomata e quais são suas principais responsabilidades?

O papel do diplomata é vasto. Ele tem que ter uma preparação para saber um pouco de tudo, mas ser especialista em relações internacionais e interpessoais. O Dr. Patrício nos dizia que um diplomata contribui em uma conversa sobre medician, economia, aquitectura, etc, mas que fala sozinho quando o assunto são relações internacionais. Mas, podemos sumarizar o papel do diplomata no seguinte: a. Representação: Os diplomatas actuam como representantes de seus respetivos países. Eles actuam como porta-vozes oficiais e embaixadores, apresentando as posições, políticas e interesses do seu pais à governos estrangeiros, organizações internacionais e outras missões diplomáticas. b. Negociação: Os diplomatas participam em negociações com os seus homólogos estrangeiros para resolver litígios, promover a cooperação e chegar a acordos. Eles usam a diplomacia e o tacto para encontrar um terreno comum, mediar conflitos e promover os interesses de seu país, considerando as preocupações de outras nações. c. Comunicação e Relatórios: Os diplomatas recolhem informações, analisam desenvolvimentos e reportam aos seus governos de origem. Eles mantêm contato regular com o Ministério dos Negócios Estrangeiros ou agências governamentais relevantes para fornecer atualizações sobre questões políticas, económicas e sociais no país anfitrião. Os seus relatórios ajudam a moldar as decisões em matéria de política externa e facilitam a tomada de decisões informadas. d. Diplomatas ajudam ainda na mediação e resolução de conflictos. e. Diplomatas facilitam o serviço consular que tem a ver com imigração, vistos, acompanhamento de comunidades do seu país no pais anfitrião, etc.

Em geral, os diplomatas desempenham um papel vital na representação dos interesses de seu país, na manutenção das relações internacionais, na negociação de acordos, na resolução de conflitos e servindo como ponte entre as nações.

Como a diplomacia cultural desempenha um papel nas suas atividades e como você promove a compreensão mútua entre diferentes culturas?

A diversidade cultural e civilizacional faz parte dos desafios que o diplomata deve enfrentar e/ou usar a seu favor. Na verdade, os diplomatas devem também ter o tacto de saber promoverem o intercâmbio cultural e iniciativas de diplomacia pública para melhorar a compreensão mútua e a boa vontade entre os países. Eles organizam eventos culturais, programas educacionais e intercâmbios entre pessoas para fomentar relacionamentos positivos e promover a cultura, os valores e as conquistas de sua nação. Por exemplo, as Missões de Moçambique no estrangeiro têm sempre eventos culturais para celebrar os dias nacionais, particularmente o 25 de Junho, dado que isso facilita o melhor conhecimento do que o país é e o que pode oferecer, para além, obviamente da promoção turística do mesmo. Eu costumo ter sempre a bandeira de Moçambique por onde ando para aguçar a curiosidade de quem veja as 5 cores nacionais e estabelecer conversa sobre o que de bom temos para oferecer do Zumbo ao Índico e de Rovuma até ao Maputo.

Como é que tendo Moçambicanos a ocupar cargos em instituições Internacionais, pode ajudar Moçambique?

Esta é uma questão menos complicada de responder. Vou dar um exemplo, por estes dias temos Grupos de WhatsApp da família onde, muitas vezes, se combinam os sociais e/ou outro eventos de convívio familiar. Portanto, se estivermos ausentes desse Grupo, dificilmente faremos com que a nossa voz/opinião na defesa dos nossos interesses seja ouvida. Se eu gosto de comer frando a zambeziana e, infelizmente, estive ausente no Grupo onde se discutiu o menu do social, provavelmente irei passar fome no dia fa confraternização. Portanto, ter moçambicanos em organismos internacionais é de extrema importância para que os interesses de Moçambique no seio dos mesmos seja tido em conta, particularmente a necessidade de o país se beneficiar da sua qualidade de membro desses órgãos.

Quais são os principais desafios enfrentados pela diplomacia no mundo contemporâneo e como você acredita que eles podem ser superados?

O mundo actual está em constante mudança e a diplomacia tem que acompanhar essas alterações sabendo se posicionar para contextualizar todos os interesses nacionais de cada país.

Por exemplo, julgo que o avanço tecnológico é um dos principais desafios do mundo actual para diplomacia, dado que a inteligência artificial tem que ser tida em conta em relação à variadas circumstâncias, sobretudo na produção de informação fiável.

Temos que ter em conta que o avanço da tecnologia facilita, até certo ponto, a disseminação do famoso “fake news”, influenciando a forma como as pessoas pensam politicamente e impactando, por exemplo, o desfecho de pleitos eleitorais.

Neste contexto, o diplomata deve estar em constante formação para poder possuir fortes habilidades de negociação, adaptabilidade, sensibilidade cultural e a capacidade de alavancar abordagens inovadoras para a diplomacia. Exige também uma vontade de abraçar novos modelos de diplomacia e de se envolver com diversas partes interessadas, incluindo organizações da sociedade civil, o setor privado e intervenientes não estatais que são, muitas vezes, as fontes desse avanço tecnológico.

Planeia voltar a viver em Moçambique? Quais são as suas ambições?

Claro que tenho planos de voltar para a minha pátria porque é onde tenho a minha casa. Mas, não faço ideia de quando é que isso vai acontecer. As minhas ambições são poder contribuir para que a minha família continue a ter um tecto seguro para lhes abrigar do frio/calor, podermos disfrutar das três refeições por dia, ter os meus filhos a seguir a melhor educação/formação, poder ter os melhores serviços de saúde disponíveis e poder viajar de férias para lugares que nos ajudam a desligar a ficha e continuar a sonhar.

Se alguém quiser seguir por essa carreira, quais são as habilidades e qualidades essenciais de um bom diplomata no mundo atual?

Se alguém quiser ser diplomata tem que ter as habilidades de entender o que descrevi anteriormente acerca do papel de um diplomata. Para além disso, a pessoa tem que estofo de se sacrificar em nome dos valores e interesses do seu país, ser bom em diferentes idiomas, facilidade de se relacionar com pessoas e saber iniciar uma conversa produtiva. Contudo, se a pessoa não gostar de ler e ter dificuldade em observar detalhes e seguir as diferentes dinâmicas do mundo, então essa mesma pessoa terá muita dificuldade em ser diplomata.

AMBIENTALISTA

• PhD Student;

• Prêmio Voluntário da Sociedade Civil do Ano, 2021-CNV;

• Apresentadora de TV;

• CLIMATE CHAMPION, COP26, 2021;

• CHANGEMAKER, 2021 ;

• Fundadora do movimento ambiental Geração Consciente;

• Jurista e Docente Universitária;

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