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MARCO RUDY UM MOÇAMBICANO NA MARVEL
Quem é o Marco Rudy? Suas origens.
Nasci em Maputo, no dia 30 de Dezembro de 1982. Morei na cidade, na verdade, no bairro da COOP, até aos 12 - 14 anos, acho, quando minha família se mudou para Matola. Estive lá até aos 19 anos, até a data em que saí de Moçambique, primeiro, para Portugal, depois, para o Brasil. Durante esse tempo, estudei na Escola Primária 3 de Fevereiro e no Colégio Kitabu.
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Sempre desenhei, desde pequenino. E desde muito jovem, o mundo de Banda Desenhada apresentouse para mim, primeiro, na forma do Magazine Kurika, depois em vários álbuns Franceses (Tintim, Asterix, Lucky Luke, “O Vagabundo dos Limbos” e por aí em diante); e, finalmente, aos 7 - 8 anos, li o primeiro ªComicsª Americano, uma edição do Wolverine.
O Marco sai de Moçambique para estudar Arquitectura no Brasil. Como foi esse processo?
Através de uma bolsa de estudos que, na altura, levava estudantes dos PALOP’s em intercâmbio para estudarem no Brasil. Consegui as notas certas para ingressar, e, em 2002, fui para Porto Alegre, no sul do Brasil, para estudar Arquitectura. No início não foi fácil; Porto Alegre não era exactamente o que a maioria das pessoas pensa que é o Brasil. Era frio, distante, e bastante europeu. Tudo mudou, no primeiro dia de Faculdade, onde imediatamente criei fortes laços e amizades; algumas que perduram até hoje. Inclusive, foram vários os professores, na Faculdade, que me incentivaram a ingressar no mundo de Banda Desenhada como profissional.
Quando começa a paixão por desenhar / ilustrar Banda Desenhada?
Desde sempre. Desde pequeno e nunca parou. Desenhar era, e ainda é, minha melhor maneira de me expressar, de desvanecer, de lidar com problemas pessoais e por aí vai. Era o meu porto seguro e a minha maior fonte de alegria. E ainda é.

Quando e como se faz a sua entrada para o mundo dos Comics?
Aconteceu em dois momentos, provavelmente mais que isso, mas, essencialmente, o primeiro deriva de ter aberto uma conta no Deviantart e começado a postar arte lá. Isso atraiu atenção de vários escritores e colaboradores. Dessa interacção saíram dois títulos - ªCorrective Measuresª (que mal vendeu, mas foi bom para começar) e ‘’After the Cape’’ que foi o meu debut no mercado Americano, pela IMAGE COMICS, em 2006-07. Depois de um período, em que muita coisa se passou, mas não encontrava trabalho, conheci o artista Rafael Albuquerque (‘’Batman-Superman’’, ‘’American Vampire’’, e muitos, muitos outros títulos) que me integrou no seu estúdio e me abriu a porta para mais oportunidades, como, por exemplo, ir a um Festival de Banda Desenhada, em Belo Horizonte, onde conheci agentes e editores da DC Comics, que ao verem o meu trabalho e páginas teste, deram-me o primeiro trabalho para a DC, em 2008 - ‘’Final Crisis’’. O resto, como se diz, é história. Faz 16-17 anos que comecei, 15 anos desde o meu primeiro trabalho publicado à sério, e 14, desde que entrei na DC.
Fale-nos um bocado do seu trabalho, de todo o processo criativo...
Se for em detalhes, não iremos sair daqui. Em resumo, se não sou eu que escrevo o roteiro, eu leio o roteiro recebido, falo com o editor e o escritor sobre minhas ideias de como melhor representar o texto em imagens. Depois circulo por uma vasta gama de influências visuais (e não só) até ‘’cair’’ no tipo de linguagem visual que procuro para a história em questão. Aí é pôr lápis e pincel no papel, e ver a magia acontecer. Se o roteiro é meu, boa parte do processo visual é traduzido para escrita.
Em quantas empresas já trabalhou, e quais?
Boom Studios, DC Comics, Marvel Comics, Aftershock, Dark Horse, Riot Games, Microsoft, Image Comics, Vertigo Comics, Dynamite Comics, IDW Publications, Top Cow… há outras, provavelmente, mas não me vêm à cabeça no momento.
Fez um trajecto ascendente de sucesso, chegando até as maiores companhias, como a DC Comics e a Marvel. Sempre acreditou que fosse capaz?

Não. Eu trabalho numa indústria que nunca imaginei… com Spider-man, Batman, X-Men e muito mais. Nunca sonhei que isso seria uma realidade. Na verdade, no dia em que a Marvel me ofereceu a Mini-série do Spider-Man (numa noite de Karaoke); eu fiz um “double-take”, porque não consegui acreditar que era verdade. Viajei o mundo, e moro no Canada, tudo isso resultado de um trabalho que nunca sonhei um dia poder fazer.
É normal no estrangeiro, as pessoas optarem por profissões não convencionais (Médico, Economista, Advogado); mas em Moçambique, por exemplo, se dizes vou ser um Artista de Banda Desenhada, olham-te como se não fosse algo sério. Já passou por isso?
Passo, ainda. No início, incomodava-me um bocado, mas hoje em dia, “I couldn’t care less” (Não podia me importar menos). O “pessoal” adora julgar os outros, como se não tivesse mais nada que fazer. Tenho um penteado estranho, piercings e tatuagens; e o meu trabalho ou clientes/ superiores/editores não estão nem aí para o que eu visto ou como me apresento. Eles querem é ver o meu profissionalismo, o resto é “balela”.
Quais os títulos mais populares em que já trabalhou?
Action Comics, Superboy, Supergirl, Final Crisis, Uncanny X-Men, Avengers, Marvel Knights: Spider-Man, Swamp Thing, entre outros.
Com a entrada da Marvel e DC no Cinema, os Comics Books alcançaram novas audiências. Como vê esta evolução?
Um bocado como uma oportunidade perdida. Com os filmes, essas companhias têm um potencial enorme de poder convidar os espectadores a lerem as histórias, e trazer mais gente para o mundo de Banda Desenhada, mas, fora uma tela; (no genérico dos filmes) dizendo ‘’Thank You!’’ aos criadores e escritores envolvidos nas histórias nas quais os filmes se baseiam, pouco se faz para ajudar a trazer Comics a mais gente. Uma pena!
Para muitos, é um sonho de infância estar a colaborar na fonte do Batman, Superman, Homem Aranha e outros. Como foi ou é para si partilhar momentos com grandes nomes como o Scott Snyder, Jim Lee, Geoff Johns, Alex Ross entre outros?
Depende. Uns são excelentes colaboradores e querem ideias para fazer a história mais concisa, entre tu e eles. Outros é mais ego e tu estás lá só pra trazer o visual que eles querem, no texto deles. No final das contas, é trabalho como qualquer outro. Tem bons e maus momentos, tem bons e menos bons colaboradores. No início, há aquele orgulho e o frio na barriga de trabalhar com estes ‘’deuses’’ da Indústria, mas rapidamente isso passa. Eles são gente. Como disse, alguns são realmente excelentes. Eu criei fortes amizades com vários; outros, nem tanto. Era trabalho; trabalho foi feito. E era isso.

Qual o seu Artista preferido, ou em quem se inspira?
Se for a comentar, são muitos. Mas se for a especificar, diria que a linguagem visual do Director Satoshi Kon é basicamente o que eu tento utilizar, à minha maneira, no meu trabalho. Adoro toda a sua Cinematografia e recomendo a todo o mundo. É ANIME, e, para muitos ‘’adultos’’, desenho “animade” é para crianças - o que é uma maneira pateta de avaliar as coisas. Tem muita arte espetacular em ‘’coisas para crianças’’ como desenhos animados, videogames e afins.
Diferentemente de cá, o Mundo GEEK em outras partes do Mundo movimenta legiões, com Exposições, Festivais, Convenções, etc. Como é essa experiência?
Indescritível. Pessoas vêm de tudo quanto é lado, às vezes de outros países para falar contigo, sobre o teu trabalho, para tirar uma foto contigo e/ou para comprar uma peça de arte que tu fizeste. Tirando a parte imediatamente pessoal, toda a gente celebrando o que tu amas, os mundos e histórias que normalmente te inspiram, partilhando tudo isso… é realmente algo que só experimentando se pode sentir exactamente o que é.
Para quem trabalha nestas coisas, existem acontecimentos felizes, como eu ter partilhado um elevador com um velhinho, lhe dirigir ao seu quarto de hotel, porque o seu ajudante não falava bem francês, e só para me dar conta, minutos depois de a estupefação ter passado, que o velhinho era o STAN LEE
O Marco além de ilustrar títulos dessas companhias, lançou também um título próprio. “A RDW – A Tale of Lost Fantasy”. Fale-nos um bocado desse título e do seu processo de criação.

Em 2016, durante uma visita aos offices da Marvel, em Nova York, o “Editor in Chief” pediu-me que submetesse ideias para possíveis títulos e histórias que eu estaria interessado em trabalhar com eles. Das várias sugestões, uma saltou-me à vista, uma Mini série do Shang Chi, Master of Kung Fu. Então, eu e um amigo escritor co-escrevemos a história; eu desenhei uma short (5 páginas) como um pitch para eles, e eles adoraram. Infelizmente, na altura não havia grande interesse em se publicar Shang Chi (quem diria, com a notoriedade que o personagem ganhou, anos depois, com o filme e tal, como as coisas mudariam…) e essa “mini” foi posta em standby. Enquanto esperávamos pela resposta, eu criei um possível pitch para outra editora, a IMAGE (Spawn, Hellboy, DIE, Wicked and Divine, etc.) que focava numa sequência que teria motivado um robot a desafiar a sua programação e causar dano a um humano. A ideia era que o robot começasse a sonhar e através disso ganhasse consciência própria. Os sonhos se passariam numa realidade fantástica, com elfos e “dragons and whatnot”.
À medida que o tempo foi passando, eu fui investindo cada vez mais no lado fantástico, e passei a focar mais em criar histórias focadas nesse setting (não me lembro de como dizer isso em Português). Isto depois de anos lendo fantasia, em especial os livros de Andrzej Sapkowski para The Witcher. Sabendo que nesses livros e histórias existem bastante comentário social, decidi buscar a minha versão disso mesmo. Assim, influenciado por tudo que falei acima, e pelo facto de ter crescido lendo Asterix e Obelix, criei uma história inspirada no uso de uma “magic potion”, que, na verdade, reflecte o uso real de drogas, num ambiente de guerra, e as consequências para quem as usa e para as pessoas ao seu redor. A intenção era, da mesma maneira como Sapkowski usa “Folkolre Polones” (ele é Polones) nos seus livros, junto com outras influências mais conhecidas, fazer o mesmo, só que, usando um bocado do folclore de Moçambique, África do Sul, e várias outras referências às culturas do continente Africano, do Brasil e mais. A história, à medida que se passa, mais deste mundo se dá a conhecer, mais desse folclore e histórias vão aparecendo. Por exemplo, se alguém já ouviu falar do “Sofrimento Ningore”... bom, quem sabe, algo parecido com ele apareça no livro, um dia.
Como tem sido a aceitação de um novo título nas prateleiras das Comic’s Book Stores?
Eu não sei. Eu vendo pessoalmente o livro em Festivais e Convenções. Normalmente há procura e interesse, e as pessoas que financiaram a campanha de Kickstarter gostaram muito. As resenhas e críticas que li são bastante positivas também.
Quem sabe no futuro uma adaptação cinematográfica?
...Eeeeeeeeeeeh, não sei se me interesso muito por isso! O livro foi feito para ser consumido como uma BD. Se algum dia alguém pagar-me MUITO dinheiro, TALVEZ eu repense nisso. Mas não é algo que, inicialmente, me interessa.

Voltando um bocado para Moçambique, quando foi a última vez que esteve cá? E há planos para vir cá passar uma temporada?
2018. Gostaria de voltar em breve, mas depende muito de tempo, dinheiro e circunstâncias fora do meu controle. Vamos ver, como disse, em breve… espero.
Como tem sido o reconhecimento, por parte dos moçambicanos, como artista?
De novo, não sei. Os amigos e pessoal de Moçambique, que me conhecem, apreciam o trabalho que faço, e isso enche-me de orgulho. Mas como não estou em Moçambique, estou fora o círculo de pessoas que conheço, e, bom, no Social Media, não tenho ideia de quem me conhece, se conhecem ou não o meu trabalho, ou o que acham; mas espero que gostem.
Para finalizar, uma mensagem que gostaria de deixar para os moçambicanos, no geral, e para os amantes dos Comics, em particular.
Vale a pena tentar. Vale a pena dar um salto no escuro e descobrir onde se aterra. Muitas vezes dá merda. Muitas vezes há que se chafurdar nessa mesma merda. Mas perseverança, atitude, coragem e um bocado de sorte pode fazer com que sonhos, antes imaginados impossíveis, se tornem realidade. O segredo é sempre começar e continuar a tentar. Se der, deu. Se não der, ao fim do dia, a pessoa pode ir dormir com a sensação de que tentou tudo o que podia, e isso já vale muito. A sorte protege os audazes né? Mbora fazer a sua própria sorte!
ENCONTRE OS TRABALHOS DO MARCO RUDY EM: www.linktr.ee/marco_rudy