Ensaio teórico - Desenho de croqui digital na arquitetura

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Ensaios em Arquitetura e Urbanismo | ARQUI Ensaios 1 jan/mai de 2022

DESENHO DE CROQUI DIGITAL NA ARQUITETURA

DIGITAL SKETCH DRAWING IN ARCHITECTURE

OLIVEIRA, Marília

Graduanda em Arquitetura e Urbanismo; Universidade de Brasília mariliacmdo@gmail.com

Orientador(a): AMÉRICO, Eliel

Mestre em Arquitetura e Urbanismo; Universidade de Brasília americoeliel@gmail.com

RESUMO:

A adoção de novas tecnologias na prática arquitetônica é algo que vem ocorrendo a muito tempo, porém esse processo vem acontecendo de forma mais rápida nos últimos anos e o debate a respeito de como esse processo se dá é cada vez mais importante. Dentro deste contexto, o presente ensaio teórico tem como objetivo avaliar as ferramentas digitais como aliadas do desenho de croqui arquitetônico. O desenho digital feito à mão, produzido por meio de tablets ou mesas digitalizadoras e canetas e softwares, pode ser uma alternativa interessante para aqueles que têm contato com o computador na prática arquitetônica e se preocupam em manter como hábito o desenho de croqui. Exploraremos a função do croqui como representação arquitetônica para avaliar se o desenho digital se apresenta de maneira satisfatória como tecnologia para exercer o croqui, levando em conta exemplos de obras arquitetônicas fortemente relacionadas com seu o desenho de croqui. Os hábitos dos estudantes e arquitetos, o contexto em que o croqui é feito, a graduação em arquitetura e urbanismo e a prática profissional são fatores que parecem ter papel fundamental para determinar como o desenho de croqui digital pode ser incorporado no cotidiano desse público, portanto foi feita uma pesquisa quantitativa e qualitativa para melhor analisar esses fatores.

PALAVRAS-CHAVE: desenho. croqui. desenho digital. arquitetura. desenho arquitetônico. mesa digitalizadora. tecnologia.

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ABSTRACT:

The adoption of new technologies in architectural practice is something that has been happening for a long time, but this process has been happening more quickly in recent years and the debate about how this process takes place is increasingly important. Within this context, this theoretical essay aims to evaluate digital tools as allies of architectural sketch drawing. The hand-made digital drawing, produced using tablets or digitizing tables and pens and software, can be an interesting alternative for those who have contact with the computer in architectural practice and are concerned about keeping the sketch drawing as a habit. We will explore the role of the sketch as an architectural representation to assess whether the digital drawing presents itself in a satisfactory way as a technology to exercise the sketch, taking into account examples of architectural works strongly related to its sketch drawing. The habits of students and architects, the context in which the sketch is made, the degree in architecture and urbanism and the professional practice are factors that seem to play a fundamental role in determining how the digital sketch drawing can be incorporated into the daily life of this audience, therefore a quantitative and qualitative research was carried out to better analyze these factors.

KEYWORDS: design. sketch digital drawing. architecture. architectural design. technology.

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INTRODUÇÃO

Há necessidade de entender e explorar as novas ferramentas e tecnologias que estão disponíveis para auxiliar o fazer arquitetônico. O desenho de croqui digital na arquitetura é um exemplo de como novas tecnologias podem ser adotadas por estudantes e arquitetos com o objetivo de serem mais eficientes na graduação ou na prática profissional. É necessário, porém, destrinchar como essa técnica se apresenta, para entendermos de que maneira ela pode ser utilizada satisfatoriamente no dia a dia dos desenhistas, tendo em vista que a tecnologia vem avançando de forma cada vez mais rápida, e deve haver um cuidado para que características do desenho não se percam na adoção de novas tecnologias.

O desenho de croqui digital que será explorado neste ensaio é o desenho feito por meio de mesa digitalizadora e caneta ou por meio de tablets de desenho e caneta digitalizadora somado a softwares de desenho e tratamento de imagem como o Corel Draw, Photoshop, Krita, Adobe Fresco e similares. A definição do tipo de croqui citado acima e o porquê de ele ser diferente das imagens geradas a partir da renderização de modelos tridimensionais também será explorada. O desenho por meio de mesa digitalizadora ou tablet pode ser comparado ao desenho à mão tradicional por conta da preservação de algumas características e por isso ele pode ser uma alternativa interessante em relação a utilização de softwares de arquitetura nas etapas iniciais do projeto. Como o desenho manual é mais rápido, o artista exercita as noções de espacialidade de forma mais fluida, mesmo que sem a precisão milimétrica dos softwares de arquitetura.

A adoção da tecnologia pelos desenhistas é um fator muito importante para o debate desse assunto e vale ressaltar que a tecnologia como conhecemos já vem sendo incorporada mesmo que inconscientemente na prática do desenho como um todo, seja pelo estudo da técnica por meio da internet, como por meio de pesquisa de fotografias para desenhos de observação e repertório.

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O tema da adoção do desenho de croqui digital na arquitetura passa, quase que necessariamente, pela opinião, hábitos e realidades do público que poderia adotar essa prática. Por esse motivo, foi feita uma pesquisa com estudantes de arquitetura e arquitetos, onde foi possível identificar, quantificar e avaliar as práticas de projeto, uso de softwares e opiniões dos participantes a respeito dos temas abordados no presente ensaio.

O CROQUI ARQUITETÔNICO

A importância do croqui

Para entendermos as reflexões que virão a seguir, devemos primeiro entender o que é o croqui, dentro do contexto do projeto arquitetônico. Quando pensamos no processo de projetar arquitetura, geralmente o primeiro passo que nos vem à mente é o desenho. Esse desenho é de muita importância, já que as anotações rápidas têm um papel muito importante para que ideias não sejam perdidas e para que os pensamentos sejam colocados em ordem. A anotação tem grande valor no desenvolvimento de ideias. Para Lúcio Costa, esse registro simples e preciso tem o nome de “risco” e é por ele que "o hábito da observação, o espírito de análise, o gosto pela precisão" é desenvolvido (Costa, 1995).

A importância da anotação gráfica do croqui é aumentada quando levamos em consideração que ao desenhar, o desenhista coloca em prática várias noções de arquitetura, de espacialidade de perspectiva e de proporção. Como o desenho também possui caráter educativo, o desenhista utiliza elementos que foram aprendidos anteriormente, como explica o educador

John Dewey:

O princípio da continuidade da experiência implica que cada experiência levanta algo relativo àquelas que ocorreram antes e, de algum modo, modifica a qualidade daquelas que virão. (DEWEY, 1936, p.403)

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São retomados conceitos que foram inseridos em seu repertório por meio da prática do desenho de observação ou do desenho de imaginação. Isto é sustentado por Lúcio Costa, que entende que o croqui tem função de resgatar a "pureza da imaginação" e o "dom da invenção".

O DESENHO E A TECNOLOGIA

Define-se tecnologia como “Conjunto das técnicas, processos e métodos específicos de uma ciência, ofício, indústria etc; ciência que trata dos métodos e do desenvolvimento das artes industriais.” (TECNOLOGIA, 2022). A relação do artista com a tecnologia é tão antiga que se torna difícil estabelecermos um ponto de origem. Analisamos as pinturas rupestres como formas primitivas de arte e representação e junto a isso nos indagamos sobre quais eram as tecnologias utilizadas pelos homens primitivos. Estudamos sobre Leonardo da Vinci que uniu arte e tecnologia de uma maneira notável, sendo cientista e pintor e vemos que as áreas do conhecimento que ele dominava se mesclavam. O advento da fotografia, como tecnologia disruptiva, forçou a arte a tomar novos caminhos e o movimento impressionista surgiu a partir das mudanças de objetivos das pinturas após a chegada da foto. A adoção da tecnologia na arte tem como objetivo simplificar a comunicação e por esse motivo, a arte de cada época está acompanhada da tecnologia que foi importante para toda uma geração.

O mesmo continua acontecendo nos dias de hoje, onde tentamos incorporar as novas técnicas disponíveis para implementar a arte. Assim como a fotografia retrata com precisão a realidade, as tecnologias de modelagem tridimensional e as renderizações retratam com precisão os projetos arquitetônicos. Talvez o croqui digital tenha o papel de resgatar a emoção diante da exatidão dos modelos computadorizados.

O desenho e a tecnologia nos dias de hoje

Atualmente, a tecnologia como conhecemos é incorporada no nosso dia a dia de maneira bastante orgânica, por isso muitas vezes é difícil perceber que existe uma influência dela sobre

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algumas áreas. Uma dessas áreas é o desenho. Usamos computadores para estudar sobre o desenho, para ler livros sobre técnicas em nossos celulares, para fazer cursos online, buscar obras de referências para nossos desenhos, nos comunicarmos com outros desenhistas ou professores e até mesmo visitar lugares com a ajuda de softwares como o Google Earth. Existem acervos digitais que possibilitam acesso a obras que não poderiam ser vistas pessoalmente com tanta facilidade . A pandemia do novo coronavírus, trouxe uma amplificação do uso dessas tecnologias no ato de desenhar, já que muitas aulas foram canceladas, visitas e encontros adiados e viagens restringidas de maneira muito intensa.

Nota-se também o surgimento de tendências a respeito do uso de novas tecnologias na arte. Uma onda de novos conceitos como NFT (token não fungível), criptomoedas e realidades virtuais como o Metaverso da empresa Meta vem surgindo, e com ela o fomento à pesquisa a respeito dessa área, que é muito nova. Acredito que assim como o que ocorreu com o advento de tantas outras tecnologias, muitas ideias surgirão e adotaremos apenas parte delas, como um resumo ou aprimoramento dessas inovações. Muitos conceitos são apresentados mas apenas alguns são realmente disruptivos e duradouros. Por esse motivo, é de extrema importância a análise das tecnologias que adotamos no nosso dia a dia, pois muitas vezes as utilizamos apenas por ser o senso comum, e não porque essa é realmente uma técnica que pode ser mais eficiente para nós. No âmbito acadêmico, o uso da tecnologia tem como vantagens “o interesse do aluno na disciplina, a forma como ele vê as atividades, o tempo que ele dispensa para aprender, a motivação para estar em sala de aula, o fascínio que as novas tecnologias exercem sobre os estudantes”(MARTINS e col. (2019) .O resultado dessa reflexão pode ir de encontro ou contra a adoção do desenho digital na prática arquitetônica.

O CROQUI DIGITAL

As técnicas do croqui digital

O croqui digital consiste no desenho por meio de caneta e mesa digitalizadora, caneta e painéis interativos ou caneta e tablet. Essa técnica de desenho em específico busca manter o elemento

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motor de segurar um lápis, caneta, marcador ou pincel, para que as principais vantagens do desenho em meios tradicionais sejam mantidas e a experiência de desenhar seja parecida com as experiências de costume de muitos desenhistas.

Os elementos principais do desenho à mão livre, a rapidez de transmissão do pensamento para o desenho e a liberdade gestual e a individualidade do traço são mantidos de certa forma. Os aplicativos simulam visualmente as técnicas e os materiais tradicionais de pintura. São simuladas as texturas do giz de cera, a transparência da aquarela e a opacidade do guache. A pressão colocada sob a caneta também é mimetizada e a precisão dos pincéis pode ser ajustada de acordo com o gosto do desenhista.

Mesmo com a tentativa de simular as técnicas tradicionais, o desenho digital é uma técnica diferente e única, pois pode-se ter resultados que não seriam compatíveis com o meio físico. Um desenho utilizando várias técnicas mescladas como aquarela , aerógrafo, marcador e lápis grafite poderia encontrar empecilhos, pois diferentes meios requerem diferentes suportes. No desenho digital, porém, diferentes representações de materiais poderiam ser feitas em uma mesma tela sem muitos problemas de compatibilidade.

No meio digital, a quantidade de material de pintura e de suporte utilizado não é um problema, assim como também não existe tempo de secagem, a não ser que isso seja de desejo do artista. Atualmente, softwares como o Adobe Fresco simulam as propriedades da aquarela e mostram animações realísticas que simulam o pigmento se espalhando sobre o papel molhado, para que o artista que está acostumado com a técnica de molhado sobre molhado possa trabalhar de maneira mais natural. O canvas pode se estender de maneira ampliada, e ao finalizar um desenho de grandes dimensões, basta salvá-lo em seu computador, sem necessidade de reservar um ambiente físico para guardá-lo.

Algumas ferramentas já são incorporadas nos próprios aplicativos de desenho, como réguas e esquadros e até mesmo o desenho que seria feito com a necessidade de uma mesa de luz pode ser feito utilizando apenas o tablet, com imagens de referência e ferramentas de camadas dentro dos softwares. Essa característica faz com que o desenho possa ser feito sem a

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necessidade de estar com todos esses materiais a disposição, o que o torna interessante para desenhar em diversos locais.

Outra nuance interessante do desenho digital, é que pode-se salvar diversas versões do mesmo trabalho, e salvar o seu progresso quando julgar necessário, evitando perdas por erros e acidentes. A eliminação desses pequenos erros pode ser boa ou ruim, pois há quem entenda o erro como uma oportunidade de tomar outros caminhos com a obra e quem se vê tendo que recriar um trabalho com o qual estava satisfeito por conta desses erros.

Desenho digital x Software de renderização

Agora que exploramos a importância do croqui na prática arquitetônica e as peculiaridades do desenho digital, precisamos entender melhor o que o difere de desenhos gerados a partir de softwares de modelagem tridimensional e de renderização. O render é o produto gerado a partir da aplicação de texturas, cores, luz e sombras em um modelo 3D de maneira a criar uma imagem realista. É construída a maquete 3D com as medidas exatas do projeto a ser representado e o seu objetivo é gerar um produto que represente com precisão o que será construído. Atualmente o render está ligado a visualização de como o projeto ficará na realidade e seu público principal são os clientes ou empresas que estão contratando os serviços dos arquitetos.

O serviço de ArchViz (Visualização Arquitetônica) também está passando por diversos implementos. Atualmente, é comum que esse serviço esteja incluído nos serviços fornecidos pelos arquitetos pois “ o mercado já espera render, vídeo, 3D, 360, imersão digital” (P58).

Idealmente, a construção da maquete 3D está ligada a uma etapa mais avançada do projeto, onde a parte da criatividade e criação já passou, mas, muitas vezes, os estudantes e arquitetos acabam por utilizar essas ferramentas nas etapas iniciais do projeto porque julgam que “saber esboçar em desenho a ideia é essencial para entender o que está nos planos nas ideias, mas nem sempre necessário. Às vezes ir direto para o software funciona igualmente bem”(P19). A

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velocidade de representação das ideias iniciais é diminuída e muito pode se perder nesse processo, pois existe um atraso entre o pensamento e o trabalho motor que deve ser feito para representar aquilo que foi pensado. A crescente busca e interesse pelas imagens renderizadas, pode ser um fator que faz com que estudantes e arquitetos prezem pelo resultado final do projeto e passem por cima de algumas etapas fundamentais do projeto, que refletirão no resultado final de sua obra.

A EXPRESSIVIDADE DO CROQUI

A função independente da técnica

Ao diferenciarmos o croqui de arquitetura das renderizações e modelos tridimensionais, podemos concluir que essas duas produções têm objetivos e momentos diferentes, e independentemente da técnica utilizada, o importante é que a função que cada uma dessas representações seja cumprida. Podemos entender que o mais importante da prática do croqui é a sua expressividade ao representar uma ideia e se essa funcionalidade for preservada, não importa a ferramenta que está sendo utilizada para realizá-lo.

A relação do croqui com a obra

O Archigram como coletivo produtor de projetos arquitetônicos não construídos, se relaciona muito bem com essa temática, pois o seu produto final foram suas produções gráficas. Nesse sentido, a proximidade do croqui ao produto final é mais evidente do que se estivéssemos comparando com um edifício construído.

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Figura 1: Walking City At Rest / Night. Desenho de caneta e giz de cera em papel de sketchbook . ARCHIGRAM ARCHIVAL PROJECT: Ron Herron, 1993. Figura 2: Walking City In Desert. Impressão fotográfica colorida. ARCHIGRAM ARCHIVAL PROJECT: Ron Herron, 1993.

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No aspecto tecnológico, o grupo adotou em suas obras diversas técnicas e materiais. Podemos notar como o desenho de caneta e giz (Figura 1) está fortemente relacionado à impressão fotográfica colorida do mesmo projeto (Figura 2).

Diferentemente do projeto anterior, podemos analisar a obra Parc la Villette do arquiteto Bernard Tschumi (Figura 3), tendo em vista que ele está profundamente conectado com o seu desenho de croqui (Figura 4) e é uma obra que foi construída. Isso nos mostra que o croqui, nos ajuda a colocar no papel o que nossa imaginação criou. É possível que o projeto fosse diferente se não tivesse existido o croqui e fossem utilizadas as ferramentas digitais de modelo tridimensional num primeiro momento, como é comum notarmos nos dias atuais. O tempo entre a ideia e a anotação do projeto pode fazer com que parte da criatividade se perca no caminho.

Figura 3 :Parc de la Villette, Paris, França. Fonte: © Bernard Tschumi Architects, 1998

A adoção da tecnologia na representação deste projeto imprime em sua apresentação o próprio projeto. Isso também serve para ressaltar o papel de expansor da criatividade que o croqui tem, e mostra que a adoção da tecnologia no desenho não foi equivocada, e sim ajudou a representar de maneira gráfica o que seria mais tarde construído.

PESQUISA: CROQUI NA ARQUITETURA

Ao pensar em como seria a adoção do desenho de croqui digital como técnica para auxiliar a prática de projeto de arquitetura, nos deparamos com diversas indagações a respeito de suas vantagens e desvantagens, que dependem dos costumes e ambientes dos estudantes e arquitetos que poderiam adotá-las. Tendo em vista as variáveis que perpassam o assunto e após termos destrinchado melhor as justificativas e aspectos desta técnica, vamos analisar o questionário feito para contribuir com o presente ensaio.

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Figura 4 :Parc de la Villette, croqui de perspectivas exteriores. Fonte: MoMA, Bernard Tschumi, 1983.

Objetivos e características da pesquisa

A pesquisa com o nome de “Croqui na arquitetura” feita por meio da plataforma Google Formulários, foi divulgada por meio do Whatsapp e Instagram e foi respondida por 76 participantes, sendo eles estudantes de arquitetura e arquitetos. O formulário é composto por perguntas de múltipla escolha, caixas de seleção e perguntas de respostas abertas foi respondido entre os dias 08/04/2022 e 13/04/2022. O objetivo deste questionário é entender a opinião dos participantes a respeito dos temas: a importância do croqui na prática projetual, práticas projetuais de costume dos estudantes e arquitetos, uso de diferentes softwares arquitetônicos e de representação gráfica, conhecimento sobre a técnica do desenho digital e o contexto em que estão inseridos.

Perfil do público da pesquisa

O alvo da pesquisa foram pessoas que têm contato com arquitetura e urbanismo de forma acadêmica ou profissional. Assim, os participantes foram 68 estudantes de arquitetura, sete arquitetos e um mestrando. Destes, 65,8% estudam ou graduaram na UnB, 11% no UniCeub, 9,2% na UniLins, 2,6% na Universidade de Lisboa e outros 10,4% estão divididos entre IESB, Unicap, UNICID, UNIPLAN, UniFTC, UFG, UFPA e UFRGS. A relação dos participantes com a graduação foi dividida em 21,1% dos participantes tendo cursado até o quinto semestre, 56,6% do sexto semestre ao décimo semestre e 22,4% estão do décimo primeiro semestre para cima ou já finalizaram a graduação. Com esses dados, podemos perceber que a maioria dos entrevistados são estudantes da Universidade de Brasília que estão cursando do sexto ao décimo semestre.

Resultados e análise

O contato com o computador foi um dos aspectos de interesse da pesquisa. A maioria das pessoas afirma ter tido contato com o computador no segundo semestre da graduação. Ao

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responder sobre a frequência com que usam o computador para projetar desde as etapas iniciais do projeto, 34,2% selecionaram a resposta “sempre” e 39,5% “a maioria dos projetos” (Figura 5), somando 73,7% dos entrevistados.

Porém, as respostas representadas pelos gráficos abaixo (Figura 6 e Figura 7) combinados, mostram que a parte dos participantes acredita que apenas o computador não é o suficiente para a prática arquitetônica e que o croqui é a representação de maior importância em um projeto.

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Figura 5 :Gráfico de resultados da pergunta 4. Fonte: Formulário “Croqui na arquitetura", 2022.

Ao analisar os gráficos acima (Figura 5, Figura 6 e Figura 7) podemos ver que existe uma discrepância entre o que é a prática de costume dos entrevistados e entre o que eles consideram importante. Isso é confirmado com o resultado da pergunta “Qual o nível de importância você considera que o desenho à mão tem para a prática arquitetônica?”, que mostra que 61,8% dos entrevistados consideram que o desenho à mão tem muita importância, 31,6% consideram ter média importância e apenas 6,6% julgam ter pouca importância.

A pergunta 8 (Figura 8) mostra que 53,9% das pessoas já utilizaram mesa digitalizadora e caneta ou tablet e caneta para fazer desenho digital pelo menos uma vez, porém quase nenhuma resposta para as perguntas dissertativas inferiu que essa era uma prática recorrente dos participantes. Essas informações combinadas indicam que ao responder se usavam o

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Figura 6 :Gráfico de resultado da pergunta 6 Fonte: Formulário “Croqui na arquitetura”, 2022. Figura 7 :Gráfico de resultado da pergunta 7 Fonte: Formulário “Croqui na arquitetura”, 2022.

computador nas etapas iniciais do projeto, os participantes, em sua maioria, não estavam se referindo ao desenho digital de croqui de arquitetura debatido neste ensaio.

Essas respostas nos levam a pensar em qual seria o motivo de grande parte dos participantes pular as etapas de desenho à mão ao projetar, mesmo que eles considerem que isso é de grande importância. Em contrapartida, as respostas da pergunta 11 , que diz respeito ao contexto em que os participantes estão inseridos, nos ajudam a entender as circunstâncias dessa contradição, pois ao responder a pergunta 11: “A sua visão sobre a importância do desenho de croqui mudou ao decorrer da graduação ou da prática profissional? Explique.” apareceram respostas como a seguinte:

Sim, no primeiro semestre o desenho a mão era muito importante principalmente nas etapas iniciais. Mas sinto que isso se perdeu ao longo dos semestres por conta de uma cobrança mais técnica por parte das disciplinas e alguns professores.”(P11)

Ao decorrer da faculdade, estágio ou prática profissional, parece que algumas coisas são priorizadas pelos estudantes e profissionais em detrimento de outras. Esse pode ser o caso do

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Figura 8 :Gráfico de resultado da pergunta 8 Fonte: Formulário “Croqui na arquitetura”, 2022.

croqui, que tem o seu papel fundamental esquecido diante da necessidade de se aprofundar em outros aspectos. Esse esquecimento é preocupante, pois muitas vezes o croqui não é substituído por outra representação que tenha a mesma função, apresentando uma defasagem no processo projetual. Pode-se inferir com as respostas desses alunos que o aprendizado ou exigência de novas habilidades ao decorrer do curso é confundida com uma hierarquização dos processos e representações. Outro aspecto que aparece nas respostas é que alguns estudantes abrem mão do desenho à mão por julgar que é um gasto de tempo como na declaração: “Não. Não há tempo hábil para isso. O semestre é corrido.” (P74)

A visão sobre a importância do croqui também parece ser afetada ao decorrer do contato com o mercado de trabalho e a prática profissional:

Sim, por mais que o croqui seja algo muito importante na concepção do projeto quanto na apresentação para o cliente, eu percebi que na prática real em escritório o croqui acaba sendo deixado de lado e o cliente muitas vezes busca apenas pela imagem renderizada. (P1)

Algumas respostas mostram um descontentamento com a subvalorização do croqui nos escritórios de arquitetura: “Considero tão importante quanto considerava no início, porém percebo que a prática profissional não valoriza e diminui cada vez mais o espaço do desenho de croqui” (P 36).

A fala da participante P8 ao responder a pergunta sobre a sua visão sobre o desenho de croqui na graduação, resume bem o entendimento do croqui e relaciona a sua importância com a presença de outros tipos de representações. É interessante que o assunto dos softwares surgiu ao explicar se continuava achando que o croqui é importante:

No começo eu achava que era importante, mas não sabia exatamente porquê. Saber desenhar me ajudou muito, mas não no sentido de projetar em si, mas sim em transmitir minhas ideias mais facilmente.

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Hoje eu acredito que o importante é você dominar alguma ferramenta que te permita consolidar suas ideias de um jeito rápido e com flexibilidade, de forma que seus projetos não fiquem travados no "é mais fácil fazer assim no software, então vou projetar só assim". É importante que o processo não seja tão lento que a ideia se perca.(P8)

Já a pergunta 13 teve como foco o desenho de croqui digital de arquitetura em si. Notou-se que grande parte do público não estava familiarizado com o tema, com 39 respostas em branco e 10 respostas afirmando que não possuíam nenhuma reflexão sobre o tema. Alguns mostraram que possuem interesse pelo assunto com declarações como “Acredito que o desenho digital é algo que nunca explorei muito, mas que tem uma grande potencialidade de ser o meio termo entre já começar modelando a arquitetura nos softwares” (P59). O público que tinha alguma opinião sobre o assunto apresentou algumas opiniões divididas. Em favor do croqui digital: "É uma nova forma de representar ideias mesmo não tendo materiais físicos, como papéis especiais e tintas, no digital é possível editar e utilizar efeitos que imitam todos tipos de materiais.” (P33), ou indo contra a ideia do croqui digital apresentar um avanço em relação a outros meios, expressado em: “Eu prefiro desenhar croqui no papel ainda, mesmo possuindo mesa digitalizadora e tablet com caneta. Em segundo lugar vem o tablet com caneta no sketchbook, mas não traz o mesmo sentimento.”(P53)

A pesquisa mostrou também que a maior parte do público já realizou alguma forma de desenho digital, por mais que ele não fosse inteiramente como o sugerido no presente ensaio. Esse dado é animador, pois mostra que alguns softwares utilizados para o desenho de croqui já são de conhecimento de grande parte do público da pesquisa, mesmo que seja utilizando o mouse, como responderam 47,4% dos entrevistados para desenhar ou realizando colagens digitais, como indicaram 56,6%. Entre os softwares de desenho digital, colagens, apresentações e composições mais utilizados apareceram entre os primeiros o Photoshop, com 50 votos, o Illustrator, com 45, o InDesign, com 21 e o Sketchbook, com 18 votos.

CONCLUSÃO

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Podemos perceber com o presente ensaio que a adoção da técnica de desenho de croqui digital se mostra como uma alternativa que desperta muito interesse, e que tem o seu papel, levando em conta as várias vantagens. Entre suas vantagens estão o fácil armazenamento, a função motora, as possibilidades de usar diversas técnicas em conjunto e salvar diversas versões de um único trabalho . Em contrapartida, vemos que os instrumentos para se realizar o croqui digital ainda são de acesso limitado e requerem certo grau de familiarização para poderem ser utilizadas de maneira satisfatória.

Vemos também que por mais que haja uma valorização dos processos manuais de desenvolvimento de projeto, muitas pessoas acabam abandonando quase que completamente essa prática pois consideram que o ambiente em que estão inseridas pede por outras formas de representação, seja o ambiente acadêmico, onde muitas vezes são utilizados softwares de arquitetura pela primeira vez e um grande foco acaba sendo direcionado para isso, seja na busca de se aprimorar na maior quantidade de softwares possível para aumentar suas chances de ingressar em um estágio, dentro deste estágio onde o estudante acaba exercendo em sua maioria os trabalhos de detalhamento em softwares de arquitetura e representação ou pelo ambiente profissional, onde se valoriza cada vez mais a imagem renderizada realista, pela noção de que isso é o que o cliente espera.

Em conclusão, vemos que a adoção do croqui digital na arquitetura apresenta alguns obstáculos, mas que mesmo assim se apresenta como uma técnica inovadora e satisfatória, ao analisarmos suas vantagens e aplicações. A técnica do desenho digital pode ser uma boa aliada para evitar que a prática do croqui seja ofuscada pela vontade de se aprimorar em técnicas computadorizadas, e o mais importante é que a tecnologia seja utilizada de maneira a preservar a função principal do croqui, que é a de desenvolver uma ideia por meio do movimento motor, representar o que mais tarde será detalhado e construído e expressar intenção em emoção em cada traço e auxiliar no processo criativo.

REFERÊNCIAS

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<https://www.archdaily.com.br/br/926686/desenhos-a-mao-livre-o-valor-da-interpretacao-em ocional-na-arquitetura-contemporanea?ad medium=gallery>. Acesso em: 22 abr. 2022.

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