9 minute read

Ensaios em Arquitetura e Urbanismo | ARQUI Ensaios 1 jan/mai de 2022

No aspecto tecnológico, o grupo adotou em suas obras diversas técnicas e materiais. Podemos notar como o desenho de caneta e giz (Figura 1) está fortemente relacionado à impressão fotográfica colorida do mesmo projeto (Figura 2).

Diferentemente do projeto anterior, podemos analisar a obra Parc la Villette do arquiteto Bernard Tschumi (Figura 3), tendo em vista que ele está profundamente conectado com o seu desenho de croqui (Figura 4) e é uma obra que foi construída. Isso nos mostra que o croqui, nos ajuda a colocar no papel o que nossa imaginação criou. É possível que o projeto fosse diferente se não tivesse existido o croqui e fossem utilizadas as ferramentas digitais de modelo tridimensional num primeiro momento, como é comum notarmos nos dias atuais. O tempo entre a ideia e a anotação do projeto pode fazer com que parte da criatividade se perca no caminho.

Advertisement

A adoção da tecnologia na representação deste projeto imprime em sua apresentação o próprio projeto. Isso também serve para ressaltar o papel de expansor da criatividade que o croqui tem, e mostra que a adoção da tecnologia no desenho não foi equivocada, e sim ajudou a representar de maneira gráfica o que seria mais tarde construído.

PESQUISA: CROQUI NA ARQUITETURA

Ao pensar em como seria a adoção do desenho de croqui digital como técnica para auxiliar a prática de projeto de arquitetura, nos deparamos com diversas indagações a respeito de suas vantagens e desvantagens, que dependem dos costumes e ambientes dos estudantes e arquitetos que poderiam adotá-las. Tendo em vista as variáveis que perpassam o assunto e após termos destrinchado melhor as justificativas e aspectos desta técnica, vamos analisar o questionário feito para contribuir com o presente ensaio.

Objetivos e características da pesquisa

A pesquisa com o nome de “Croqui na arquitetura” feita por meio da plataforma Google Formulários, foi divulgada por meio do Whatsapp e Instagram e foi respondida por 76 participantes, sendo eles estudantes de arquitetura e arquitetos. O formulário é composto por perguntas de múltipla escolha, caixas de seleção e perguntas de respostas abertas foi respondido entre os dias 08/04/2022 e 13/04/2022. O objetivo deste questionário é entender a opinião dos participantes a respeito dos temas: a importância do croqui na prática projetual, práticas projetuais de costume dos estudantes e arquitetos, uso de diferentes softwares arquitetônicos e de representação gráfica, conhecimento sobre a técnica do desenho digital e o contexto em que estão inseridos.

Perfil do público da pesquisa

O alvo da pesquisa foram pessoas que têm contato com arquitetura e urbanismo de forma acadêmica ou profissional. Assim, os participantes foram 68 estudantes de arquitetura, sete arquitetos e um mestrando. Destes, 65,8% estudam ou graduaram na UnB, 11% no UniCeub, 9,2% na UniLins, 2,6% na Universidade de Lisboa e outros 10,4% estão divididos entre IESB, Unicap, UNICID, UNIPLAN, UniFTC, UFG, UFPA e UFRGS. A relação dos participantes com a graduação foi dividida em 21,1% dos participantes tendo cursado até o quinto semestre, 56,6% do sexto semestre ao décimo semestre e 22,4% estão do décimo primeiro semestre para cima ou já finalizaram a graduação. Com esses dados, podemos perceber que a maioria dos entrevistados são estudantes da Universidade de Brasília que estão cursando do sexto ao décimo semestre.

Resultados e análise

O contato com o computador foi um dos aspectos de interesse da pesquisa. A maioria das pessoas afirma ter tido contato com o computador no segundo semestre da graduação. Ao responder sobre a frequência com que usam o computador para projetar desde as etapas iniciais do projeto, 34,2% selecionaram a resposta “sempre” e 39,5% “a maioria dos projetos” (Figura 5), somando 73,7% dos entrevistados.

Porém, as respostas representadas pelos gráficos abaixo (Figura 6 e Figura 7) combinados, mostram que a parte dos participantes acredita que apenas o computador não é o suficiente para a prática arquitetônica e que o croqui é a representação de maior importância em um projeto.

Ao analisar os gráficos acima (Figura 5, Figura 6 e Figura 7) podemos ver que existe uma discrepância entre o que é a prática de costume dos entrevistados e entre o que eles consideram importante. Isso é confirmado com o resultado da pergunta “Qual o nível de importância você considera que o desenho à mão tem para a prática arquitetônica?”, que mostra que 61,8% dos entrevistados consideram que o desenho à mão tem muita importância, 31,6% consideram ter média importância e apenas 6,6% julgam ter pouca importância.

A pergunta 8 (Figura 8) mostra que 53,9% das pessoas já utilizaram mesa digitalizadora e caneta ou tablet e caneta para fazer desenho digital pelo menos uma vez, porém quase nenhuma resposta para as perguntas dissertativas inferiu que essa era uma prática recorrente dos participantes. Essas informações combinadas indicam que ao responder se usavam o computador nas etapas iniciais do projeto, os participantes, em sua maioria, não estavam se referindo ao desenho digital de croqui de arquitetura debatido neste ensaio.

Essas respostas nos levam a pensar em qual seria o motivo de grande parte dos participantes pular as etapas de desenho à mão ao projetar, mesmo que eles considerem que isso é de grande importância. Em contrapartida, as respostas da pergunta 11 , que diz respeito ao contexto em que os participantes estão inseridos, nos ajudam a entender as circunstâncias dessa contradição, pois ao responder a pergunta 11: “A sua visão sobre a importância do desenho de croqui mudou ao decorrer da graduação ou da prática profissional? Explique.” apareceram respostas como a seguinte:

Sim, no primeiro semestre o desenho a mão era muito importante principalmente nas etapas iniciais. Mas sinto que isso se perdeu ao longo dos semestres por conta de uma cobrança mais técnica por parte das disciplinas e alguns professores.”(P11)

Ao decorrer da faculdade, estágio ou prática profissional, parece que algumas coisas são priorizadas pelos estudantes e profissionais em detrimento de outras. Esse pode ser o caso do croqui, que tem o seu papel fundamental esquecido diante da necessidade de se aprofundar em outros aspectos. Esse esquecimento é preocupante, pois muitas vezes o croqui não é substituído por outra representação que tenha a mesma função, apresentando uma defasagem no processo projetual. Pode-se inferir com as respostas desses alunos que o aprendizado ou exigência de novas habilidades ao decorrer do curso é confundida com uma hierarquização dos processos e representações. Outro aspecto que aparece nas respostas é que alguns estudantes abrem mão do desenho à mão por julgar que é um gasto de tempo como na declaração: “Não. Não há tempo hábil para isso. O semestre é corrido.” (P74)

A visão sobre a importância do croqui também parece ser afetada ao decorrer do contato com o mercado de trabalho e a prática profissional:

Sim, por mais que o croqui seja algo muito importante na concepção do projeto quanto na apresentação para o cliente, eu percebi que na prática real em escritório o croqui acaba sendo deixado de lado e o cliente muitas vezes busca apenas pela imagem renderizada. (P1)

Algumas respostas mostram um descontentamento com a subvalorização do croqui nos escritórios de arquitetura: “Considero tão importante quanto considerava no início, porém percebo que a prática profissional não valoriza e diminui cada vez mais o espaço do desenho de croqui” (P 36).

A fala da participante P8 ao responder a pergunta sobre a sua visão sobre o desenho de croqui na graduação, resume bem o entendimento do croqui e relaciona a sua importância com a presença de outros tipos de representações. É interessante que o assunto dos softwares surgiu ao explicar se continuava achando que o croqui é importante:

No começo eu achava que era importante, mas não sabia exatamente porquê. Saber desenhar me ajudou muito, mas não no sentido de projetar em si, mas sim em transmitir minhas ideias mais facilmente.

Hoje eu acredito que o importante é você dominar alguma ferramenta que te permita consolidar suas ideias de um jeito rápido e com flexibilidade, de forma que seus projetos não fiquem travados no "é mais fácil fazer assim no software, então vou projetar só assim". É importante que o processo não seja tão lento que a ideia se perca.(P8)

Já a pergunta 13 teve como foco o desenho de croqui digital de arquitetura em si. Notou-se que grande parte do público não estava familiarizado com o tema, com 39 respostas em branco e 10 respostas afirmando que não possuíam nenhuma reflexão sobre o tema. Alguns mostraram que possuem interesse pelo assunto com declarações como “Acredito que o desenho digital é algo que nunca explorei muito, mas que tem uma grande potencialidade de ser o meio termo entre já começar modelando a arquitetura nos softwares” (P59). O público que tinha alguma opinião sobre o assunto apresentou algumas opiniões divididas. Em favor do croqui digital: "É uma nova forma de representar ideias mesmo não tendo materiais físicos, como papéis especiais e tintas, no digital é possível editar e utilizar efeitos que imitam todos tipos de materiais.” (P33), ou indo contra a ideia do croqui digital apresentar um avanço em relação a outros meios, expressado em: “Eu prefiro desenhar croqui no papel ainda, mesmo possuindo mesa digitalizadora e tablet com caneta. Em segundo lugar vem o tablet com caneta no sketchbook, mas não traz o mesmo sentimento.”(P53)

A pesquisa mostrou também que a maior parte do público já realizou alguma forma de desenho digital, por mais que ele não fosse inteiramente como o sugerido no presente ensaio. Esse dado é animador, pois mostra que alguns softwares utilizados para o desenho de croqui já são de conhecimento de grande parte do público da pesquisa, mesmo que seja utilizando o mouse, como responderam 47,4% dos entrevistados para desenhar ou realizando colagens digitais, como indicaram 56,6%. Entre os softwares de desenho digital, colagens, apresentações e composições mais utilizados apareceram entre os primeiros o Photoshop, com 50 votos, o Illustrator, com 45, o InDesign, com 21 e o Sketchbook, com 18 votos.

Conclus O

Podemos perceber com o presente ensaio que a adoção da técnica de desenho de croqui digital se mostra como uma alternativa que desperta muito interesse, e que tem o seu papel, levando em conta as várias vantagens. Entre suas vantagens estão o fácil armazenamento, a função motora, as possibilidades de usar diversas técnicas em conjunto e salvar diversas versões de um único trabalho . Em contrapartida, vemos que os instrumentos para se realizar o croqui digital ainda são de acesso limitado e requerem certo grau de familiarização para poderem ser utilizadas de maneira satisfatória.

Vemos também que por mais que haja uma valorização dos processos manuais de desenvolvimento de projeto, muitas pessoas acabam abandonando quase que completamente essa prática pois consideram que o ambiente em que estão inseridas pede por outras formas de representação, seja o ambiente acadêmico, onde muitas vezes são utilizados softwares de arquitetura pela primeira vez e um grande foco acaba sendo direcionado para isso, seja na busca de se aprimorar na maior quantidade de softwares possível para aumentar suas chances de ingressar em um estágio, dentro deste estágio onde o estudante acaba exercendo em sua maioria os trabalhos de detalhamento em softwares de arquitetura e representação ou pelo ambiente profissional, onde se valoriza cada vez mais a imagem renderizada realista, pela noção de que isso é o que o cliente espera.

Em conclusão, vemos que a adoção do croqui digital na arquitetura apresenta alguns obstáculos, mas que mesmo assim se apresenta como uma técnica inovadora e satisfatória, ao analisarmos suas vantagens e aplicações. A técnica do desenho digital pode ser uma boa aliada para evitar que a prática do croqui seja ofuscada pela vontade de se aprimorar em técnicas computadorizadas, e o mais importante é que a tecnologia seja utilizada de maneira a preservar a função principal do croqui, que é a de desenvolver uma ideia por meio do movimento motor, representar o que mais tarde será detalhado e construído e expressar intenção em emoção em cada traço e auxiliar no processo criativo.

Refer Ncias

Ensaios em Arquitetura e Urbanismo | ARQUI Ensaios 1 jan/mai de 2022

Bernard Tschumi. Parc de la Villette, Paris, France (Exterior perspectives, sketch). 1983. The Museum of Modern Art. Disponível em: <https://www.moma.org/collection/works/240?artist id=7056&locale=it&page=1&sov referre r=artist>. Acesso em: 22 abr. 2022.

Bernard Tschumi Architects. Tschumi.com. Disponível em: <http://www.tschumi.com/projects/3/>. Acesso em: 22 abr. 2022.

CABRAL, Cláudia Costa. Histórias da técnica. Archigram, 1961-1974

COSTA, Lúcio. A invenção de Brasília: o “risco”,

MARTINS, Paulo Edi Rivero; OLIVEIRA, Mauricio Machado; KULPA, Cínthia Costa “A (Re) descoberta do croqui e do sketch através dos meios digitais”. Actas de Diseño. Buenos Aires: n. 29 (dez. 2019), p. 50-54.

DUARTE, Rodrigo Ross. À MÃO LIVRE: Croquis na Era pós-digital GLANCEY, Jonathan. Desenhos à mão livre: o valor da interpretação emocional na arquitetura contemporânea. ArchDaily Brasil. Disponível em:

<https://www.archdaily.com.br/br/926686/desenhos-a-mao-livre-o-valor-da-interpretacao-em ocional-na-arquitetura-contemporanea?ad medium=gallery>. Acesso em: 22 abr. 2022.

GOUVEIA, Anna Paula Silva. O croqui e o ensino do desenho. São Paulo: FAU/USP, 1998. Volumes I, II e III.

MARX, L. The idea of “technology” and Postmodern Pessimism.

Ensaios em Arquitetura e Urbanismo | ARQUI Ensaios 1 jan/mai de 2022

MCLUHAN, M. Comprender los medios de comunicación. Las extensiones del ser humano (1964). Barcelona: Paidós, 1994.

Tecnologia em Caldas Aulete, Rio de Janeiro, Lexikon editora digital. https://www.aulete.com.br/tecnologia ,acesso em 17/03/2022.

Iakov Chernikhov | MoMA. The Museum of Modern Art. Disponível em: <https://www.moma.org/artists/1093>. Acesso em: 22 abr. 2022.

OLIVEIRA, Leonardo. Percorrendo o monumento contínuo nas fotomontagens do Superstudio

This article is from: