PROCURO UM VERSO NA MINHA ESCURIDÃO
Chris Vianna
PROCURO UM VERSO NA MINHA ESCURIDÃO
Chris Vianna
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Coordenação editorial e revisão
Augusto Silva Leber
Capa, projeto gráfico e editoração
Marco Tavares
Catalogação na publicação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
V617p Vianna, Chris Procuro um verso na minha escuridão / Chris Vianna; edição e revisão Augusto Silva Leber. – Londrina : Atrito Arte, 2023. 120 p.
ISBN 978-65-86198-26-3
1. Literatura brasileira – Poesia. 2. Poesia brasileira.
3. Poesia – Brasil. I. Leber, Augusto Silva. III. Título.
CDU 869.8(81)-1
CDD B869.81-3
Elaborada pela Bibliotecária Eliane M. S. Jovanovich – CRB 9/1250
Rua Isaías Canete, 685 - Londrina-PR - CEP 86067-020
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PROCURO UM VERSO NA MINHA ESCURIDÃO
Chris Vianna
Apresentação 09 Uma fagulha de Orfeu 15 Janelas enlutadas 17 (A temperatura) 19 (estou cega) 21 Isolados 23 Gira 25 (Sabe aqueles dias) 27 Existem coisas que não têm nome 29 (O desato) 31 Atiradores de facas 33 Pra ser lido ao som de um blues 35 Se amor é vício, te encontro no precipício 37 Nem os lobos me alcançam 39 Conjuração da quarentena 41 Não, Maria Madalena! 43 (Nem pura, nem santa ) 45 (A lua na sua língua ) 47 Era uma vez 49 03 notas 51 Trouxe a chave pra libertar sua tristeza 53 Solos de guitarra na minha cabeça 55 Açúcar ou adoçante? Ou: Meu bem, guarde um verso pra mim dentro da sua canção 57 Tantas Augustas pra dançar 59 É uma cidade 61 (Talvez você pense ) 63
Não morro hoje 65 (Não faz mal ) 67 Os idiotas nunca amam 69 (Já despi minha alma ) 71 Das estranhezas 73 (Cada olhar que você vê) 75 Das coisas boas da vida 77 E não resta nem o pó 79 (rindo da irrelevância das horas ) 81 (Isso sendo um poema ) 83 Eu tinha um sol tão lindo para nos aquecer da solidão 85 (Amor, vem embora agora ) 87 Benditos Energúmenos 89 Nunca desistir de cair 91 Uma nota qualquer 93 Todo esse pretérito 95 Procuro um verso na minha escuridão 97 Diário 99 Mil e uma noites em um sopro 101 Venha, garoto 103 Um gosto de mar ou não me olhem assim 105 Take 1 107 (Tô cheia de encrenca ) 109 Caminho da tempestade 111 (Não é porque a vida estapeia ) 113 Se morro hoje 115 (fui sua letra ) 117
É com entusiasmo ímpar que leio Procuro um verso na minha escuridão, de Christine Vianna E isso não é pouco Afinal, a responsável pelos versos compilados aqui – produtora cultural, entre outras facetas profissionais que desempenha, tem importante trabalho cuja marca evidente é o amor à literatura: falada, cantada, encenada, impressa em livros Muitos livros! De uma infinidade de autores, não apenas os circunscritos a Londrina
O meio artístico já conhece seus escritos, apresentados em shows/performances da banda Benditos Energúmenos – criada por Chris –, coletâneas literárias, álbuns de poesia falada, plataformas e redes sociais Aliás, sabiamente, o músico e compositor Duda Victor e o jornalista e poeta Marcos Losnak sugeriram que o mais recente CD do grupo, Nem os lobos me alcançam (2022), fosse gravado exclusivamente com poemas dela E o projeto cresceu tanto que, durante a pandemia, a autora os complementou, adicionando-os aos demais que compõem este livro Há uma mínima porcentagem de textos mais antigos presentes na obra, por conta da força de atração e unidade entre alguns dos temas trabalhados
E nada é mais belo que poemas escritos por necessidade, com amor sobrando e esmero criativo, comprometidos com nossa época, por isso mesmo, dialogando com toda uma tradição da artesania da palavra voando, cantada, falada Um esbanjo de alma da tribo!
E posso afirmar com todas as sombras de músicas que,
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Quando leio os teus poemas, ouço claramente tua voz
mesmo o leitor não iniciado na voz da Chris falando seus textos, a “ouvirá” em cada poema – porque pertence a uma soma de vozes, ao coro das e dos poetas que devolvem palavras à tribo, ofertando as sempre novas e antigas dores e alegrias E mesmo que flerte com as trevas, este conjunto de versos nos salvam enquanto afortunados leitores-ouvintes
E mulher quando dana a escrever bem poesia, não há o que segure, pois cultiva o dom de recuperar nos outros até mesmo a própria voz perdida Como quem, em vez de versos, fizesse mágica ou proferisse preces e reunisse, a um só tempo, o sagrado e o profano estar-vivo num crisol por onde passa o amor do mundo Afinal, nunca é demais lembrar que o céu é pouco quando se trata de matar a sede, o que não exclui o inferno com tanta vida a pulsar
Isso de procurar versos na escuridão, com um punhal cravado no ombro, evocando relâmpagos, sempre foi próprio da alma dos artistas, ainda mais diante da negação de tudo quanto seja vida O que fica de quem escreve movido pelo amor e suas variações serão mais que palavras no papel, antes a cor da voz dos aflitos, a música dos perdidos de amor pra dar Os gestos dos que se elevam entre raios e trovões pra sorver toda a luz possível sem nunca desistir de cair
Augusto Silva Leber
Poeta, Escritor e Roteirista de HQs
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“Você tem que aprender a levantar-se da mesa quando o amor não estiver mais sendo servido.”
Nina Simone
Uma fagulha de Orfeu
Não estou falando de você! Mas estou falando com você! Estou falando desses olhos que não querem dormir Da cabeça que ainda dança ao som do blues Estou falando de todas as criaturas que tive a coragem de assumir, Ângela a puta mais perfeita, a puta cigana, a puta careca, a marchand enlouquecida, a sonhadora de Chevrolet, estou falando de Hilda que consegui partilhar, estou falando de cantar e falar, estou falando de todas as contravenções que cometi e aquelas que não estou preparada para cometer, e tantas que estou, inferno, céu, todas as rezas que rezei e todas que devia ter rezado, estou falando de Clitemnestra que está voltando numa intensidade, com toda sua dor e raiva, logo num momento que penso trilhar serenidades Não tenho mais forças para calá-la Essas criaturas são assim, não as escolhemos, elas chegam do nada, sem hora pra partir e nos socam a cara e elas vêm, vêm, vêm e quando chegam, é como o amor, a gente deixa entrar, mesmo que seja avassalador, insano, profundo, mesmo que seja só seu Assim é com a música e a poesia Ela fica lá e nos doma com a boca mais gostosa, como aquele beijo sem língua que nos desafia por horas, até que tomamos coragem e os acordes não terminam Já escrevi que nós artistas, carregamos uma fagulha de Orfeu Sejam nas esquinas lançando fogo pelas ventas, nos trapézios de um circo, entoando poesias Bailarinas assoprando bolhas dos pés que, antes, voaram nos palcos Orfeu Mazzer
Orfeu Arruda Orfeu Bortolotto Orfeu Losnak, Orfeu
Leber, Orfeu Schmitz, Orfeu Benvenhu, Orfeu Imazu,
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Orfeu Musilli, Orfeu Abreu, Orfeu Norder, Orfeu Moraes, Orfeu Palhano, Orfeu Palma, Orfeu Verdie, Orfeu Pellegrini, Orfeu Grandini Tantos Orfeus que não cabem neste texto Orfeu sangrando palavras músicas Orfeu entoando o silêncio sagrado das fotografias Orfeu Koproski nos brindando com a exatidão de um Cohen Somos todos Orfeus Alguns desafinam, mas quase todos seguem na busca de uma expressão artística singular Você que tem esses olhos tão grandes de anjo e demônio deve entender, vou ser sincera: são muitas mulheres e elas podem te enlouquecer, mas não vão deixar você Jorge pode emprestar o dragão e ele ajuda você a nos entender Seu fogo não há de lhe derreter Não importa Vou deixar Clitemnestra chegar! E você, meu bem, se puder, lembre-se de Eurídice para não perdê-la para sempre na terra de Hades
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Janelas enlutadas
Pra você que perdeu a voz antes que a chuva molhasse o dia, antes mesmo que o cheiro da terra invadisse a noite
Para você queria criar todas as palavras mas elas já me faltam, me falta até o sabor com sua partida
Pra você queria abrir o leque do tempo, antes da escolha de tantos por essa miséria, queria cingir sua cintura e cantaríamos tantos blues de olhos fechados, falaríamos poemas até uns passos de dança arriscaríamos, mergulharíamos no mar Egeu e seu corpo se deitaria sobre o meu e beberíamos do orvalho antes da chegada da manhã
Mas estou tão doída até o vento me adoece e já não ouso o passo na estrada
Pra você já não preparo meu ventre
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Tanto chorei que meus olhos secaram e os seus já não verão o filho crescer, já não sentirá o arrepio na nuca Seus lábios emudeceram perante tanto horror descaso imbecilidade desamor
E a solidão tem entrado dia após dia pelas janelas [enlutadas
Pra você calo minha voz, estou completamente muda
Os dias são tortos mais de meio milhão de vozes foram caladas (nunca mais emitirão um som sequer)
Teria sido um coro e tanto
Teria
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a temperatura diminui na medida em que se avança a gravidade da lua no céu é tão estonteante que nos arrancaria suspiros, mas os delitos de violência são tantos e tão grandes que mal conseguimos fitá-la aduladores, hipócritas, traidores como cássio, brutus e judas nos enviam mensagens matinais todas as noites somos guardados pelos cães do inferno somos obrigados a entregar nossos comprimidos para dormir pra que eles não arranquem nossas cabeças inocêncio iii não precisava ter convocado o quarto concílio de latrão e ditado a doutrina do tormento perpétuo, já que ela tem se apresentado em vida para nós mais de 600 000 mortos não é número suficiente para a mãe deixar seu bebê recém-nascido em casa , talvez por isso a bíblia mencione o inferno em apenas 15 versos, já que o inferno está em vida a existência tem nos apresentado o paradoxo e a tensão de nossos limites e de nossas infinitas possibilidades que não colocamos em prática deixamos de mandar reforços quando ainda era tempo agora está muito frio quem se importa
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estou cega, descansar já não posso, a peste à espreita, perdi o escudo do amor enquanto soprava restos da batalha sob as estrelas, o doce manto do carinho foi confundido com sucata, agulhas de marfim cerziram minhas palavras, cem mil caíram ao meu lado e, Senhor, sinto a dor dessas vidas embora ainda acredite em Misirlou e escute violinos ensandecidos que teimam em tocar pra mim, enquanto voltam palavras quase inaudíveis da outra língua e os beijos sem lábios na legitimidade da ausência
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Isolados
P/ Cely Norder
não sou mais chuva lua brisa mar ou outra doçura qualquer há tempestade demais assolando a vida o tom perdido nas lives os versos inquietos em vídeos circulando o limite do [privado as crenças fracassando
nossas próprias fotos nos silenciam os ciclos não se completam oxum se afoga na fonte
e os lábios que conjuraram beijos demais esquecem os versos da personagem que foi
há tanto a esconder nesse não lugar há tanto a compreender nesse não lugar
palavras ficaram cansadas de soletrar devaneios os silêncios usados para amar arrancaram o sono do leito não há no outro a quietude do abraço estamos todos isolados
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Gira
P/ Carlos Fofaun
Escuta essa música, sente a nota, o ritmo, a voz
É só uma vontade de dançar
Não é pra você Planetas colidiram e ficou esse fundo no peito, punhal fincado no ombro
Dançar sobre marcas de pneus até chegar no mar
Nunca foi pra você
Repara A música, o corpo, a voz, o coração bem aqui, batendo mais forte e o chão pra cair de cara
Dançar e parar de escrever letras pra canções de amor
Dançar e parar de escrever letras pra canções de amor
Dançar feito louca pra saciar meu afeto, minha fome sua
Dançar, dançar, dançar, dançar pra avivar meus demônios,
dançar pra renunciar a remissão cabal da minha [entrega, rejeitar todo deleite,
transmutar dor em alívio no boteco da esquina, dançar até os pés sangrarem a dor dilacerante da menina de 10 anos
dançar e renunciar o amor três vezes
dançar e renunciar o amor três vezes
dançar e renunciar o amor três vezes
dançar, dançar, dançar feito louca
girar, girar, girar
Um movimento pra esquerda, forte, outro pra esquerda, bem forte
Dançar pra não chorar, não ligo se chorar,
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quero chorar, danço e choro, danço e choro, danço, danço, danço Tirei a cabeça da boca do leão, nem dentes ele tinha, quem quer saber de poesia, pudim com calda de goiabada, nem do vírus eles querem saber? Danço pra não enlouquecer e que vá tudo para o inferno, já que o inferno é aqui, a viagem não será tão longa
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Sabe aqueles dias que tudo poderia ser perfeito, mas não é? Sua intenção de anjo não dobra a língua dos inimigos Seu cabelo parece um estorvo e você quase o cortou com uma faca Seus pares estão distantes e as crianças brigam Você deve saber Os confins estão logo ali dobrando a esquina e nem uma linha reta te satisfaz Você se sente uma estúpida O cara por quem você está completamente enlouquecida não te escuta Você está imóvel Trancada, mesmo que o lugar seja lindo, você está trancada Saca esse turbilhão de idiotas querendo soltar o vírus e você de mãos atadas? Pois então Por mais que ouça as canções de seus amigos, leia os livros atrasados, faça pão, bolo, troque receitas, arrume as gavetas, decore poemas, que visite Nina, Sara Martin, Clara Smith, Robert Johnson, Celso Blues Boy, King Você não tem fome, os sapatos apertam, a máquina de lavar quebrou, o seu cigarro acabou, você acha um cigarro e perdeu o isqueiro Sua unha está encravada Sabe aqueles dias que você se sente sufocada por essa gente insana, você mesma está insana pois aceitou cantar Sabe aqueles dias que nem roupa você precisa vestir e você bate panelas pra ninguém ouvir e, dentro da imensidão de sua solidão, você não tem mais voz e a pouca voz que parecia restar está quebrada pelas lágrimas pois esses dias estão afogados em dor de tantos irmãos mortos e você passando *kiboa em tudo, até na casca da banana e não pode ao menos beijar seu filho “Maior é o medo que a mente me apressa, da pena que aqui embaixo cumpre a gente; tanto que aquele fardo já me pesa ” E esse é o cammin di nostra vita Nunca o inferno de Dante caiu tão bem Sabe aqueles dias que você não pode
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despir suas roupas para poder amar e, nem pedindo os poderes da feiticeira de Cólquida, consegue teclar “fica comigo” pois hoje preciso de você entrando em mim Pois então Você já não pode quebrar a cara em bares nada civilizados (e isso não é uma fala literária) e obrigatoriamente você percebe que os valores que deveriam pairar sobre nosso governo caíram por terra e você está trancada É esse o dia Vou seguir os passos de **Jardelina Com licença que vou lá fora gritar e volto já
* Marca de água sanitária comum na região Sul do Brasil
** Artista popular paranaense cuja obra desafiou as intenções classificatórias e a noção de beleza
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Existem coisas que não têm nome
Quando você olha pela janela e o sol parece queimar Quando a estrada se apresenta e você segue ou não Quando seu amigo se vai Quando sua mãe morre É fácil você dizer destino, natureza, escolha, morte Mas existem coisas que sangram, arranham por dentro, gritam, latejam Não, elas não são más, podem parecer quando escrevo que arranham, etc É só a força poética pra mostrar que elas são intensas, mas não tem nome E elas também são todas as formas de delicadezas que costumamos chamar de confiança, verdade, entrega, espera, risadas, palavras ditas e não ditas, música, poesia Deixar os duendes passearem e Hérmia cantar em seus ouvidos dia sim e outro também; encontrar a receita do doce mais gostoso que sua mãe fazia, só para servir um pedaço Querer dar um nome pode significar um périplo e já faz tanto tempo que as forças pra empenhar uma viagem tão longa pra achar um nome ficou pra trás Então elas não terão nomes Você não precisará conjugá-las Não é amizade Não é casamento Não é namoro Não é amante Não é irmandade Então, vocês me perguntam, ainda ligados em denominar O que é? Esqueçam A única coisa que você pode fazer é aproveitar, afinal o luar está a sua frente, o vento embaraça seus cabelos e chove quase todos os dias Existem coisas que não têm nome Vou pegar um pouco de trigo com Deméter e fazer o doce
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