Lupa #2

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CADÊ O TONIOLO? A lguém já parou para contar quantas vezes leu a palavra Toniolo nas paredes, postes, viadutos das ruas de Porto Alegre? Essas intervenções urbanas questionam a sociedade sobre a forma como a população é tratada pelo Estado. Apesar de onipresentes na cidade, o autor dessas manifestações opta por manter-se oculto. Nem sempre foi assim. Sérgio José Toniolo, 68 anos, é filho de uma família tradicional de Porto Alegre. Seu avô era um comerciante influente do Bairro Petrópolis e proprietário do terreno onde hoje se localiza o Colégio Santa Inez. Sérgio trabalhava como escrivão na Polícia Federal e no auge da ditadura militar, em 1972, começou a ser impedido de expressar sua opinião através das colunas de leitores nos jornais. Suas crônicas criticavam o sistema e o Conselho Superior de Polícia,

responsável por promover os policiais. Após recusar assinar seus textos com outro nome, foi afastado e aposentado por um suposto atestado médico que, segundo ele, nunca existiu. O ANÔNIMO MAIS FAMOSO

“Sou o inventor da pichação com hora marcada”. Toniolo começou a pichar aos 37 anos, em 1982, ano que concorreria a deputado estadual pelo PMDB, a convite de Tancredo Neves. Porém, a Justiça Eleitoral barrou sua candidatura, sob alegação de que era filiado ao PTB (informação que ele nega). Segundo o pichador, foi uma fraude de pessoas que não queriam que ele concorresse. A partir daí, o número 1543, pretendido por Toniolo na época, o acompanharia para sempre a cada ano elei-

O nome mais encontrado nas ruas da Capital é um símbolo da expressão popular

toral, inclusive a presidente da República, pelo fictício Partido Anarquista. Toniolo, além de usar adesivos e pandorgas com o próprio nome, inovou ao avisar com antecedência suas intervenções. Em janeiro de 1984, o último ano do regime militar no Brasil, anunciou no programa “Guaíba Revista”, na época apresentado por Lasier Martins, na Rádio Guaíba AM: “No dia 17 deste mês, às cinco da tarde, vou pichar o Palácio Piratini”. Mesmo com um policiamento ostensivo em frente ao prédio, na hora marcada ninguém suspeitou do homem que saía da Catedral Metropolitana e se dirigia à sede do governo. Ele conseguiu pichar as letras T, O, N, I, O, e quando concluiu o L, foi detido.

Pichações em spray e adesivos (como acima) não poupam os poderes constituídos

Nos anos seguintes, continuou operando nas ruas da Capital, tornando cada vez mais seu nome conhecido. O spray sempre foi seu principal

instrumento, e ele afirma que só deixará de usá-lo “quando os políticos não sujarem mais a cidade”. Mesmo sem saber o que significa, não há um morador que não tenha se deparado com Toniolo. Até hoje, as pessoas questionam o que significa, mas para todos certamente este personagem faz parte da história recente de Porto Alegre.

TEXTO: MARINA LEHMANN. FOTOS: LUIS FELIPE MATOS

VEGANOS NA TERRA DO CHURRASCO

MUÇULMANOS EM PORTO ALEGRE

A “VOZ” DO ASILO PADRE CACIQUE

Para a maioria dos gaúchos, domingo é sinônimo de casa lotada e muito churrasco. Mas para outros, o cardápio é totalmente inverso: muita salada e vegetais. Os veganos, ainda pouco visíveis na sociedade, adotam uma filosofia de vida totalmente diferente. Eles são uma derivação mais radical dos vegetarianos, que excluem de seu cardápio todo alimento de origem animal, além de não usarem couro, pele ou cosméticos testados em animais. Não há um número exato de veganos no Brasil, mas segundo o IBOPE, 8% da população são vegetarianos. O Café Pasito, na Cidade Baixa, tem clima agradável e simpático. Seu proprietário, Tiago Pasito, 32 anos, cursava Engenharia da Computação antes de montar seu próprio negócio. Fez diversos cursos profissionalizantes para montar um comércio relacionado ao veganismo. “Foi fácil encontrar pessoas para trabalharem aqui. Pensei que ia ser mais complicado“. Tiago contratou Luciano, um chefe que estudou gastronomia vegana na Índia. O lugar mistura a culinária com apresentações de música e dança. Fábio Chaves, Salada de agrião com dono do Vista-se, o tabule da Café Pasito portal vegetariano mais conhecido do Brasil, dá dicas para quem quer se tornar vegano: “Informe-se bastante e tenha sempre em mente o motivo pelo qual você está fazendo isso: os animais. Essas duas coisas vão ajudar muito a superar as possíveis dificuldades do dia a dia”. Alguns profissionais de saúde criticam o veganismo. Segundo eles, o organismo precisa de proteínas e vitaminas presentes em alimentos de origem animal.

Entre os preconceitos relacionados aos muçulmanos estão os de que são terroristas, que os homens são machistas e que todos são árabes. Mas, na verdade, eles discordam das guerras, os homens tratam muito bem as mulheres e qualquer um pode ser muçulmano. Quem conta sobre a rotina de ser muçulmana é a brasileira Márcia Lima, que garante se sentir muito bem em Porto Alegre. Ao se chegar à mesquita, no Centro de Porto Alegre, observa-se que mulheres ficam separadas Fiéis frequentam dos homens. Devemesquita para rezar se tirar os sapatos para pisar no tapete, sobre o qual não há qualquer significado “divino”. Nas escrituras sobre o profeta Muhammed (a transcrição como “Maomé” é errada, segundo Márcia, “porque nome próprio não se traduz”) consta que o tapete serve originalmente para não queimar a testa na areia quente, no momento de reverência à Allah, costume que permanece até os dias atuais. Márcia morou um ano no Rio de Janeiro e não gostou da cidade, porque as pessoas a forçavam a tirar o hijab (vestimenta que permite apenas que a mulher mostre o rosto e as mãos), alegando que no Brasil é muito quente e ela não precisaria usar, por não estar no seu suposto país de origem: “As pessoas não entendiam que a vestimenta fazia parte da cultura do muçulmano”. Existem vários modelos, como o hejab, o nikab, a burka), cuja função é proteger dos olhares estranhos: “A maioria das pessoas se produz para sair, já o muçulmano pensa ao contrário, nos dedicamos ao marido e ele a nós”.

O Cacique é um jornal institucional do Asilo Padre Cacique, fundado no ano de 2005, que busca promover os costumes e práticas individuais e coletivas do ambiente social em que está inserido. O jornal estabelece vínculos com os indivíduos e com a comunidade, seja morador, seja funcionário. Morador, poeta e jornalista, Hermínio D’Andréa, 88 anos, fundou o jornal para manter os moradores informados sobre como a instituição em que vivem é vista pela sociedade, por estímulo de um ex-presidente, já falecido. D’Andréa, que trabalhou nos jornais da Caldas Junior e na RBS, foi morar no Padre Cacique em 2002, logo após a morte de sua esposa, com quem manteve um casamento de 48 anos. O jornalista se sentia só, visto que não tiveram filhos no matrimônio, e decidiu mudar-se para o asilo. Três anos após a sua chegada no lar, D’Andréa foi convidado a voltar a exercer suas atividades como jornalista. O Cacique tornou-se a válvula de escape do jornalista, que ainda sentia pela perda da esposa. D’Andréa fundou jornal O jornal conno Asilo Padre Cacique quistou a todos logo na sua primeira edição e com o passar dos anos ganhou leitores assíduos. Atualmente, conta com oito páginas coloridas. O jornal, inteiramente elaborado no asilo, é mensal e tem tiragem de 2.500 exemplares. Além de D’Andréa, que produz e cuida da diagramação, conta também com a ajuda dos funcionários, que tiram fotos e auxiliam na execução das pautas. O jornal tornou-se a voz dos moradores.

TEXTO: PEDRO HENRIQUE NUNES. FOTO: JOSI BAROLI

TEXTO: ÉRIKA FERRAZ. FOTO: FABÍOLA MOLINA

TEXTO: STÉPHANY FRANCO. FOTO: JOÃO DANIEL AITA


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