Catálogo da mostra O samba pede passagem

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1 a 13 de dezembro de 2015 cinemas 1 e 2 confira a mostra completa:

osambapedepassagem.com.br facebook.com/mostraosambapedepassagem Consulte a classificação indicativa dos filmes na programação Acesse www.caixacultural.gov.br | Baixe o aplicativo Caixa Cultural Curta facebook.com/CaixaCulturalRiodeJaneiro

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A

CAIXA é uma das principais patrocinadoras da cultural brasileira, e destina, anualmente, mais de R$ 60 milhões de seu orçamento para patrocínio a projetos

culturais em seus espaços, com o foco atualmente voltado

para exposições de artes visuais, peças de teatro, espetáculos de dança, shows musicais, festivais de teatro e dança em todo o território nacional, e artesanato brasileiro. Os eventos patrocinados são selecionados via Programa Seleção Pública de Projetos, uma opção da CAIXA para tornar mais democrática e acessível a participação de produtores e artistas de todas as unidades da federação, e mais transparente para a sociedade o investimento dos recursos da empresa em patrocínio. A mostra “O Samba pede passagem” selecionou filmes que relacionam o cinema e o samba e possuem importância histórica; seja pelos registros raros dos primórdios do gênero musical, ou pela relevância à época em que foram lançados. Desta maneira, a CAIXA contribui para promover e difundir a cultura e retribui à sociedade brasileira a confiança e o apoio recebidos ao longo de seus 154 anos de atuação no país, e de efetiva parceira no desenvolvimento das nossas cidades. Para a CAIXA, a vida pede mais que um banco. Pede investimento e participação efetiva no presente, compromisso com o futuro do país, e criatividade para conquistar os melhores resultados para o povo brasileiro. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL


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“E muito bem representado Por inspiração de geniais artistas O nosso samba, humilde samba Foi de conquistas em conquistas”

Vale crer, a bem da verdade, que quando Cartola, junto com Carlos Cachaça, concebeu os versos acima – da canção Tempos Idos – não enxergava os “geniais artistas” do samba apenas como os compositores que, com letra e harmonia, fizeram o gênero perpetuar-se da maneira que sabemos hoje. Cartola atenta para um manifesto do samba como caminho para o reconhecimento. O samba traria de volta ao seu movimento central, e para além dele, aqueles que antes foram afastados da ventura, excluídos do mapa de fluxo. Aqueles que só podiam realizar suas aptidões artísticas longe do centro burguês da capital. Afastados pelo dinheiro e pela cor da pele, seria nos morros e bairros distantes do subúrbio que formariam o seu movimento. Cartola e Cachaça narram com saudade um sentimento inaugurador. E deixemos de lado o tão propagado e simplista termo “samba de raiz”, em troca de uma ideia de momento seminal, que assimila várias referências e, por conseguinte, 9


várias raízes. Do samba como proposta agente. A simplicidade pioneira, cheia da elegância que o fez rei dos terreiros. Uma sofisticação singela (por mais contraditório que isso possa parecer), que organicamente o assimilou como carro-chefe da cultura popular. Que vem do povo e vai ao povo. Do malandro de terno de linho ao príncipe da Inglaterra, do bacharel ao bicheiro, uma instituição altamente democrática que transforma e é transformada. Esses tais artistas geniais, elevados pelos mestres, se destacaram ao perceberem o samba não só como vértice da canção popular, mas como um movimento interessantíssimo para se contar histórias, chorar e sorrir o amor, descrever o espaço e almejar o empoderamento. Artistas o fizeram arte, o fizeram manifestação. Viveram seus movimentos. Apontaram direções e fizeram história. Dentre os muitos que o descreveram, que o vivenciaram, que o criaram com inspiração e dentre os que observaram, descobriram, exploraram, expandiram, alguns encontraram o samba através das lentes. Foi graças a essa relação que estabelecemos a proposta dessa mostra. A ideia veio da troca constante entre dois amigos de longa data que permeiam em suas vidas os dois polos. Num cineclube, surgiu a ideia de construir essa leitura. Vieram indagações: de que maneira o cinema testemunhou o samba? Como essa relação tão mágica se estabeleceu ao longo do tempo? Debatíamos pelo prazer da troca, pelo testemunho do universo e da vivência alheia. Isso é o motor de nossas vidas. Referências distintas que se completam. E é tão extraordinário perceber que não só o cinema observou o samba, mas foi agente ativo dele e o integrou de maneiras diferentes aos distintos movimentos que fazem da sétima arte uma rede 10


de possibilidades tão fecunda. Abre-se ainda mais o leque de interpretações quando passamos a entender não só que diferentes movimentos realizaram diferentes leituras do samba, mas também como distintos cineastas imprimiram e vislumbraram essa força de movimento popular, cria de Eleguá, à sua maneira, ao seu olhar. O Cinema Novo, as chanchadas, o cinema marginal, os documentários pós-retomada, os líricos experimentalismos carnavalescos, tudo fez parte de um encontro entre artes. Assim como o encontro desses dois amigos que, juntos, pensaram em tornar pública a união de olhares, o casamento entre as propostas. As forças que agiram entre si para construir poesia. Assim, Leon Hirzman apresenta Nelson Cavaquinho no seu cotidiano solitário, circundado daqueles para quem e por quem sua música era feita; Nelson Pereira dos Santos faz de Grande Otelo a representação máxima do compositor de samba brasileiro, ludibriado pela indústria fonográfica; Rogério Sganzerla esboça diferentes facetas do Mocinho da Vila, Noel Rosa, encarando-o como um objeto lúdico de estudo cultural e social - desse e de outros séculos do progresso. Além dos muitos títulos que apresentam resgates, perfis, leituras e fábulas relacionadas ao mundo do samba, a mostra ainda contará com três mesas que traçarão caminhos temáticos distintos. A primeira, “A História Social do Samba”, com o historiador e escritor Luiz Antônio Simas e o compositor, poeta e produtor cultural, Hermínio Bello de Carvalho, faz uma jornada pelas origens. Assim, partimos do quintal de Ciata, passando pela “Santa Trindade” (Pixinguinha, Donga e João da Baiana), pelas histórias da Pequena África, pela polêmica de Pelo 11


Telefone, pela turma do Estácio, pelas primeiras escolas, pelo rádio e seus grandes ícones. Simas contando a história desses e outros momentos, e Hermínio dando seu depoimento de testemunha ocular da convivência com alguns dos personagens mais importantes do nosso compêndio: Clementina, Aracy de Almeida, Paulinho da Viola, Nelson Cavaquinho. A segunda mesa, “Samba, força de subversão”, conta com a professora de Letras da UERJ Giovanna Dealtry e com o professor de Filosofia da UFRJ Bernardo Oliveira para traçar a influência do gênero enquanto força social, representação, paixão, mudança, revolução, arte e construção de arquétipos. Esboça um debate em torno da ideia de nacionalidade, tão difundida nisso tudo. Passando pelos “malandros”, pela fomentação das escolas e sua representatividade no ato de fazer, nascer, ensinar e perpetuar; até chegar aos herdeiros atuais das narrativas de revolta, do sentimento de pertencimento e da mudança social propostas pelo samba seminal. A Lapa de hoje, a Lapa de outrora, o rap, o funk. A última mesa, “Noel, a Vila mostrou que faz samba também”, conta com o jornalista e escritor da biografia de Noel Rosa, João Máximo e o cantor e pesquisador Alfredo DelPenho, para uma descontraída aula cantada, onde serão narradas as peripécias e histórias das canções emblemáticas do Poeta da Vila. Para completar, teremos a exibição do raríssimo “O Rei do Samba”, filme que resiste em fragmentos e estabelece um perfil cinematográfico do compositor Sinhô e a oficina infantil Burucutum, administrada pelos músicos Pedro Amorim e Oscar Bolão que, usando um grande mapa todo feito de

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instrumentos, brincarão com as células rítmicas e melódicas dos diferentes tipos de música popular presentes de norte a sul do país. Convidamos todos a abrir os olhos e atentar os ouvidos: o samba pede passagem para contar, através do cinema e da tradição oral, os capítulos de sua história.

Gabriel Meyohas e Thiago Ortman Curadores

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A casa da Tia Ciata: espaรงo de cultura Por

Luiz Antonio Simas


Lugares são espaços de construção de memórias, culturas, formas peculiares de se experimentar a vida e abordar o mundo. Pensemos nisso considerando também o fato de que as culturas oriundas da diáspora áfrica — aparentemente destroçadas pela fragmentação trazida pela experiência do cativeiro — se redefiniram a partir da criação, no Brasil, de instituições associativas (zungus, terreiros de santo, agremiações carnavalescas etc.) de invenção, construção, manutenção e dinamização de identidades comunitárias. A união entre estes dois pontos talvez consiga contemplar um pouco da importância que a casa da Tia Ciata teve para a história do samba, do Rio de Janeiro e da cultura brasileira. Falar da Tia Ciata é, sobretudo, destacar a importância mais ampla das tias baianas no ambiente da Pequena África, um berço por excelência do samba carioca. Estas tias eram, de modo geral, senhoras baianas que vieram para o Rio de Janeiro, exerceram lideranças comunitárias — ancoradas muitas vezes no exercício do sacerdócio religioso — e criaram redes de proteção social fundamentais para a comunidade negra. Além de Ciata, podemos destacar nomes como os de Tia Prisciliana (mãe de João da Baiana), Tia Amélia (mãe de Donga), Tia Veridiana e Tia Mônica (mãe de Carmem da Xibuca e de Pendengo). 15


Em relação à trajetória da mais famosa delas, Tia Ciata, cabe ressaltar que a história e o mito dialogam o tempo inteiro, sendo difícil estabelecer alguma fronteira entre estes dois campos. Em um ambiente marcado pela força das culturas orais, aquelas em que o sentido do que é falado é mais relevante que a precisão dos fatos, esse cruzamento é ainda mais vigoroso. As informações mais precisas que temos indicam que Hilária Batista de Almeida, a Ciata, nasceu em 1854, na Bahia, transferindo-se para o Rio de Janeiro pouco depois de completar vinte anos. O que se conta sobre Ciata no mundo do candomblé é que ela teria sido iniciada, ainda na Bahia, pelas mãos do lendário Bangboshê Obitikô. Radicada no Rio de Janeiro, ocupou a função de Iyakekerê (mãe pequena) na casa de João Alabá, babalorixá com casa aberta na Rua Barão de São Félix, na Zona Portuária, e figura fundamental para a construção de laços associativos entre a comunidade negra do então Distrito Federal. Vale destacar que a distinção entre o sagrado e o profano não é algo que diga respeito às culturas oriundas das áfricas que aqui chegaram. O que se percebe o tempo inteiro é a interação entre essas duas dimensões. A Tia Ciata sacerdotisa do candomblé é, ao mesmo tempo, a festeira que transformou a sua casa em um ponto de encontro para que, em torno de quitutes variados, músicos (profissionais e amadores) e compositores anônimos se reunissem para trocar informações e configurar, a partir dessas trocas, a gênese do que seria a base do modo carioca de se fazer o samba. João da Baiana, Pixinguinha, Sinhô, Donga, Heitor dos Prazeres e tantos outros conviveram intensamente no endereço mais famoso da história da música do Rio de Janeiro. 16


A experiência civilizatória da casa da Tia Ciata mostra também que a história do samba é muito mais que a trajetória de um ritmo, de uma coreografia, ou de sua incorporação ao panorama mais amplo da música brasileira como um gênero seminal, com impressionante capacidade de dialogar e se redefinir a partir das circunstâncias. O samba é muito mais do que isso. Em torno dele, circulam saberes, formas de apropriação do mundo, construção de identidades comunitárias, hábitos cotidianos, jeitos de comer, beber, vestir, enterrar os mortos, celebrar os deuses e louvar os ancestrais. Tudo isso que se aprendia e se ensinava na Rua Visconde de Itaúna, 117. Luiz Antonio Simas é mestre em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor, dentre outros livros, do Dicionário da História Social do Samba, em parceria com Nei Lopes.

A CURADORIA INDICA: Cariocas – músicos da cidade, de Ariel de Bigault Couro de Gato, de Joaquim Pedro de Andrade Nossa Escola de Samba, de Manuel Horácio Gimenez Pixinguinha, de João Carlos Horta

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Sambas do Estรกcio, a mina de ouro dos rรกdios e gravadoras Por

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VICTOR NIGRO SOLIS


O cantor Francisco Alves já os procurava havia algum tempo. Estava de volta às gravações desde que Frederico Figner o chamara, no ano anterior, em 1927, para cantar e registrar algumas “chapas” de disco. Fizera sucesso, mas suas ambições eram agora maiores, o tal do rádio começava a engrenar e se apresentava como um espaço de divulgação bastante atraente. Estava ali o meio ideal para alavancar de vez sua carreira. Precisava de novos materiais de trabalho e fontes, isto é, de novos compositores e, quem sabe, de um estilo musical inovador, que caísse nas graças de seu público. Desde a última Festa da Penha, em fins de outubro passado, no entanto, ouvira falar de uns jovens que, assim como ele, por lá estiveram e, no meio de toda aquela agitação, cantaram algumas canções em um ritmo um pouco diferente do até então feito pelos músicos da geração anterior, conhecidos por baianos. Curiosamente, esses garotos novos diziam que aquelas canções também eram sambas, mas a cadência diferente intrigava todos os que tiveram seu primeiro contato com a novidade musical. Um amigo descobrira e, no fim da tarde, lhe confidenciara que vieram do bairro do Estácio. Chico Alves nem pestanejou e logo se prestou a procurá-los. Afinal, já conhecia por aquelas bandas o jovem flautista Benedito Lacerda, que, sabidamente, gostava de um bom furdunço e provavelmente estaria envolvido na criação desse novo estilo. Entrou em seu automóvel conversível, de capota abaixada e se dirigiu àquelas 19


cercanias. Parou primeiramente no tradicional reduto dos batuqueiros, o Café Pavão, mas o movimento andava baixo e poucas pessoas por lá se encontravam. O indicaram, contudo, o Bar Apolo, ali pertinho (“aqueles meninos vivem cantando por lá também, até tarde”), e essa foi a direção tomada. Lá chegando, a batucada rolava solta. No repertório, conhecidos sambas de Sinhô, Caninha, Donga e do pessoal da Cidade Nova, até que começaram a cantar um samba inédito para impressionar Chico Viola, futuro “Rei da voz”. Todos por lá já tinham letra e melodia na ponta da língua. Benedito comandava com sua flauta imortal. Os outros garotos, próximos dos seus vinte anos – os quais, depois, Chico Alves ficaria sabendo se tratarem de Baiaco (Osvaldo Vasques), Edgar Marcelino Passos (o mano Edgar), Heitor dos Prazeres (também chamado Lino do Estácio), Getúlio Marinho (o Amor), João Mina e sua cuíca, Bucy Moreira (neto de tia Ciata), Nilton Bastos e Ismael Silva –, lá estavam, tocando violão e uns instrumentos percussivos de variados tamanhos. Além do tamborim, chamou-lhe atenção instrumento maior, feito de lata de manteiga cilíndrica, reforçada por aros de madeira, tendo nele um couro esticado e pregado, no qual eram aplicadas fortes batidas com uma baqueta, à semelhança de um tambor. Ao indagar do que se tratava, logo lhe responderam com um nome que o intrigou. “Surdo”, disseram, “foi criação do Bide”. Francisco já ouvira falar do sambista Bide, apelido de Alcebíades Barcellos, irmão do também sambista Rubens Barcellos, o mano Rubens, mas não o conhecia pessoalmente. Sabia ser dele uma canção que falava sobre a malandragem e não poderia deixar que a oportunidade de gravá-la lhe escorresse pelos dedos. 20


Perguntou por onde ele estava, mas ninguém soubera responder. Ao que surge, do outro lado da rua, de saída do Café do Compadre e rumo à zona do mangue, Sílvio Fernandes, o Brancura, lhe dizendo que provavelmente estaria na casa de Armando Marçal, pois precisava que este lhe pusesse a letra em uma de suas melodias, mas que combinara de retornar àquelas cercanias mais tarde. Francisco Alves não tinha tempo a perder e pediu aos rapazes que avisassem a Bide que ele queria tratar de negócios, e que, portanto, o encontrasse à meia-noite na Gafieira Estrela d’Alva, no Rio Comprido. Ouviu mais uns dois sambas e partiu. O acordo para a gravação do samba A malandragem foi firmado já naquela madrugada. No selo do disco, entraria o nome de Francisco Alves no lugar de Bide, em troca de alguns trocados e da divulgação pelo rádio, visando a futuras parcerias. A partir daí, outras tantas músicas seriam trocadas, compradas, ou até mesmo os cantores teriam seus nomes incluídos na parceria das composições, como forma de promovê-las. O samba tornara-se uma mercadoria que poderia trazer recursos financeiros àqueles rapazes pobres, de ampla maioria negra, do Estácio. Não precisava ser apenas uma forma de diversão. Essa relação seria vantajosa para os cantores, gravadoras e emissoras de rádio, que garantiriam um manancial praticamente inexplorado. Francisco Alves tratou rapidamente de firmar um acordo de exclusividade com aquele que viria a ser o maior nome daquela região, Ismael Silva, fazendo muito sucesso. No entanto, o prestígio das principais estrelas dos espetáculos não seria semelhante ao conquistado pelos compositores populares. Um ou outro dos músicos daquela região 21


conseguiria maior espaço nas gravações, caso de Benedito Lacerda, o qual constituiria, com sua flauta imortal e músicos de primeiríssima linha, o “Regional do Benedito Lacerda” (rebatizado, com sua saída, de “Regional do Canhoto”). Mais tarde, ele faria dupla com o maior nome da música popular brasileira, Pixinguinha, tornando-se inclusive parceiro dele (numa dessas trocas de parcerias por outros ganhos) e retomando a carreira do santo mestre do choro, que trocaria sua flauta de prata pelos contrapontos inovadores de seu saxofone. Bide e outros conseguiriam empregos regulares, ou seriam eventualmente chamados para trabalhos nesses meios, especialmente na função de ritmistas, arte que dominavam com maestria aqueles garotos, responsáveis ainda pela fundação da “Deixa Falar” (Escola de Samba ou Bloco? Tanto faz...). Outros se encaminhariam para a festa carnavalesca, rodando por diversas escolas. Caso de Heitor dos Prazeres, que terminaria a vida cuidando de seu ateliê próximo à antiga Praça Onze, berço da região que ficaria mais tarde conhecida por “Pequena África”. Todavia, o caminho da marginalidade e da contravenção seria costumeiro. São bastante conhecidas histórias de alguns deles metidos em armações para enganar trouxas, ou ingênuos, e pegar para si mesmos as composições dos outros; de Brancura comandando a movimentação de alguns prostíbulos do mangue e morrendo louco por decorrência da sífilis; da morte precoce de Nilton Bastos por tuberculose; de Ismael Silva se livrando da prisão por ser o delegado fã de suas músicas; da morte de mano Edgar por um desafeto do jogo do bicho, no início da década de 1930. O sucesso artístico seria para poucos. Inegável, contudo, seria a importância que a música produzida por esses garotos teria para a consolidação do ritmo 22


Al么, Al么, Carnaval, de Adhemar Gonzaga 23


do samba tanto nas ruas, botequins, festas e casas de espetáculo, quanto nas emissoras de radiodifusão e gravadoras. Ao longo do tempo, ganhariam novas roupagens, orquestrações e arranjos, sendo, volta e meia, quase descaracterizados por maestros e cantores pouco familiarizados com o balanço natural da síncope do samba. Ouçam, por exemplo, a versão de Se você jurar, de Ismael Silva, Nilton Bastos e Francisco Alves – provavelmente coautor por conta de seu contrato com Ismael – pelo próprio Francisco Alves e Mário Reis. Comparem com todas as outras subsequentes e digam se não há uma diferença visível – ou melhor, audível – em seu ritmo, talvez fruto do desconhecimento dos cantores sobre o tempo da canção. Ou comparem o arranjo melodioso de Pixinguinha para os Diabos do Céu em Você chorou, de Brancura, com o burocrático de Ando sofrendo, de mano Rubens, por Simon Bountman para a Orquestra Odeon, ambos também interpretados por Francisco Alves, e digam se não é preciso ter conhecimento de causa. Não basta ter inspiração, o samba se faz com vivência. Victor Nigro Solis é professor de sociologia no ensino médio, doutorando em ciências sociais pelo PPCIS-UERJ e músico nas horas vagas.

A CURADORIA INDICA: Alô, Alô, Carnaval!, de Adhemar Gonzaga Berlim na batucada, de Luiz de Barros Rio, Zona Norte, de Nelson Pereira dos Santos

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De Pequeno a Grande Otelo, o homem que nasceu sorrindo Por

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GABRIEL MEYOHAS


O cenário: o velho Cinema 1, na Avenida Prado Júnior, em Copacabana. Reino dos mais intrigantes discursos artísticos. Seiscentas cadeiras dispostas na direção da tela, contemplando o suor dos iniciantes. O ano: 1975. Entra nosso Otelo. Os sessenta anos o perseguem, querendo bater ponto. Mas não hoje. Hoje era dia de voltar a Uberabinha. Dia de se reencontrar com suas travessuras de petiz. Dizer aquele “que queres?” gostoso do menino Eustáquio para as diabruras que jamais abandonaram seu espírito. Estavam sempre ali, de menino a velho. Mas na alma, o mesmo peralta de olhos enormes e sorriso cativante. O pequeno Tião jamais abandonara o Grande Otelo. Uberabinha estava em cada canto do Rio de Janeiro. Hoje, ali no Cinema 1, faria parte do público. Era dia de bater as palmas que normalmente eram pra ele. Rir da surpresa. Chorar as lágrimas que, em outras ocasiões, brotavam por sua causa. Sai da casa do parceiro Herivelto e, chegando na Prado Júnior, compra o bilhete pra ver O Garoto, do Carlitos. Uma sessão especial. O filme estreara de verdade em 1921, e nessa reexibição do clássico (uma praxe no cine do Shatovsky), Otelo se encanta novamente com o pequeno Jackie Coogan. O filme não chega nem à metade e ele já corre para o banheiro. Lava o rosto. Fecha os olhos. No passado, encontros e palcos, caretas e gargalhadas, tragédia e farsa. Mais atrás ainda, há cinquenta anos, a primeira vez que encontrou com aquele menino da tela: foi ali que pensou em ser artista. Aquilo era pra ele! Sabe-se que duas inspirações o fizeram 27


Otelo: o menino Jackie Coogan e o filé a cavalo. Motivos justíssimos para ser tudo o que foi. Fazer rir e chorar como aquele menino, ser o astro, o centro das muitas atenções e, no fim, ainda ter um trocado pra comer um filé acavalo? Não existiria coisa melhor! “Mineirinho da Gema”, como se proclamava, o Otelinho da Companhia Negra de Revistas, o entertainer do Cassino da Urca, o trapalhão das chanchadas atlanticanas, o comovente Espírito de Luz em Rio, Zona Norte, ou a síntese macunaímica de nossa gente; todos eles sempre foram um só. O Otelo brasileiro, herói cheio de caráter, fruto daquilo que mais se vê por aí. 28

O cineasta Orson Welles em frame do filme Tudo é Brasil, de Rogerio Sganzerla. Welles se encantou com a figura de Grande Otelo em sua vinda ao Brasil.


Quando criança, bradava entre os seus desagrupados incisivos centrais a mesma picardia de sua Julieta desguarnecida de Carnaval no Fogo (1949). Vale salientar, uma picardia que reverenciava a inocência. Certa vez, pelos idos de 1927, entrevistado pelo O Jornal, o maestrinho da gozação, com doze anos, foi questionado do porquê da alcunha shakespeariana e respondeu de prontidão: “Porque adoro Shakespeare e quero ser o primeiro negro a encarnar Otelo. Só não o interpretei ainda porque é impossível encontrar uma Desdêmona da minha idade e da minha cor!”. Um palhaço da cidade, um herói dos sorrisos. Otelo era artista e regurgitava em fantasia o que observava no asfalto nu. Fez-se marginal, fez-se malandro, fez-se poeta, fez-se sambista. Ouviu, quando criança, do maestro Filippo Alessio, que na idade certa teria “physique du rôle” para o papel que lhe deu o nome. Negro, alto, forte, boa voz. Mas não teve. De tudo, só continuou negro mesmo. Teve foi um metro e cinquenta de disposição e presença de palco pra fazer todas as outras coisas que quisesse, com desenvoltura para ser da maneira que quisesse. Na Companhia Negra de Revista, Otelo, ainda criança, deu o ar da graça em São Paulo. Um menino prodígio em espetáculos para grandes públicos. Antes de morrer, encucava sua cabeça a possibilidade de, ali pelos anos 20, durante uma de suas apresentações, ter sido assistido por Mario de Andrade. Que o escritor assistiu à Companhia é certo. Mario escrevia críticas para o jornal Estado de São Paulo na época. Mas teria o modernista se impressionado com a notável interpretação do pequeno negrinho? Seria aquele menino de Uberabinha, que falava em inglês e francês no palco, cheio de 29


graça, a inspiração para a obra definitiva lançada pelo escritor anos depois? Era Macunaíma de fato Otelo antes de se saber Otelo? Essa conjectura rondava a imaginação do velho ator, que jamais conseguiu atestar factualmente a possibilidade. Corta. O novo cenário é o Cassino da Urca, com sua cortina de espelhos, quatro palcos de grande estrutura. Todo um requinte que não permitia ao nosso herói, mesmo com sua presença no/de palco, ao menos nos primeiros anos, entrar pela porta da frente. O jovem artista tinha que entrar pelos fundos. A cor da sua pele era uma questão de relevância e preconceito para os cretinos promotores de seus espetáculos. Otelo levava isso a sério. Não era de se dobrar ao terrível racismo do século em que vivia. Mas o otimismo era um de seus dons. O progresso vinha aí, Noel alertava em Vila Isabel. O nosso Tião sabia disso. Andava com esses sabedores da vida. Bebia no Café Nice e era figura considerada na Gafieira Elite. Os gigantes lábios sorviam álcool “com farinha”, dizia ele. Viu a Praça Onze acabar, mas não sem antes chorar por ela junto com Herivelto em Praça Onze, um samba que imortalizou o carnaval de 1942. Otelo viveu no olho do furacão. Viu o pandeiro ser crime de vadiagem e virar mundo. Viu o americano Orson Welles vibrar com seu gênio brasileiro, e fazer com ele um filme que acabou por nunca ser assistido. Dormiu em Pensão de Corda e foi o Sancho Pança do Quixote Paulo Autran. Flashes muitos de uma vida dedicada à arte e ao riso. Corta. Ele está na sacada, de peruca e batom. É Julieta. E lá embaixo está Oscarito, o seu Romeu. Um dos maiores trabalhos da dupla. Surpreendentemente, Otelo, dias antes, tinha sofrido a pior desgraça de sua vida. O suicídio de sua 30


esposa, Lúcia Maria, que levou consigo o filho dos dois, o pequeno Chuvisco. O acontecimento foi um baque para o nosso Tião. Disse José Lins do Rego, à ocasião: “sua máscara se rasgou em público”. A tragédia fez-se presente como nunca antes, e Otelo, apesar do escudo de representação que possuía, desabou ao se defrontar com a morte daquele seu pedaço de vida. Arraigado no chão de teatros, cenários e picadeiros, a tragédia arquitetou um confronto traumático com a realidade exterior com que ele era obrigado a lidar. A desventura era presente na vida de Otelo de maneira tão expressiva quanto a comédia que representava nos palcos e pras câmeras, mas ele sempre soube contorná-la. Seguiu, nessa mistura agridoce, com o dom de encantar que a vida lhe deu. Foi, para Bressane, O Rei do Baralho em 73; e o mestre de cerimônias em Cariocas, Músicos da Cidade, da francesa Ariel de Bigault. Tinha essa característica de mostrar o Brasil, seu e de todos. E de se perceber nos tipos com quem convivia. Era síntese pura. A saber,

Grande Otelo no filme Tudo é Brasil. 31


Otelo dizia que não era um artista dedicado, que, ao invés disso, fazia tudo ao natural. O que acabou, no fim das contas, se revelando um baita equívoco. As duas características eram vivas no menino de Uberabinha. De Pequeno a Grande Otelo, Sebastião Bernardes de Souza Prata, que (permitam-me uma fuga) nasceu sorrindo, tinha o condão da arte e o jeitinho para a sobrevivência. Era choro com a mesma facilidade que era riso. E não deixa de ser significativo que o elo perdido do sentimento nacional seja uma figura negra que, mesmo sem poder entrar pela porta da frente, venceu a discriminação que tentou lhe fazer menos gente; pôs fim às mazelas da vida de muitos; e atingiu em cheio o coração de quem o testemunhou. Muitos filés a cavalo para Otelo, expoente máximo da alma brasileira! Gabriel Meyohas é cineasta, formado pela PUC-RJ, roteirista, produtor cultural e pesquisador de cultura popular.

A CURADORIA INDICA: Rio, Zona Norte, de Nelson Pereira dos Santos Cariocas – músicos da cidade, de Ariel de Bigault Natal da Portela, de Paulo Cesar Saraceni Berlim na Batucada, de Luiz de Barros Tudo é Brasil, de Rogério Sganzerla

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Batucada de bamba, patologia bonita do samba Por 34

BERNARDO OLIVEIRA


Há uma forte expressão política na criação e desenvolvimento das “escolas de samba”, os antigos “terreiros de samba”, sucedâneos dos quilombos. Eram laboratórios de práticas coletivas, usinas de expressões culturais do povo negro, herdeiros diretos dos filhos, netos e bisnetos de escravos. Não se tratava de uma organização ideológica, mas de uma política de remodelação cultural, único caminho pelo qual os negros poderiam driblar o racismo institucional e conquistar, de fato, uma vida melhor — vale lembrar o primeiro sindicato brasileiro, a Companhia dos Homens Pretos, mais conhecido como Resistência, que, além de atuar na área sindical, organizava o rancho carnavalesco Recreio das Flores, de onde sairia, mais tarde, o Império Serrano. Tratava-se, pois, de uma política de ocupação perigosa, uma aposta de alto risco duplamente experimental, desdobrada no tempo e no espaço. Migrar para as ruas se configurava como uma atitude deliberadamente política, um exercício de resistência que se afirmava como uma utilização determinada das ruas. Aqui, o negro brasileiro inventava um espaço, o “espaço público”. E o ensinava ao poder. Mas faltava o artifício sedutor, o feitiço que propiciaria a conexão dos indivíduos, dispersos, em um só cordão — alinhados não em função de uma obrigação moral ou de uma pátria, mas em uma espécie de transe, de êxtase. Isso só foi possível graças a uma atividade civil de importância capital na história do Brasil: o ato de criação musical, a confecção da canção, a elaboração do batuque, a interpretação vocal particular, 35


a criação de uma harmonia, uma melodia, um tema, uma técnica de apresentação que possibilitasse unir a comunidade de forma coesa. Quase em paralelo à Semana de 22, nasce, então, o samba do Estácio, a invenção do samba urbano carioca: notas mais longas, andamento mais rápido, cadência marcada, inspirada na batucada da umbanda. A instrumentação particular, elaborada por personagens fundamentais, como Bide e João Mina — o primeiro, responsável pela invenção do surdo e, dizem, do tamborim; o segundo, aquele a quem se atribui a invenção da cuíca. A dança espontânea, calcada em uma mistura de umbigada e roda de batucada. A inclusão do canto das baianas, do coro. A invenção do bloco organizado, a “escola de samba”. As harmonias mais simples e diretas de compositores como Ismael Silva, Marçal, Bide, Heitor dos Prazeres, Brancura, Baiano, Baiaco, Amor, Getúlio Marinho, Bucy — todos eles gravados pelo alta tecnologia da época e veiculados pela nossa incipiente “indústria cultural”. Um contexto de extrema particularidade, marcado por aquilo que, nos termos criados por Wallace Lopez, pode ser definido por uma “geossambalidade” particular. Movimentos de uma vanguarda como até então não se vira naquela região e que viria a produzir efeitos concretos sobre a noção de cultura brasileira, a ponto de figurar como pilar da “identidade nacional”. Em sua representação oficial, há certo consenso de que o Samba exprime o ethos da brasilidade, a síntese dos costumes do povo brasileiro, de que é um traço fundamental da nossa identidade cultural e “nacional”. Essa visão relaciona-se com a apropriação política realizada pelo Estado Novo, a institucionalização que conduz aos desfiles e aos sambas-exaltação, 36


mas também com um certo modelo de compreensão histórica que tem suas raízes no cristianismo. Trata-se, portanto, de uma concepção de “origem”, através da qual se revelaria “a essência exata da coisa, sua mais pura possibilidade, sua identidade cuidadosamente recolhida em si mesma, sua forma imóvel e anterior a tudo o que é externo, acidental, sucessivo”, como diria Foucault em suas reflexões sobre a “origem”. Mas a história do samba guarda seus mistérios, suas especificidades: não há raiz, apenas invenção e reinvenção para fins de festa e renovação da vida. O samba, portanto, como produto de uma vivência específica e particular, seja do compositor (Ismael Silva), seja do grupo social ao qual pertence (o Estácio). Vivência, isto é, “estar presente em vida enquanto algo acontece”. Trata-se, assim, de uma experiência que não pode ser compreendida de maneira fixa e universal. Um indivíduo se torna o que é através de um trabalho de cultivo de si mesmo, um cultivo que se dá através de suas vivências, daquilo a que alguns filósofos gregos chamavam pathos – uma noção associada às intensidades dos afetos e das ações, não à precisão do conceito. Assim, o que constitui a riqueza do samba é a pluralidade de sambistas e de seus modos e maneiras de compor, muito diferentes entre si. A patologia do samba, em resumo, corresponde à patologia do sambista, isto é, à conexão entre quem ele se torna pelo acúmulo singular de experiências particulares e suas invenções. Nesse sentido, o samba não é, como se tornou comum afirmar, um ethos (“síntese dos costumes de um povo”), mas um pathos (paixão, excesso, catástrofe, passagem, sofrimento...), fruto de uma perspectiva única e insubstituível. Samba é menos algo que “ensina, cura, amplia, diverte e delira” – segundo uma 37


“estética” tomada do ponto de vista kantiano do “fruidor” – do que vivência, excesso, paixão: em suma, singularidade. O samba não é metafísico porque, noves fora, ele carece do sambista e do contexto, como qualquer outra manifestação musical. Para que emirja a grandeza do samba, é necessário o compositor-instrumentista, que produzirá a transfiguração da forma-samba em uma pluralidade de expressões “sambísticas”. O Samba, portanto, não tem raiz, não é um traço originário, mas de invenção. E o termo “invenção”, aplicado ao contexto do samba, desempenha um papel fundamental: desenraiza o samba toda vez que tentam petrificá-lo em uma sonoridade estabilizada. Destrói as certezas e abre caminho para o novo. O samba singular opera como estopim, cujo efeito é compartilhado com aqueles que se comprazem com sua batida envolvente e melodia sofisticada. No entanto, seu eixo produtivo e expressivo não depende da aceitação popular, mas da atividade patológica do sambista, sempre procurando criar um samba que se equilibre entre tradição e novidade. A grandeza dos sambistas consiste no fato de que, ao contrário dos políticos e intelectuais da época, já anteviam a concepção segundo a qual as forças populares representam um potencial de cultivo e criação. Neste caso, o negro inventa o tempo brasileiro: a cadência do samba, as palavras flutuando sobre o vai e vem épico e sexual da batucada em dois por quatro, o convite ao chacoalhar do corpo, dos gestos; ao gosto pelo detalhe das vestimentas (a barra da saia, o chapéu coco), dos passos da dança (o “coladinho”, o “cruzado”, o “corta jaca”). Um convite, enfim, à exibição, ao jogo. Uma atividade moralmente superior, pois já celebra a tal “vida sem catracas”, sem pedágios, sem cobranças. 38


Os compositores são não apenas responsáveis por suas canções, mas por esse dispositivo unificador, esse evento que congraça gente de todas as raças numa mesma emoção, entre o transe subjetivo e a consciência coletiva: a batucada, a melodia, o canto coletivo, os passos de dança, a roda de samba.“Essa Kizomba é nossa constituição”. Praticamente desprezados na atualidade, os compositores sustentam até hoje a aura de cada terreiro, até mesmo daqueles que foram convertidos pelos próprios sambistas em “escolas”, com o intuito de obter legitimidade e aceitação social. Apesar de tudo, Paulo da Portela, Martinho da Vila, Silas de Oliveira e Cartola ainda são lembrados. Neste processo de acomodação a um determinado estatuto social (do malandro ao trabalhador, do Terreiro à Escola), a trajetória das escolas de samba em geral, e do samba em particular, sempre se mostrou ambígua, renovando-se sempre de maneira conciliatória — como eram nossos ancestrais Bantus, antropófagos culturais ainda no continente Africano, bem antes de pisarem na América. A partir dos desfiles temáticos do Império Serrano, passando pela invenção do “carnavalesco” (Salgueiro, 65), até chegarmos às atuais Escolas de Samba S/A, que não resistiram ao processo de comercialização do espetáculo. O caráter político não institucional foi se tornando objeto de administração, até que restou apenas o aspecto visual, colorido, do desfile, e a figura do carnavalesco se tornou preponderante, sobrepondo-se à do compositor. É o carnavalesco que zela pela excelência técnica do desfile, é ele quem responde pelo pathos e pelo ethos. As arestas, os escritórios de samba-enredo aparam com seu know-how subutilizado para fins de reprodução. Neste sentido, à parte as questões políticas e morais, a Beija Flor foi a escola que melhor soube se 39


encaixar nesse modelo de carnaval imposto pelo grande dinheiro e aceito pela maioria do público, que obriga as escolas a se adequarem ao modelo Super Escolas de Samba S/A, atravessadas por todo tipo de atividade, inclusive as suspeitas. A percepção da obsolescência do compositor migrou para o carnaval de rua, protagonizado em sua maioria por indivíduos que não conhecem outro modelo de carnaval que não seja aquele fabricado por carnavalescos, com uma abordagem teatral-espetacular e a difusão massiva das Organizações Globo. Mas com um detalhe curioso: estes Blocos da Zona Sul e do Centro, blocos corporativos voltados para a “pegação” e para as piadinhas grotescas, incorporaram o regime extático dos primeiros carnavais, bem como a tese da inversão, segundo a qual o carnaval constituiria o período reservado para inverter práticas e costumes da vida cotidiana. Contudo, o fizeram descartando a figura do compositor e, em última instância, desprezando qualquer tendência inventiva, demiúrgica, posta em prática por autores geniais como Cartola, Carlos Cachaça, Silas de Oliveira, Mano Décio da Viola, Darcy, Cabana, Wilson Moreira, Luiz Carlos da Vila, Zuzuca, Geraldo Babão, Luis Grande, Zé Catimba e o gigantesco Beto Sem Braço. Me parece que no carnaval carioca do presente, o que se afirma são os mesmos preconceitos de sempre — raciais, sexuais —, inclusive em relação ao papel do sambista, do compositor. Algo semelhante se pode afirmar da produção musical do samba contemporâneo, acomodados sobre as formas e sonoridades desgastadas, provenientes do samba dos anos 70, 80 e 90. Se a história do samba nos mostra uma conexão consistente entre a disposição para a invenção e o ímpeto de remodelação cultural, percebe-se que o desdobramento mais pungente desta 40


história não corresponde ao samba redundante protagonizado por Teresa Cristina, Diogo Nogueira, Dudu Nobre e Casuarina, enclausurados em um conceito estático do samba. Percebe-se essa inclinação mais claramente na música protagonizada por MC Catra, MC Carol, RD da Nova Holanda, entre outros artistas ligados ao funk carioca, oriundos dos guetos negros cariocas, as favelas. Ainda que sobre outras bases rítmicas e culturais, os funkeiros, assim como os sambistas do Estácio, conservam o ímpeto experimental característico das comunidades negras que habitam o Rio desde o século XVI e o canalizam através de uma síntese particular de festa, invenção e tecnologia. PS.: E se, por acaso, alguém procurar no Google a autoria do clássico É Hoje! e se deparar com créditos ao Monobloco, corrija: É Hoje foi escrita pelos esquecidos Didi e Mestrinho. Bernardo Oliveira é professor de filosofia, crítico de música, produtor do Quintavant e do selo QTV.

A CURADORIA INDICA: Partido Alto, de Leon Hirzman Heitor dos Prazeres, de Antonio Carlos de Fontoura Tudo é Brasil, de Rogério Sganzerla Onde a Coruja dorme, de Simplício Neto Guardiões do Samba, de Eric Belhassen, Belisario Franca e Marc Belhassen Agoniza, mas não morre, de Gabriel Meyohas e Maíra Motta

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Nas pegadas de Quelé Por

Aïcha BARAT


“No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu a ninar nos longes da senzala – e nunca se esqueceu chamava para o café. Café preto que nem a preta velha Café gostoso Café bom.” CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, INFÂNCIA

“Pé do meu samba, chão do meu terreiro.” CAETANO VELOSO, PÉ DO MEU SAMBA

O samba pede passagem, mas também imagem. Quando a música se faz uma das mais fortes e abrangentes expressões da cultura brasileira, é esperado que o micróbio do samba contamine não só o cinema – como comprova esta mostra –, mas também as artes visuais. Já no final dos anos 50, atentase com um zelo muito maior para as capas de disco, tendo 43


muitas delas, inclusive, sido içadas ao nível de verdadeiras obras de arte. Afinal, o disco é um ponto crucial na comunicação do artista com o público. Dentre muitos capistas, há o que foi o mais importante para o samba nos anos 1970. Ao conceber inúmeras capas1, Elifas Andreato – mestre do traço – sempre buscou se aproximar dos artistas para os quais criou. E, oportunamente, fez uma bela carreira num momento em que se consolidou a aliança das gravadoras e dos músicos com artistas plásticos. Suas criações buscavam ser uma extensão do projeto do artista. Certa vez, declarou: “eu sou o porta-voz, fazendo a síntese numa imagem daquilo que é muito maior”.2 As produções de Andreato desenvolvem uma estética própria, sempre permeada de grande lirismo popular, como mostram Nação, de Clara Nunes, Rosa do Povo, de Martinho da Vila, ou, ainda, Nervos de Aço, de Paulinho da Viola. São capas que muitas vezes conjugam certa narratividade com dados biográficos. Andreato sempre buscou uma relação com os artistas que iria retratar: entre chopes e partidas de sinuca, saíam as ideias para seus trabalhos. A boemia permeava sua criação e ele se tornava um colaborador, um tradutor visual do projeto por trás do disco. 1 Elifas ilustrou mais de 300 capas de vinil. Realizou capas de suma importância de grandes sambistas dos anos 1960 e 1970: Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Clementina de Jesus, João Nogueira, Clara Nunes, Zeca Pagodinho e muitos outros. Sua carreira de capista começou quando se tornou responsável pelo projeto gráfico da coleção em fascículo Historia da MPB, da editora abril. Vendidos em bancas de revistas, os encartes que acompanhavam as coletâneas traziam uma diagramação revolucionária para a época. 2 Entrevista concedida ao site Panorama Mercantil: http://www.panoramamercantil.com.br/as-gravadoras-foram-sempre-um-empecilho-elifas-andreato-designer-grafico-e-jornalista/ (último acesso em 29/11/2014). 44


Mas é uma capa específica que será a menina dos olhos deste texto: Clementina e Convidados (1979; Odeon), de Clementina de Jesus (1901- 1984). Uma capa que foge do óbvio até mesmo se levarmos em conta a trajetória de Andreato, pois não se trata aqui de um dos seus famosos desenhos. Uma capa que intriga pela ausência física da intérprete: “Clementina, cadê você?”, poderíamos indagar. Num momento em que a televisão estava em alta e em que o público clamava por sempre ligar um artista à sua imagem, o que temos aqui são marcas, vestígios, pegadas de pés na terra. As metáforas visuais do samba se cristalizaram, sem dúvida, com muita força nas capas de disco. Foram terreno fértil para representações diversas da diáspora negra. Andreato foge do óbvio porque em nenhum momento nos faz deparar com

Elifas Andreato, capa do disco Clementina e Convidados, 1979, Odeon. 45


os símbolos com os quais se convencionou retratar o samba: o malandro, os Arcos da Lapa, os instrumentos percussivos, a mulata. Em Clementina e convidados, o que atrai é justamente a imagem da ausência. O artista se apropria das simbologias estéticas negras. As pegadas sugerem pés que lá estiveram. Pés que sambaram, pés que sofreram, que dançaram jongo nos quintais, que tiveram contato com a terra. E, na capa de dentro, sandálias de prata: pés que dançaram na gafieira. Ou desfilaram na Avenida? Há também, e principalmente, a terra pisada e a ancestralidade, a escravidão, o contato primitivo com o solo fértil, que deu samba. A capa expõe essa terra, referência passada, presente e futura, remetendo à ancestralidade e ao contemporâneo. Pensamos em experiências e memórias de escravidão, colonialismo, exílio, exclusão racial, práticas religiosas e legados africanistas que contribuem não só para a elaboração de um imaginário, mas para a construção de uma identidade, de um Brasil negro. 46

Encarte do disco Clementina e Convidados, 1979, Odeon.


A título de curiosidade, Clementina gostou tanto da capa que posteriormente pediu que Elias fosse até ela para gravar seus pés no barro, pois queria que também fosse feito um molde de seus próprios pés. Sobre sua concepção, o capista diria: “A idéia do pé na terra é porque ela, uma cantora extraordinária, representa a contribuição mais significativa nas raízes da música brasileira, que é o samba. O samba que nasce no terreiro, nas senzalas3”. Ainda que pareça uma criação simples, a beleza aqui mora nos detalhes, no contraste entre a capa e o encarte: plantas brotando no solo, o afundamento e a intensidade do relevo no chão sugerem passagem de tempo. A riqueza visual conjuga-se com maestria com seu conteúdo sonoro. Esse legado, Clementina trazia em si: uma África – diaspórica – é evocada na voz e nos cantos, que lhe foram transmitidos por sua mãe, filha de escravos. Sua voz carregava o sofrimento da ancestralidade. Cristalizou um elo com os

3 Entrevista à Veja SP.

Clementina por Elifas Andreato. 47


antepassados. Encarnou uma ponte entre a Mãe África e a cultura moderna brasileira. Verdadeira enciclopédia de caxambus, lundus, jongos e outros cantos negros, aprendeu os cantos das senzalas ainda muito pequena. Sua forma de transmitir esse conhecimento se assemelha à dos griots na África. Como se sabe, Tina, como também era conhecida, foi descoberta tardiamente – com mais de 60 anos – por Hermínio Bello de Carvalho, numa festa em homenagem à Nossa Senhora da Penha, na Taberna da Glória, no Rio de Janeiro. Encantou-se por seu timbre rouco único. Tinha uma voz forte, rascante e penetrante, trazia uma mistura de pontos de umbanda e candomblé, cantos de trabalho, jongos cantados em banto e músicas de coro de igreja católica. Surgiu para o mundo num momento inusitado, quando o que dominava as rádios era a bossa-nova, o iêiêiê. Foi trilhando seu caminho de artista com participações em trabalhos coletivos, como o Rosa de Ouro e Canto dos escravos, mas também em discos solos. Em 1979, seguindo as pegadas de Quelé, fez-se este disco de peso que reuniu um time de gigantes como Dona Ivone Lara, Cristina Buarque, Roberto Ribeiro, Clara Nunes, Martinho da Vila e João Bosco. O time de músicos também não ficou atrás, com Dino e César Faria nos violões, Jorginho do Pandeiro, Luna e Eliseu na percussão. O que fica é um disco que deu samba! “É a alegre coragem de viver do povo que precisamos imitar, e são as pegadas de seus melhores artistas que devemos seguir4”, escreveria José Ramos Tinhorão em 1979, referindo- se ao disco em questão. 4 Jornal do Brasil, Caderno B, Rio de Janeiro, sábado, 29/9/1979, página 2
Extraído do livro “Tinhorão – O Legendário” de Elizabeth Lorenzotti, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2010 48


Em som e em imagem, o disco presta homenagem à sua origem, ao terreiro, à mandinga, ao negro, à mulata, ao samba, ao gozo, ao sofrimento, ao pé no chão. Hoje, basta ouvir as músicas deixadas por Clementina para sentir reverberar a dimensão de seu legado. Basta assistir a suas apresentações para sentir a inegável pungência do canto forte da mulher. Basta isso – e não é pouco, não – para se deixar encantar pela extasiante e fascinante Clementina. Aïcha Barat é produtora, mestre em História da Arte pela Paris I e doutoranda em Literatura, Cultura e Contemporaneidade na PUC-Rio.

A CURADORIA INDICA: Clementina de Jesus – Rainha Quelé, de Werinton Kermes Heitor dos Prazeres, de Antonio Carlos de Fontoura

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A vida de Noel Rosa, na vis達o de Sganzerla Por Jairo 50

Ferreira


Rogério Sganzerla, realizador de alguns dos melhores filmes do cinema brasileiro (O Bandido da Luz Vermelha/68 e A Mulher de Todos/69), pelo que deflagraram no processo cultural do país, ficou muitos anos afastado das câmeras (“para não me confundir com a mediocridade dominante”) e só voltou a filmar quando filmou O Abismu ou Sois Todos de Mu e não Sabeis, inexplicavelmente ainda não lançado pela Embrafilme. Esse mesmo órgão, de forma curiosa, concedeu-lhe, entretanto, um bom financiamento para a realização de Papai Noel Rosa, cujas filmagens se iniciaram há 15 dias no Rio de Janeiro. Sganzerla veio a São Paulo rever amigos num fim de semana e se manifestou entusiasticamente sobre seu novo filme: “Noel, gênio total, mestre inconteste da língua, nos faz vibrar o que de melhor se produziu em termo de texto – com uma única exceção nesse século: Guimarães Rosa. A sua performance linguística é comparável à de um Euclides da Cunha por exemplo (e quem mais?). Noel aproxima a noção básica do texto com a mente livre e, em seus ideogramas e epigramas lapidares, compõe a nova e natural língua milionária de um Brasil menos burro e mais profundo”. “Ao contrário do que se pensa, não há em Noel crítica de costumes, mas apenas o ritmo adequado à construção física do carioca. Basta citar suas opiniões, transcritas por um pesquisador, para perceber que o homem, além de escrever bem demais, pensa diferentemente e propõe algo que os malandros neurastênicos, egocêntricos e inconsequentes da imensa e necessária 51


roda de samba nacional não pensaram fazer: Noel é um pensador e, nesse sentido, só pode ser comparado a Jimi Hendrix”. Essa ligação Noel Rosa/Jimi Hendrix pode parecer pouco ortodoxa aos estudiosos da música popular brasileira, mas não assusta a quem teve a sorte de assistir ao Abismu em sessão especial. Nesse filme, Sganzerla utiliza músicas do genial guitarrista do inicio ao fim. E não faltam pontos de contato entre ambos, que morreram tragicamente na flor da idade. Mas prossegue Sganzerla: “Som natural e pré-historicamente milionário: samba/embolada. Identificação com o subconsciente coletivo através de uma nova prosa urbana, livre e bem acabada, onde, como em Hendrix, não se perde tempo em odes à namorada ou suspiros pretensamente românticos. Não. Noel como Hendrix pretende mudar a mente contemporânea (I could change your mind; I don’t live today, maybe tomorrow/ ‘até manhã se Deus quiser; quem gosta de mim sou eu’).” Visionário, Hendrix realmente “não viveu em sua época, talvez amanhã”. Seu som está muito anos na frente de tudo que se faz hoje em música pop. E Noel Rosa é um caso raro de poeta, músico e pensador dos anos 30 que continua atual. Tão atual – ou à frente – que só agora começa a ser redescoberto. E, como se vê, através do cinema, arte que às vezes aspira a ser musica (velho e sempre novo ideal: toda a arte aspira a ser música). Sganzerla sabe disso há muito tempo. “Feitiço sem farofa, sem vela, sem vintém. Noel, o gênio – et pour cause – incompreendido. Vitimado por mal-entendido histórico. Noel, o maior criador rimbaudiano, o surealista mascarado, o provocador de versos, o homem do silêncio e do ruído brutal, mestre alquímico do repouso e do movimento, 52


da presença e da ausência. Basta estar atento às musicas como Malandro Medroso e Maria Fumaça, absolutamente cerebrais e aparentemente “inconsequentes”. Afora a capacidade do improviso e da gesta épica, cartilha do poder que eu me proponho a decifrar para a grande massa ignara de intelectuais medíocres: poucos ou quase ninguém entendeu ao nível da criação da obra a importância interna de Noel ou Hendrix, aliás, criadores comparáveis não somente pela extensão de sua vida curta, gênios ceifados em plena flor da idade, mas pela quantidade e versatilidade de sua obra extensa, da capacidade de tentar e não conseguir repetir-se (ou autoparodiar-se) no verso polido ao máximo abissal e sempre ameaçador à mente convencional”. Para interpretar o papel de Noel Rosa nesse filme, que já consumiu três anos de pesquisas, Rogério Sganzerla escolheu Joel Barcelos, cuja semelhança física (Noel/Joel) com o poeta é flagrante. Mas as semelhanças não param aí: Sganzerla também tem alguns traços noelinos. O cineasta, que já foi jornalista, não concede entrevista: ele mesmo senta numa mesa da redação e produz seus textos deflagradores. Termina de dialogar uma parte da entrevista (melhor será falar em “inter-vista”) e entrega ao “repórter” o manifesto que se segue: “Chegou, senhoras e senhores, a hora de abrir o jogo e instalar imediatamente os pingos nos is do panteão da mente livre, isto é, sem medo do novo homem e da nova humanidade. Chegou a hora de abrir o jogo após um decênio de fidelidade e pesquisa em todo sentido encampando as verdades históricas de obras verticais que se elevam por altíssimos páramos até horizontes insuspeitados ou inalcançados pelos outros contidos viventes. Noel ou Hendrix ou a grande obra de arte – do deslimite da criação total – gênios, jinas sim, propõem tudo o 53


que um imbecil de classe jamais poderá entender. Mas eu, por exemplo, entendo a burrice e até faço questão que continuem assim para mais facilmente caírem do cavalo”. “Noel, gênio total, morreu a quatro de maio de 1937, isto é, 9 anos antes de eu nascer, pôs em questão toda a necessária jogada da obra de arte barroca e moderna milenar e milionário deslimite da criação... Ponho os pingos nos is da historia e, a partir de agora, ninguém poderá ignorar a máxima importância desse soberano do verso e do reverso, artista e homem maior sim, porque a essa altura no equivoco luso-carioca de dividir o universo da criação da personalidade do artista necessariamente contigente e complementador. Chegou a hora de gritar alto e em bom som que o maior, feliz ou infelizmente, nessa terra, se chama Noel Rosa e que ninguém – ele é grande entre os grandes (na década de prodigiosa de 30, entre cartola, Larmatine, Ary e não sei mas quem) – sequer chegou a seus pés...” “Noel, o gênio, Noel, o pensador. O criador – da condição oriental de artista, mesmo e principalmente se nascido nas condições adversas do capitalismo ocidental – artista maior, invejado, explorado, agredido mas exatamente por isso maior ainda”. “Não me desculpem se pareço apologético, mas para falar de Noel é assim mesmo, só com o seus companheiros e amigos sinceros intuíram e o povo de Vila Isabel até hoje intui e se refere a ele: um cara muito inteligente, um gênio – ou como se referiu Álvaro Moreira, é muito grande esse pequeno Noel. “E é isso que eu pretendo erigir: uma concepção nada medíocre do artista mais original e profundo de todo século, que em sã consciência só pode ser comparando – pasmem – com James Marshall Hendrix em tudo, Orson Welles no cinema ou Shakespeare no texto e na habilidade (isto é, montagem, 54


ideografia do relacional do personagens...), os grandes e tradicionais exemplos exemplares provindos da mesma linguagem que produziu os gregos da fase áurea, Homero, Shakespeare, Dante, Cervantes, Camões, Castro Alves, todos eles, indistintamente gênios totais”. Sganzerla já se desculpou pela apologia, mas nem era preciso: quem o conhece sabe que ele é assim mesmo – quando está filmando mergulha de corpo e alma no assunto, como se tentando reinventar o mundo através de um filme. A pretensão é grande, mas o assunto também o é: uma vez terminado o filme, a visão que se tem da música popular brasileira certamente ficará abalada. Isso porque Rogério é um cineasta de terremotos – terremotos culturais que um momento como a Bossa Nova, por exemplo, não teve sismógrafos para detectar. E, no entanto, tudo são coisas nossas, são nossas coisas – já dizia o gênio. Jairo Ferreira (1945-2003) foi um diretor e crítico de cinema brasileiro. A primeira publicação do texto acima tem data indeterminada. Em 1993 foi reeditado pela editora Azougue.

A CURADORIA INDICA: Isto é Noel Rosa, de Rogerio Sganzerla Tudo é Brasil, de Rogerio Sganzerla Noel por Noel, de Rogerio Sganzerla

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Notas sobre “onde a coruja dorme”, por um de seus diretores por Simplício

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Neto


Resumo enfim, num texto, muito do que já conversei ao longo dessas décadas de vida do longa-metragem documentário Onde a Coruja Dorme. São ideias que fui elaborando, desde o projeto inicial, até muito depois também, em tantos debates de festivais, cineclubes, entrevistas de divulgação, interpelação de fãs de Bezerra da Silva, de acadêmicos de humanas etc. Claro que essa é apenas uma visão pessoal, do copesquisador, corroteirista, e codiretor Simplício Neto. A minha cara colega em armas, copesquisadora, coroteirista, e codiretora Márcia Derraik, obviamente, tem a sua, que já externou em outros lugares. Mas vale notar: o que deu certo nessa obra tem a ver com o fato de que compartilhávamos, então intensamente, visões de mundo. E de cinema. E de música. E discutíamos muito, a cada etapa da feitura, com toda equipe, no doloroso, mas sempre compensador, processo do consenso. Ou seja, a maioria das ideias colocadas aqui sei que é dela e de toda equipe também. Posto que, muitas das vezes, nessas tantas ocasiões que citei, as proferimos juntos, em comum acordo. Então, vamos lá. Eu, Márcia e nosso grupo de amigos mais próximos – os que comungavam certos ideais juvenis, rodadas de cerveja e outras mumunhas mais – ouvíamos muito Bezerra da Silva desde a adolescência. Fãs de rock e rap, Bezerra era a única coisa que nos parecia mais contemporânea, radical, urgente e urbana em termos de música brasileira naqueles finais dos anos 80. Isso se repete no discurso de músicos de nossa geração, como Marcelo D2 e Marcelo Yuka. Bezerra, na verdade, foi quem abriu minha cabeça de vez para o samba e 57


para, depois de adulto, ouvir MPB. E aí, então, conhecer os grandes sambistas, que antes dele haviam tematizado o cotidiano da favela, da violência urbana etc. Como Wilson Batista, por exemplo, que cantara antes, em alto e bom som, que “em Mangueira não existe delator”. E qual o interesse maior, a princípio? Nas letras, na narrativa humorada, cáustica e contundente da realidade brasileira. Fruto de uma visão genuinamente popular, “de baixo pra cima”, do que era nossa sociedade. Isso sintonizava com a informação nova trazida pelo rap, de que tanto gostávamos, por exemplo. Chuck D, líder do Public Enemy, havia dito que, nos EUA, o rap era a “CNN negra”. Pra nós, Bezerra era o “Jornal Nacional” da favela. Em meio ao auge do Pagode Romântico nas rádios regadas a jabá, Bezerra simbolizava tanto a resistência do Partido Alto de Raiz, quanto a tradição artística do realismo estético – linhagem que, mais tarde, seria meu tema de doutorado em cinema na UFF. Tema que estava na boca dele, o tempo todo, quando se gabava de não dar bola para a musa romântica, de não querer nunca vender disco com canção de amor, pois “eu não posso cantar o amor quando eu nunca tive, eu sou realista, eu canto a realidade”. Em 1998, Márcia, cursando Cinema no IACS UFF e eu, cursando Ciências Sociais no IFCS-UFRJ, obtivemos repercussão no meio com nosso primeiro trabalho juntos. Ela dirigindo, e eu ajudando no roteiro e na montagem de “Dib”, sobre o câmera mor do Cinema Novo, Dib Lutfi – que, depois, nos deu a honra de colaborar no Coruja. Com os prêmios, piramos. Tínhamos que fazer outro! Pois é. Mas nosso novo filme seria sobre o quê? Márcia veio com essa: que tal nosso ídolo brasileiro da adolescência? E eu completei: mas qual 58


o recorte mais interessante, para além de um documentário biográfico, um portrait de um popstar marginal, self-made man imigrante nordestino? Bezerra chegou de Recife ao Rio cantando coco de embolada, na sombra de Jackson do Pandeiro, e depois se reconstruiu mil vezes até chegar ao Bezerra que vemos no filme. A trajetória heróica, pessoal, anterior, do Bezerra daria um outro filme, quem sabe de ficção, um épico. Nem cabe comentá -la aqui, portanto. Propus um outro foco, e Marcinha gosta de brincar, dizendo que foi aí que eu passei a merecer a direção também. O plot virou o seguinte: ele apenas encarnava uma persona, a do malandro de boné, cheio de bordões certeiros como “malandro é malandro e mané é mané”. Só que, por trás disso, havia um projeto cultural amplo, um projeto de garimpo intenso, de escalação de uma seleção brilhante de compositores, baseado numa meritocracia, feita à moda própria. Assim, ele buscava encarnar a verdadeira criação popular, ser, enfim, a voz do morro. Poucos sabiam, até então, um dos principais segredos do sucesso de Bezerra: sua incrível equipe de compositores. Gente como Popular P, Adelzonilton, Walmir da Purificação, Roxinho, 1000tinho, gente cuja inventividade já brilha em seus próprios nomes, que fazia os fãs rirem só ao ler os créditos de contracapa dos discos. Caso mor de Embratel do Pandeiro e Alicate de Niterói. Todos eletricistas, trocadores de ônibus, mecânicos, presidiários, policiais, bombeiros, etc., que conviviam com uma realidade violenta e trágica, e, por isso mesmo, dionisíaca. Realidade da malandragem, da bandidagem, que os inspiravam a compor sambas que eram os mais fiéis retratos desse cotidiano. Para nós, as letras e a habilidade poética dos compositores 59


do Bezerra tinham que ser as “estrelas” do filme. Para alcançar isso, pensamos a estrutura em cima dos temas em jogo. O filme seria um tratado audiovisual cuidadoso sobre essa criação, leitura inexistente na crítica musical da época, que se limitou a taxar Bezerra de “sambandido” e a ecoar as acusações de que ele fazia apologia ao crime, a mesma imputada ao gangsta rap californiano. Buscamos os pontos de vista dos envolvidos no processo – qual era a motivação por trás dessa retórica poética? – e os montamos na batida do samba, na prosódia do malandro, do jeito que ele a “pronuncia, com voz macia”. Buscamos isso tanto no depoimento de cada compositor, como no depoimento do médium que os incorpora, que é o Bezerra. Ele é o frontman, ele articula esse discurso, junta as peças. Queríamos fazer, nesse garimpo, um trabalho análogo ao próprio trabalho do Bezerra. Mostrar a motivação do Bezerra ao escolher cada compositor, cada letra, cada assunto. Essa foi a escolha de lógica narrativa: seguir as histórias que estão nas letras, que narram tensos arcos dramáticos de personagens redondos, expressando considerações morais,

O malandro Madame Satã, interpretado por Lázaro Ramos, no filme homônimo de Karim Aïnouz, presente na programação da mostra 60


como os fabulistas da antiguidade ou os griots africanos. Acompanhar os comentários a respeito feitos pelos compositores, articulados pelo frontman-narrador-xamã-articulador cultural Bezerra da Silva. E dois eixos surgiram. Um deles, o da Língua de Congo, como eles chamam. Trata-se do jeito próprio de contar e de falar, com gíria, bom humor, na levada do Partido Alto. É a dimensão estética, poética de sua obra. O outro é o da Lei de Murici, a discussão moral das formas comportamentais da favela. O que define ser malandro, ser otário, ser colarinho branco, ser trabalhador, ser mané é a dimensão ética, política. E nossa felicidade é, revendo cada vez o filme, frente a cada novo público, perceber que, assim como a obra de Bezerra e de seus compositores, ele só rejuvenesce, se impõe, e nos esclarece. Simplício Neto é documentarista e pesquisador de Cinema, com Doutorado pela UFF. É professor de Roteiro da Escola de Cinema Darcy Ribeiro e roteirista de programas de grade da TV Brasil.

A CURADORIA INDICA: Onde a Coruja Dorme, de Simplício Neto Malandro, termo civilizado, de Sylvio Lanna Moreira da Silva, de Ivan Cardoso Madame Satã, de Karim Aïnouz

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o passo adiante do samba torto POR JUÇARA

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MARÇAL


“Vou contar do samba da Paulicéia e de sua gente, que é do tamanho do mundo porque não se acanha de contar as histórias de seu pedaço de chão de terra firme. Com licença dos mais velhos, vamos de samba!” PLÍNIO MARCOS

Em 17 de outubro de 2010, Kiko Dinucci, Rodrigo Campos e Romulo Fróes apresentaram, pela primeira vez, na Casa de Francisca, um show em que tocaram juntos canções dos três. Ainda não era o Passo Torto. Era simplesmente um show em que o Romulo achou legal convidar os camaradas pra tocarem juntos, unir forças. E a empolgação de todos era enorme depois do show. Havia uma potência diferente ali, e ela vinha dos entrelaçamentos possíveis entre eles: do ponto de vista poético, do cancional e na construção dos arranjos. Do ponto de vista poético, o que se percebia de cara era a vocação das letras para falar de personagens carismáticas, atmosferas densas, urbanas, verdadeiras canções-filme. Naquele primeiro show, havia apenas dois sambas com parcerias entre os três: Da Vila Guilherme até o Imirim, de Rodrigo e Romulo, e Samuel, de Kiko e Rodrigo. As personagens dessas duas músicas iniciais vivem o cotidiano da cidade, se deslocam pelos bairros, amam, desamam, atuam cheias de astúcia nesse ambiente pouco amigável que divide o centro e a periferia de São Paulo (“da Vila Guilherme até o Imirim é um-dois, o Vila Sabrina 1156 faz a vez”, “mas o Niquimba é cabuloso, desceu 63


a Augusta montado atrás do busão”, “diz Samuel, que que cê pensou? nem é longe de casa aqui”). As letras refletem o tempo presente, as vicissitudes do humano, e falam, sem visões idílicas, da cidade. A dificuldade, a perplexidade diante das barreiras que delimitam e destroem os espaços urbanos tornam-se matéria poética, antecipam-se à própria realidade e estabelecem um diálogo profundo com ela, transformando nossa maneira de enxergá-la. Do segundo ponto, o cancional, pode-se dizer que o samba é um grande elo entre esses três compositores (e isso se reforça com a chegada de Marcelo Cabral ao grupo). Romulo Fróes, que é apaixonado pelo samba-canção na sua forma mais melancólica, havia gravado à época três discos, entre os quais, Calado, cujos sambas, tristes, falam das coisas de amor e desilusão e parecem feitos sob medida para Nelson Cavaquinho interpretar, com sua voz rouca e seu violão pinçado. Kiko Dinucci também mergulhou fundo no universo do samba. Mas seu interesse maior se volta para o samba duro paulista. Durante cinco anos, comandou as quartas-feiras do bar Ó do Borogodó, uma casa reconhecida pelo repertório dedicado ao samba e ao choro em São Paulo. Kiko, além de seus próprios sambas e das parcerias com Douglas Germano, trazia músicas de Geraldo Filme, Raul Torres e Adoniran Barbosa, evidenciando um sotaque mais caipira e uma levada bem diferente daquela corrente nas rodas de samba. Também definia essa levada diferente o fato de ele ter lançado dois discos até então: Padê (em parceria com esta que aqui escreve) e Pastiche Nagô, com o grupo Afromacarrônico; ambos incluem no repertório, além dos sambas, composições inspiradas em outros ritmos de herança africana. 64


Rodrigo Campos participou por muito tempo das rodas de samba de seu bairro, São Mateus, e depois tocou também no Ó do Borogodó e outros bares voltados ao samba, na região mais central da cidade. Exímio no cavaquinho, no violão e na percussão, seu repertório vai dos clássicos antigos aos sambas e pagodes mais recentes. Em seu disco de estreia, “São Mateus não é um lugar assim tão longe”, apresenta um repertório autoral, primordialmente de sambas, e já mostra uma forma muito refinada de composição, com personagens emblemáticos. Marcelo Cabral foi instrumentista por vários anos em bares de samba da capital paulista: Ó do Borogodó, Traço de União, Bar Samba. Além do baixo, Cabral também toca violão de 7 cordas, e essa desenvoltura do baixista no universo do samba foi importantíssima no momento de constituição da sonoridade do grupo. Mas se o samba pode ser considerado o alicerce do Passo Torto, acima de tudo está o gosto pela invenção e a desconstrução. Talvez por isso, o “torto”, talvez por isso, o passo: adiante. É necessário, portanto, esmiuçar a terceira (e não menos importante) potência do grupo: os arranjos. O que se apresenta de início são os riffs marcantes e a soma de vozes e instrumentos, que revela sempre uma sonoridade singular. Mas não bastasse tudo isso, o arranjo é também personagem, cenário, plano, movimento de câmera dessas canções-filme. E é por meio de um jogo constante de construção e desconstrução que isso se faz. O arranjo pode mudar o clima da narrativa, desfazer o riff que se firmou, levantando do zero uma outra engrenagem, estabelecer diálogos entre um verso e uma resposta da guitarra, entre uma abertura de voz e um efeito de pedal. E, para além do efeito de camadas que vão se estruturando com a trama de ostinatos 65


e contrapontos, também os temas, os versos, se tornam mais irônicos ou violentos ou líricos, por esse jogo recorrente de pergunta e resposta, oposição e encaixe. Entretanto, é no modo como produzem seus trabalhos que os artistas do Posso Torto revelam-se sambistas à vera, fazendo valer a máxima de Nelson Cavaquinho, que diz a certa altura do filme de Leon Hirszman sobre ele: “gosto mesmo é de palestrar com os amigos, de brincar...tristeza, só nas músicas”. Valho-me ainda de outro exemplo dessa maneira de criar semelhante à dos sambistas da antiga: em seu livro “Desde que o samba é samba”, Paulo Lins refaz o cenário efervescente em que se estabeleceu o samba carioca no início do século passado. Trata-se de um romance de ficção baseado, no entanto, em pesquisa extensa a respeito do cotidiano daqueles viventes. Uma das coisas mais marcantes da narrativa é a roda de samba perene, presente em todos os principais momentos da trama, servindo de ponto de encontro das personagens, lugar onde estouram e se resolvem as pendengas, ponto de reflexão, de inspiração, e, principalmente, de diversão. É ali que Brancura, a personagem principal, malandro característico, tem ideias e cria parcerias para seus sambas. Muitas vezes, o mote vem da briga com a mulher ou do desencanto com a prostituta preferida, mas é na roda de amigos, ali, sempre reunida num boteco, que a síntese se faz em samba. Os tempos e o contexto são bem outros, claro, mas percebo certa equivalência entre aquele vigor e efervescência das rodas dos sambistas lendários e a forma como vejo serem constituídas as parcerias e criações do Passo Torto. A posição estratégica da roda de samba, instalada dia e noite no boteco central, com visão para tudo o que acontecia na Zona do Estácio daquela 66


O compositor paulista Paulo Vanzolini no filme Paulo Vanzolini, um Homem de Moral, de Ricardo Dias, presente na programação da mostra

época, possibilitava a seus integrantes uma perspectiva muito arguta das relações humanas, do seu entorno. E aqui, nesses anos caóticos do vigésimo primeiro século, os compositores do Passo Torto também encontraram um posto estratégico para observar, debater, reconfigurar e transformar em arte o que captam do Brasil e do mundo. A cidade de São Paulo é o boteco bem localizado no meio do caos, de onde falam e produzem (“a cidade é o centro do cerco”, verso de Helena). A dúvida, o desconforto, o vazio, que por vezes se instauram, são ingredientes inerentes às construções, porque, de certa forma, também revelam o tempo em que vivem, a cidade em que vivem (“um rádio por dentro”, verso de Helena), o estar no mundo, no fim do 67


mundo (“vai, José! vai saber como é que é cair, a cidade inteira até sumir, a cidade inteira cai”, verso de A cidade cai). E o trabalho flui sem a necessidade do gesto programático, da partitura, da forma fechada. Há muitos exemplos dessa movimentação fluida e inquieta, e o resultado potente que tiram dessa troca de ideias: uma letra que chega com dezenas de versos, e é burilada até restar apenas um. E é assim, com apenas um verso, que irá se consolidar, como em Adeus, de Romulo e Rodrigo: “Eu vim determinado a lhe dizer adeus”. Ou um verso que espera até o último instante para se definir, como em Rá rárá, de Kiko e Rodrigo: “Desculpe a dignidade de lhe dizer atrocidades”. Ou uma capa de disco (o primeiro – Passo Torto), sair sem retratar um dos componentes do grupo, e este mesmo integrante – no caso, Marcelo Cabral – ser o único retratado na capa do segundo disco. Uma brincadeira, sem dúvida. Mas o que prevalece mesmo são a xilogravuras de Kiko Dinucci, que transformam em traço a poesia contida em cada disco. Uma brincadeira levada a sério acaba por virar, ela também, matéria poética. Sem fórmulas prontas em nenhuma etapa da produção dos discos, sem apego a uma sonoridade (o que se revela na diferença entre o primeiro e o segundo disco), chegaram a pensar que não haveria mais como continuar depois do Passo Elétrico. Até porque os projetos são muitos, as demandas são muitas. Nesse meio tempo (entre 2010 e 2014), vários outros discos foram lançados, individuais ou projetos paralelos. Mas, aí, surge o convite para a residência com Ná Ozzetti, que trouxe seus saberes, sua voz e cores novas para o som do Passo Torto (a residência aconteceu no SESC Santo Amaro, em São Paulo e consistia em apresentar ao público o processo de criação das canções, com 68


os artistas elaborando o arranjo ali, ao vivo, diante da plateia). O nome do disco que surge desse encontro é Thiago França, que, ao contrário do que se pensa, não pertence ao Passo Torto; o que, de certa forma, confirma um dos motores do grupo: o gosto pelo jogo, pela brincadeira, que embaralha as ideias: as que os outros têm deles, as que eles mesmos têm de si. Thiago França é, por essas e outras, o nome exato para um disco que escancara o diálogo, o destemor e o amor pelo ato de inventar. Além de ser outra brincadeira: uma brincadeira afetiva, poética. E, ao mesmo tempo, uma maneira de reinventar a atitude libertária dos sambistas que os inspiraram. Juçara Marçal é cantora. Também é formada em jornalismo, mestre em literatura brasileira pela USP e escreve nas horas vagas.

A CURADORIA INDICA: Paulo Vanzolini, um homem de moral, de Ricardo Dias O mistério do samba, de Lula Buarque e Carolina Jabor

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Batatinha e o samba que toca na alma por

Victor Uch么a


Ele falava baixo e com pausas entre as frases. Exibia cabelos alvos e caminhava parecendo não querer chegar - mas sempre chegou. Então, com a delicadeza de um artesão, Oscar da Penha aninhava uma caixa de fósforos entre os dedos da mão esquerda. Daí, com os dedos da mão direita, tamborilava sambas que jamais morrerão. Em suas letras, deu vazão à saudade, trouxe à tona o passado e revelou desenganos. Tamborilando na caixa de fósforos, deu ritmo à própria vida. E foi desse jeito, bem ritmado, que Oscar da Penha virou Batatinha. “Não existe razão que um samba não vença / É toda minha ilusão e também minha crença”. Os versos da canção Pra todo efeito personificam quem os escreveu. Nascido a 5 de agosto de 1924 em Salvador (BA), Batatinha acreditou na ilusão do samba até ser vencido por um câncer, em 1997, aos 72 anos. Por acreditar (e mergulhar) na ilusão do samba, construiu uma obra tão preciosa que levou Paulinho da Viola a colocá-lo no mesmo patamar de Cartola e Nelson Cavaquinho, como representante da “poesia popular mais pura”, em texto para o encarte do disco Samba da Bahia, de 1973. No mesmo encarte, Maria Bethânia, que àquela altura já havia gravado diversas composições do conterrâneo, resumiu sua admiração: “Gosto de Batatinha como gosto da luz da lua, do som do tamborim, do samba em tom menor, das coisas tristes e simples. Batatinha pra mim é uma pessoa rara, um artista”. 71


Samba-crônica

Gráfico profissional, Oscar da Penha torna-se oficialmente sambista em 1944, no Campeonato de Samba da Rádio Sociedade da Bahia. Nas suas apresentações, o jovem alternava músicas do paulista Vassourinha com as próprias composições, mesmo sem coragem de dizer que eram suas. Em dois tempos, o público passa a chamá-lo também de Vassourinha. Até que, certo dia, o locutor anuncia: “Com vocês, Oscar da Penha, o sambista Batatinha!”. Depois de cantar um dos seus sambas, Oscar quis saber de onde saiu tal alcunha. “Ah, o pessoal só te chama de Vassourinha! Vassourinha está lá em São Paulo. Aqui é Batatinha”, teria dito o apresentador ao próprio Batata, que, devidamente rebatizado, fez muxoxo para o novo nome fantasia. Fez muxoxo porque teve que aturar a galhofa: diziam que Batata era apelido para gordo, adjetivo que, definitivamente, não lhe cabia. Devido à fina silhueta, ouviu que deveria chamar-se Bacalhau. Houve ainda quem sugerisse Aipim, mas nada disso pegou. A contragosto do dono, o tempo fez questão de fixar Batatinha. Nascido e criado no Pelourinho, entregador de marmita e aprendiz de marceneiro aos 10 anos e office-boy do Diário de Notícias aos 14, Oscar cresceu vendo Salvador crescer. Andou livre pelas ruas do Centro, pongou no bonde, zanzou entre carroças na Cidade Baixa, mergulhou no lusco-fusco da baía, subiu as ladeiras estreitas da velha capital e pegou amor pelo Galícia Esporte Clube. Estudou música com o maestro Alfredo Serra, admirou a Capoeira Angola de Pastinha, dançou nas festas de largo e, na barra do dia, descansou aos pés da estátua de Castro Alves. Na boca da noite de uma cidade outrora pacata, vagou livre por ruas cheias de histórias. 72


Assim, capturando a alma das pessoas em volta, lapidou versos simples para compor sambas como quem escreve crônicas. O olhar sobre o cotidiano é latente na sua obra, até mesmo em canções jamais gravadas em disco. Um exemplo é Feijoada do Samba, que ele apresentava como a segunda receita culinária da história da MPB, perdendo somente para a do vatapá, cujos macetes de preparo foram devidamente universalizados por Dorival Caymmi. “A feijoada baiana é gostosa pra chuchu, melhor do que o vatapá e o saboroso caruru / Feita por um cabrocha que tem lá na roça, conhecida por Sinhá / Melhor do que ela nunca vi ninguém que uma feijoada saiba preparar / Carne de sertão, feijão mulatinho, carne de sal preso e o saboroso toicinho / Meio quilo de chupa-molho e linguiça um pedacinho / tudo isso temperado, vai pro fogo cozinhar / Vem provar a apetitosa feijoada de Sinhá/ Não tem preguiça no corpo, vai ficar forte e disposto para trabalhar”, versou Batatinha na década de 1940, muito antes, por exemplo, de Chico Buarque encomendar a Feijoada Completa. Sofrer também é merecimento?

Com humor, olhar crítico e sutileza, Batatinha delineava a vida e tocava quem lhe ouvia. Na MPB, tocou artistas do quilate de Bethânia, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque. O primeiro a gravá-lo comercialmente foi Jamelão, que em 1960 entoa a satírica Jajá da Gamboa, sobre um rapaz interesseiro que se envolve com uma “cabrocha boa, apesar de ser coroa”. Dois anos mais tarde, Firmino, personagem do ator Antonio Pitanga em Barravento, primeiro longa-metragem do cineasta Glauber Rocha, cantarola um trecho de Diplomacia, parceria de Batatinha com J. Luna: “Meu desespero ninguém vê. Sou diplomado em matéria de sofrer”. 73


Descendentes do músico Oscar da Penha, conhecido como Batatinha, relembram os sambas do compositor em Batatinha, o poeta do samba, de Marcelo Rabelo.

O prestígio entre artistas, no entanto, não foi suficiente para que Oscar da Penha conseguisse viver da música. Trabalhando como gráfico, passou a vida ao pé da linotipo, exibindo habilidade artesanal semelhante a que ostentava com a caixa de fósforos. Com dedos ágeis, dava forma às palavras antes que as páginas fossem à rotativa. No samba, Batatinha imprimia episódios da vida. Na labuta com as notícias, Oscar da Penha fazia o mesmo. Aposentou-se no serviço gráfico e foi dali que sempre tirou o sustento dos nove filhos, todos nascidos da união de 37 anos com Marta dos Santos Penha. Os ganhos modestos e a pouca fama fora da Bahia nunca o paralisaram, mas lhe conferiam alguma frustração – e, por que não dizer, muita inspiração também. Em 1971, numa conversa com o jornalista Ademir Ferreira, revelou que a canção Diplomacia nasceu num período em que estava “atormentado, sem dinheiro”. “Aí eu gritei, falei alto. Cantar é o melhor jeito de dar vazão aos sentimentos”, definiu. Mas, na mesma entrevista, Batatinha expõe sua maneira de equilibrar a dor e o contentamento. “Mesmo cantando triste, me sinto alegre. Mesmo com tanta agonia, ainda posso cantar”. 74


Para rir e chorar

O Inventor do Trabalho, seu primeiro samba, nasceu quando tinha 15 anos. Ainda adolescente, exibe ironia e tino crítico para contestar a relação entre patrões que pouco pagam e operários que, reféns da necessidade, apenas cumprem tarefas. A crítica social permeia sua obra, assim como sambas e marchas celebrando a boemia e a alegria do bom malandro. Finos exemplos são De Revólver, Não!, sobre uma pescaria que, para dar resultado, termina na bala, e Bebê Diferente, aquele que em vez de leite queria aguardente. Pioneiro na introdução de elementos rítmicos da capoeira no cancioneiro popular brasileiro, Batatinha teve a música Bossa Capoeira gravada em 1968 pelo grupo Inema Trio. Na canção, o berimbau que ouviu com Pastinha dá o tom e abre a roda para mais uma obra ao lado de J. Luna: “A moçada vai gostar / Quando eu der do meu samba uma prova / E ouvir o berimbau no balanço da bossa-nova”. Batatinha não compunha ao violão, mas, tamborilando na caixa de fósforos - que levava sempre, para acender a cigarrilha -, encontrou um caminho harmônico próprio. Mais a mais, foi premiado com um dom que a poucos contempla: o de expressar com elegância e precisão aquilo que não se pode ver ou tocar. Navegando entre temas, não demorava a esbarrar na própria intimidade. Ali, rendia-se ao lirismo, alcançava as mais ocultas incertezas e, nos sambas, libertava as angústias. Quem bem conheceu o sambista recorda-o como um homem sereno, de voz quase sempre baixa. Em que pesem as próprias aflições, Batatinha se mostrava como um conciliador, um mediador de conflitos que à boca miúda foi virando o Diplomata do Samba, muito também em virtude da canção Diplomacia. 75


Foi, na verdade, um elo entre gerações do samba. Na sua faixa etária, figuram Tião Motorista, Panela e Riachão. Entre os mais novos, pintam Ederaldo Gentil, Walmir Lima, Edil Pacheco e Nelson Rufino. O que alguns poderiam ver como uma disputa por espaço, Batatinha via como uma chance de fusão. Mesmo mais velho, incentivou e virou amigo dos sambistas que então surgiam. Para muitos, deu parceria em canções, com um quê de catapulta artística. Assim, foi um dos pilares de um grupo que era alma e resistência do samba da Bahia. Juntos, estes artistas fizeram nascer a Noite do Samba, sempre a 2 de dezembro, que atualmente é o Dia Nacional do Samba graças à Câmara Municipal de Salvador, que, em 1940, rendeu homenagem a Ary Barroso, quando ele fez sua primeira visita à Bahia. Ary, veja só, havia composto Na Baixa dos Sapateiros antes mesmo de pisar no mágico solo do terreiro de Oscar da Penha. Memória

No palco, na boemia, nas entrevistas ou dentro de casa, Batatinha referia-se a si mesmo como “Batatinha”, assim, na terceira pessoa. Era como se mantivesse até o fim da vida alguma birra com o apelido e quisesse se enxergar fora do corpo de artista. Desta forma, conseguia até olhar em perspectiva para o próprio processo criativo, como quando discorreu sobre a amargura que derramava nas canções: “O sofrimento nem sempre está no compositor. Está nas coisas que ele vê. Ele vive um pouco desta realidade, dessas agonias”. Encarando cada agonia de frente, Oscar da Penha viu seu nome artístico pela primeira vez na capa de um disco em 1969, no compacto duplo Batatinha e Companhia Ilimitada. Neste, ele não canta, mas é o compositor de três das quatro canções, 76


gravadas por Inema Trio e Carlos Gazineo. Depois do Samba da Bahia de 1973, lançou Toalha da Saudade (1976) e 50 Anos de Samba (1996), no qual regravou composições suas já famosas em outras vozes. Mas é em Diplomacia (1997), que Batatinha deixa transbordar tudo que guardava também como cantor. Como se antecipasse a despedida, expele toda a dor que preservava dentro de si e deposita na voz a inteira emoção de suas letras. Lançado somente após a morte do homenageado, o álbum venceu o Prêmio Sharp de Melhor Disco de Samba em 1998. Com a caixa de fósforos aninhada numa das mãos para tamborilar com a outra, Batatinha fez da simplicidade um luxuoso artifício poético. Observando as relações que lhe cercavam e dando passagem aos mais profundos sentimentos, fincou bandeira na história do samba. Cantando, fez valer seu próprio verso de que não existe razão que um samba não vença. É bom acreditar nesta assertiva, pois nem só de razão se constitui a vida. Batatinha, para nossa sorte, sabia muito bem disso. Victor Uchôa é jornalista e pesquisador. Assina uma coluna semanal no jornal Correio (BA) e atua também em projetos culturais. Texto editado pelo autor para o catálogo. Retirado do songbook Batatinha: direito de sambar, a versão integral encontra-se no acervo virtual www.acervobatatinha.com.br

A CURADORIA INDICA: Batatinha, o poeta do samba, de Marcelo Rabelo

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Damas da portela POR ÁUREA

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ALVES


“Das pastoras que aqui trago, eu sou a que menos tem.” ANÚNCIO DA MESTRA DO PASTORIL DO CATETE CERCA DE 1910, CF. VELHA GUARDA DA PORTELA, DE JOÃO BATISTA VARGENS

Em Oswaldo Cruz, é melhor se deixar levar pelo olhar expressivo de Yolanda de Almeida Andrade, a Dona Neném. Ela é quem me apresenta, sem saber, em ligeiras pinceladas, alguns nomes que marcaram a história da Escola de Samba Portela, a grande campeã do carnaval carioca e dona de um vasto e rico acervo de sambas, cantados até hoje pelo Brasil. É esse olhar que me faz celebrar as mulheres da agremiação. Essas damas são mulheres negras de histórias comuns àquelas da sociedade de então: tinham muitos filhos, eram operárias, lavadeiras, empregadas domésticas, cozinheiras, costureiras, balconistas. São histórias de carisma, como a de Dona Neném, viúva do compositor Manacéa, frequentadora dos sambas portelenses desde os catorze anos e testemunha ocular da evolução da presença feminina na escola. Sambou e cantou com pastoras e cabrochas que, vestidas de gala, marcavam o desfile na escola. Viu a organização de muitos carnavais, com suas disputas e brigas, e sempre soube que era a uma mulher que cabia a missão mais nobre e de maior responsabilidade no desfile: a porta-bandeira. 79


A águia vitoriosa, sobre o fundo azul e branco de cetim, voou baixo pelas mãos fortes e pelos meneios delicados de Maria das Dores Rodrigues, a Dodô, campeã já na estreia, em 1931, aos catorze anos. Em 1956, o estandarte foi para os braços de Wilma Nascimento, igualmente campeã e forte, igualmente graciosa. Ambas cruzaram o asfalto espremidas entre o público, sob chuva, sol e qualquer condição adversa. Levaram a águia em seu belo vôo às alturas. Inesquecíveis. E como foram memoráveis as rodas de samba no quintal de Dona Neném! Promovidas pelo marido, ali reuniam todos os nomes da pesada e os da ativa ala dos Compositores da Portela, encontros com a presença fundamental das pastoras, para o canto e para o ofício. Tradição herdada dos pastoris natalinos, o timbre feminino era fundamental para a audição das melodias, fator rapidamente absorvido pelos blocos carnavalescos, que desaguaram nas Escolas de Samba. Era o coro das pastoras: sem elas, o terreiro não se iluminava, mesmo que os sambas entoados fossem tantos daqueles que hoje exaltamos. Sem elas, o samba não pegava. Dona Neném viu, nos anos 1970, a criação da Velha Guarda da Portela, consagrando a presença especial do coro feminino, formado por Vicentina, Iara e Lourdes. Pouco tempo depois, Vicentina - famoso feijão! - se afastou para assumir a condução da cozinha da quadra da escola. Iara e Lourdes sairiam a seguir, cedendo lugar a Eunice Fernandes da Silva, a melhor voz de todas as pastoras, e Doca (Jilçária Cruz Costa), de timbre forte e bonito. Mais tarde, Tia Surica (Iranete Ferreira Barcellos) e Áurea Maria, filha de Manacéa e dona Neném, foram agregadas, assim como Neide Santana, 80


filha de Chico Santana, e a mais recente integrante, Jane Carla Araújo, diretora da ala das baianas e filha da passista Hilma. Vozes fortes e afirmativas da história que carregam. Caladas as vozes de Doca (2009) e Tia Eunice (2015), ficaram as lembranças do samba no pé, da elegância das roupas e das histórias de vida dessas pastoras. O coro e o miudinho continuam no palco, as roupas e sapatos para as apresentações continuam sendo escolhidas em conjunto, mantendo a elegância: afinal, são damas da Portela. Algumas rodas de samba contam, ainda hoje, com pastoras, mas já sem a mesma importância. Hoje é pequena a preocupação em cativar, nesses encontros, o coro de vozes femininas para interpretar novos repertórios. É uma pena. Sentada em seu quintal, testemunha majestosa de momentos únicos, Dona Neném, 90 anos, elegantemente ratifica o lamento registrado no documentário Mistério do Samba (Lula Buarque, Carolina Jabor, 2008): tudo está muito quieto nos dias de hoje. Áurea Alves é jornalista, formada pela ECA-USP, colaborou para os jornais OPASQUIM21, Brazilian Press e sites como Algo a Dizer. Atua como produtora cultural no campo da Música Popular Brasileira.

A CURADORIA INDICA: O Mistério do Samba, de Lula Buarque e Carolina Jabor Damas do Samba, de Susanna Lira Natal da Portela, de Paulo Cesar Saraceni Paulinho da Viola, meu tempo é hoje, de Izabel Jaguaribe

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Nitrato de purpurina: Ă sombra do espĂ­rito do carnaval POR Fabian

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Cantieri


I.

“Não se mate, tem carnaval ano que vem.” PICHAÇÃO EM UM MURO CARIOCA

Dezembro de 1941: um ataque aéreo japonês a Pearl Harbor surpreende o mundo e os Estados Unidos entram na Segunda Guerra Mundial. Washington achava que Getúlio Vargas tinham simpatizantes nazistas em seu governo e temia a influência alemã na América do Sul. Duas semanas depois, Jock Whitney, embaixador americano e acionista da Technicolor, e Nelson Rockfeller, vice-presidente dos EUA e um dos sócios da RKO Pictures, intimam Orson Welles a ir ao Brasil gastar um milhão de dólares filmando o carnaval carioca: era seu “dever patriótico”. Welles se tornou, então, “embaixador especial no Brasil” e faria tal viagem como um gesto de “solidariedade hemisférica”. Ao desembarcar, um repórter pergunta sobre o que seria o filme, ao qual ele retruca de imediato: “pergunte-me de novo em seis meses”. Não precisaria de tanto tempo para o cineasta compreender a monumentalidade da tarefa, logo concluiria: “filmar o carnaval é como tentar capturar um furacão”. Os curtas Carnival in Rio, produzido pela Warner Brothers em 1954, e Carioca Carnival, distribuído pela 20th CenturyFox em 1955, evidenciam o quão escorregadio pode se mostrar a missão de definir o que vem a ser o carnaval carioca. O primeiro, dirigido por Andre de la Varre, mostra, em grande 83


parte, pessoas fantasiadas pulando e dançando em bloco nas ruas e nos bailes de gala do Rio de Janeiro. Também fotógrafo, la Varre filma assumindo seu olhar estrangeiro: o tom do filme se dá pelos planos abertos, para mostrar a grandiosidade da coisa, impressionar pela multidão e, nessa distância necessária para abarcar a abundância, filma-se quase sempre em plongée, sem pisar no mesmo chão que é dançado pelo povo, sem esbarrar com o imprevisto dos passistas, sem sentir de perto o agudo dos metais ou o tremor grave das percussões. O segundo, dirigido por Anthony Muto, tenta construir uma dialética entre o estágio de intensa modernização da cidade e o período em que o ritmo arrefece para desabrochar a alegria do Mardi Gras: o carnaval como “folgas merecidas”. A certa altura, o narrador em off arrisca dizer que “a verdadeira razão para a prosperidade (da cidade) pode ser a feliz mistura de prazer com o progresso” de seu povo, insinuando que o carnaval é apenas uma evidência condensada desse espírito good vibe do carioca, uma conflagração que está lá, de forma diluída, no restante dos meses. De duas explanações, uma não quis se aproximar de sua gente criadora; outro, usa-o para disseminar o ethos protestante de seu próprio país – o trabalho como doutrina recompensadora. Diferente do exotismo turístico dos curtas cinquentistas, quando vemos as poucas cenas restantes de The Story of Samba, é possível reparar de imediato que ali há um rascunho promissor de encenação. Em uma cena do alto, com inserts no meio da muvuca, vemos Grande Otelo abraçar duas passistas com o estandarte; o homem que dançava com elas puxa-o e a briga, em questão de segundos, vira uma espécie de mosh carnavalesco. Welles não só mergulhara em uma pesquisa 84


histórica – acreditava que para filmar o carnaval era preciso, antes de tudo, compreender o samba –, inserindo a famosa canção Praça Onze de Herivelto Martins como forma de adesão à luta política do povo, mas havia percebido sobretudo as fagulhas de uma vivência carnavalesca: o descontrolado torpor, a fluidez nuançada de estados emocionais que atravessa um bloco, do indivíduo ao coletivo e vice-versa. Depois de meses da estadia de Orson Welles no Rio, a direção da RKO pediu para ver o que ele havia filmado até então. Sem som, o que eles viram em The Story of Samba foi determinante para o fim do projeto: segundo eles, apenas “um monte de crioulos pulando de cima para baixo”. O preconceito é cristalino nesse olhar, mas aqui não se trata apenas de racismo, mas de uma dificuldade evidente diante da representação do carnaval: como torná-lo imagem?

II.

“Naquele carnaval, pois, pela primeira vez na vida eu teria o que sempre quisera: ia ser outra que não eu mesma.” CLARICE LISPECTOR

“Custei a compreender que a fantasia É um troço que o cara tira no carnaval E usa nos outros dias por toda a vida.” ALDIR BLANC E JOÃO BOSCO

O carnaval não é mais do que a espuma das coisas. É o desvelamento de uma linguagem outra, uma fenda temporal que nos acomete de sermos outros que não nós mesmos, mas sermos nós, em profundeza. Clarice dizia que é “como se enfim o 85


mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate”. O carnaval é despir-se da cultura diária, e nesse sentido, é a mais translúcida fantasia de nós mesmos, é mascara sob nudez, assemblage de vivências cruas. É narrativa costurada em nossos corpos, ficção real de um tempo que estanca e corre de peitos abertos e escancarados para a duração do agora. É a consciência de estar-aí, presente, no mundo, em seu concomitante esquecimento. É gestalt do desbunde, é um foda-se generalizado, é a despreocupação no sentido preciso do termo – ocupar-se com nada, além de si mesmo e com o outro em frente, este egoísmo caridoso de só querer estar-se consigo, com o outro e tomar tal prospecção como prioridade das horas. O carnaval é tudo isso, sua extrapolação e mais um pouco. É o trato com o inefável, logo um pouquinho de nada disso também. O que ouvimos em eco desde que nascemos é que o carnaval é uma grande festa, no caso brasileiro, a maior do mundo. O que seria uma festa? Festa implica a reserva de um tempo coletivo para o lazer, para desvencilhar-se de um tempo de trabalho, de produção de coisas. “Festa é comunhão e apresentação do próprio âmbito comum em sua forma plena”, escreveu Gadamer. Para ele, a melhor forma de definir é por sua significação negativa: “não trabalhar”, visto que o trabalho “nos separa e divide”. A etimologia da palavra brincar é controversa: pode vir do germânico blinken, que significa agitar-se, mas também especula-se que venha do latim, tendo o radical brinco e raiz morfológica vinculum – envolve laço, algema, pôr brinco – com o verbo derivado vincire, significando prender, seduzir, encantar. Brincar é divertir-se com alguém, envolve uma atividade de ligação. Já o ato de festejar é uma 86


arte de reunir-se em vista de algo que ninguém sabe, efetivamente, o quê. A festa é sempre uma celebração, muitas vezes sem propósito aparente. Traduzida literalmente do alemão, a palavra “celebração” (begehung) indica uma radicalização do verbo gehen, um modo de se encontrar plenamente em algum lugar. Filosoficamente, o carnaval é a maior tentativa humana de encontrar-se pleno a partir de sua própria comunidade. É curioso notar que a plenitude na tradição cristã tem sua chave de realização no amor, mas o carnaval, esta celebração cristãprofana, surge por outra lógica: dentro do calendário litúrgico, o carnaval era “o mundo às avessas”, era um tempo de reversão da ordem, celebrava-se não a “cidade de Deus”, mas a do “Demônio”. Carnislevale: “retirar a carne” da mesa, do cardápio, como preparação para a quaresma, ou seja, um intervalo para o período de jejum e abstinência, resguardo do cristão aos prazeres mundanos. Mas eis que, antes deste período de acolhimento espiritual, decidiram os homens e mulheres que os três dias anteriores seriam então regados pelo excesso, um elogio ao descomedimento, uma espécie de descarrego, esta palavra tão anticatólica, ao sacrifício vindouro. Parece estranha aos olhos distantes a condescendência da Igreja à existência dessa dicotomia tão clara entre a mais lasciva encarnação do pecado e uma consequente purificação da alma. Isto acontece porque a Igreja não funda as festividades, mas as incorpora, e este detalhe é crucial em termos políticos. Na Babilônia, dois mil anos antes de Cristo, sabe-se das Saceias, festas anuais de verão onde a própria brincadeira consistia em inverter a hierarquia vigente: servos tornavam-se iguais aos mestres e junto a eles havia sempre um prisioneiro que assumia o lugar do rei por cinco dias, comendo à mesa 87


real, deitando-se com suas mulheres para, ao fim da festa, ser chicoteado e posteriormente enforcado ou empalado. Em outro ritual, no ano novo babilônico, o rei era destituído de seus poderes, arrastado e surrado para então depois, ante a cidade, se humilhar e declarar que não abusara de sua força. Com o ato, era reestabelecida a ordem vigente do reinado, como acontece ao mundo, ao fim de cada carnaval. Da Antiguidade à Idade Média, do Renascimento ao Iluminismo, é possível vislumbrar inúmeras tradições festivas que incorporam e inauguram novas crenças, rituais, procedimentos e brincadeiras. Da festa de Ísis, divindade egípcia, onde seus adoradores marchavam em alegre procissão, introduzindo o costume das máscaras, às Saturnálias, um festival romano de cinco dias no solstício de inverno, onde tudo era permitido e os senhores usavam chapéus dos escravos para lhes servir; dos carnavais medievais, onde jovens rapazes europeus vestiam-se como as mulheres, dizendo-se habitantes da fronteira entre o mundo dos mortos e dos vivos, assustando as pessoas, tacando pedras nas janelas, perseguindo garotas, tudo sob o auspício do silêncio, aos cortejos no Renascimento imiscuídos pelo espírito da commedia dell’arte italiana com canções próprias para o evento, evocadas ao longo do percurso dos carros mitológicos pelos pierrôs, colombinas e arlequins. O carnaval chega no Brasil com os portugueses através dos entrudos, que se dividiam em familiares e populares. Enquanto nos entrudos familiares, as pessoas, dentro de suas casas, jogavam limões de cheiro umas nas outras – pequenas bolas recheadas com água perfumada, precursores dos lança -perfumes –, os entrudos populares aconteciam nas ruas da cidade, de forma mais despudorada, pelas classes mais pobres 88


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com líquidos variados, farinhas e o que mais houvesse à mão. Até meados do século XIX, havia uma clara separação entre os carnavais: festas que aconteciam nos teatros, salões e bailes de máscaras da aristocracia, inspirados no carnaval de Veneza e da França e os entrudos, derivados da medieval “Festas dos Loucos”, com os jogos de mela-mela dos escravos. A anarquia dos entrudos não demorou para ser contida, primeiro com as constantes repressões policiais e, depois, com sua proibição em 1853. Poucos anos depois, as grandes sociedades já desfilavam pelas ruas, cenário de outras manifestações populares como os Zé Pereiras anunciando as festividades com seus graves bumbos, os cortejos dos ranchos, os cordões da Rua do Ouvidor, os corsos ou os marginalizados cucumbis. Até o começo do século XX não havia um ritmo específico carnavalesco, mas uma confluência de sons típicos: côcos, lundus, modinhas, tangos, maxixes e polcas eram alguns deles. Chiquinha Gonzaga estreia as marchinhas cantadas com a composição Ó abre alas em 1899 para o cordão Rosa de Ouro. Mais à frente, Pixinguinha, Donga e João Pernambuco formam o grupo Caxangá, o vindouro Oito Batutas, e se tornam figuras essenciais no processo de oxigenar o samba como vertente enraizada aos temas carnavalescos. Até os anos 20, quem tinha calos na mão esquerda e unha grande na direita, vulgo qualquer violonista na praça, podia ser preso por vadiagem e boemia. O samba era expressão local dos morros e era ainda um tanto baiano, amaxixado. Em 1928, a turma da Estácio, entre eles Ismael Silva, mestre Marçal, Bide, Baiaco, Brancura, Bucy Moreira, Mano Edgar e Mano Rubem, que já tinham o costume de fazer rodas de samba nos botecos Apolo e Cumpadre, ali na subida do morro de São Carlos, com gente 90


de fora como Cartola, Nelson Cavaquinho, Carlos Cachaça, Paulo da Portela, Manacéia, Aniceto do Império, entre outros, criam o bloco Deixa Falar, considerado a primeira escola de samba do Rio de Janeiro. O nascimento ganha pleno apoio do Estado: seu primeiro desfile conta com a presença de cavalos da polícia militar e seu samba enredo era auto-evidente: “A primavera e a Revolução de Outubro”. Nos anos 30, o plano político-ideológico de Vargas vê no samba a possibilidade de reforçar seu projeto trabalhista – curiosa ironia com a imagem de vadiagem dos sambistas – e nacionalista. As letras dos sambas-enredos são voltadas para a história do Brasil e os instrumentos de sopro, de origem europeia, são limados (até hoje isso prevalece nos desfiles das escolas). Villa Lobos foi incumbido de reformular o ensino musical no período do Estado Novo. O samba vira manifestação cultural nacional: nas transmissões de rádio, Orlando Silva, Francisco Alves, Mário Reis, Aracy de Almeida e Dalva de Oliveira não cantavam o samba carioca de Noel, Ary Barroso, Lamartine Babo, Ataulfo Alves e Braguinha, mas a música de um país. Em Hollywood, Carmem Miranda exportava esse “símbolo de brasilidade” ao mundo: terra de samba e pandeiro, do mulato inzoneiro. Vimos que a inversão da ordem social acontece não pela tradição cristã, mas muito antes na Antiguidade, pelo menos, desde o Egito e a Babilônia. No Brasil, esta tradição foi historicamente forçada a contragosto: escravos e seus descendentes iam para as ruas sem um consentimento genuinamente sereno de seus senhores, da população mais abastada ou das autoridades. A filosofia cristã nunca prezou pelos prazeres da carne, a Igreja jamais sorriu para o carnaval, apenas nunca conseguiu reprimi-lo a ponto de sua extinção. Essa torrente 91


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de um povo em arrebatamento sempre conseguiu aflorar sobre quaisquer determinações da ordem regular do mundo. Em tempos medievais, reinados europeus tentavam enxergar o lado positivo – “quem sabe o extravaso não arrefece vindouros protestos sociais?” – no Brasil, Vargas, ao invés de coibir, se apropria e, hoje, o Estado se junta com a iniciativa privada, não mais para a difusão de uma ideologia, mas para aproveitar cada insumo que o negócio-carnaval possa oferecer. Ficase bêbado bebendo todos a mesma cerveja. Mas o que poderíamos falar sobre o carnaval carioca de hoje? Seria apenas este mar azul capitalizado? O carnaval é resistência e também bem mais do que apenas uma luta política tradicional. O carnaval é, em última instância, experiência. Um pacto de êxtase. Em sua absoluta carnalidade, é um desprendimento do corpo, em sua irrestrita transcendência, imanência. É um estrangulamento do binarismo de gênero, que sufoca e expira a diversidade apolínea. Por mais que as zonas da cidade se fechem em nichos – Zona Oeste é uma coisa, Zona Sul, outra, Centro uma terceira e ainda carecemos de muitos blocos na Zona Norte – ainda assim, quando se chega e se ouve a primeira marchinha, ecoa-se o terreno da igualdade. A música – marchinha, samba-choro, xote, jazz, nem sempre executada com maestria – é, em ocasiões, ritmo de transe. Transantes imiscuídos de alucinogenia. Agora, por nove dias, o mundo é outro e é aquele que, sentimos, deveria ser o avesso do avesso. E isso não está nos lugares-comuns do sensualismo, da fritação e da multidão ensandecida, mas nos detalhes: na senhora na varanda entusiasmada com seu velho Carinhoso a atravessar os paralelepípedos, numa troca de olhar que acomete um sorriso mútuo, na Beyoncé ecoando sob as 93


ruínas de uma perimetral, emblema das transformações da cidade, num set piece cinematográfico com a ocupação do Monumento aos Pracinhas, na divisão do último pedaço de um salgado-almoço ao amigo-sempre-mais-louco, num beijo, suor, confete à contraluz, nas trovoadas apocalípticas que só causam mais euforia, no desconhecido que é cada instante.

III.

“Eu reaprendo que a vida se aproveita enquanto dura, que a vida dura só um dia, um porre, um gesto, um gemido, um canto, um pulo, um delírio.” PAULO CÉSAR PEREIO EM A LIRA DO DELÍRIO

Diante do indizível, do idiossincrático e do incapturável, retomo: como representar tamanha experiência? Nada seria mais injusto do que se este texto só trouxesse referências de um cinema deslocado de todo um contexto local – afinal, quem vive o carnaval ano após ano, em tese, deve ter, no mínimo, mais purpurina no sangue. E quando falamos desses sangues tão diversamente coloridos, creio ser difícil traçar um paralelo mimético. Orfeu Negro, de Marcel Camus, é esta mimesis, mas sua preocupação está menos no carnaval e mais na tragédia. Assim, desloca o cenário grego para o contexto do Rio urbano de samba, negritude e morro. Como Disney animando Branca de Neve, Camus desenha o drama grego sobre o pano de fundo carioca. O carnaval é apenas aquarela. Mas, então, quem alcançou o coração do carnaval? Este escriba, que está longe de ter visto muita coisa, só conhece 94


dois filmes no cinema brasileiro. Antes deles há um interessante atravessamento: Ladrões de Cinema, incorpora o espírito do carnaval ao seu artesanato, entende que festejar é uma arte e faz de seu desdobrar, uma festividade. Dentro e fora de cena – metalinguisticamente. Invertem as relações de poder ao roubarem uma câmera – não são mais os índios objetos da cena, mas os favelados que encenam; roubam para brincar e criar – laços e arte; se fantasiam de um outro Brasil – o de um peculiar Tiradentes; tudo contra a vontade de Silvério (Lutero Luís), aquele da ordem mundana do capitalismo que preferia simplesmente vender os equipamentos e lucrar com a aventura. Paulo Cesar Saraceni, em Amor, Carnaval e Sonhos, faz um percurso incomum e instigante: insere a câmera no olho do furacão e vai sem medo ou trajeto certo “documentando” o carnaval. As aspas são traiçoeiras – havia thelos: Tristão e Isolda, mas diferente de Orfeu Negro, a lendária história grega não determina o filme, é apenas um fio (narrativo?) que se curva, estica e esvai. A percepção de que estamos diante de um documentário vai se esvaziando aos poucos, vamos conhecendo personagens que brotam e se perdem na multidão. Não há primeiro ato mais promissor. Depois, caímos em uma outra dimensão com o destroncamento do corpo fílmico à origem africana. Vemos Oxossi, orixá da contemplação, das artes, do belo e Iansã, a “mãe do céu rosado”. Carnaval: da genealogia de matriz negra, do povo oprimido, um alvorecer de um novo tempo lapidado pela arte de festejar. A sabedoria poética é precisa. O que falta ao filme é carpintaria, rigor formal, precisão nos cortes, nos tempos dilatados, fantasmáticos que acabam por ruir o transe conjunto que Saraceni tão bem entendeu. 95


A Lira do Delírio, de Walter Lima Jr. começa com a possível cena mais carnavalesca já filmada. Ao som de A malandrinha, de Martinho da Vila, uma lenta panorâmica chega até um pequeno bloco, um zoom vai se aproximando de Anecy Rocha estatelada num monumento público. Nara Leão se aproxima, senta, dá uns tapinhas na cara para Anecy acordar. Anecy senta, ainda grogue, o zoom se aproxima ainda mais e Nara oferece um cigarro. Corta para um close das duas e Anecy beija-a. Nara se afasta de leve e volta, parece indecisa entre o querer e não querer, mas não precisa decidir, alguém no fora de campo assovia e o que hoje poderia despertar contrariedade, rende apenas risos das duas. Anecy olha para Nara, beija seu ombro e a cartela-título entra em seguida. Ninguém samba em primeiro plano, não há marchinha, alto batuque, nem cuíca chorando – o canto de Martinho é sereno, assim como a câmera, nenhum símbolo ou insígnia coreografando o feriado e, no entanto, aquilo é a pura experiência do carnaval. Walter havia mandado Nara chegar lá e... “vê o que ela faz”. A estória é relativamente conhecida: Walter pergunta aos atores que marchinhas eles gostam e eles então desfilariam em 73 em Niterói com as fantasias de cada música escolhida. Resultado: todo mundo alucinado com Walter e Dib Lutfi no encalço. Ali, vemos nascer outro lampejo típico de carnaval: um cara tentando agarrar Aracy. Eles se estranham, os atores chegam para tirá-la dali, junto a Walter, e toda a centelha bad vibe resplandece em película: poderia ser uma encenação primorosa, mas o olhar indica uma verdade. O registro daqueles momentos de um verão passado viram força centrífuga para o filme nascer. Não necessariamente “serve” para empurrar a

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narrativa, mas vira um arcabouço fantasmagórico que assombra risonhamente, seduz nostalgicamente. Amor, Carnaval e Sonhos e A Lira do Delírio incorporam, de fato, o espírito do carnaval, mas em dado momento perambulam para fora dele, seja por questões formais ou escolhas narrativas. Sentimos faíscas que empolgam e se esvaem. Em fevereiro, não sentimos nada, apenas uma transformação pesável. A muita coisa falta nome. A literatura não alcança. Quem sabe a imagem? O cinema é novo e o carnaval é fênix. Enquanto isso... pulemos! Fabian Cantieri é formado em Cinema pela PUC-Rio e mestre em Filosofia pela UFRJ. É cineasta e crítico da Revista Cinética.

A CURADORIA INDICA: Amor, carnaval e sonhos¸ de Paulo Cesar Saraceni Nossa Escola de Samba, de Manuel Horácio Gimenéz Isto é Noel Rosa, de Rogério Sganzerla

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sinopses

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ALDIR BLANC, DOIS PRA LÁ DOIS PRA CÁ

AS AVENTURAS AMOROSAS DE UM PADEIRO

Direção: André Sampaio Elenco: Aldir Blanc, João Bosco, Moacyr Luz, Guinga, Sueli Costa, Melo Menezes Doc. 54 minutos, Colorido, Sonoro. DVD. 2004. LIVRE Músico, compositor, cronista, jornalista, poeta e, sobretudo, letrista. Aldir Blanc, disse Dorival Caymmi, “é carioca mesmo!”. Imagens de arquivo, depoimentos dos parceiros e do próprio sintetizam vida e obra do Bardo da Muda.

Direção: Waldyr Onofre Elenco: Paulo César Pereio, Maria do Rosário, Haroldo de Oliveira, Ivan Setta, Procópio Mariano Fic. 103 minutos. Colorido. Sonoro. 35mm. 1975. 14 anos Rita, casada com Mário, desiludida e estimulada pelas colegas, passa a levar uma vida mais livre e aceita uma aventura com o português Marques, dono de uma padaria. Sua inquietação amorosa não se satisfaz e ela o abandona quando encontra Saul, um crioulo malandro, pintor e poeta, por quem se apaixona. Por vingança e desrespeito, o padeiro avisa o marido da traição da esposa e prepara um flagrante de adultério, na própria casa de Saul, na praia, do qual participa a população local.

ALÔ, ALÔ, CARNAVAL! Direção: Adhemar Gonzaga Elenco: Jaime Costa, Barbosa Júnior, Pinto Filho, Oscarito, Lelita Rosa, Heloísa Helena, Carmen Miranda, Aurora Miranda, Francisco Alves, Lamartine Babo, Linda Batista Fic. 75 minutos, P&B, Sonoro. 35mm. 1936. LIVRE O filme narra as peripécias de dois autores na tentativa de levantar fundos para a produção da revista teatral “Banana da Terra”. O clássico musical de Adhemar Gonzaga conta com a participação de nomes como Francisco Alves, Elvira Pagã, Lamartine Babo e as irmãs Aurora e Carmem Miranda.

AMOR, CARNAVAL E SONHOS Direção: Paulo Cesar Saraceni Elenco: Arduíno Colassanti, Ana Maria Miranda, Leila Diniz, Hugo Carvana Fic. 80 minutos, Colorido, Sonoro, DVD. 1972. 12 anos Às vésperas dos quatro dias de carnaval, uma jovem suplica um milagre a uma santa de sua devoção: quer um rapaz com quem possa brincar durante a folia. E, quando todas as esperanças parecem perdidas, o milagre acontece: um malandro surge pela janela. O carnaval está começando, e nas ruas já se ouve o batuque da Cacique de Ramos.

BATATINHA, POETA DO SAMBA Direção: Marcelo Rabelo Elenco: Batatinha, seus filhos, parentes e amigos. Doc. 62 minutos, Colorido, Sonoro. DVD. 2008. LIVRE Entre imagens de arquivo e depoimentos de amigos e familiares, o filme segue a jornada dos filhos do compositor baiano Oscar da Penha, conhecido como Batatinha, em busca das pessoas que foram importantes na vida do pai.

BERLIM NA BATUCADA Direção: Luiz de Barros Elenco: Procópio Ferreira, Delorge Caminha, Francisco Alves, Solange França, Alfredo Vivianne, LysonGaster, Leo Albano. Fic. 75 minutos, P&B, Sonoro. 35mm.1944 LIVRE Um produtor norte-americano chega ao Brasil para conhecer o carnaval carioca e em busca de artistas e motivos para um filme. Satiriza

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a passagem de Orson Welles pelo país, além de exibir sequências passadas no Morro da Mangueira: registros de como era a Estação Primeira naquela época.

outros. Usando depoimentos e material de arquivo coletados ao longo de mais de dez anos, o filme traduz a ideia de que “é um direito de todo cidadão brasileiro conhecer a figura e a voz única de Clementina de Jesus”.

CARIOCAS, MÚSICOS DA CIDADE Direção: Ariel de Bigault Elenco: Grande Otelo, Martinho da Vila, Pixinguinha, Joel Rufino dos Santos, Nelson Sargento, Wilson Moreira, Tia Carmen. Doc. 58 minutos, Colorido, Sonoro. DVD. 1987. LIVRE Uma viagem pela história do samba, conduzida pelo ator Grande Otelo. O documentário expõe, através de entrevistas e encontros históricos, diferentes tipos e influências dessa manifestação cultural tão relevante para o Brasil.

CORAÇÃO DO SAMBA

CARTOLA, MÚSICA PARA OS OLHOS

DAMAS DO SAMBA

Direção: Lírio Ferreira e Hilton Lacerda Elenco: Cartola, Velha Guarda da Mangueira, Carlos Cachaça, Nelson Sargento, Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Hermínio Bello de Carvalho. Doc. 88 minutos, Colorido, Sonoro. DVD. 2006. O documentário conta, por meio de imagens de arquivo e depoimentos, a vida do sambista Cartola, um dos compositores mais admirados da música brasileira.

CLEMENTINA DE JESUS RAINHA QUELÉ Direção: Werinton Kermes Elenco: Clementina de Jesus, Paulinho da Viola, João Bosco, Cristina Buarque Doc. 56 minutos, Colorido, Sonoro. DVD. 2011. LIVRE Uma homenagem à cantora Clementina de Jesus, força afro-brasileira em forma de voz e presença de palco. Descoberta aos 67 anos por Hermínio Bello de Carvalho, cantou com Paulinho da Viola, João Bosco, Pixinguinha e

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Direção: Theresa Jessouron Elenco: Integrantes da bateria da Estação Primeira de Mangueira Doc. 72 minutos, Colorido, Sonoro. DVD. 2002. LIVRE Um passeio pelos bastidores da bateria Surdo Um, da Mangueira. Narrado por Elmo dos Santos, filho do fundador da bateria, o documentário se debruça sobre um exuberante universo de musicalidade e paixão pela percussão.

Direção: Susanna Lira Elenco: Beth Carvalho, Dona Ivone Lara, Alcione, Mariene de Castro Doc. 75 minutos, Colorido, Sonoro. DVD. 2013. LIVRE Musas, pastoras, tias, compositoras, passistas, madrinhas, carnavalescas, mulatas, intérpretes e até mesmo como operárias, elas formam um painel de cores, sentimentos e sons. Este filme, reverenciando e reconhecendo sua força, faz um breve passeio pela vida de algumas das mulheres que são parte da história do samba.

FALA MANGUEIRA! Direção: Frederico Confalonieri Doc. 51 minutos, Colorido, Sonoro. 35mm. 1983. 12 anos Ressaltando a importância cultural do Morro da Mangueira, o documentário aborda a influência que o carnaval exerce sobre o seu cotidiano.


GUARDIÕES DO SAMBA Direção: Eric Belhassen, Belisário Franca e Marc Belhassen Elenco: Nelson Sargento, Nei Lopes, Claudio Camunguelo, Walter Alfaiate, Gilberto Gil, Zeca Pagodinho, Martinho da Vila Doc. 80 minutos, Colorido, Sonoro. DVD. 2014.LIVRE Filmado em 2005, o filme permaneceu “engavetado” durante mais de oito anos. Com o falecimento de alguns dos personagens principais, renasceu, em 2013, para ser finalizado com a missão de honrar a memória de quem merece. O projeto dá espaço às vozes dos maiores gênios do samba, no seu cotidiano ou reunidos em rodas.

ISTO É NOEL ROSA Direção: Rogério Sganzerla Elenco: João Braga, João Gilberto Doc./Fic. 46 minutos, Colorido, Sonoro. 35mm. 1990. 12 anos Após Noel por Noel (1981), o sambista carioca é novamente retratado por Rogério Sganzerla. Imagens documentais se intercalam com o ator João Braga representando o músico em uma caminhada trôpega, já tomado pela tuberculose, pelas ruas do Rio de Janeiro, durante o Carnaval.

MADAME SATÃ Direção: Karim Aïnouz Elenco:Lázaro Ramos, Flávio Bauraqui, Marcélia Cartaxo, Renata Sorrah, Emiliano Queiroz, Ricardo Blat, Guilherme Piva, Floriano Peixoto e Gero Camilo Fic. 105 minutos, Colorido, Sonoro. 35mm. 2002. 16 anos Bandido, amante, rebelde, homossexual, pai adotivo, marginal. João Francisco dos Santos foi rei absoluto nas vielas da Lapa carioca dos anos 30, onde inventou sua própria mitologia, tornando-se, por sua vontade, o ‘Madame

Satã’. A história se passa em 1932, momento em que o sonho de João Francisco - tornarse uma estrela do palco - se transforma em realidade.

O MISTÉRIO DO SAMBA Direção: Carolina Jabor e Lula Buarque de Hollanda Elenco: Marisa Monte, Paulinho da Viola, Zeca Pagodinho, Monarco, Velha Guarda da Portela. Doc. 90 minutos, Colorido, Sonoro. DVD. 2008. LIVRE O filme apresenta o trabalho de pesquisa de campo realizado por Marisa Monte nos idos de 1998, junto aos sambistas da Portela, no bairro de Oswaldo Cruz, zona norte do Rio. A cantora percebeu que, além dos cancioneiros inéditos que buscava resgatar, algo mais estava ali. O documentário é um registro desse percurso, que mostra não apenas os bastidores de uma empreitada musical, mas a descoberta de uma relação muito preciosa entre a música, o pertencimento e a história daqueles senhores e senhoras que fazem da Portela suas vidas.

NATAL DA PORTELA Direção: Paulo Cesar Saraceni Elenco: Milton Gonçalves, Grande Otelo, Adele Fátima, Almir Guineto, Zezé Motta, Monarco, Zózimo Bulbul, Maria Gladys, Jamelão, Paulo Cesar Peréio. Fic. 85 minutos, Colorido, Sonoro. 35mm. 1988. 12 anos O filme conta a vida de Natal da Portela, o “homem de um braço só”. A trajetória do jovem humilde que perdeu um braço nos trilhos de uma ferrovia e que se tornou um poderoso banqueiro de jogo do bicho, sustentando uma escola de samba, hospitais e orfanatos.

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ONDE A CORUJA DORME Direção: Simplício Neto e Márcia Derraik Elenco: Bezerra da Silva e seus compositores. Doc. 70 minutos, Colorido, Sonoro. 35mm. 2006. 12 anos O documentário revela a relação de Bezerra da Silva com seus compositores, egressos dos morros cariocas e da Baixada Fluminense - muitos deles, profissionais de segmentos populares do mercado de trabalho, como carteiros, trocadores de ônibus, pedreiros e biscateiros. Segundo Bezerra, reconhecido por sua malandragem, essas pessoas eram sambistas genuínos.

PAULINHO DA VIOLA MEU TEMPO É HOJE Direção: Izabel Jaguaribe Elenco: Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Velha Guarda da Portela, Zeca Pagodinho, Marisa Monte, Amélia Rabello. Doc. 83 minutos, Colorido, Sonoro. 35mm. 2002. LIVRE Perfil afetivo do cantor, instrumentista e compositor Paulinho da Viola. Apresenta seus mestres e amigos, suas influências musicais, e percorre sua rotina discreta; sua vida particular com atividades e hábitos peculiares, desconhecidos do grande público.

PAULO MOURA - INFINITA MÚSICA Direção: Ariel de Bigault Elenco: Paulo Moura, Grande Otelo, Joel Rufino dos Santos, Djalma Correa, Turibio Santos, Fundo de Quintal, GRES Imperatriz Leopoldinense. Doc. 58 minutos. Colorido. Sonoro. DVD. 1987. LIVRE O filme nos revela este imenso músico, saxofonista, clarinetista, pianista, compositor, arranjador, chefe de orquestra. Paulo Moura multiplica os encontros e diálogos com músicos de diferentes formações e horizontes. E mantém sempre a sua forte ligação com as músicas populares urbanas.

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PAULO VANZOLINI, UM HOMEM DE MORAL Direção: Ricardo Dias Elenco: Paulo Vanzolini, Paulinho da Viola, Márcia, Inezita Barroso, Adoniran Barbosa, Chico Buarque Doc. 90 minutos, Colorido, Sonoro. 35mm. 2008. LIVRE Perfil musical de Paulo Vanzolini, compositor e cientista paulista. O documentário apresenta seus sambas, seus amigos e a cidade de São Paulo, tema permanente de suas canções.

O REI DO SAMBA Direção: Luiz de Barros Elenco: Bené Nunes, Wahita Brasil, Nelly Rodrigues, Carlos Cotrim, Filomena Bandeira, Valéria Amar, Zé Trindade, João Celestino, Carlos Barbosa, De Carambola, Sidália Sales, Antônio Leite, Del Carmen, Costinha, Hélio Chaves, Hélio Ribeiro, Roberto Paiva, Felicitas e Bruno, Elizete Cardoso. Fic. 62 minutos, P&B, Sonoro. DVD. 1952. Fragmentos. 12 anos A obra rara de Luiz de Barros é uma cinebiografia de José Barbosa da Silva, o Sinhô, um dos mais famosos compositores de música popular nos anos 20, e também a última produção de Carmen Santos. Mesmo fragmentada*, é possível entender o desdobramento da história, além de contemplar imagens do Rio de Janeiro nos anos 50. *(a exibição contará com uma conversa posterior com Hernani Heffner, professor de cinema da PUC e da FASP e diretor de conservação da cinemateca do MAM.)

RIO, ZONA NORTE Direção: Nelson Pereira dos Santos Elenco: Grande Otelo, Jece Valadão, Paulo Goulart, Malu Maia, Haroldo de Oliveira, Ângela Maria e Zé Kéti Fic. 82 minutos, P&B, Sonoro. 35mm. 1957. LIVRE


O humilde sambista carioca Espírito da Luz cai de um trem lotado da Central do Brasil. Enquanto agoniza, ele se lembra dos últimos meses de sua vida: a luta para ver seus sambas gravados e interpretados por grandes artistas, como Ângela Maria; as trapaças do falso parceiro Maurício; o filho adolescente que se envolve com criminosos perigosos; o seu relacionamento com a mulata Adelaide.

O SAMBA Direção: Theresa Jessouron Doc. 55 minutos, Colorido, Sonoro. DVD. 2000. LIVRE Um documentário sobre a dança do samba e sua relação com o cotidiano dos moradores do Morro da Mangueira.

SARAVAH Direção: Pierre Barouh Elenco: Maria Bethânia, Paulinho da Viola, Pixinguinha, Raul de Souza, Baden Powell, João da Baiana e Luiz Carlos Vinhas. Doc. 61 minutos, Colorido, Sonoro. 35mm. 1972. LIVRE O cineasta francês Pierre Barouh registra o efervescente cenário da música popular brasileira nos anos 70. Entre acordes e canções, o diretor enfatiza os nomes de grandes artistas da MPB, como Pixinguinha (então octogenário), Maria Bethânia, Paulinho da Viola e Baden Powell.

TUDO É BRASIL Direção: Rogério Sganzerla Elenco: Orson Welles, Dalva de Oliveira, Carmem Miranda, Linda Batista, Herivelto Martins, Grande Otelo Doc. 82 minutos, Colorido, Sonoro. 35mm. 1995. 12 anos O documentário reúne uma colagem de depoimentos sonoros e imagens e aborda a visita do cineasta Orson Welles ao Brasil em 1942. Conta os bastidores do filme It’s all

true, que nunca chegou a ficar pronto. Retrata os jangadeiros e seu líder Jacaré; Carmen Miranda entrevistando Welles; Grande Otelo e outros. Além disso, é um relato do Rio de Janeiro dos anos 40. Reconhecido como “a afirmação definitiva da obsessão de Sganzerla pela obra de Welles”.

CURTAS-METRAGENS AGONIZA, MAS NÃO MORRE Direção: Gabriel Meyohas e Maíra Motta Elenco: Nelson Sargento, Dona Ivone Lara, Moacyr Luz Doc. 15 minutos, Colorido, Sonoro. DVD. 2011 LIVRE Baseado na canção homônima de Nelson Sargento, o documentário traz depoimentos de diversos sambistas a respeito de uma única pergunta: o samba mudou? Os entrevistados analisam o caminho traçado pelo gênero desde sua origem até as mudanças trazidas com a espetacularização do carnaval.

COURO DE GATO Direção: Joaquim Pedro de Andrade Elenco: Francisco de Assis, Riva Nimitz, Henrique César, Napoleão Muniz Freire Fic. 12 minutos, P&B, Sonoro. 35mm. 1961. LIVRE Às vésperas do carnaval, garotos de uma favela roubam gatos para fabricantes de tamborins. Exercício de realismo lírico, síntese de ficção e documentário, o filme narra o amor de um menino por um angorá e seu dilema ao ter que vender o bichano.

GUILHERME DE BRITO Direção: André Sampaio Elenco: Guilherme de Brito, amigos e familiares Doc. 22 minutos, Colorido, Sonoro. DVD. 2008. LIVRE

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Passeio cinematográfico pelas memórias e pelo universo de Guilherme de Brito: poeta, compositor, cantor e artista plástico, autor de clássicos e um dos maiores nomes da nossa música popular, cujo grande parceiro musical foi Nelson Cavaquinho.

HEITOR DOS PRAZERES Direção: Antonio Carlos Fontoura Elenco: Heitor dos Prazeres Doc. 13 minutos, Colorido, Sonoro. 35mm. 1965. LIVRE Memórias do sambista popular e pintor naïf Heitor dos Prazeres em seu ateliê na Cidade Nova, berço do samba no Rio de Janeiro. Heitor reflete sobre sua vida, seus sambas, seus quadros e suas recordações.

MALANDRO, TERMO CIVILIZADO Direção: Sylvio Lanna Elenco:Moreira da Silva e Luiz Melodia Doc. 25 minutos, Colorido, Sonoro. 16mm. 1986.LIVRE O filme registra um encontro musical entre os cantores Moreira da Silva e Luiz Melodia.

MAXIXE, A DANÇA PERDIDA Direção: Alex Viany Doc. 32 minutos, Colorido, Sonoro. 35mm. 1980. LIVRE No início, o maxixe era uma forma de dançar certas músicas europeias, popularizadas no Brasil. Depois, adquiriu personalidade própria, impondo por 40 anos seu predomínio no teatro de revista, bailes e carnaval. Ganhou fama e espalhou-se pelo mundo, nos pés de marinheiros, viajantes e dançarinos. O samba de salão, música mais simples e mais fácil de dançar, fez o maxixe cair no esquecimento. O filme recupera a história dessa dança.

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MEU COMPADRE, ZÉ KETTI Direção: Nelson Pereira dos Santos Elenco: Monarco, Guilherme de Brito, Wilson Moreira, Délcio Carvalho, Jair do Cavaquinho, Walter Alfaiate, Elton Medeiros, Nelson Sargento Doc. 12 minutos, Colorido, Sonoro. 35mm. 2001. LIVRE Homenagem de Nelson Pereira dos Santos ao sambista Zé Kéti, numa roda de samba em sua memória que reúne amigos saudosos.

MOREIRA DA SILVA Direção: Ivan Cardoso Elenco: Moreira da Silva Doc. 10 minutos, P&B, Sonoro. DVD. 1973. LIVRE Documentário musical que focaliza a figura ímpar do compositor e cantor Antonio Moreira da Silva, o popular Kid Morengueira, responsável por popularizar o “samba de breque”. De terno de linho branco e chapéu panamá, Morengueira interpreta seus antigos sucessos em cenários frequentados pela antiga malandragem, como o Morro de São Carlos, o Hipódromo da Gávea, o Cinema íris e a Gafieira Elite.

NELSON CAVAQUINHO Direção: Leon Hirszman Elenco: Nelson Cavaquinho Doc. 13 minutos, P&B, Sonoro. 35mm. 1969. 12 anos O cotidiano do sambista Nelson Cavaquinho. Sua casa, sua família e sua música melancólica.

NELSON SARGENTO Direção: Estevão Ciavatta Pantoja Elenco:Nelson Sargento, Carlos Cachaça, Paulinho da Viola Doc. 26 minutos, Colorido, Sonoro. 35mm. 1997. LIVRE


Um dos compositores mais carismáticos da Estação Primeira de Mangueira, o sambista Nelson Sargento sobe o morro neste documentário para falar de sua música, de sua escola e também de suas outras atividades, como a pintura e a poesia.

NOEL POR NOEL Direção: Rogério Sganzerla Doc. 10 minutos, P&B, Sonoro. DVD. 1981. 12 anos Ensaio documental sobre a música e o tempo de Noel Rosa, com colagens de imagens de arquivo, fotografias de época e filmagens de blocos carnavalescos em Vila Isabel.

NOSSA ESCOLA DE SAMBA

de acordo com a inspiração de cada um. Partido Alto é uma forma de comunhão, reunindo sambistas em qualquer lugar e hora, pelo simples prazer de se divertir.

PIXINGUINHA Direção: João Carlos Horta Elenco: Pixinguinha Doc. 13 minutos, P&B, Sonoro. 35mm. 1969. LIVRE O compositor fala de sua iniciação musical, dos velhos amigos e de seu ambiente caseiro - o piano, as partituras, os remédios. Na varanda, os cascos de bebidas vazios, resultado de reuniões com amigos. Os antigos sucessos são relembrados no saxofone que Paulo Bitttencourt lhe deu de presente.

Direção: Manuel Horácio Giménez Elenco: Integrantes da Escola de Samba, Unidos de Vila Isabel. LIVRE Doc. 29 minutos, P&B, Sonoro. DVD. 1965. A escola de Samba Unidos de Vila Isabel entra na avenida no carnaval de 1965. Por meio de texto construído a partir de declarações de Antônio Fernandes da Silveira, o China um dos fundadores da escola -, é possível conhecer um pouco da vida de alguns moradores do morro do Pau da Bandeira, no Rio de Janeiro. Além de todos os passos da preparação para o desfile com o enredo “Rio, Epopeia do Teatro Municipal”.

PARTIDO ALTO Direção: Leon Hirszman Elenco: Candeia, Paulinho da Viola, Casquinha, Manaceia Doc. 22 minutos, Colorido, Sonoro. 16mm. 1982. LIVRE Com raízes na batucada baiana, o Partido Alto sofre naturais variações porque, ao contrário do samba comprometido com o espetáculo, é uma forma livre de expressão e comunicação imediata, com versos simples e improvisados,

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COORDENAÇÃO GERAL

Diogo Cavour | Lúdica Produções CURADORIA

Thiago Ortman e Gabriel Meyohas PRODUÇÃO EXECUTIVA

Aïcha Barat ASSISTENTE DE PRODUÇÃO

Gabriela Ciuffo | Lúdica Produções ASSESSORIA DE IMPRENSA

Alex Teixeira IDENTIDADE VISUAL E PROJETO GRÁFICO

Ana Dias e Julieta Sobral estúdio \o/ malabares REVISÃO

Natalia Francis TEXTOS

Aïcha Barat, Áurea Alves, Bernardo Oliveira, Fabian Cantieri, Gabriel Meyohas, Jairo Ferreira, Juçara Marçal, Luiz Antonio Simas, Simplício Neto, Victor Solis, Victor Uchôa OFICINA

Burucutum | Pedro Amorim e Oscar Bolão PALESTRANTES

Alfredo Del-Penho, Bernardo Oliveira, Giovanna Dealtry, Hermínio Bello de Carvalho, João Máximo, Luiz Antonio Simas IMPRESSÃO DO CATÁLOGO

J.Sholna VINHETA

Virginia Primo FOTO DE CAPA

Evandro Teixeira

Com excessão dos fotogramas de filmes reproduzidos, as fotografias reproduzidas aqui e listadas abaixo são todas da autoria da fotógrafa francesa Martine Barrat (todos os direitos reservados). As imagens são um registro de sua imersão no Morro da Mangueira e no carnaval carioca no ano de 1989

FOTOS MARTINE BARRAT: p.2-3 – Ala das Baianas: As Rainhas do Samba p.4 – Morro da Mangueira: crianças ouvindo e dançando samba. Eram dançarinos incríveis. p.6 – Morro da Mangueira: Paulo Ramos (grande amigo de Hélio Oiticica e hoje vice diretor cultural da Mangueira), se preparando para o desfile. p.11 – Findado o carnaval e a folia de três dias, hora do descanso. p.23 – Nininha: Era a rainha da morro da Mangueira. Costumava carregar o estandarte da escola. Era uma dançarina fantástica e grande amiga de Hélio Oiticica. p.31 – Caindo na folia. p.87 – Paulo Ramos dançando. p.90 – Sambando. p.96 – A volta do desfile.

AGRADECIMENTOS Cinemateca Brasileira, Cinemateca do MAM, Arquivo Nacional, Alice Cavour, Lúcio Cavour, Ariane Figueiredo, Paulo Ramos, Cecilia Rabello, Felipe Tostes, Tiago Rios, Luiz Antonio Simas, Hernani Heffner, João Paulo Horta, Luiz Boal, Adryana Almeida, Claudia Freitas, Flora Beer, Regina Ortman, Marcio Ortman, Nelson Ferreira (Seu Nelson), Guilherme Tostes, Tiago Rios, Pedro Henrique Ferreira, Julianne Tenório, Ana Bolshaw, Thiago Britto, Isabella Raposo, Carlos Meyohas, Noêmia Meyohas, Victor Solis, Lula Buarque, Duda Bouhid, Mariana Marques, Manuelle Rosa e Clara Chaves. Nossa equipe agradece carinhosamente a Hernani Heffner pela generosidade. Nosso muito obrigado também a Martine Barrat pelas belas fotos que ilustram este catálogo. Todos os esforços foram feitos para creditar devidamente os detentores dos direitos autorais das imagens publicadas. Teremos prazer em creditar as fontes caso se manifestem.


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