Escravidão, Liberdade e Controle

Helio Lopes
NEGROS EM MOVIMENTO: Escravidão, Liberdade e Controle
ORGANIZADOR
HELIO FERNANDO BARBOSA LOPES
Brasília 2025
NEGROS
MOVIMENTO:
Escravidão, Liberdade e Controle
Organizador
Helio Lopes

Mensagem do Autor
Sou Helio Fernando Barbosa Lopes, cristão, evangélico, casado, pai de quatro filhos, nascido em Queimados e criado no Morro do Tempero, em Austin. Como filho de uma família pobre e trabalhador desde cedo — quando recolhia restos de comida para alimentar os porcos de minha tia Joana — aprendi que o trabalho dignifica e que a fé é o combustível da superação.
Antes de entrar na política, fui servente de obra, jardineiro, office-boy, até chegar ao Exército Brasileiro, onde servi com honra por 27 anos. Ali, desenvolvi valores que carrego comigo até hoje: disciplina, hierarquia, patriotismo e o amor à liberdade. Esses mesmos princípios me guiaram quando, em 2018, com o apoio do Presidente Jair Bolsonaro, recebi a confiança de 345.234 eleitores fluminenses para representar o Rio de Janeiro na Câmara dos Deputados — sendo o mais votado do estado. Em 2022, fui reeleito com a mesma missão: defender Deus, Pátria, Família e Liberdade. Esta obra nasce da necessidade de enfrentar com coragem e honestidade intelectual, um debate que, por décadas, foi monopolizado por uma única visão ideológica. Negros em Movimento: Escravidão, Liberdade e Controle não é uma coletânea qualquer — ela é uma resposta. Uma resposta firme, fundamentada e plural à narrativa progressista que tenta sequestrar a identidade do povo negro brasileiro e colocá-lo a serviço de agendas políticas que pouco dialogam com suas reais necessidades.
Ao organizar este livro, reforcei o compromisso do meu mandato com uma pauta que valoriza o mérito, a responsabilidade individual e a liberdade como instrumentos de emancipação. A trajetória da população negra não pode ser resumida à opressão ou à vitimização: ela é marcada também por resiliência, conquistas, protagonismo e fé. Essa obra procura exatamente isso — lançar luz sobre essas dimensões muitas vezes esquecidas ou silenciadas.
Cada capítulo aqui presente contribui para uma reflexão madura, sem ressentimento ou o peso das soluções simplistas. Queremos mostrar que o verdadeiro combate à desigualdade racial não passa por cotas raciais, narrativas ideológicas ou políticas de identidade, mas sim por liberdade econômica, fortalecimento da família, acesso à educação de qualidade e valorização das virtudes cristãs.

Publicar Negros em Movimento: Escravidão, Liberdade e Controle é uma extensão da minha luta no parlamento. É uma ferramenta para ampliar o diálogo com a sociedade, com os eleitores e com todos aqueles que acreditam que o Brasil precisa de uma nova consciência sobre si mesmo — uma consciência enraizada na verdade, na justiça e na liberdade.
Que este livro inspire outros a questionar, refletir e construir, com coragem e fé, um país onde nenhum brasileiro, independentemente da cor da pele, seja deixado para trás.



Deputado Federal Helio Lopes
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
HELIO FERNANDO BARBOSA LOPES.......................................................................06
PREFÁCIO
HELIO FERNANDO BARBOSA LOPES.......................................................................09
CAPÍTULO I
A INTEGRAÇÃO DO NEGRO NA ECONOMIA
URBANA DO RIO DE JANEIRO NO SÉCULO XIX
HELIO LOPES, RICARDO RODRIGUES.....................................................................13
CAPÍTULO II
O CAPITALISMO E A FAVELA
RAFAEL SATIÊ .............................................................................................................xxx
CAPÍTULO III
SENZALA IDEOLÓGICA
FERNANDO HOLIDAY................................................................................................xxx
CAPÍTULO IV
OS MOVIMENTOS NEGROS BRASILEIROS
E O ANTIRRACISMO GLOBALISTA
FERNANDO SANTOS DE JESUS................................................................................xxx

APRESENTAÇÃO
A questão racial no Brasil é um tema relevante nos debates políticos, sociais e econômicos, que vem moldando narrativas e influenciando políticas públicas ao longo da história. Mais do que um tema de discussão, a trajetória da população negra no país reflete uma complexa interseção entre escravidão, liberdade e controle. A presente obra, Negros em Movimento: Escravidão, Liberdade e Controle, busca lançar um olhar crítico sobre essa trajetória, desmistificando discursos hegemônicos e ampliando o espaço para diferentes perspectivas dentro do debate racial.
Nesta coletânea, reunimos autores com experiências diversas, mas que compartilham um compromisso comum: trazer à tona reflexões instigantes sobre a posição do negro na sociedade brasileira, sem amarras ideológicas ou simplificações reducionistas. A obra traz um verdadeiro olhar sobre a pauta racial na perspectiva de quem acredita na dignidade humana acima de qualquer recorte identitário, defendendo que todos somos iguais perante Deus e a Constituição.
Este material é essencial para a divulgação do nosso mandato porque reafirma nosso compromisso com a verdade histórica, a valorização do mérito individual e a promoção de políticas públicas que atendam a todos os brasileiros, sem divisões artificiais baseadas em raça ou cor Ao oferecer uma análise crítica e fundamentada, esta obra contribui para o fortalecimento do debate público, alinhado aos princípios conservadores que norteiam nossa atuação no Congresso Nacional.
O primeiro capítulo, assinado pelo deputado federal (PL/RJ) Helio Lopes e o professor doutor em Direito Ricardo Rodrigues, analisa “A Integração do Negro na Economia Urbana do Rio de Janeiro no Século XIX”. A análise busca compreender como a ausência ou presença de conhecimentos técnicos e morais influenciou na integração social e econômica do negro na atividade urbana do Rio de Janeiro.
Em seguida, o vereador (PL/RJ) Rafael Satiê apresenta "O Capitalismo e a Favela”, um estudo sobre o impacto da intervenção estatal ou não intervenção nas comunidades periféricas da cidade do Rio de Janeiro. O texto questiona se a ausência de liberdade econômica e o excesso de regulamentações governamentais não perpetuam a desigualdade e limitam as oportunidades de ascensão social dos moradores das favelas.
No terceiro capítulo, o Historiador e Cientista Político Fernando Holiday propõe um debate polêmico em "Senzala Ideológica", argumentando que parte da militância progressista impõe um pensamento único aos negros, restringindo suas possibilidades de posicionamento político. A obra desafia a narrativa predominante, questionando se o movimento negro atual realmente busca a emancipação ou se tornou um instrumento de controle ideológico.
Encerrando a obra, Fernando Santos de Jesus, doutor em Educação, apresenta uma análise aprofundada em "Os Movimentos Negros Brasileiros e o Antirracismo Globalista". O autor traça um panorama histórico do ativismo negro no Brasil, desde a Frente Negra Brasileira até os coletivos contemporâneos, explorando como a pauta racial foi gradativamente absorvida por agendas internacionais e por um discurso globalista que, muitas vezes, se distancia das reais demandas da população negra no país.
Negros em Movimento: Escravidão, Liberdade e Comtrole não busca impor verdades absolutas, mas oferecer novos ângulos para um debate que tem sido marcado por imposições ideológicas, busca uma reflexão e um contraponto a narrativa apresentada pela esquerda, mais do que isso, reflete a luta que venho travando na câmara dos deputados desde 2018. Ao longo das páginas, os leitores encontrarão reflexões que transcendem o embate entre esquerda e direita, focando no que realmente importa: a construção de uma sociedade onde a cor da pele não determine o destino de ninguém e reconhece que há vários pontos de partida.
Este livro não pretende encerrar o debate, mas ampliá-lo. Ao apresentar diferentes abordagens sobre a questão racial, queremos incentivar a reflexão sobre o papel da liberdade, do mérito e da pluralidade de pensamento na superação das desigualdades. Esperamos que esta obra contribua para um debate mais honesto e aberto sobre o futuro das relações raciais no Brasil, sem reducionismos ideológicos ou imposições dogmáticas.
Que esta leitura seja instigante e inspiradora.

PREFÁCIO
Negros em Movimento: Escravidão, Liberdade e Controle é uma iniciativa de intelectuais negros conservadores que compreendem a necessidade de produzir conhecimento a partir de uma perspectiva contra-hegemônica, desafiando a narrativa progressista predominante nos estudos acadêmicos no Brasil contemporâneo. Mais do que um conjunto de reflexões, esta obra representa um posicionamento firme contra a visão monolítica da questão racial, buscando resgatar a pluralidade de ideias dentro do debate de questões raciais no país.
Os textos aqui reunidos abordam desde questões históricas até análises sobre os desafios e condicionamentos impostos à população negra na atualidade. No capítulo I “A Integração do Negro na Economia Urbana do Rio de Janeiro do Século XIX”, Helio Lopes e Ricardo Rodrigues exploram anúncios de jornais do século XIX para revelar as habilidades intelectuais, morais e profissionais que negros escravizados possuíam para o mundo do trabalho – e, ao mesmo tempo, identificam a ausência dessas competências em outros casos. Esse estudo oferece uma visão mais realista da participação dos negros na economia urbana da época, desmontando discursos que reduzem a história a uma questão simplista sobre exclusão e marginalização do negro.
Já em “O Capitalismo e a Favela”, Rafael Satiê traz uma análise contemporânea e provocadora sobre os desafios econômicos enfrentados pelas populações que vivem nas favelas do Rio de Janeiro. O autor argumenta que a ausência do capitalismo e da economia de livre mercado impacta diretamente a prosperidade dessas comunidades, impedindo que seus moradores alcancem uma ascensão social sustentável. Para ele, o problema central não está apenas na pobreza material, mas na falta de acesso a uma cultura empreendedora, fator essencial para que indivíduos rompam com ciclos de dependência estatal e conquistem autonomia econômica.
Segundo Satiê, essa carência é resultado da forma como o Estado conduz sua política educacional. O modelo estatal de ensino, voltado para questões não práticas e distante dos valores do livre mercado, tem contribuído para que gerações de jovens cresçam sem estímulos ao empreendedorismo e à inovação A cultura da meritocracia, fundamental para o desenvolvimento de qualquer sociedade capitalista, é substituída por um discurso que reforça o ódio e história a sociedade brasileira através de subsídios governamentais o sistema de educação no Brasil promove uma desvalorização do esforço individual como meio de progresso e a reparação de uma dívida histórica.
Satiê propõe que a chave para a emancipação social e econômica das favelas está na liberdade de se autoeducar, principalmente através da internet, que possibilita o acesso a conhecimentos antes restritos às elites acadêmicas e empresariais. A internet se apresenta como uma ferramenta de ruptura com o modelo estatal tradicional, permitindo que indivíduos busquem sua própria formação e adquiram as habilidades intelectuais, morais e profissionais necessárias para prosperar dentro da lógica do livre mercado.
Se seguirmos a hipótese de que a maior parte das favelas no Rio de Janeiro é composta por descendentes de populações escravizadas, que não conseguiram se integrar plenamente à sociedade capitalista do século XX, podemos inferir que permanece uma ausência de mecanismos eficientes para o desenvolvimento autônomo dessas comunidades. Essa perpetuação de ausências não é apenas pela falta de acesso a recursos materiais, mas principalmente por uma educação estatal que desvaloriza a livre iniciativa e fomenta a ideia de que a única solução para a desigualdade social está na ação governamental.
Dessa forma, o autor enfatiza que a saída para esse cenário não está na ampliação das políticas de transferência de renda, mas na transformação do modelo educacional e cultural dessas comunidades. Para ele, o verdadeiro empoderamento das favelas não se dará por meio de programas estatais, que reforçam a dependência, mas sim pela democratização do conhecimento econômico e pela adoção de práticas empreendedoras que possibilitem que seus moradores construam seus próprios caminhos rumo à prosperidade.
Ao propor uma visão alternativa ao discurso predominante, “O Capitalismo e a Favela” desafia a noção de que a solução para a desigualdade social está exclusivamente nas mãos do Estado e apresenta a liberdade econômica como um fator decisivo para o desenvolvimento dessas populações.
Em “Senzala Ideológica”, Fernando Holiday desloca a análise para um outro tipo de aprisionamento: o controle ideológico imposto sobre o pensamento negro. Diferente dos textos anteriores, que enfatizam questões econômicas, Holiday apresenta uma crítica contundente ao que ele denomina de senzala ideológica – um espaço conceitual onde a militância progressista busca restringir a liberdade intelectual dos negros pobres, ricos ou de classe média, impedindo que negros adotem perspectivas conservadoras ou liberais.
Para o autor, esse tipo de opressão não se dá pelas privações materiais, mas pela imposição de um pensamento único que nega aos negros a possibilidade de formular suas próprias visões sobre sociedade, política e cultura.
Por fim, em “Os Movimentos Negros Brasileiros e o Antirracismo Globalista”, Fernando Santos de Jesus (Fernando Senzala) traça uma linha do tempo sobre a evolução dos movimentos negros no Brasil. Ele resgata a Frente Negra Brasileira dos anos 1930, destacando sua preocupação com a qualificação moral e intelectual dos negros para sua plena inserção na sociedade capitalista Com o declínio desse movimento, surge na década de 1970 um novo ativismo negro fortemente influenciado pelo marxismo e pelo progressismo. O autor explora como as universidades se tornaram o epicentro da formulação das ideias da nova negritude, e como a ausência de um engajamento da direita e do conservadorismo nesse debate permitiu que a esquerda hegemonizasse as discussões sobre a questão racial no Brasil.
Ao reunir essas análises, Negros em Movimento: Escravidão, Liberdade e Controle busca oferecer um olhar inovador e provocador sobre a trajetória dos negros no Brasil, questionando os paradigmas que dominam o debate racial na academia e na política. Em vez de um discurso pautado pela vitimização e pelo coletivismo forçado, os autores aqui presentes defendem a autonomia, o mérito e a liberdade como os verdadeiros caminhos para a emancipação.
Que esta coletânea de artigos inspire reflexões e amplie o espectro do debate sobre a questão racial no Brasil, rompendo com a tutela ideológica imposta e resgatando a soberania e diversidade do pensamento negro livre e sem controle ideológico.

CAPÍTULO I
A Integração do Negro na Economia Urbana do Rio de Janeiro do Século XIX
Resumo
Este artigo tem como objetivo realizar um estudo sobre a integração do negro cativo na sociedade fluminense do inicio do século XIX. Para isto, foram catalogados anúncios do Jornal A Gazeta, com recorte temporal de 1810-1821. O estudo revelou que existiam pelo menos dois tipos de cativos urbanos: aqueles que possuíam qualificações profissionais e morais para atuarem nas atividades urbanas e o grupo desprovido de tais qualificações. Portanto, pode-se inferir que a escravidão do negro na sociedade fluminense não teria sido homogênea, assim como seus resultados em sua integração e protagonismo sociocultural e econômico, bem como sua exclusão e sua marginalização. Tal compreensão põe em xeque a tese de que a cor da pele seria a maior barreira de integração socioeconômica e cultural do negro. Coloca-se em evidência a ausência ou presença de qualificações profissionais e intelectuais como fundamento do sucesso ou do fracasso da integração e do protagonismo dos cativos e dos libertos.
Palavras-chaves: Negro, Integração, Qualificação
Abstract
This article aims to carry out a study on the integration of black captives in Rio de Janeiro's society at the beginning of the 19th century. For this, advertisements from the newspaper A Gazeta were classified, with a time frame from 1810 to 1821. The study revealed that there were at least two types of urban captives: those who had professional and moral skills to work in urban activities and the group without such skills. Therefore, it can be inferred that the slavery of black people in Rio de Janeiro society would not have been homogeneous, as well as its results in their sociocultural and economic integration and protagonism, as well as their exclusion and marginalization. Such an understanding calls into question the thesis that skin color would be the greatest barrier to socioeconomic and cultural integration of black people. The absence or presence of professional and intellectual skills is highlighted as the basis for the success or failure of the integration and protagonism of captives and freedmen.
Keywords: blacks, integration, skills
Introdução
Este artigo visa apresentar a diversidade de profissões que desempenhava o negro cativo na cidade do Rio de Janeiro do século XIX, para isso utilizamos o recorte temporal de 1810-1821. Com isso, buscar-se-á apresentar as participações destes atores sociais no contexto da vida econômica fluminense e como tais profissões eram desejadas no mercado de venda, aluguel e compra de força de trabalho.
A venda, compra e aluguel da força de trabalho negra escravizada, no contexto da cidade do Rio de Janeiro, será interpretada de dupla forma: a submissão e, paradoxalmente, a integração do cativo na economia e sociedade fluminense urbana.
A submissão, pois a forma de trabalho não é livre e a negociação do trabalho desempenhado pelo cativo é feita pelo seu senhor com outros interessados, que desejam adquirir o trabalho do cativo.
Porém, o desejo e a necessidade por parte da sociedade urbana do Rio de Janeiro por mão-de-obra com qualificação profissional e moral poderão integrar o negro em um novo circuito econômico e social emergente, pautado em uma ética de mercado igualmente nascente, tendo por base a maximização dos lucros por parte dos indivíduos participantes da relação social (WEBER, 1999).
O contexto histórico dessas relações sociais é impulsionado pela vinda da Família Real Portuguesa em 1808, bem como pela formação da capital do Império Português nos trópicos, alterando as relações dicotômicas entre metrópole e colônia no plano global e a cidade e o campo no âmbito nacional (HOLANDA, 1995).
Para confeccionar tal empreendimento de pesquisa, foram analisados 190 (cento e noventa) anúncios do Jornal A Gazeta (Imprensa Nacional), edições de 1810-1821, através da Hemeroteca Digital Brasileira, da Biblioteca Nacional.
A pesquisa se deu com a busca do termo "negro". De forma paralela ao termo foram encontrados anúncios de venda, aluguel, compra e compra casada de mulatos, mulatas, escravos, pretos, pretas, negras, mestiços, pardos, pardas, crioulos e pardo quase branco. Como o sentido era o mesmo, a saber, a comercialização de força de trabalho escravizada, tais anúncios também foram catalogados e analisados na pesquisa.
A pesquisa dialoga com três grandes interpretações sobre a formação social do Brasil. Primeiramente com a obra de Gilberto Freyre (2003), onde o autor analisa, cataloga casos e interpreta o Brasil, como uma síntese das relações sociais entre o português colonizador, os indígenas nativos e os negros africanos escravizados.
Segundo a interpretação de Freyre, as barreiras raciais ou étnicas eram fluidas. Deste modo, tanto os indígenas como os negros africanos poderiam penetrar os espaços típicos da Casa Grande com a autorização do senhor, homem astuto, benevolente e permissivo.
A obra de Gilberto Freyre é marcada por exemplos que demonstram esses fatos por meio do estudo de casamentos entre senhores portugueses e mulheres negras, senhores portugueses e mulheres indígenas, além de padres amancebados com mulheres negras ou indígenas. Esse processo resultou em uma miscigenação e mestiçagem tanto biológica quanto sociológica, formando um grupo de mulatos e pardos — ou, nos termos de Hasenbalg (2005), não brancos — com acesso à educação e à propriedade de terras e imóveis (Freyre, 2003).
Os mestiços passaram a usufruir dos bens culturais como educação e dos valores da nobreza que lhes proporcionaram a ocupação de posições de destaque na sociedade colonial e, posteriormente, no império, o que desenvolveu uma sociedade com barreiras sociais fluidas e confusas, a partir de critérios étnicos raciais como a cor da pele, uma vez que seu povo se forma da miscigenação biocultural de diferentes matrizes étnicas.
A segunda grande corrente de interpretação do Brasil que adotamos é a obra de Sérgio Buarque de Holanda (1995), na qual o país se forma a partir de um espírito aventureiro, característico do colonizador português, movido pelo desejo de adquirir grandes fortunas com o mínimo de trabalho contínuo.
Entretanto, nos trópicos, a obtenção de riqueza só seria possível por meio de um trabalho contínuo e consistente na atividade agrícola. Assim, o português reproduziu nos trópicos o que já conhecia em sua pátria lusitana e em suas colônias na África: o emprego do trabalho escravo africano e, em menor escala, a exploração da mão de obra indígena.
Com pouco espírito empreendedor, mas grande pragmatismo, o português se estabeleceu nas fazendas, onde atuava como patriarca soberano da família.
De maneira personalista e discricionária, ele decidia o destino da economia, da família e de seus cativos. Sem grandes apegos à questão racial, suas decisões eram guiadas pela praticidade, o que conferia grande flexibilidade às suas ações.
A terceira grande corrente de interpretação foi desenvolvida por Florestan Fernandes (1978), que analisa a condição do negro a partir da perspectiva de uma integração malsucedida ou, em muitos casos, da ausência completa de integração. Para esse intérprete do Brasil, o negro foi inserido na sociedade brasileira dentro da estrutura de castas da escravidão, sem acesso aos bens culturais essenciais para sua integração na transição de uma sociedade de castas para uma sociedade de classes em 1888 e nos anos subsequentes.
Ele apresenta elementos empíricos sobre a ação do Estado brasileiro que opta pela importação de força de trabalho migrante da Europa, marcada por italianos, alemães, espanhóis, além de árabes e judeus.
Florestan cita duas categorias de negros: os negros honrados, ou seja, aqueles que já dominavam os códigos de conduta da sociedade emergente e, com isso, conseguiram sua integração - o que ele chamava de segunda redenção - e os negros que não possuíam estes elementos culturais e muitas vezes não alcançavam integração econômica e social, sendo a desigualdade racial o legado da raça branca para o Brasil.
As categorias analíticas, como a casa (espaço privado) e a rua (espaço público), fazem alusão à obra de Roberto DaMatta (1987), mas já estavam presentes na análise de Gilberto Freyre, ao examinar os dois principais espaços domésticos do Brasil colonial: a Casa Grande e a Senzala. Na obra de Sérgio Buarque de Holanda, essas categorias estão associadas ao patrimonialismo e ao personalismo, que se baseiam na primazia dos interesses privados — da casa ou do grupo doméstico — sobre os interesses públicos, frequentemente sobrepondo-se ou confundindo-se com estes.
Nosso esforço foi compreender o significado dos anúncios. Estudar o passado é um exercício de alteridade, que exige a tentativa de entender o outro a partir de uma neutralidade axiológica (WEBER, 1999), sem se deixar influenciar por emoções como raiva, rancor ou, por outro lado, por uma visão idílica e romantizada do passado.
O trabalho foi pensar a partir da racionalidade pretérita que estava dentro de um contexto social e histórico, a partir de limites e possibilidades realizados ou nunca pensados ou praticados por estes homens e mulheres, que eram filhos de seu tempo.
Compreender a História como o resultado de um processo em constante construção é o primeiro passo para refletir sobre o presente e projetar as utopias do futuro. No entanto, acreditamos que, antes de tudo, é fundamental analisar o passado sem ressentimento pelo que ele não foi e sem recorrer a revanchismos ou revisionismos projetados a partir do presente.
O estudo do passado serve como um instrumento de autoconhecimento, permitindo a construção de desejos não realizados, a criação de possibilidades que os homens do passado não puderam concretizar e a compreensão de que, no presente, se faz necessário aprender tanto com os erros quanto com os acertos, valorizando a herança que deixaram
Resultados
Dos 190 (cento e noventa) anúncios catalogados sobre venda, venda casada, aluguel e compra de escravos do Jornal A Gazeta constatou-se que tanto homens quanto mulheres foram comercializados nas quatro formas citadas.
Tabela 1: Formas de Comercialização de Força de Trabalho Escravo no Rio de Janeiro (1810-1820).
Ao analisarmos a tabela 1, é possível verificar que a forma predominante de comercialização era a venda, que correspondia a 80% dos anúncios analisados, seguida da categoria de compra, 10%, o aluguel e, por fim, a venda casada. Cada qual correspondeu a 5% dos anúncios, respectivamente, como pode ser visualizado no gráfico 1.
I
Gráfico 1: Modalidade de Comercialização
VendaCasada
Na categoria de venda, observa-se que o número de escravos do sexo masculino comercializados era superior ao de escravas do sexo feminino. Em números absolutos, foram identificados 93 (noventa e três) anúncios de venda de escravos do sexo masculino e 58 (cinquenta e oito) anúncios de venda de escravas do sexo feminino. Da mesma forma, na categoria de compra, constatou-se uma predominância de anúncios relacionados à aquisição de escravos do sexo masculino, totalizando 11 (onze) registros, enquanto os anúncios de compra de escravas do sexo feminino somaram 7 (sete).
Na categoria aluguel, identificou-se um número igual de anúncios de aluguel de escravos do sexo masculino e feminino que correspondiam a 4 (quatro) anúncios para cada sexo e um anúncio que não identificava o sexo de quem estava sendo alugado.
Nos anúncios de venda casada, constatou-se que, na maioria dos casos, o sexo dos escravos não era identificado, uma vez que eram vendidos como parte complementar da transação principal. Apenas em 4 (quatro) anúncios houve a especificação do sexo, todos referentes à venda de escravos do sexo masculino. No Gráfico 2, é possível visualizar os tipos de comercialização, a distribuição por sexo e a quantidade correspondente a cada modalidade de transação.