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Uma vida de lutas pela agricultura orgânica
Nazide dos Santos, a ‘mamãe onça’, é liderança feminina em cooperativa de agricultores
LUANA CARVALHO
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luanacarvalho@acritica.com
Um café da manhã farto com bolo de macaxeira, tucumã, mandioca cozida, banana, e chá de capim santo preenchia amesa de madeira da área de convivência da Associação Grupo Esperança Orgânica (GEO).Tudo produzido pelas famílias que vivemna Comunidade Jardim Floresta, localizada no município de Presidente Figueiredo, distante 117 quilômetros de Manaus.
“Trabalhamos para ter qualidade de vida. O nosso plantio assegura anossa alimentação eoexcedente fazgirar anossa economia. Na mesa do produtor, não temmiséria”, comenta apresidente da cooperativa, Nazide dos Santos Bentes, 54, enquanto recebia nossa equipe de reportagem. É Nazide, também conhecida como“mamãe onça”, quem lidera homens e mulheres no trabalho de agricultura familiar na terra das cachoeiras.
São 75 famílias associadas no GEO, sendo 48 encabeçadas por mulheres, em 10 comunidades diferentes. No Jardim Floresta, as famílias trabalham com o sistema agroflorestal, uma forma de uso do solo que combina, em umamesma área eem um determinado tempo, culturas diferentes.
Dessa forma, os agricultores nãoprecisam desmatar mais floresta para plantar Os produtores da comunidade cultivammais de 20 culturas, entre banana, macaxeira, mamão, limão, goiaba, café, laranja, guaraná, maracujá, açaí, abacaba, jaca, mangarataia, pimenta do cheiro, cheiro verde, jerimum, maxixe, cebolinha, coentro e ingá, tudo de forma orgânica.
“O objetivo da nossa associação é incentivaro produtor para trabalhar assegurando a qualidade de vida dele. Ele vai ofertar uma variedade de produtos para a casa dele e o excedente, vender na feira, garantindo uma economiapara sustentar afamília na semana”, complementa Nazide, que vive a agricultura familiar e orgânica desde a infância.
ESTÁ NO SANGUE
Natural do município de Borba e filha de agricultores, Nazide mudou para acapital amazonense com a família em 1978 para estudar no processo conhecido comoêxodo rural. A mãe dela, “Dona Bebel”, indígena da etnia Mura, não gostoudaideia no início. “Ela mudou para Manaus a contragosto Fez isso pelos filhos, o que é muito comum no interior”, relembra.

A história de Nazide no cooperativismo começou muito antesque elaentendesse esta filosofia de vida, que busca transformar omundo em um lugar mais justo, feliz eequilibrado. Isto porque aos 12 anos, elajáera envolvidanos movimentos do terceiro setor
“Enquanto membro da igreja católica, na década de 80, surgiram as questões sociais frase
“O capitalismo exige que as culturas sejam aceleradas. Então, altera-se o solo com produtos químicos e isso também vai ficando na matéria orgânica do trabalhador, do consumidor e do solo que vai sendo poluído”
NAZIDE DOS
SANTOS Presidente da GEO na minha vida. Quando fomos para a capital, moramos na Compensa, um bairro que na época carecia de tudo. Eu semprefiz parte da igreja, que sempre incentivou o associativismo, cooperativismo, o trabalho em regime de mutirão, para que um ajudasse o outro. No bairro onde morávamos nãotinha água e lembro que nós nos juntamos para cavar um poço. Toda essa minha vivência na infância e adolescência me incentivou a estudar o serviço social na faculdade”, conta. Mas foidona Bebel, mãe de Nazide, que aguiou para ocaminho da agricultura familiar e orgânica. Depois de alguns anos na capital, em 2006 a matriarca comprou um terreno na comunidade Jardim Floresta para finalmente reviver oque sempre amou: se alimentar do que ela mesmo plantava
“Eu venho defendendo a agricultura orgânica desde 2001, mascomecei aatuar mesmo depois da mudança da minhamãe para acomunidade. Quando viemos para cá eu me preocupei com aquestão do agrotóxico. Na minhalinhade pesquisa da faculdade detectei que as comunidades trabalhavammuito com produtosquímicos e asaúde do trabalhadorestava sendo atingida. Essa émi- nha maior preocupação enquanto assistentesocial epresidente da GEO: fazer com que o trabalhador entenda que ele vai ter mais malefícios do que benefícios de usar os venenos” Alíder percebeu que oalimento que crescia rápido, em grande quantidade, com boa aparênciaebaixo preço nãofazia bem para a saúdedos produtores. “O capitalismoexigeque as culturas sejam aceleradas. saiba+ Agricultura orgânica é um modelo de produção caracterizado por não utilizar fertilizantes sintéticos, agrotóxicos, sementes modificadas, reguladores de crescimento animal e intensa mecanização das atividades, visando a reduzir os impactos ambientais, além de cultivar produtos alimentícios mais saudáveis. A agricultura familiar é responsável por 77% dos estabelecimentos agrícolas do Brasil, segundo último Censo Agropecuário, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
Em dias de mutirão, os produtores se reúnem para trabalharem em grupos. O trabalho é organizado e liderado por Nazide, mas todos possuem voz dentro da cooperativa, que segue a filosofia de desenvolvimento econômico e social.
Economia solidária
Nazide dos Santos também implementou osistema de economia solidária na comunidade, uma forma de produção, consumo edistribuição de riqueza centrada na valorização do ser humano e não do capital. “A mesa do trabalhador éfarta por causa do trabalho Não é o dinheiro O que faz a gente viver bem é o trabalho eo dinheiro é consequência, mas não miramos nisso Trabalhamos com empresas parceiras que valorizamotrabalhador Oagricultor não pode ficar apenas com o ônus, ele também temque ter o bônus”, reforça.
Foi a economia solidária que manteve a comunidade no início da pandemia, em 2020. “Muitos dos nossos cooperados são idosos e, para que não faltasse nada, fazíamosoescambo(troca) Montamos uma feira solidária em Pre- número 36
É o número de cooperativas agropecuárias no Amazonas, totalizando 2.576 cooperadosa, segundo informações da Organização das Cooperativas Brasileiras (Sistema OCB)
Então, altera-se osolo com produtos químicos e isso também vai ficando na matériaorgânica do trabalhador, do consumidor e do solo que vai sendo poluído. Como nóstrabalhamos num município de águas, as cachoeiras vão sofrer, pois essa química toda vai para o lençol freático, e as águas do lençol freático, por sua vez, chegam até nosso consumo”, alerta.
Agora, ao invés de inseticidas industrializados, as famílias utilizam uma mistura de água, casca de ovo,casca de banana e borra de café para dispersar as pragas das pequenas produções. “Quando se borrifa com veneno, o trabalhadorvai inalando, porque não trabalha sidente Figueiredo, eu buscava o que eles plantavam em suas propriedades e trocava por produtos industrializados na cidade. Depois veio oauxílio emergencial, e isso ajudou bastante” relembra.

Desde 2016, acomunidade atua em parceria com oprojeto “Olhos da Floresta”, da Coca-Cola, com produção de guaraná orgânico Segundo Nazide, o trabalho tem dado muito certo. “É importante que ainiciativa privada tenha esse pensamento. Éimportanteque se criem mais políticas públicas para fazermos essa transformação social” Presidente de associação, mãe, ativista easisstentesocial, Nazide sabe oque quer e, luta para que os cooperados também saibam. “Muitas vezes me criticam. Dizem que a alimentação orgânica não mata afome do mundo Minha missão não é matar a fome do mundo, mas sim da nossa comunidade. O trabalho deve começar da porta para dentro da nossa casa. Se todos fizerem sua parte, se todos pensarem assim, a gente consegue acabar com a fome mundial” com proteção, achamquente, falta ocostume… Foi preciso realizar todo um trabalho de transformação de mentalidade com todos eles”
ROTINA DE PRODUÇÃO O trabalho na cooperativa é realizado em regimede mutirões. Além das plantações que cada produtorpossui em suas propriedades, eles se reúnem para ajudar uns aos outros. No caso do guaraná emacaxeira, os carros-chefes da comunidade, há operíodo da adubação, colheita e poda, onde todos participam. “Nós fazemos uma divisão das tarefas de modo que todos consigam trabalhar e usufruir do seu trabalho. Enquanto umapartedo grupo está em campo, outra fica cozinhando na cooperativa”, relata. Toda aprodução da cooperativa éaproveitada, nada é desperdiçado. “O excedente,que já está um pouco mais maduro e não dá para ser vendido, vira comida para os animais. No campo, até um galho que cai da árvore, vira adubo. Nosso sistema de irrigação é feito com as filhas secas. Tudo é aproveitado”