
SINCRONARIO
MEMÓRIA DE UM EVENTO EFÉMERO 2022


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Linha de Fuga 2022 aconteceu entre 16 de setembro e 8 de outubro de 2022, propondo como tema de discussão as Éticas do Cuidado. O festival internacional trouxe a Coimbra 9 espetáculos de dança, um documentário, várias conversas sobre práticas artísticas, desenvolveu um programa de Conversas Inquietas sobre o Cuidado, com curadoria de académicos e ativistas e um seminário sobre As Éticas do Cuidado. O laboratório de criação internacional Linha de Fuga desenvolveu-se paralelamente ao festival, permitindo a troca entre propostas artísticas em processo e espetáculos e um diálogo entre os artistas do laboratório que viveram em Coimbra durante o período desta iniciativa. Em 2022, o laboratório veio com a felicidade do encontro pós-pandemia. Para muitos dos 15 artistas participantes que viveram esta experiência, este foi o primeiro momento desde a pandemia de encontro e troca, gerando uma vitalidade e várias questões sobre o cuidado. O que significa cuidar e a quem cuidamos foi uma pergunta constante durante todo o período. As identidades foram o valor mais presente neste laboratório: de onde vimos, quem somos, com que nos identificamos, antes de tudo, antes de poder avançar sobre o sentimento de
empatia necessário ao exercício do cuidado. Num mundo que se conecta mais pelas simpatias do que pela empatia e que se define cada vez mais pelas pertenças e não pertenças, o exercício de pôr em prática a empatia e o cuidado é complexo.
Em todos os laboratórios internacionais Linha de Fuga selecionamos um a dois artistas que nos propõem arquivar esta iniciativa a partir da sua perspetiva subjetiva. Assumimos desde o início que arquivar e documentar é um ato desprovido de imparcialidade, onde a subjetividade do arquivista está presente e, dessa forma, é também um ato criativo. De entre as propostas de arquivo que nos chegaram, seleccionamos a visão de Paulina Oña e Tika Michel, duas artistas bolivianas, que propuseram arquivar o encontro utilizando a escrita expandida como principal prática. Tomando como ponto de partida as suas origens andinas e referências desse território, propuseram aos artistas participantes a semente, e com elas algumas práticas/partituras, como o ponto de partida para a construção de uma memória do futuro baseado também em oráculos. Durante o laboratório, usaram o espaço da Rádio Baixa como o seu lugar de arquivo e de todas as provocações feitas aos participantes. Foi
um espaço de escuta, de exposição de materiais, de encontro e de conspiração. Ambas pediram a todos que trouxessem consigo uma semente do seu país para iniciar um tráfego-contrabando de identidades das origens presentes nesta edição. Foi este o mote que permitiu o desenvolvimento de um arquivo baseado na sua prática de curadoria e cuidado que desenvolvem no seu projeto Germinal e que desenvolveram em Coimbra. Assumiram desde o início que viriam com uma mirada desde outra cultura não europeia e com todo o peso do que significa fazer parte de um país que foi colonizado, assumindo as dúvidas, medos e forças desta posição.
Damos sempre um período largo pós laboratório para que as artistas-arquivistas entendam qual
o melhor formato e conteúdos que pretendem representar cada edição. O que encontram nas seguintes páginas é o resultado dessa visão subjetiva, cheia de linhas de fuga e de questionamento sobre o que foi a experiência em Coimbra, com pensamentos desde as suas origens e condições, testemunhos de alguns dos participantes e de habitantes da cidade, considerações sobre a cidade – universitária - e a sua vontade de falar sobre o colonialismo capitalista à volta do conceito de cuidado. Este arquivo é um testemunho da liberdade criativa que incentivamos aos artistas-arquivistas do laboratório.
Catarina Saraiva
Coordenação geral e artística Linha de Fuga
...escrever oráculos com palavras roubadas a Silvia Rivera/Clarice Lispector/Marie Bardet, Suely Rolnik, deixar práticas para cada participante em papelinhos antes do jantar, convidá-los a tomar vinho verde à tarde e conversar sentadas em círculo enquanto gravamos um podcast improvisado, cantar em voz alta para abrir espaços e também para fechá-los, partilhar os remédios que trouxemos dos nossos territórios para dores de estômago, tosse ou gripe, provocar ajuntamentos em volta da comida, criar momentos de escuta: a nossa proposta para documentar Linha de Fuga 2022 veio da reflexão e ação geradas numa esfera de pensamento denominada GERMINAL, um Viveiro de Pesquisa para as artes vivas, uma colaboração que realizamos desde 2020 em território boliviano (de forma física e virtual). A curadoria (curandeirismo, como a designamos) proposta em GERMINAL permitiu-nos conceber os processos de criação que impulsionamos a partir de uma perspetiva alargada, enquanto curadoras-curandeiras do fazer artístico, encarando esta abordagem como um processo de sanação e escuta profunda em conjunto com os artistas. Imaginamos também a figura do artista para além de uma visão técnica e virtuosa do mesmo, preferimos focar
a nossa atenção nas potências do artista-poeta, do artista-astrólogo e do artista-agricultor, tal como este ofício seria considerado nas cosmovisões andinas.
A cura[ndo][du]ria como dispositivo de cuidado: um desenvolvimento de e para uma curadoria contemporânea, uma transformação das relações estabelecidas em relação ao trabalho dx outrx, dentro do mundo da arte.
Pensamento semente é a forma como nomeamos um dos eixos transversais da nossa investigação em GERMINAL: é a intuição vital que interpreta a semente como potência, imaginando a sua germinação a partir da sua ação temporal e performativa como imagem e figura com a que nos fazemos, provocando assim a transformação das nossas práticas artísticas em modos sensíveis de investigação.
Sendo nós duas artistas cénicas/ investigadoras bolivianas indisciplinadas, decidimos candidatar-nos coletivamente à convocatória Linha de Fuga 2022 para realizar a documentação deste encontro; embora a elaboração de um arquivo não fosse, até então, um campo de ação comum para nós (exceto pelas atividades de registo que tivemos de fazer para as nossas próprias pesquisas), optamos por concorrer à convocatória impulsionadas pelo puro
desejo de experimentar e imaginar ferramentas e dispositivos que nos revelem esses momentos, gestos, palavras, eventos, ou seja, os infinitos pilares possíveis da memória de um evento efémero coletivo que decorreria ao longo de 3 semanas (de 16 de setembro a 9 de outubro) em Coimbra, Portugal.
A nossa proposta de documentação centrou-se no gesto escritural como fórmula para provocar o balbuciar (como se estivéssemos a enunciar presságios, contra-conjuros para reencantar este mundo que habitamos). Desta forma, concebemos como motor para o trabalho de documentação no Laboratório Internacional Linha de Fuga 2022 a escrita na sua dimensão expandida: para construir uma crónica, para escrever com a língua, a partir das entranhas, como se estivéssemos a originar um ecossistema mutante. Através de uma série de provocações cuidadosas de feitiçaria1 e
bruxaria, propusemos axs participantes maquinarias arquivísticas e de memória, dispositivos de ficção e autoficção, para construir juntxs uma memória do futuro. Decidimos fazer a travessia transatlântica, atravessando o grande lago com sementes nos bolsos, como um tráfico inesperado, ansiosas por nos encontrarmos com as sementes que tínhamos solicitado axs participantes do encontro, através de um e-mail enviado semanas antes de iniciar a jornada. Na mala, levamos também uma referência de como gostariamos de escrever: o calendário pitoresco Bristol2 e, para nossa surpresa, antes de terminar a nossa viagem, presentearam-nos com a sua versão portuguesa, chamada “O verdadeiro Almanaque Borda D’água”. Coincidência/agouro/ profecia/predição ou o como lhe queiram chamar. A escrita desta memória ocupou-nos bastante tempo (tempo entre vários tempos).
1 No original gualicheras e com menção em nota de rodapé à palavra hechiceras. NT: Na cultura andina, Hechiceras refere-se a mulheres que praticam magia, feitiçaria ou encantamentos. O termo está associado à figura das bruxas ou feiticeiras, que desempenham papéis variados nas tradições e crenças andinas. Essas mulheres podem ser vistas como detentoras de conhecimentos espirituais e habilidades mágicas, e desempenham um papel importante na cosmologia e nas práticas espirituais das comunidades andinas. Gualicheras tem um significado semelhante, um termo que tem sua origem em algumas regiões da América Latina, especialmente na Argentina e em algumas partes do Chile. Assim como o termo “hechiceras”, “gualicheras” está relacionado a práticas espirituais, conhecimentos mágicos e, em alguns casos, é associado a elementos do folclore local. Na cultura andina, os conceitos e termos podem variar, e é sempre importante considerar o contexto específico e as crenças da comunidade em questão para uma compreensão mais precisa.
2 calendário popular que contém dados astronómicos para cada mês, incluindo datas de eclipses, datas de início das estações, recomendações para a pesca e previsões climáticas e de marés, calculadas especialmente para cada país. Inclui também informação religiosa, astrológicoa e o horóscopo, feriados e o santoral para cada dia do ano. Além disso, contém uma tragicomédia gráfica em 8 quadros, poemas e epigramas, piadas, frases célebres e curiosidades. NT: É um almanaque criado em 1832 que praticamente continua com a mesma estrutura, vendido em vários países da América Latina, sendo que tem o maior número de compradores na Colômbia.
Decidimos deixar fermentar as nossas memórias durante cerca de um ano, ouvir parcimoniosamente os áudios que compõem o nosso arquivo (entrevistas sobre os projetos pessoais com cada artista participante, áudios brutos dos laboratórios e oficinas da programação do encontro, registros das conversas que convocamos, vómitos verbais que gravávamos quando ocorria alguma eventualidade/sucesso/epifania que não queríamos esquecer, descrições de lugares, etc., foram algumas das estratégias para compilar registros sonoros), com a intenção de praticar uma escuta prolongada e desdobrada ao longo dos meses. Com surpresa, cada vez que regressávamos a este arquivo, encontrávamos algo novo, algo que tínhamos esquecido, e surgiam novas reflexões como elementos de suporte a partir dos quais começar a estrutura narrativa deste texto.
Tempo estendido que proporciona possibilidades de memória e esquecimento.
Porque tomar aquele tempo diluído também provocou que esquecêssemos coisas, que inventássemos acontecimentos, que muitas das memórias destilassem sensações que suscitaram teorias, que fortalecêssemos intuições que tivemos em 2022 mas que, naquela altura, não conseguimos articular em palavras. É assim que esta é uma memória ficcional de um tempo que já não existe, uma narrativa fora de tempo/a tempo/sem
tempos. Crónica desmemoriada.
“A vezes, onde semeias não é o local, às vezes, tens que perceber o mundo do outro lado para semear com confiança, para te conectares com o que possa surgir.”
“A sementeira sempre em vários espaços, a sementeira multicultural, a sementeira intuitiva que se move com ritmo próprio e causa ressonância: alguém te afeta e vice-versa... tudo volta a acontecer.”
Escrevemos isto há alguns anos, palavras precursoras deste momento, talvez um presságio.
Este arquivo contém visões e aparições que tivemos a sorte de presenciar na cidade de Coimbra, macerações, germinações e destilados de projetos de alguns dos artistas participantes do Laboratório, imagens escassas, relatos sensíveis e uma abundância de palavras carregadas de jetlag.
paulina y tik
Canteiras (de germinação) de GERMINAL
Parar um minuto num lugar público sem se mover.
semente encontrada no chão do Jardím Botânico de Coímbra
Juanqui:
La Paz, 29 de outubro 2023 Olá minhas germinalas aqui vai um textinho em resposta à vossa invocação.
O que destilou, o que macerou, o que germinou e o que foi necessário transformar em composto.
No. 1
Tudo apodreceu.
Mas no meio, havia vida. Desde nossos múltiplos encontros em Coimbra, retornei a La Paz, onde partilhei práticas do projeto na residência INMATERIAL outubro de 22
o que destilou tudo mais sobretudo café, zimbro, litsea sob alicerces
um instinto nómada despertou voei alimentei sem cozinha própria fui alimentado
o que germinou fui convidado como coreógrafo residente a Santa Cruz de la Sierra pela companhia Zero para dirigir a nova obra da companhia desenvolvendo práticas orais com a língua e a linguagem os sentidos estrearam sentido a tudo isso
no off do festival internacional de teatro de Santa Cruz abril de 23 existem fotografias o que foi necessário transformar em composto
D de detido, entre barras processado, entre estrelas discriminado disallowed, they say despejado, that’s it despojado dizendo deportam por desporto D de desterro Tudo apodreceu mas no meio, havia vida o que macerou estou atento digerindo lentamente organizando re organizando me
Hoje, 28 de setembro de 2022, pedimos permissão para queimar com a autorização desta terra, Lugar no Meio, com a bênção do cavalo
Benjamim, solicitamos permissão às montanhas de Sicó. Viemos acender o fogo.
Fogueira foto em negativo, Bibi Dória
Oráculo 1
A reciprocidade.
Para lidar com as formas confusas, heterogéneas e multi-temporais da vida, será necessário encerrar o passado para inaugurar o futuro; a partir do aqui e agora, poderíamos exorcizar o binário e, com isso, desmontar o esquema habitual, liberando, assim, tanto as suas energias vivificantes quanto os seus perigos abissais. Hoje, trazemos algo para ti, não para que na próxima vez sintas a obrigação de retribuir, mas para que saibas que assim será até o fim dos teus dias: a reciprocidade ajuda a transitar entre mundos.
Inicar uma conversa com uma pessoa desconhecida
semente de castanha, protegida por uma couraça pontiaguda
Ontem, estava à procura de algumas imagens do Cerro Rico de Potosí para um projeto. E voltei a deparar-me com a paisagem mais saudosa da minha infância. Aquela montanha roída como queijo que se ergue bela num céu azul de inverno, com caminhões que a atravessam constantemente e turistas que desejam compreender algo deste lugar.
Eu e a minha irmã conversávamos sobre as nossas memórias de Potosí, do sentimento profundo e nostálgico que o huayño1 nos provoca, do desejo de beber e dançar que o seu ritmo suscita. Falamos do cheiro do aguayo2 e do peso do phullu3, como o sentíamos a aquecer-nos quando enfrentávamos o frio implacável do Inverno dos Andes.
As linhagens são heranças de reis que se desvanecem neste lugar, reis que saborearam de longe as grandes fortunas que levavam, à custa da morte de milhares de pessoas. Na Bolívia, cresce-se vivendo o racismo recalcitrante
1 O huayno é uma dança de origem pré-colombiana quechua-aymara. É uma dança de grupo, em formato de roda, embora ao longo do tempo tenha prevalecido a forma de par misto, solto ou entrelaçado.
2 Tecido com fibra de alpaca, lhama ou ovelha.
3 Cobertor, manta, tecido com fibra de ovelha ou lhama, com peso considerável.
e o interminável classismo, mesmo na inocência da infância, quase sem maldade, numa aparência inofensiva. Essa informação, instalada pela(s) história(s), ousaria dizer especialmente na Bolívia, transforma-se numa violenta pancada numa idade ainda tenra, simplesmente porque tudo está ali, à vista, na carne: não podes ser ingénuo por muito tempo, não podes fingir não ver, não sentir e se o fizeres, é porque a ferida colonial dói tanto que a ignoras enquanto se infecta.
Na infância não entendes bem as injustiças, no entanto, elas tornam-se parte de ti, na rua, à saída da escola, a cada ida ao mercado, a todo momento. Este é um lugar injusto forjado na história da humanidade e nas ações que foram feitas. Sou parte disto, sou a filha bastarda da história, um jogo macabro de culpa religiosa instalado no meu tutano que, quando penso ter extirpado, volta a aparecer, uma inferioridade absurda baseada em parâmetros tristes impostos pelo capital e pelo colonialismo que, por sorte, não acabou por se formar/completar totalmente deste lado do mundo, onde a sobrevivência já é um êxito.
Em Abya Yala, existe uma tenacidade extraordinária pela vida, por esse desejo de caminhar, de viver, pelo próprio sentido de estar aqui, vivo. É um sentimento que vai além dos privilégios e do quão confortável possas estar. Há um desejo de vida que não consigo explicar. Esse instinto básico está presente e é sentido
em cada umx e nxs outrxs. Talvez pouco se compreenda do que quero partilhar, mas ao mesmo tempo é tão simples que quem o vive entende.
Então, a ferida colonial torna-se evidente e não tem cura. A ferida somos nós, corpos, histórias e territórios. Tudo misturado e golpeado, mas no final do dia, esse corpo contempla um pôr do sol e sorri enquanto lhe sangra o nariz.
Esta é a ferida que, ao longo do tempo, se propaga pelo corpo do perpetrador; só aparentemente ileso é aquele que se recusa a olhá-la, provocando uma infecção calamitosa e até contagiosa. Quais são as ações de reparação para esta ferida colonial em instâncias micropolíticas? Como assumimos a responsabilidade por esta herança pesada? O encontro em Coimbra foi, sem querer, entre muitas outras coisas, uma escavação a essa ferida com intenções acidentadas e confusas de compreender e cuidar de algo que sabemos estar quebrado e que nos incomoda suster o tempo todo... porque cansa, porque dói. Passado um ano deste encontro e a partir dessas corpas bastardas, transformamos em palavras escritas essas dores, essas heranças incómodas de centenas de anos, alimentadas com inevitáveis presentes.
Grandes são as lições que vêm das feridas profundas; aplicar álcool à chaga far-nos-á gritar e talvez, assim, com muita paciência, apareça uma crosta saudável.
Oráculo 2
A força da tormenta.
Imagina o som de uma tempestade quando a habitas no seu interior, desde o olho onde se forma. Consegues ouvir o som? Não se ouve nada. De onde observo a catástrofe quando estou mais longe dela?
Quando vários elementos se juntam, uma receita está pronta para ser preparada. Onde a coloco?
Vários corpos rastejando sobre a água, porque a água é feminina. Presta especial atenção para ver quando a lua poderia perturbar a contemplação da aurora. Desta forma, poderás potenciar o teu diálogo com sujeitxs e entidades não humanas, para poder entender sem necessariamente compreender.
Agora: a calma, agora o amanhecer, agora um silêncio. E depois, uma explosão.
Pantar uma semente num lugar público.
Sementes de milho k’ulli ou milho roxo boliviano.
Estamos no ano de 2550. Numa praia do Médio Oriente, encontram-se duas crianças cansadas de brincar na areia fúcsia1. Os dois estão sentados a olhar para o horizonte, um é mais moreno que o outro, pele de cobre e pele de cacau estão a recuperar o fôlego.
- Tenho um tesouro que encontrei entre as antigas ruínas - diz um. Os olhos do menino mais escuro abrem-se e ele olha rapidamente ao seu redor para se certificar de que ninguém os está a observar. Não há ninguém, já ninguém vai mais a essa praia devido às doenças causadas pela areia fúcsia; as crianças cresceram ali, a areia faz parte delas. O menino da pele de cobre estende a sua mão e o outro, com incrível assombro, olha.
- Ninguém pode saber que temos isto, tirariam-nos imediatamente. Se sus-
1 A areia assumiu essa cor após centenas de anos de contaminação e uma subsequente limpeza química, durante a qual ocorreu a evolução de um tipo de ácaro cujas fezes são cor-de-rosa.
peitam de nós, de certeza que nos detêm e somos revistados.
- Vamos escondê-lo na orelha, talvez nos sussurre coisas Aconteceu que, enquanto olhávamos uma ruela encantadora no centro de Coimbra, dois polícias agarravam à força um rapaz, ele era negro, claramente tinha fumado marijuana, nós também, mas nós não éramos suspeitas de nada, ele sim; e pela forma como enfrentava a polícia, também não parecia ser a primeira vez, uma mistura de raiva com medo, um cansaço. Exigiam-lhe algo que não conseguimos entender, as pessoas das lojas próximas observavam de longe com receio. Nós saímos como ato reflexo. Fizeram-no tirar o casaco que tinha vestido e do seu bolso tirou algo como uma carteira e mostrou a identificação, ele estava visivelmente irritado. Há uns meses vi exatamente a mesma imagem no Brasil. Os mesmos polícias, o mesmo rapaz, a mesma situação. Aqui não é como de onde viemos... pensei, melhor não nos metermos, melhor não nos metermos, melhor não nos metermos. Dói dizer isso. Finais de 2023, nas redes sociais fa-
la-se de genocídio e desumanização para justificar o injustificável: a Palestina arde, desaparece, uma colonização e extermínio estão a ocorrer diante dos nossos olhos. A micropolítica parece ridícula, insuficiente. Daqui a 500 anos, se a humanidade ainda estiver de pé, talvez haja um grupo de pessoas que se reúna para falar sobre as feridas que herdaram desse momento de extermínio. Uma extrapolação temporal. Dois miúdos correm para se esconder numa cozinha, é a cozinha da mãe de um deles. Há muita gente a comer no restaurante onde a mãe trabalha.
São pessoas de outros lugares, de outros tempos, não falam da mesma maneira que eles.
Aqui estaremos a salvo por um tempo, esta gente não faz ideia do que temos.
Bibi:
hola queridas amigas, Que lindo email e que linda abordagem de vocês!
veio em um ótimo momento para receberem notícias do meu projeto, porque justamente na semana passada tive a oportunidade de voltar a apresentá-lo no Brasil e em Portugal.
Fiquei muito tempo digerindo, refletindo e imaginando possíveis relações com o fogo, que acredito ter sido exatamente essa a minha maior pergunta
durante o desenvolvimento do projeto no Linha de Fuga, vindo da entrevista com vocês. a oralidade como oferta
Oráculo 3
Como é em cima é em baixo
Quando à noite entras a nadar numa ria, qual a parte do teu corpo que aloja, num primeiro momento, a temperatura da água? Qual será a parte do teu corpo que se afunda primeiro? A forma como decides mergulhar na ria reflete de maneira transversal os modos de produção de subjetividade que geres neste tempo, bem-vinda à crise. Uma pequena embarcação vai-se aproximando, traz consigo uma luz, podes ouvir as suas vibrações. É o tempo de pedir à água dos teus ouvidos que se sincronize com a água da ria, para que nasça lentamente a dança dos otólitos*. *Os otólitos fazem parte do sistema vestibular, que está localizado no nosso ouvido interno. Esta estrutura é responsável pelo nosso equilíbrio sensorial e está equipada com cílios verticais, sobre os quais repousa uma camada de cristais de carbonato de cálcio, que são os otólitos.
Abraçar alguém que nunca abraçaste antes.
semente do pinheiro-de-umbela ou semente do corcodouse?
Algumas noites praticávamos rituais cotidianos para sustentar os movimentos telúricos que ocorriam enquanto a residência estava em andamento. É para mim uma decisão desestabilizadora escrever a partir dessas sensações, que persistem passado mais de um ano, que se repetem incessantemente nos meus sonhos:
Algumas noites, ao voltar do jantar, queimávamos raminhos de alecrim nas ruas menos ventosas e corríamos, girando o incenso, como crianças, de uma esquina para a outra, às vezes de mãos dadas, às vezes gritando. Não fazíamos nada de mal, mas a sensação de ato ilícito fazia-nos arder os pés para escapar mais depressa, assim que aparecia a fumaça de nossos incensos improvisados. Praticávamos também a arte incendiária de acender fósforos em movimento, usando apenas 4 dedos, como uma prática de rebeldia doméstica, quem sabe se algum dia esse conhecimento nos salvará a vida. Numa dessas madrugada, enquanto alimentávamos a nossa piromania com jogos arriscados, apareceram-nos umas ancestrais. Olhámo-nos assustadas e não conseguimos fazer sair nenhuma palavra das nossas bocas. Pensamos
que as nossas atitudes as tinham enfurecido e provocado a sua súbita aparição, mas nada poderia estar mais longe da realidade. Eu consegui dizer “ai, minhas filhas” com uma voz incrustada na minha garganta mas que não me pertencia, e a imagem de uma fonte jorrando sangue em frente à igreja do Mosteiro de Santa Cruz apareceu quando abrimos as janelas da casa. Estava prestes a amanhecer.
Recebemos uma mensagem, foram-nos dirigidas estas palavras: É preciso skills to take care?
É necessário saber onde colocar a língua, é preciso cuidar da(s) dança(s), tentar fazê-lo, to taste, a tatear, como as moiras, para atualizar os rituais.
Aline: Paulina e Tika!
É uma alegria compartilhar com vocês um pouco dos desdobramentos da pesquisa que aconteceu em Coimbra. Tudo segue em processo, junto com as cinzas, mas fica aqui uma parte do que foi feito lá. cinzas
Oráculo 4
No mundo andino pré-hispânico, o casal formado pelo guerreiro e pela tecelã era considerado um casal de artistas.
Os circuitos de memória do planeta também estão inscritos nos nossos corpos. É necessário fazer um enxerto novo: devolver ao trabalho o sentido da festa, conferir às tarefas uma visão sensível; é preciso também conversar, acullicar1, semear. Tecelã trashumante: lembra-te e presta atenção aos nomes, pegadas, toponímias e coordenadas cósmicas das roupas. Ali onde tu não tecias, teceram as tuas mãos no corpo da avó: aqueles que são jovens agora, não o foram no passado.
Quando estiveres na rua caminhando, diminui a velocidade, caminha o mais lento possível.
sementes envolvidas em castanha, a castanha ainda não se revela...
As meninas com olhar sério ou não (agarradas à terra)
O momento da refeição, o momento de nos olharmos para além das tarefas artísticas. Atrás do balcão do Bar da Liga, duas mulheres dão atenção aos comensais e à cozinha alternadamente. Uma delas é uma migrante africana, tem duas filhas.
Olhares profundos de infâncias curiosas, imperturbáveis, sérias, olhares fortes.
- Não, para receberes um sorriso, tens que o merecer.
Não há docilidade, há ternura na imperturbabilidade. Passados alguns dias,
quando se torna evidente uma certa rotina, elas reaparecem. Sorrisos enormes e risos, segredos e olhares ainda curiosos, mas menos alertas. Olhares atemporais, contando a história do mundo em menos de um segundo. Posso ver o futuro nos olhos das meninas. o mercado.
O encontro com outra pessoa faz com que finalmente nos encontremos a nós mesmxs: teremos que nos sentar e conversar. Só morrerei quando parar de aprender, então surge uma imagem:
Estou no meio de um mercado numa aldeia, aparentemente ninguém me observa, embora tenha um corpo, pareço invisível, essa sensação é agradável, caminho entre as pessoas que escolhem as frutas tocando-as um pouco, algumas apertam demasiado a fruta, mas não a danificam. Algumas só olham e aqui está a revelação: olho nos olhos da vendedora sorridente: parece-se tanto com alguém que conheço, quem é?
Boa sorte para ti, boa sorte. Para que nunca perdamos o prazer de nos perdermos no meio de algo, de outra coisa. Algo está soando: é hora de exercitar as articulações da mão, do coração, escrever com os olhos semicerrados, tal como num sonho.
Vai a uma praça ou um parque, encontra onde te sentar e fecha os olhos por um minuto.
uma semente de tomate da salada do jantar
De boas intenções está o inferno cheio (dito popular)
Ouvi dizer “que louco ter que se teorizar algo que deveria surgir por uma empatia básica com x outrx.”
Há muita teorização em torno dos “cuidados”, mas quando chega o momento da ação, de estabelecer esses espaços onde o pensamento se torna carne, todas as teorias e ideias de possibilitar espaços de cuidado muitas vezes se revelam instáveis, insustentáveis. As medidas de “cuidado” são relativas e desorganizadas, variam de acordo com a informação estrutural de cada pessoa, a sua carga pessoal, por isso é quase impossível ajustar-se num tempo efémero, com intenções de aprofundar trabalhos, encontros, relações. O conflito é evidente, como foi o caso de alguns momentos dentro do nosso encontro em Linha de Fuga 2022.
As primeiras vezes que ouvi falar destes temas foi quando Donald Trump estava a caminho de se tornar presidente dos Estados Unidos (2017). Vi
que na Universidade de Berkeley na Califórnia, iniciavam os famosos “espaços seguros”. As ondas feministas estavam ativas em debates e confrontos e essa universidade criou lugares onde xs estudantes se podiam refugiar, expressar-se e sentir-se “cuidadxs”, diante da agitação que estava a ocorrer nesse país.
Passaram vários anos desde então e eu habitei vários desses espaços seguros nos seus formatos sudacas1. Ficam várias questões sobre o seu funcionamento e o cuidado que teoricamente proporcionam. Quem cuida de quem torna-se cada vez mais difuso, as razões misturam-se desde a coerência até à loucura. O que parecia seguro já não é mais. O que estamos cuidando? Que sistemas de cuidado estamos a apoiar? Então tento olhar mais de perto, tento fechar a lente e penso que não há maneira de cuidar de alguém ou de algo se não tenho um interesse mínimo na sua existência. E devo confessar que poucas coisas me interessam. Pode ser que devesse me envolver mais e demonstrar mais interesse, talvez... e pode ser que não aconteça simplesmente porque é algo inabarcável.
Então tento lembrar-me das coisas pequenas, do possível, e permanecem algumas imagens e lembran-
ças:
Pepinos nos olhos. Choramos muito.
Hoje não me consigo mover, ficarei quieta para que o sol me alcance e esse seja o exercício.
Silêncio. Silêncio / escuta / silêncio. Será sempre importante o que tenho para dizer?
Direito à opacidade2,
aceitar o
ininteligível. É
possível que eu não tenha nada que te interesse e vice-versa, mas aqui estamos, tornemos a vida mais amável.
1 NT: A palavra “sudaca” é uma expressão coloquial que é usada em alguns países da América Latina para se referir a pessoas provenientes do sul do continente, especialmente da região sul da América do Sul. Seu uso pode ser usado de uma forma pejorativa, exceto quando dito por uma pessoa sul-americana sobre si mesma
2 Um conceito/reivindicação de Édouard Glissant.
As verdades são dolorosas, às vezes a dor é maior do que a verdade realmente importa. Olhar as proporções.
O como determinará.
A epidemia de constipações começou, o tremor/terremoto está entre todxs. No caminho, uma aroeira. O que faz uma árvore de aroeira aqui?
Sacamos alguns galhos para ferver e inalar o vapor. Tudo piora, mais constipações, mais desconfortos. Acreditámos que a árvore de aroeira do caminho poderia aliviar-nos. Não assumir o cuidado.
O cuidado também é doloroso, também golpeia e também libera.
As terapias psicológicas e psicanalíticas estão validadas e bem vistas como formas de cuidado. Em que momento isso se torna um cliché comercial, uma dependência sistémica? Por que é tão difícil imaginar transformar em hábito outras formas de terapia?
Nas pequenas coisas, algumas luzes aparecem, surgem manifestações do ser, originadas por uma empatia genuína, e sinto essa inquietante sensação de não saber nada, de manter o silêncio e apenas ouvir,
na esperança de entender algo, de ver se algo se revela. Há coisas que não posso cuidar, há coisas que não quero cuidar porque desejo a sua desaparição, e há muitas outras das quais não faço ideia como lidar; resta apenas colocar o corpo3, para ver se esta nova experiência nos permite aprender mais. A prática do cuidado consciente não foi, e não é, um caminho alegre onde nos damos as mãos e dançamos, como costuma acontecer nestes “encontros artísticos”; está cheia de frustração, e de repente todxs se sentem descuidadxs, o “eu” domina e o ego cresce como mecanismo de defesa. É evidente que a agência do sistema capitalista colonial no qual vivemos não partilha dessa busca, muito pelo contrário, somos educadxs e criadxs debaixo desse sistema, e esse chip está enraizado em nós. Assim como o capitalismo se apropria das lutas e as torna funcionais ao seu sistema, o cuidado é um espaço que pode ser capitalizado, facilmente manipulado pelo moralismo e exercido pelas “pessoas boas”. Portanto, nesse caminho difuso e desconfortável, nada deveria acalmar-se. Quando surgem as boas intenções é hora de desconfiar, quando as coisas começam a ter um nome e são usadas para louvar aqueles que sabem nomeá-las, é hora de desconfiar e talvez voltar a colocar fatias de pepino nos olhos
3 “Ninguém sabe do que um corpo é capaz” é uma frase frequentemente usada ao se referir à filosofia de Spinoza.
depois de um longo momento de choro.
nomear a realidade.
A vida nas comunidades, a vida das ruas, a vida dos bairros vizinhos, as redes de ajuda mútua e organização podem iluminar a tua forma de sentir - pensar em relação aos teus fazeres: como uma minhoca que produz húmus fertilizante, ajudando a fazer surgir o ainda indizível. Confiar na magia da realidade viva para escapar da, muitas vezes, traiçoeira magia das palavras. Não podemos permitir-nos fazer do privado uma esfera privada de pensamento. Para aumentar a potência, a palavra deve partir de um gesto de desvelamento, sair de si mesma como código encobridor e ousar nomear os aspectos dolorosos da realidade, o que certamente não é fácil, já que esta deve ser uma tarefa coletiva.
Quando considerares que estar em silêncio é possível, mantém-te firme até ao final.
Saboneteria, esta semente serve como sabão
Abrimos o folheto dxs participantes da residência, ali estamos com fotos, nomes e origens. As atividades começaram, falta uma pessoa, uma foto com nome e rosto não aparece nas reuniões. Não conseguiu chegar. - Teria adorado estar aí, não consegui o dinheiro para a viagem - disse-nos.
Ele esteve presente nos nossos pensamentos em vários momentos durante o encontro, eu perguntava-me: Porque, logo ele, o artista negro, ativista dos kilombos do Brasil, porque precisamente ele não conseguiu o financiamento?... Tantas respostas.
Wellington
Projetar perturbações.
O menino de pele de Cacau diz ao outro:
- E se colocarmos um pouco do nosso tesouro na comida, achas que estas pessoas, ao comerem, conseguem ver o que nós vimos? Talvez se virem todas as coisas que aconteceram naquele tempo, algo mude.
- Tentemos, não perdemos nada.
Oráculo 7
É muito cansativo ser a única agência possível no momento de medir a intensidade necessária para o acompanhamento. Podemos pedir ajuda para nxs acompanharmos mutuamente, entre todxs. Pratica todos os dias movimentar-te na escuridão, para avançar na revolução contra o oculocentrismo. Temos muito poucas experiências no meio do ‘eu não sei’, talvez seja possível também exercitar nesse terreno.
Como projetar perturbações para amparar a vida?
Presta atenção aos matizes, atenção ao jogo e à seriedade de se lançar a jogar.
Talvez observar as texturas das roupas das pessoas que caminham na rua, para prestar atenção às sinergias das materialidades que se apresentam a ti, de modo que quando jogues com os olhos fechados, possas tocar mundos infinitos.
Caminha de um lugar a outro com uma semente na mão.
algumas sementes do limoeiro da família de Margarida.
Quais são as narrativas deste território? Que ficções se tornam realidade e que realidades se tornam ficção? As histórias deixam símbolos como base para certas narrativas. Os nossos olhares estrangeiros evidenciam rapidamente as ficções desta viagem, ou melhor... evidenciam a realidade dessas ficções. Chegamos a Coimbra com xs estudantes de capa e batina, momento de iniciação ao mundo universitário, ritual marcado construído desde sempre, todos parecem saídos de um novo volume de Harry Potter. Coimbra acompanha, com a sua magia de ruas estreitas, empedradas e a história inquisitória medieval que aconteceu nesses lugares. Em cada grupo de estudantes destacam-se alguns líderes que propi-
ciam castigos e penúrias axs novxs estudantes. O grande jogo macabro de aceitação, pertença, ensaios hierárquicos para se encaixar da melhor maneira no sistema opressor e oprimido do capitalismo, o chefe, o empregado, o patrão, o serviçal. Um binarismo sublinhado. Ficamos surpreendidas por esse estilo peculiar de ensaios de poder.
É então que aparece Yuri, amiga brasileira residente em Coimbra há vários anos, ela diz-nos que há outra Coimbra fora da universidade e sua rede, a Coimbra que não tem acesso à universidade, com pessoas e funcionamento diferentes, a das pessoas que não vêem na universidade uma oportunidade. Vimos muito pouco desse mundo real, xs mágicxs submergiram-nos nessa ficção/
realidade a cada passo.
Após o golpe de estado na Bolívia em 2019, onde a ala conservadora do país proclamava que a Bolívia era uma República como tinha nascido e não um estado Plurinacional, encontrarmos essas repúblicas foi inicialmente um choque, depois uma reconsideração, uma nova visão dessa palavra. Em algum momento na América Latina, foi um sinónimo de liberdade, atualmente é claro que significou a liberdade apenas para alguns; os opressores mudaram apenas de nome e marcaram as suas diferenças com a maioria das pessoas que ali viveram por centenas de gerações, o colonialismo interno tinha começado com a bandeira da República.
Visitamos as Marias, uma república. Conversamos com xs jovens e pensei que linda utopia seria se as repúblicas/estados tivessem algo do que esta república tinha.
Sentamo-nos à sua mesa; algumas
das raparigas estavam de serviço na cozinha, preparando o jantar para todas, enquanto outras preparavam materiais para a festa da noite. Convidaram-nos para comer com elas, sentamo-nos com elas, rimos, conversamos, falamos sobre as pessoas que passaram por ali e vimos nas paredes mensagens para as novas pessoas. Uma república transitória para a maioria, um lugar para sentir essa pertença que xs jovens de batina anseiam ter dos seus opressores. As Marias não realizam ritos de iniciação, não concordam com isso. Conversamos sobre o significado daquele lugar e a importância que tinha na vida das pessoas dali, muito longe da ideia de república que conhecemos deste lado. Onde pertencemos? Onde escolhemos pertencer? A pertença a partir de um território, de um lugar, não perdeu validade.
O menino de pele acobreada tinha adormecido à mesa, as pessoas já tinham ido embora. Acordou suando, tinha sonhado... poderia ter sido um pesadelo, mas não teve medo.
- Eu vi... havia uma bruxa no quintal, seguida por uma procissão, levantavam-na, ela apenas fazia gestos. Uma roda formou-se à sua volta, desta vez ninguém ousou
Varandas dos quartos das Marias Do Loureiro embrião do desejo.
queimá-la, desta vez ela comandava, marcava o passo, o ritmo, ela fazia as pessoas mover-se. Deitada no chão, olhava por entre os seus cabelos. Abriu a boca, as gengivas sangravam.
- Acho que comeste da panela encantada.
Oráculo 8
O embrião do Desejo em ação opera na sua ligação com as mitologias pessoais e com as mitologias coletivas. O espaço potencial estica-se entre o teu tempo e o tempo da história, especialmente o do presente. Isto exige um nível de escuta refinado, uma auscultação, uma abertura dos ouvidos, uma consciência aguda dos tampões morais e ideológicos que nos ensurdecem a todxs para o inaudito, e uma atenção às densidades e complexidades do presente. Este devir é um desejo transgressor, não é possível sem a antropofagia, desde a aventura particular que implica uma jornada em busca da heterogeneidade de corpos, vozes, pontos de vista e modos de fazer.
Quando te encontrares com várias pessoas, concentra-te nos cheiros de cada uma.
semente de pêssego coberta por um manto de guardanapo de papel.
Dançar em bloco até ativar a glândula pineal. Como ativar o dispositvo festa em três semanas?
A primeira semana de trabalhos no Linha de Fuga, several danças se desdobram, jantares e conversas como preparação para chegar à primeira festa com o grupo de residentes. Um local já conhecido, A Fábrica, onde há 7 dias alguns fluidos já foram released.
Inicialmente, não encontramos o nosso lugar na noite, por isso decidimos caminhar de uma festa para outra, procurando o ambiente propício para dançar. Na maioria das vezes, as expectativas superam o que acontece e é preciso reduzir a intensidade mental. Encontrar-se com ils outres não é tarefa fácil. Trocamos gírias enquanto caminhávamos pe-
las ruas iluminadas de Coimbra, subindo avenidas e atravessando ruas com os pés concentrados nos passos de dança. Encontrar il outre para dançar nem sempre é tão fácil. Não me lembro como terminou essa noite; acho que voltamos para o que era nossa casa nessas três semanas, cantando, gritando, agasalhadas até às orelhas enquanto atravessávamos a névoa da madrugada da cidade. Durante a segunda semana, já se sentia alguma vontade de festa no ar, por isso muitas noites, ao regressar a casa depois do jantar acendia-se o altifalante ambulante e a dança começava na rua, descendo a Baixa, atravessando a ponte.
Durante la segunda semana, algunas ganas de fiesta se sentían en el ambiente, es así que muchas noches, en los retornos a la casa, después de la cena, el parlante ambulante se encendía y comenzaba la danza en la calle, desde la baixa, cruzando el puente.
Entrar no jogo tornou-se uma premissa; às vezes, desejo que o que vivi nessa viagem ao futuro também tenha sido vivido por todas, sei que isso é impossível, resta-me apenas contá-lo de maneira tão detalhada que, ao ler, provoque potentes jogos de imaginação, geradores de memórias inventadas.
Festa na casa das Marias do Loureiro. Sinto-me em casa. Já estive nesta casa antes, assim como estive no pátio da inquisição, há muitos anos. [where do you come from today?day 1 with Chrissa. Venho de Valparaíso. Este é o futuro, e venho de uma fogueira 2 andares abaixo] Numa dessas noites, depois de jantar, decidimos subir ladeira acima pelas ruazinhas do centro da cidade, que nos fins de semana ficam cheias de estudantes em busca de festas e cervejas. Ao chegar à praça do Largo de São Salvador, deparamo-nos com presenças ansiosas deitadas em colchões no meio da rua, a beber cerveja, a assistir a imagens projetadas por um feixe de vídeo. Estávamos à espera dos resultados
de Eleições do outro lado do mundo, com uma diferença de 6 horas no fuso horário, aguardar os resultados de umas Eleições no passado foi a transição ondulante para finalmente alcançar uma intensidade coletiva, digna e praseirosa. A festa improvisada, a festa na rua, festejar a vitória, dizer-lhes na cara que não passarão.
O exercício de recordar festas que aconteceram há pelo menos um ano, festas inventadas, poderia não ser complicado, dado que são momentos de impulso extremo; imaginamos que agarrar as sensações provocadas nesse evento seja uma tarefa fácil, no entanto, acredito que é a natureza efémera, fugaz e vigorosa do dispositivo festa que o torna muito mais evasivo, impossível descrever com firmeza a sua desvanecente persistência na memória: apenas vislumbres, apenas déjà vu na pele. Indicios de escritas de eventos do futuro-passado.
Imagen tomada del taller de Tecnosomática dictado por Frederic Gies
De seguida, vou relatar a minha experiência ativando as glândulas através de atos de imaginação enquanto ouvia techno e muitas outras sonoridades:
Comecei por me posicionar a não mais de dois metros de distância de um altifalante de graves numa sala negra escurecida, junto a pelo menos mais 20 pessoas. Parados no que seria o palco. As bancadas à minha frente eram apenas uma vaga lembrança, juntamente com a memória da sala iluminada que habitava há menos de 5 horas. Ali estava, imóvel no início, apesar da escuridão provocada, ouvindo a minha respiração e perguntando onde é que se encontra a minha glândula pineal. Onde está situada?
Diz-me: precisarás fechar os olhos para começar a ver. Invocação ao transe.
Começo a produzir mais saliva; o meu corpo hidrata-se por dentro. Os graves da música golpeiam-me no quadril. A partir daí, vai subindo. Para as pernas. Sinto-me desordenada e a minha cabeça está a tentar registrar cada uma das sensações que me atravessam.
Já passou mais de um ano sobre isto e ainda me lembro: Abro os olhos na escuridão.
Recordo uma cobra sentada em cima da coluna de som, certamente, algum dos seus chakras assim o solicitou. Atrás de mim, uma montanha em movimento, quase como se fosse um vulcão, quase um terremoto nas sementes. No entanto, a sua
dança era temporalmente eterna. A lenta violência da pedra. Depois, ao fundo à esquerda, um buraco negro, mais negro que o resto da sala. Aproximei-me de uma forma ou de outra e dancei loucamente naquele canto, quase como tortura, quase como prazer, como o início de uma purificação, como um convite ao transe. Mais tarde, alguém me perguntou: “Onde se encontra a glândula pineal?” e imediatamente olhei para ele: nos seus olhos esta imagem.
Subitamente, diante de mim, aparecem umas galinhas em fuga, com longas garras vermelhas de carnaval, convidando qualquer pessoa que cruze o seu caminho a usar todo o brilho (glitter), que agora é proíbido na Europa, a dar um passeio pelas ruas de Coimbra. É um brilho fúcsia vibrante, um novo biomaterial. Ao lado de uma coluna de som móvel, as galinhas dançam, sendo o
foco das atenções de moradores e turistas em ruas pequenas e estreitas, como a outrora chamada rua das putas, onde cada uma delas contribuiu com vários litros de suor. Avançaram no seu percurso por várias horas e em frente a umas chapas de zinco de construção, para desencadear a fogueira que tínhamos acendido alguns dias antes, com gritos e saltos frenéticos, lançaram-se vigorosas contra as arestas afiadas dos telhados de zinco enferrujado. Digo a mim mesma, ativaste a tua glândula pineal. Sobressaltada, acordo, pele de cacau puxa-me pelo braço para finalmente me tirar do torpor, são quase 6 da tarde aqui na praia de areia.
sussurro de outro tempo.
Quando a música entra no teu ouvido, não pede permissão: tu queres essa energia para ti, para atravessar o ambiente com o teu corpo, como uma forma de estimular a vida nas tuas práticas, a festa soa ao longe, bum bum bum bum, mas os teus pés estão imobilizados. Quanto é demasiado? Hoje, a lua está mais perto da terra, pede-lhe aquilo que sonhaste ontem, o que desejaste no jantar ontem, na fogueira ontem. Cuida da tua pele, ela está a pedir-te algo que só tu lhe podes dar. Toma o teu tempo e recebe, mesmo que não queiras, há grandes chances de te surpreenderes com os presentes que existem para ti. Quero morrer com saúde, como se explodisse de vida.
Fala com alguém por telepatia.
as sementes do figo que iniciaram o composto invocado
Senhora na varanda olhando para o horizonte com uma máscara de dormir sobre os olhos
Isto é o que aconteceu.
São 6 da tarde de 26 de setembro de 2022. Coimbra, Portugal, 24 graus centrigados. Duas comadres dirigem-se em direção contrária ao caminho de volta para suas casas, pressentindo que mudar opostamente a rota revelará algo no percurso. Na sua caminhada encontram pequenas vielas que levam apenas a casas de um ou dois andares, uma delas entra para bisbilhotar e volta. Passam vários minutos vagando. O clima está agradável, a luz nesta hora é a melhor, segundo elas, a hora das bruxas, os tons laranja e rosa no céu anunciam que anoitece;
de repente, ao virar uma esquina à esquerda, deparam-se com um bosque de árvores que imita os gradientes de luz em todo o seu esplendor. Ainda um pouco distantes, não conseguem acreditar nos próprios olhos e aproximam-se para entender essa paisagem, ter a sorte de tocá-la. É a partir dessa distância que conseguem a perspectiva ideal para visualizar. No início, não podiam acreditar nos próprios olhos e decidem aproximar-se lentamente; a mulher está no segundo andar de frente para o parque que abriga o bosque de árvores e é banhada pelo sol do entardecer diretamente em seu rosto,
felizmente, tem os olhos cobertos, cobertos por seda preta, uma máscara cobre parte do rosto da senhora em camisa de dormir que contempla connosco e as árvores este pedaço da baixa que não consigo apagar da minha memória.
Até pensei em fazer uma descrição minuciosa e descaradamente detalhada para colocar numas dessas aplicações geradoras de imagens que usam inteligência artificial para moldar e dar sentido às palavras da descrição, adicionando um toque de
concretude a essa memória cada vez mais difusa. A verdade é que eu daria qualquer coisa para reviver esse momento, talvez tentar tirar uma foto sem graça daquela mulher que já não sei se foi real ou apenas uma aparição, mas a imagem desaparece a cada dia, as minhas tentativas de encontrar uma maneira de capturar/ conservar as cores, tons e nuances daquela cena são sabotadas pela minha irreverente e persistente desmemória: sim, está bem esquecer.
Cristina:
My dears, It seems like a lifetime ago, although just a year has passed …
De volta à praia fúcsia.
- Gostaste da viagem? Gostaste da comida?
- A bruxa não me assustou e acho que fizemos bem em adicionar um pouco disso à comida, mas ainda tenho um bocado. Queres?
- Acho que tive o suficiente, perdi-me pelas ruas, dancei ao ritmo do 3, 2, 1, 3, 2, 2, e assim por diante.
- Talvez seja melhor deixar o que resta para as galinhas. Afinal, elas comem todas as sementes, e não haverá ninguém que mexa nelas.
- Assim seja então.
Oráculo 10
tempo cíclico.
Tive um sonho: um salto foi desencadeado e esse salto transforma-se em voo, fuga. Essa precipitação levou-me ao fundo do mar, onde só consigo pensar em ciganizar o mundo.
Como posso carregar comigo as migrações que fiz e as que fizeram os meus antepassados e futurxs netxs?
Posicionar-se é saber-se aí. Desligar o GPS e compreender que o que nos toca está a tocar-nos em lugares inesperados. Hoje é a última sexta-feira do mês, faltam 93 dias para terminar o ano, mas nada disso faz sentido se pensarmos no tempo cíclico que ocorre no universo dos sonhos.
A beleza do salto está em pensar que é mais agradável imaginar apenas o gesto de saltar e não necessariamente concentrar-se na aterragem, no golpe final. Esse, por agora, não existe.
Então, vamos dançar, ou pelo menos, vamos tentar dançar.
ficções do
El esfuerzo constante de ganarse la vida (performance)
Vicente Arlandis es
16 Set | Teatrão - Oficina Municipal de Teatro
Ó - um dispositivo de dança (dança)
Cristian Duarte br
17 Set | Convento São Francisco
Lanzamiento Coreia #7 + Performance Submission Submission (unplugged)
Bryana Fritz us & João dos Santos
Martins pt
21 Set | Atelier A Fábrica
L’Après-Midi d’une Faune (dança)
Dinis Machado pt/se
22 Set | Teatrão - Oficina Municipal de Teatro
Queer Quê? Palestra
Dinis Machado pt/se
24 Set | CAPC Sereia
Linha de Fuga – ensayo fílmico (cinema)
Marta Blanco es
24 Set | Auditório do Instituto
Português do Desporto e da Juventude
Dis/orienting Front (performance)
Chrysa Parkinson us/se
24 Sep | Auditório do Instituto
Português do Desporto e da Juventude
Mina (performance)
Carlota Lagido pt
28 Set | Lugar do Meio - Alfafar
Aqui enquanto caminhamos (performance)
Andrea Sonnberger at & Gustavo Ciríaco br
30 Set, 1 e 2 de Out | rua
Dança Sem Vergonha (dança)
David Marques pt
7 Out | Teatro Académico de Gil Vicente
Good Girls Go To Heaven, Bad Girls Go Everywhere (dança)
Frédéric Gies fr/se
8 Out | Atelier A Fábrica
Seminário sobre éticas do cuidado
João Maria André pt
19-20 Set | Salão Brazil
Oficina Dis/orienting Front
Chrysa Parkinson us/se
19 - 23 Set | Sala Brincante - Cena Lusófona
Oficina Z0NA
Cristian Duarte br
26 - 30 Set | Sala Brincante - Cena Lusófona
Oficina de Tecno-somática
Frédéric Gies fr/se
7 Out | TEUC - Teatro dos
Estudantes da Universidade de Coimbra
1, 2, 5 Outubro
1 Outubro
CAPC Sereia
Rafaela Santos pt | Meu corpoMeu produto +
Vinicius Couto br/pt | Procura-se
Rádio Baixa
Personaje Personaje ec/es | Cabayo
2 Outubro
CAPC Sereia
Margarida Cabral pt | Moira
TEUC
Solveig Rocher ca/fr | Béton: La conférence des oiseaux
Centro Cultural Penedo da Saudade
Gustavo Monteiro pt | Pesquisa
Percurso pela Praça da República
Paula Pachón es | Partituras corporais no espaço doméstico
Rádio Baixa
Juanqui Arévalo bo | O dispositivo da constelação
5 Outubro
TEUC
Rita Pinheiro pt | Camaleoa +
Cristina Lilienfeld ro \ Pesquisa
Pátio do CAV - Centro de Artes
Visuais
Bibi Dória br/pt | Nome de Filme
Percurso pela Baixa da cidade
Vinicius Couto br/pt |Procura-se
Bloco Galinhas em Fuga | Artistas Laboratório
Curadoria Coletivo Mundus & UPEA-CES/UC
30 junho a 11 outubro | Rádio Baixa
1-Cuidados, Pandemia e Academia
Rita Alcaire (mod), con Catarina
Saraiva, Cristina C. Vieira, João
Maria André, Pedro Cosme
30 de junho
2-Cuidar a Memória
Catarina Silva (mod), con João
Santos, Bruno Sena Martins, Cátia
Soares, Catarina Pires
28 de julho
3- Ecologia como Cuidado
Patrícia Ferreira (mod), con António Carvalho, Guida Marques, Irina Castro, Ivan Barbeira, Renata Almeida
31 de agosto
4- A Arte como Cuidado?
Catarina Silva & Pedro Cosme (mod), con Patrícia Portela, Vicente Arlandis, Inês Capelo, Thiago Granato
15 de setembro
5- Cuidando de quem Cuida: Os Invisíveis
Linda Cerveira (mod), con Danielle Araújo, Raquel Maricato e Rita Maia
27 de setembro
6- O Cuidado na noite
Pedro Cosme (mod), con António Manuel, Elizama Almeida, Vinicius Couto
4 de outubro
7- Pode o Cuidado ser Subversivo? com Catarina Saraiva, Catarina Silva, Pedro Cosme e Tatiana Moura
11 de Outubro
Projeto financiado por: República Portuguesa – Cultura | Direção-Geral das Artes, Iberescena. Coprodutores: Teatrão, Citemor. Parceiros: Convento São Francisco/ CMC, TAGV, Centro Cultural Penedo da Saudade, CES. Apoios Internacionais: Acción Cultural Espanhola. Media Partners: Antena 2, RTP2, RUC
Apoio: A Camponeza, APBC, Atelier A Fábrica, CAPC, Cena Lusófona, Col.Eco, Cooperativa Bonifrates, Fundação Inatel, GEFAC, IPDJ, JACC, Rádio Baixa, TEUC, Turismo Centro.
Direção Artística e Geral
Catarina Saraiva
Curadoria
Catarina Saraiva e Thiago Granato
Acompanhamento Crítico Processos Laboratório
Thiago Granato
Curadoria Conversas
Inquietas
Linda Cerdeira, Tatiana Moura (CES), Catarina Silva, Pedro Cosme (Coletivo Mundus)
Coordenação de Produção
Marta Rodrigues
Produção
Ana Sousa, Raquel Pedro
Produção Laboratório
Vasco Neves/Citemor
Direção Técnica
Jan Fedinger
Equipa Técnica
Diogo Figueiredo, Guilherme Pompeu
Comunicação
Isabel Campante, BEWARE
Design Gráfico Studio And Paul
Website
Joana Daniela Oliveira
Fotografia
Paulo Abrantes
Registo Vídeo
Marta Blanco
Traduções e revisões
Inês Le Gué
Júri de seleção de participantes do Laboratório
Catarina Saraiva, Paloma Calle, Saeed Pezeshki, Thiago Granato
Espaço de refeições coletivas
Bar da Liga
Ponto de encontro dos artistas
Atelier A Fábrica
Alojamento artistas
Cinco em 5, Quarto&Pasta
Escritório
Temporário Linha de Fuga
Col.Eco
Agradecimentos
Ana Faria, Assunção
Ataíde, Conceição
Saraiva, Fátima
Guedes
Artistas do laboratório
Aline Bonamin
Bibi Dória
Cristina Lilienfeld
Gustavo Monteiro
Juanqui Arévalo
Margarida Cabral
Paula Pachón
Paulina Oña
Personaje Personaje
Rafaela Santos
Rita Pinheiro
Corps Pourri a.k.a
Solveig Phyllis Rocher
Tika Michel
Vinicius Couto
Artistas do Festival
Andrea Sonnberger
Bryana Fritz
Carlota Lagido
Chrysa Parkinson
Cristian Duarte
David Marques
Dinis Machado
Frédéric Gies
Gustavo Ciríaco
João Maria André
João dos Santos
Martins
Marta Blanco
Vicente Arlandis
Artistas-arquivistas
Paulina Oña & Tika Michel | Germinal
Testemunhos audio, videos e visuales
Tika Michel
Janqui Arévalo
Bibi Dória
Aline Bonamin
Iuri Lopes
Wellington Gadelha
Cristina Lilienfeld
Cristian Duarte
Vinicius Couto
Design gráfico
La Tribu / @la.tribu.rrss
Tradução
Linha de Fuga
Revisão do inglês
Dave Cosby