Reumatologia - Casos clínicos e conceitos essenciais 9789897529528

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Casos Clínicos e Conceitos Essenciais REUMATOLOGIA

Coordenação:

Filipe Araújo

REUMATOLOGIA

Casos clínicos e conceitos essenciais

Coordenação: Filipe Araújo

Lidel – edições técnicas, lda. www.lidel.pt

AUTORES

COORDENADOR

Filipe Araújo

Médico especialista em Reumatologia, Assistente Hospitalar de Reuma tologia da Unidade Local de Saúde de Loures Odivelas, Hospital Beatriz Ângelo. Coordenador da Unidade de Reumatologia e do Serviço de Liga ção de Fraturas do Hospital Ortopédico de Sant’Ana entre 2015 e 2024. Coordenador da Unidade de Reumatologia do Hospital CUF Cascais desde 2019. Secretário geral da Sociedade Portuguesa de Osteoporose e Doenças Ósseas Metabólicas entre 2023 e 2025. Desempenhou vá rios cargos diretivos na Sociedade Portuguesa de Reumatologia (SPR), incluindo Secretário geral Adjunto, Secretário da Mesa da Assembleia geral e Vogal do Conselho Fiscal. Relator do Grupo de Estudos de Osteoporose e Doenças Ósseas Metabólicas da SPR de 2022 a 2024. Autor e coautor de mais 40 artigos publicados em revistas científicas indexadas e mais de 100 trabalhos científicos apresentados em con gressos, jornadas e cursos.

AUTORES

Ana Isabel Delgado

Assistente de Medicina Geral e Familiar na Unidade de Saúde Familiar (USF) São Domingos de Gusmão da Unidade Local de Saúde de Lisboa Ocidental. Internato de formação específica em Medicina Geral e Fami liar na USF São João do Estoril do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) Cascais. Mestrado Integrado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.

Ana Nogueira Nascimento

Médica de Medicina Geral e Familiar na USF São João do Estoril da Unidade Local de Saúde de Lisboa Ocidental.

André Coelho dos Santos

Médico especialista em Medicina Geral e Familiar na USF Carcavelos da Unidade Local de Saúde de Lisboa Ocidental.

André Melícia

Médico especialista em Medicina Geral e Familiar na USF Alcais da Uni dade Local de Saúde de Lisboa Ocidental.

Andreia Serrinha

Médica assistente de Medicina Geral e Familiar na USF Carcavelos da Unidade Local de Saúde de Lisboa Ocidental. Internato de Formação

Específica em Medicina Geral e Familiar na USF KosmUS do ACES Cascais. Mestrado Integrado em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa.

Carlota Feu Moutinho

Médica de Medicina Geral e Familiar na USF Vila da Unidade Local de Saúde de Lisboa Ocidental.

Filipa da Costa Teixeira

Médica assistente de Medicina Geral e Familiar na USF Quinta das Lindas da Unidade Local de Saúde de Lisboa Ocidental.

Isabel Vilar Marques

Médica de Medicina Geral e Familiar na USF São Domingos de Gusmão da Unidade Local de Saúde de Lisboa Ocidental.

João R. Nunes Pires

Médico assistente em Medicina Geral e Familiar na USF Avencas da Unidade Local de Saúde de Lisboa Ocidental. Médico na Unidade de Saúde do Viajante da Unidade Local de Saúde de Lisboa Ocidental. Membro do Grupo de Estudos da Família da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar.

Mariana Estevão Martins

Médica interna de formação específica em Medicina Geral e Familiar na USF São João do Estoril da Unidade Local de Saúde de Lisboa Ocidental.

Mariana F. Martinho

Médica de Medicina Geral e Familiar na USF São Julião da Unidade Local de Saúde de Lisboa Ocidental.

Nélia Isaac

Médica interna de especialidade em Medicina Geral e Familiar na USF Emergir da Unidade Local de Saúde de Lisboa Ocidental. Membro do Grupo de Estudos da Dor da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar.

Rita da Fonseca Serejo

Médica assistente de Medicina Geral e Familiar na USF Emergir da Uni dade Local de Saúde de Lisboa Ocidental.

Rita P. S. Medeiros

Médica assistente de Medicina Geral e Familiar na USF Carnide Quer da Unidade Local de Saúde Santa Maria.

PREFÁCIO

A publicação, em português, de um novo livro em que as doenças reumáticas são o foco é sempre motivo de grande satisfação. As doenças reumáticas estão entre as mais comuns causas de doença responsáveis por sofrimento crónico, perda de rendimento e invalidez precoce.

O estudo EpiReumapt pôs em evidência que cerca de metade da população portuguesa sofre de uma qualquer forma de doença reumática.

O envelhecimento crescente da nossa população só fará acres centar mais doentes e sofrimento, já que um número consi derável destes se conta entre a população mais idosa, sendo, no entanto, de salientar que as doenças reumáticas não são exclusivas da terceira idade.

Na verdade, ocorrem, e são muitas vezes bastante graves, des‑ de o nascimento e têm (para algumas delas) uma maior preva‑ lência na juventude.

Apesar deste panorama, é justo destacar que, no seu conjunto, as doenças reumáticas têm vindo a ter um considerável pro gresso no seu tratamento, pela descoberta de novos fármacos e pelo estabelecimento de meios e estratégias de tratamento mais eficazes.

Mas, de especial importância e destaque, é o facto de as doen ças reumáticas necessitarem, para um adequado tratamento e melhor prognóstico, de um diagnóstico precoce e de uma abor dagem multidisciplinar.

Assim, a cooperação institucional e pessoal entre os reumato logistas e outros especialistas, muito em particular os especia listas de Medicina Geral e Familiar, assume importância crucial, já que é através deles que, na maioria das vezes, os doentes reumáticos primeiro contactam com o Serviço Nacional de Saú‑ de (SNS).

O lugar da Medicina Geral e Familiar na deteção precoce das doenças reumáticas e no seu seguimento, com especial aten

Reumatologia – Casos clínicos e conceitos essenciais

ção às comorbilidades, impõe uma relação estreita entre esta especialidade e a Reumatologia. Especialidades que têm em comum uma relativa ausência de técnicas especiais, uma maior proximidade ao doente e às suas queixas, e uma valorização dos meios clássicos da Medicina Clínica: ouvir, observar e tratar.

Em Portugal foram se criando, ao longo dos anos, barreiras in felizes entre os cuidados primários e as especialidades hospi talares, mas a crescente importância da doença crónica e do envelhecimento da população torna cada vez mais urgente que essas barreiras sejam progressivamente abolidas, e que sejam criadas mais áreas específicas que permitam um maior enten‑ dimento pessoal e institucional entre os cuidados primários e os cuidados hospitalares.

É, por isso, com grande satisfação que vejo a publicação deste excelente livro, que desde já recomendo, coordenado pelo Dr. Filipe Araújo, reumatologista, mas com a colaboração de um conjunto vasto e excelente de especialistas de Medicina Geral e Familiar, que dão assim corpo e põem em evidência a tão ne cessária cooperação entre esta especialidade e a Reumatologia.

Para mim, desde sempre defensor da imperiosa necessidade de diálogo com a Medicina Geral e Familiar, sempre destacando que os especialistas desta área constituem a base essencial de um SNS saudável e competente, é motivo de grande satisfação poder escrever estas breves notas.

Que o trabalho agora publicado pelos nossos colegas seja útil no diagnóstico precoce e no tratamento das doenças reumá‑ ticas, e que promova uma maior integração entre estas duas especialidades fundamentais, são os meus desejos. Boa leitura.

José Canas da Silva

INTRODUÇÃO

As doenças reumáticas e musculoesqueléticas são reconhecidas causas de incapacidade, perda de qualidade de vida e consumo de recursos de saúde. A sua prevalência é elevada e espera‑se que continue a aumentar fruto não apenas do envelhecimento populacional, do maior sedentarismo e de exposições ambientais adversas, mas também de um melhor e mais precoce diagnós‑ tico. Os cuidados de saúde primários, pilares fundamentais de qualquer sistema de saúde, estão necessariamente envolvidos no cuidado ao doente reumático em diferentes níveis: têm a seu cargo a gestão de doenças reumáticas e musculoesqueléticas que não carecem de referenciação hospitalar, devem identificar aquelas que necessitam de referenciação e complementar o se guimento de doenças reumáticas e musculoesqueléticas crónicas acompanhadas em ambiente hospitalar. É, por isso, da maior importância dotar os médicos de família de ferramentas ade quadas para o desempenho destas funções. Se, por um lado, o contacto com a Reumatologia no ensino pré‑graduado e pós‑ graduado é surpreendentemente desproporcional ao peso que estas doenças têm no quotidiano do médico de família, por outro tem-se verificado um esforço consistente de aproximação entre reumatologistas e colegas dos cuidados de saúde primários. Este esforço traduz se não apenas na organização de cursos, con gressos e jornadas, mas também através da elaboração de pro‑ tocolos, recomendações e manuais de diagnóstico e tratamento das doenças reumáticas e musculoesqueléticas. Esperamos que este manual possa ser mais um contributo para a aquisição ou renovação de conhecimento nesta área.

A aprendizagem através de casos clínicos é transversal às dife rentes fases do ensino médico, tão útil para o aluno de Medicina como para o especialista graduado. Neste manual apresenta‑ mos 14 casos clínicos reais e devidamente documentados que correspondem a 14 doenças reumáticas e musculoesqueléticas comuns da prática clínica do reumatologista. Após cada caso clínico é feita uma revisão dos conceitos essenciais das pato logias e são identificados pontos possíveis de intervenção do

médico de família, reforçando o seu papel ativo na redução do impacto da doença, das suas comorbilidades e possíveis com‑ plicações das terapêuticas.

Os autores desejam que esta obra seja proveitosa para todos os que a lerem e que possa contribuir para a prestação de um me‑ lhor serviço aos doentes, em particular aos doentes reumáticos.

ARTRITE REUMATOIDE

Carlota Feu Moutinho

Tabela 5.2: alterações e Marcadores laboratoriais na les e respetiva prevalência.

Avaliação laboratorial

Leucopenia (<4500/mm3) 30‑40%

Linfopenia (<1500/mm3) 20%

Trombocitopenia

• Ligeira (>100 000/mm3) • Grave (<50 000/mm3)

Fator reumatoide (FR)

Adaptado de Bijlsma J, Hachulla E, et al. (2015). EULAR Textbook on Rheumatic Diseases (2nd edition). BMJ: Reino Unido.

Na Tabela 5.3, encontram‑se os critérios de classificação atuais para LES.

Tabela 5.3: critérios de classificação european alliance of associations for rheuMatology (eular)/colégio aMericano de reuMatologia (acr, do inglês aMerican college of rheuMatology) de 2019 para les pelo Menos uM critério clínico é obrigatório

Critério de entrada: positividade para ANA (título ≥1/80 em células HEp‑2 ou equivalente)

Critérios adicionais

Critérios clínicos Pontuação Constitucional Febre 2

Hematológico

• Leucopenia

• Trombocitopenia

• Hemólise autoimune 3 4 4 (continua)

Mucocutâneo

• Alopecia não cicatrizante

• Úlceras orais

• Lúpus cutâneo

ou lúpus

• Proteinúria > 0,5 g/24 horas

• Biopsia renal de nefrite lúpica classe II ou V

• Biopsia

Critérios imunológicos

lúpica classe III ou

Anticorpos antifosfolipídicos

Anticardiolipina ou anti‑β2‑glicoproteína I ou anticoagulante lúpico

ou

Classificado como LES: critério de entrada e, pelo menos, 10 pontos em critérios adicionais

Adaptado de Aringer M, et al. (2019).

A escolha do tratamento é individualizada e depende das ma nifestações clínicas predominantes (Tabela 5.4), da atividade e gravidade da doença, e da eficácia e toxicidade de terapêutica prévia, bem como da preferência e comorbilidades do doente. Os glucocorticoides vieram melhorar de forma drástica o prog nóstico associado ao LES, estando indicados em caso de flares da doença, sendo, contudo, mantidos frequentemente durante períodos mais prolongados para controlo da mesma, em do ses mais baixas. Antimaláricos, como a hidroxicloroquina, têm indicação praticamente universal nos doentes com LES, exce to se contraindicados, dado os inúmeros benefícios que apre sentam, entre os quais a prevenção de crises, a estabilização do perfil glicídico e lipídico, a redução do risco trombótico e a

A IMPORTÂNCIA DO MÉDICO DE FAMÍLIA NA COGESTÃO DO LÚPUS ERITEMATOSO SISTÉMICO

• Tal como noutras patologias reumáticas, o médico de família desempenha um papel central no diagnóstico e referencia ção precoce de um doente com suspeita de LES. No entanto, e dada a complexidade e cronicidade da doença, são várias as oportunidades de intervenção junto doente com LES, no meadamente:

– Cessação tabágica: hábitos tabágicos ativos estão asso ciados a maior atividade da doença, aceleração do proces so de aterosclerose e doença coronária, além de diminui‑ ção da eficácia da hidroxicloroquina;

– Planeamento familiar: mulheres com LES não devem engravidar até que a doença se encontre em remissão du‑ rante um período mínimo de seis meses, devido ao ris co de elevada morbimortalidade materno‑fetal. Ademais, muitas das opções terapêuticas utilizadas, como micofeno‑ lato mofetil, ciclofosfamida e metotrexato, são teratogéni cas. A escolha do contracetivo depende de fatores como presença de SAAF, atividade da doença, idade e desejo da doente. Em caso de doença ativa, qualquer método contracetivo que contenha estrogénios é desaconselhado, uma vez que os dados sobre risco tromboembólico e de exacerbação da mesma são limitados;

– Cuidados de fotoproteção: a radiação UV pode exacer bar ou induzir manifestações de LES, pelo que deve ser evitada a exposição direta ou refletida à luz solar ou outras fontes de luz UV (por exemplo, lâmpadas fluorescentes e de halogénio) e fomentada a utilização recorrente de filtros solares, tanto UV A quanto UV‑B, com fator de pro teção elevado (FPS 50), de roupa escura, óculos de sol e chapéus de abas largas;

– Dieta e exercício: recomenda‑se uma dieta equilibrada e variada, com as devidas adaptações (por exemplo, dieta renal, no caso de doença renal crónica), e exercício físico

Reumatologia – Casos clínicos e conceitos essenciais

sedimentação (VS) de 8 mm/hora, proteína C‑reativa (PCR) de 0,469 mg/dL, creatinina de 0,84 mg/dL, parâmetros de citólise hepática sem alterações, creatina quinase (CK, do inglês creatine kinase) normal, anticorpos antinucleares (ANA) com título de 1/320 e anticorpo anti‑centrómero fortemente positivo. A vide ocapilaroscopia (Figura 7.3) era compatível com padrão escle rodérmico em fase ativa (active pattern). A tomografia compu torizada (TC) de tórax de alta resolução (Figura 7.4) mostrava apenas adenopatias paratraqueais bilaterais, sem alterações do parênquima pulmonar. As provas de função respiratória mos travam espirometria [incluindo capacidade vital forçada (CVF), volume expiratório forçado no primeiro segundo (FEV1), índice de Tiffeneau e capacidade pulmonar total (CPT)], capacidade de difusão de monóxido de carbono por respiração única (DLCO SB) e capacidade de difusão de monóxido de carbono ajustado ao volume alveolar (DLCO/VA) sem alterações. Realizou ainda eco cardiograma com estudo Doppler, mostrando hipertrofia ligeira do ventrículo esquerdo e dilatação da aurícula esquerda, função sistólica global mantida e sem alterações da contractilidade. Pela ausência de regurgitação tricúspide, não foi possível estimar a pressão sistólica na artéria pulmonar (PSAP). Era ainda portador de uma endoscopia digestiva alta recente (e respetivas biopsias), compatível com gastrite crónica ligeira sem atividade do antro e corpo (e Helicobacter pylori negativa).

Figura 7.3. Imagens de videocapilaroscopia mostrando (A) uma pers‑ petiva global do leito periungueal com várias hemorragias capilares (ampliação de 50x) e (B) edema pericapilar, megacapilares e redução do número de capilares (ampliação de 200x).

gular do carpo, da sínfise púbica, do labrum acetabular e dos meniscos de ambos os joelhos (Figuras 10.1 a 10.3). Foi então confirmado o diagnóstico de pseudogota, também designada por artrite microcristalina por deposição de cristais de pirofos fato de cálcio (AMC‑PFC), tendo o doente iniciado colchicina, 1 mg/dia, em esquema fixo como profilaxia das crises, que não se repetiram até hoje.

10.1. Condrocalcinose do ligamento triangular do carpo (seta e círculo).

10.2. Condrocalcinose dos meniscos (setas e círculos). Artrite por Cristais de Pirofosfato

Figura
Figura

REUMATOLOGIA

Casos Clínicos e Conceitos Essenciais

Esta obra apresenta as 14 doenças reumáticas mais prevalentes –inflamatórias, microcristalinas, ósseas metabólicas e degenerativas –, partindo de casos clínicos reais e devidamente documentados, que refletem a prática diária na consulta de Reumatologia.

Após cada caso clínico, é feita uma revisão dos conceitos essenciais das patologias e são identificados pontos possíveis de intervenção do médico de Medicina Geral e Familiar no seguimento do doente reumático, com o propósito de reduzir o impacto da doença, as suas comorbilidades e as complicações das terapêuticas.

Esta obra é não apenas uma ferramenta útil para a aprendizagem e revisão de conceitos essenciais em Reumatologia, mas também para uma melhoria da articulação entre reumatologistas e médicos de Medicina Geral e Familiar, visando, em última análise, a melhoria da qualidade assistencial ao doente reumático.

Filipe Araújo

Médico especialista em Reumatologia. Assistente Hospitalar de Reumatologia da Unidade Local de Saúde de Loures-Odivelas, Hospital Beatriz Ângelo. Coordenador da Unidade de Reumatologia e do Serviço de Ligação de Fraturas do Hospital Ortopédico de Sant’Ana entre 2015 e 2024. Secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Osteoporose e Doenças Ósseas Metabólicas entre 2023 e 2025.

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