MIGRAÇÕES CONTEMPORÂNEAS, DIREITOS HUMANOS E JUSTIÇA
Joana Topa Vera Duarte
Estefânia Silva Ana Guerreiro

Coordenação:
Joana Topa
Vera Duarte
Estefânia Silva Ana Guerreiro SÉRIE

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ISBN edição impressa: 978-989-693-190-2
1.ª edição impressa: maio de 2025
Paginação: Carlos Mendes
Impressão e acabamento: Tipografia Lousanense, Lda. – Lousã
Depósito Legal n.º 547336/25
Capa: José Manuel Reis
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Os Autores IX
Prefácio XV
Nota das Coordenadoras XIX
Introdução XXI
PARTE I – Migrações e Direitos Humanos 1
Diálogos de Coprodução entre Ciência, Dados e Políticas Públicas para Migrantes: Ilustrações a partir do Caso de Portugal 3 Catarina Reis Oliveira
3
4
1.1 Diálogos entre ciência e políticas públicas para migrantes: o estado da arte 7
1.2 Diálogos de coprodução entre ciência e políticas públicas para migrantes: o caso de Portugal 12
1.3 Políticas para migrantes informadas por evidência estatística 15
1.3.1 A medição e a monitorização estatística das migrações e da integração de imigrantes na União Europeia 18
1.3.2 Passos na medição e na monitorização estatística da integração de imigrantes em Portugal 22 Considerações finais 25 Pontos de destaque 29
Mutilação Genital Feminina em Portugal:
Prevalência, Caracterização e Desafios
Torres e Maria Diniz da Costa
5.1 Mutilação Genital Feminina/Corte: conceptualização e tipologias
5.2 Epidemiologia do fenómeno: prevalência, distribuição e variações da Mutilação Genital Feminina/Corte em diferentes regiões e contextos
5.3 Uma perspetiva socioecológica do fenómeno da Mutilação Genital Feminina/Corte
5.4 Mutilação Genital Feminina/Corte em Portugal: respostas políticas e institucionais
Especificidades, Diversidade e Dores de Reclusão: Um Estudo de Caso com Crentes Muçulmanos em
6.1 Moldura teórica/corpo metodológico
Quadro teórico
6.2 Recolha de dados
6.2.2 Amostra
6.2.3 Posicionalidades da investigadora
6.3 Análise de dados
6.4 Interpretação dos achados empíricos
6.4.2
Autorreferenciação identitária de um “eu coletivo” religioso 136
Islão como supereminência 136
Islão como revitalização de memória coletiva/ /perpetuação de legado familiar 137
Islão como forma de congregação religiosa, partilha sociocultural e sociabilidade 138
139
Demarcação de autonomia/flexibilidade na autoapresentação da confissão religiosa islâmica 140
Demarcação de autonomia/flexibilidade no cumprimento de preceitos religiosos 140 Lógicas imigratórias: real ou referencial 141 Redes de sociabilidade intraprisionais 143
6.4.3
Jovens Estrangeiros Não Acompanhados em Portugal: Da Caracterização à Intervenção:
Lobo, Sandra Roberto e Guida Mendes Bernardo
7.1 Jovens estrangeiros não acompanhados em Portugal 161
7.2 Fases de acolhimento e integração de crianças e jovens estrangeiros não acompanhados em Portugal 164
7.3 Intervenção com crianças e jovens estrangeiros não acompanhados pelas Aldeias de Crianças SOS 165
7.4 Características dos jovens estrangeiros não acompanhados: a experiência das Aldeias de Crianças SOS 169
7.4.1 A vivência dos jovens: dois casos, duas intervenções distintas 170
Contributos do Projeto ENFEM para a Construção de Um Modelo Humanista de Integração de Mulheres
Internacionais no Mercado de Trabalho 225 Ana Luísa Martinho, Helena Salazar, Joana Fernandes, Joana Querido, Manuel Silva, Paula Carvalho, Susana Bernardino e Tiago Fernandes
10.1 Pressupostos para a ação
10.2 Ação
Hospitalidade para Estudantes Internacionais
Open days
10.2.3 Cursos em regime de b-learning
10.3 Um modelo para a integração de mulheres internacionais no mercado de trabalho
Os Autores
Coordenadoras
Joana Topa
Psicóloga. Doutorada em Psicologia Social pela Universidade do Minho (UM). Professora Auxiliar na Universidade da Maia (UMAIA) e Professora Auxiliar Convidada no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP-ULisboa). Investigadora Integrada no Centro Interdisciplinar de Estudos de Género (CIEG) do ISCSP-ULisboa e membro colaborador do Centro de Psicologia da Universidade do Porto (CPUP). O seu trabalho de investigação científica tem sido realizado nas áreas dos estudos de género, migrações, violência de género, diversidade e inclusão.
Vera Duarte
Socióloga. Doutorada em Sociologia pela Universidade do Minho (UM). Professora Auxiliar na Universidade da Maia (UMAIA). Investigadora Integrada no Centro Interdisciplinar de Estudos de Género (CIEG) do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP‑ULisboa). O trabalho de docência, produção científica e investigação tem sido realizado nas áreas da sociologia do crime e das marginalidades, com foco na delinquência juvenil, criminalidade feminina e sistema de justiça juvenil.
Estefânia Silva
Psicóloga. Doutorada em Psicologia Social pela Universidade do Minho (UM). Professora Auxiliar na Universidade da Maia (UMAIA). Investigadora Integrada no Centro Interdisciplinar de Estudos de Género (CIEG) do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP-ULisboa). As suas áreas de investigação são os estudos de género, migrações e violência de género. Coordenou o projeto financiado “Bo omerang”. Recentemente, tem se dedicado à investigação sobre mulheres ofensoras.
Joana Fernandes
Professora Coordenadora da área científica de Línguas no Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto do Politécnico do Porto (ISCAP-P.Porto). Doutorada em Linguística.
Joana Lobo
Diretora Nacional de Programas das Aldeias de Crianças SOS Portugal. Mestre em Psicologia Comunitária e Proteção de Crianças e Jovens em Risco. Especialista em Psicoterapia Somática. Formada em Psicotraumatologia e membro associado do Observatório do Trauma do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra (UC).
Joana Querido
Professora Adjunta Convidada na Unidade Técnico científica de Ciências da Linguagem e da Literatura da Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto (ESE-P.Porto). Doutorada em Comunicação Digital.
Joana Torres
Doutorada em Criminologia. Professora Auxiliar Convidada na Escola de Ciências Humanas e Sociais da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (ECHS-UTAD), na Universidade da Maia (UMAIA) e na Universidade Fernando Pessoa (UFP).
Lúcio Sousa
Professor Associado do Departamento de Ciências Sociais e Gestão da Universidade Aberta (UAb). Investigador Integrado no Instituto de Estudos de Literatura e Tradição (IELT) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa (FCSH-NOVA). Investigador Externo no Centre for Refugee Studies (CRS) da Universidade de York (Toronto). Investigador Colaborador no Centro de Estudos Globais (CEG) da UAb.
Luís Filipe Guerra
Licenciado em Direito, com pós-graduações em Ciências Jurídico-empresariais e em Direitos Humanos. Exerce atualmente funções como Juiz nos Tribunais Administrativos e Fiscais, depois de experiências profissionais anteriores como Advogado, Mediador de Conflitos e Juiz de Paz. Fundador e, até 2024, Presidente do Observatório dos Direitos Humanos. Membro do Centro Mundial de Estudos Humanistas, organismo do
Movimento Humanista, e, anteriormente, dirigente do Partido Humanista (1999-2009).
Manuel Silva
Presidente do Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto do Politécnico do Porto (ISCAP-P.Porto). Investigador Integrado no Centro de Estudos Organizacionais e Sociais (CEOS) do P.Porto.
Maria Diniz da Costa
Bióloga. Doutorada em Ciências Médicas. Mestre em Biologia Celular e Molecular e em Saúde Pública. Assistente de Investigação na Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade NOVA de Lisboa (ENSP-NOVA).
Olga Magano
Professora Auxiliar no Departamento de Ciências Sociais e de Gestão da Universidade Aberta (UAb). Investigadora Integrada no Centro de Estudos de Investigação em Sociologia (CIES) do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa – Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL). Investigadora Colaboradora no Instituto de Sociologia da Universidade do Porto (IS-UP) e no Centro de Estudos Globais (CEG) da UAb.
Patricia Posch
Doutorada em Estudos Culturais e Mestre em Cultura e Comunicação. Investigadora Colaboradora no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) da Universidade do Minho (UM). Membro do Grupo de Pesquisa Arte, Cultura e Poder (Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ). Coordenadora do Grupo de Trabalho em Cultura Visual da Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação (SOPCOM).
Paula Carvalho
Professora Adjunta Convidada na área de Línguas. Investigadora no Centro de Estudos Organizacionais e Sociais (CEOS) do Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Politécnico do Porto (ISCAP-P.Porto).
Paulo Manuel Costa
Professor Auxiliar na Universidade Aberta (UAb). Investigador Integrado no Centre for Functional Ecology (CEF) da Universidade de Coimbra (UC). Investigador Colaborador no Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais (CEMRI) da UAb.
Rosa Cabecinhas
Professora no Departamento de Ciências da Comunicação e Investigadora no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) da Universidade do Minho (UM). Coordenadora do projeto “MigraMediaActs – Migrações, media e ativismos em língua portuguesa: descolonizar paisagens mediáticas e imaginar futuros alternativos” (PTDC/COM-CSS/3121/2021). Cocoordenadora do grupo de investigação sobre “Espaço Público” no projeto europeu “CONCILIARE – Confidently Changing Colonial Heritage (Horizon Europe)”.
Rosana Albuquerque
Professora Auxiliar no Departamento de Ciências Sociais e de Gestão da Universidade Aberta (UAb). Investigadora Integrada no Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais (CEMRI) da UAb. Investigadora Colaboradora no Centro de Estudos Globais (CEG) da UAb.
Sandra Roberto
Professora Auxiliar no Instituto Piaget (IP) e Professora Auxiliar Convidada no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa – Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL). Investigadora no Insight – Piaget Research Center For Ecological Human Development e no Centro de Investigação e Intervenção Social (CIS) do ISCTE-IUL. Supervisora de Equipas de Autonomia de Vida e Integração de Jovens Estrangeiros Não Acompanhados.
Susana Bernardino
Professora Coordenadora da área científica de Gestão no Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Politécnico do Porto (ISCAP-P.Porto). Investigadora no Centro de Estudos Organizacionais e Sociais (CEOS) do ISCAP-P.Porto.
Tiago Fernandes
Professor Adjunto da área científica do Direito do Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto do Politécnico do Porto (ISCAP-P.Porto). Investigador no Centro de Estudos Organizacionais e Sociais (CEOS) do ISCAP-P.Porto. Advogado e Formador da Ordem dos Advogados.
Prefácio
Vivemos num momento em que as migrações assumem uma centralidade crescente nas dinâmicas globais e locais, emergindo como um dos desafios mais complexos e multifacetados da contemporaneidade. Este fenómeno, impulsionado por fatores económicos, conflitos, perseguições, alterações climáticas e outras crises, exige uma reflexão profunda e multidisciplinar sobre as condições de vida, os direitos e a justiça para as populações migrantes. A obra coletiva Migrações Contemporâneas, Direitos Humanos e Justiça responde a essa necessidade premente. Elaborada na sequência do “Seminário Internacional Migrações Contemporâneas, Direitos Humanos e Justiça”, realizado a 14 de dezembro de 2023, na Universidade da Maia, reúne um conjunto diversificado de análises desenvolvidas por académicos e profissionais com reconhecida experiência e especialização na área, contribuindo para um debate informado e multidisciplinar sobre os desafios contemporâneos das migrações.
Organizado em três partes interconectadas, o livro aborda, de forma abrangente, as questões relacionadas com os direitos humanos, o crime e a justiça, e as estratégias de intervenção e integração, fornecendo uma visão multifacetada sobre os desafios enfrentados pelas pessoas migrantes em Portugal.
Na primeira parte, dedicada a “Migrações e Direitos Humanos”, exploram-se as interseções entre políticas públicas e os direitos fundamentais dos migrantes. Catarina Reis Oliveira inicia esta secção com uma análise sobre a coprodução de conhecimento entre a ciência, os dados e as políticas públicas para migrantes, comprovando o papel essencial da evidência empírica na formulação de políticas eficazes em Portugal. Paulo Manuel Costa, Lúcio Sousa, Bárbara Bäckström, Olga Magano e Rosana Albuquerque contribuem com uma análise crítica sobre a transferência de responsabilidades na integração de refugiados para a sociedade civil, contrastando a solidariedade espontânea com a responsabilidade imposta pelo Estado português. Anabela Costa Leão revisita a complexa
Ao navegar por estas páginas, os leitores são convidados a refletir sobre a nossa responsabilidade coletiva na promoção de um mundo onde os direitos humanos não são apenas reconhecidos, mas efetivamente garantidos para todos, independentemente da sua origem. Esta obra não é apenas um repositório de conhecimento, mas um apelo à ação, ao compromisso e à transformação. Em última instância, este livro convida nos a refletir sobre a nossa própria responsabilidade na promoção de um mundo onde os direitos humanos sejam verdadeiramente universais.
Malta
Chefe de Missão da Organização Internacional para as Migrações em Portugal
Nota das Coordenadoras
A presente obra, intitulada Migrações Contemporâneas, Direitos Humanos e Justiça, oferece uma conceptualização atual e multidisciplinar das migrações contemporâneas, abordando os desafios enfrentados pelas pessoas migrantes nos seus processos de inclusão social, analisando as dificuldades institucionais e legais que ainda persistem no seu acolhimento e integração, e formas de intervenção social em desenvolvimento.
Este fenómeno, que abrange pessoas imigrantes, refugiadas e/ou requerentes de asilo, é analisado sob a ótica de diferentes áreas científicas, proporcionando uma visão holística das migrações no contexto português.
Com esta publicação, almejamos fornecer um contributo científico inovador, informativo e reflexivo que possa ser de grande utilidade para estudantes, profissionais e investigadores/as.
Expressamos o nosso sincero agradecimento a todos os autores e a todas as autoras que, pelo seu conhecimento, experiência e profissionalismo, enriqueceram esta obra com contributos de excelência, oferecendo-nos olhares críticos sobre estes fenómenos e impulsionando a necessidade de políticas públicas e práticas profissionais mais informadas.
A diversidade terminológica e conceptual (e.g., irregulares, indocumentados), bem como o estilo e linguagem utilizados ao longo de cada um dos capítulos, foram preservados, respeitando a autonomia técnico-científica dos autores e autoras. O conteúdo de cada capítulo é da responsabilidade dos seus respetivos autores e autoras.
Agradecemos à FCA PACTOR Editores por reconhecer a importância deste tema e a oportunidade de publicar um livro que cruza as migrações com a justiça e os direitos humanos. Agradecemos ainda à nossa editora Sandra Correia, que procurou acolher e responder com imensa
Migrações Contemporâneas, Direitos Humanos e Justiça XX
disponibilidade e celeridade a todas as nossas questões. Aos revisores e revisoras da FCA PACTOR Editores pelo seu cuidado na edição e à Inês Granja pela sua valiosa ajuda na logística de revisão.
Um especial agradecimento ao Dr. Vasco Malta, Chefe de Missão da Organização Internacional para as Migrações em Portugal, por inaugurar esta obra com um Prefácio que destaca a pertinência da obra e a atualidade dos capítulos aqui apresentados.
De forma igualmente importante, agradecemos a todas as pessoas migrantes, refugiadas e/ou requerentes de asilo que contribuíram para as investigações aqui refletidas, partilhando as suas vivências e trajetórias no contexto português, e que nos permitem refletir e aprender de um modo inigualável.
Esperamos que esta obra possa contribuir para um debate informado e construtivo sobre as migrações internacionais contemporâneas, e para a promoção de políticas públicas mais justas e inclusivas.
Topa, Vera Duarte, Estefânia Silva e Ana Guerreiro
Migrações Contemporâneas, Direitos Humanos e Justiça XXII
aumento traz múltiplos desafios aos processos de integração e inclusão, destacando a importância de se refletir sobre este tema sob diferentes perspetivas.
Este livro visa analisar os diversos desafios que se colocam aos direitos fundamentais das pessoas migrantes e refugiadas no contexto português, debatendo dilemas prementes a diferentes níveis: governamental, legislativo e institucional. Partindo de um quadro de análise conceptual, metodológico e empírico diversificado, esta obra contribuirá significativamente para a teorização das migrações contemporâneas, direitos humanos e justiça em Portugal.
A organização do livro está a cargo de quatro investigadoras cujas áreas académicas incluem Psicologia, Criminologia e Sociologia, com um vasto conhecimento e investigação na área das Migrações, Estudos de Género e Direitos Humanos, o que reforça a qualidade desta obra.
Dada a importância desses temas no cenário social, político e legal, este livro contribui para o debate público, científico e institucional, promovendo também a compreensão e aceitação da diversidade cultural e o diálogo intercultural. A publicação destina-se principalmente a estudantes do ensino superior nas áreas de Criminologia, Psicologia, Sociologia, Direito, Migrações, Relações Internacionais e afins, em unidades curriculares relacionadas com Migrações, Direitos Humanos, Crime e Justiça. Além desse público, a obra é de grande interesse para académicos/as, investigadores/as, profissionais de instituições do sistema de justiça e segurança, bem como para decisores/as políticos/as e representantes de organizações da sociedade civil, fundações e organizações internacionais.
Para este fim, a sua organização assenta em seis princípios orientadores, transversais a toda a obra:
Multidisciplinaridade – os capítulos são escritos por investigadores/as e especialistas nacionais de diversas áreas disciplinares, com perspetivas teóricas e metodológicas diversificadas;
Contribuição académica e científica – oferece uma contribuição significativa para a teorização das migrações contemporâneas, direitos humanos e justiça, proporcionando uma base sólida para debates académicos e científicos, e para a reflexão de práticas interventivas;
evidências. Portugal, apesar de ter uma experiência recente com migrações, é visto internacionalmente como um exemplo na resposta aos desafios de integração de pessoas imigrantes.
O segundo capítulo, “Solidariedade espontânea versus responsabilidade imposta: transferência pelo Estado português dos encargos na integração de refugiados para a sociedade civil”, de Paulo Manuel Costa, Lúcio Sousa, Bárbara Bäckström, Olga Magano e Rosana Albuquerque, analisa a crise dos refugiados de 2015, e como Portugal lidou com o acolhimento e integração destas pessoas, através do processo de recolocação na União Europeia (UE). Os/as autores/as argumentam que o Estado português, em vez de criar uma política de integração estruturada e baseada em direitos, transferiu a responsabilidade para Organizações Não Governamentais (ONG), muitas delas sem experiência no trabalho com pessoas refugiadas. As ONG assumiram a integração das mesmas com base em ações humanitárias, mas sem uma estratégia clara. O capítulo aponta a falta de coordenação estatal, que resultou na dispersão geográfica destas pessoas e na dificuldade em implementar uma política de integração coerente.
O terceiro capítulo, “Migrações, soberania e direitos humanos”, de Anabela Costa Leão, aborda as migrações à luz de questões de soberania e direitos humanos, destacando a importância de uma abordagem multidimensional para lidar com o tema. A autora enfatiza que o número de migrantes internacionais tem crescido exponencialmente nas últimas décadas e que é essencial gerir tanto os fluxos migratórios quanto as condições de acolhimento e integração das pessoas migrantes. A “superdiversidade” dos fluxos migratórios exige uma abordagem que leve em consideração fatores como etnia, género, idade e condições socioeconómicas. A proteção dos direitos humanos é central em todas as políticas migratórias, e as migrações são vistas como uma questão de justiça global, com impacto direto no desenvolvimento sustentável, conforme reconhecido pela Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).
A segunda parte, intitulada “Migrações, Crime e Justiça”, é composta por três capítulos que convergem para a análise de questões relacionadas com desafios específicos de grupos de pessoas migrantes em situação de maior vulnerabilidade em Portugal. Trata a forma como essas pessoas
enfrentam respostas, muitas vezes inadequadas das instituições públicas, que colocam em causa os seus direitos humanos.
O quarto capítulo, “A tutela urgente dos direitos dos imigrantes no contencioso administrativo português”, de Luís Filipe Guerra, procura demonstrar como o Decreto-Lei n.º 41/2023, de 2 de junho, que criou a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), substituindo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e o Alto Comissariado para as Migrações (ACM), tem gerido as questões relacionadas com a migração e o asilo. No momento da criação da AIMA, havia cerca de 300 000 manifestações de interesse pendentes para autorização de residência, além de vários pedidos já formalizados que aguardavam decisão. Essa demora tem gerado insegurança e precariedade para muitos imigrantes em Portugal, que, apesar de estarem a trabalhar no país, enfrentam incerteza quanto ao seu estatuto jurídico e estão vulneráveis à exclusão social. Diante da inércia político administrativa e da falta de medidas eficazes para agilizar os processos, surge a questão: quais os mecanismos jurídicos que podem ser utilizados para defender os direitos desses imigrantes?
O quinto capítulo, “Mutilação Genital Feminina em Portugal: prevalência, caracterização e desafios”, de Joana Torres e Maria Diniz da Costa, aborda como a Mutilação Genital Feminina/Corte (MGF/C) é reconhecida mundialmente como uma violação dos direitos humanos e um problema de saúde pública, concentrando-se principalmente em países africanos, mas também presente globalmente devido aos processos migratórios. A prática, enraizada em normas socioculturais e de género, afeta física e psicologicamente as mulheres. Portugal adotou uma abordagem integrada para combater a MGF/C, promovendo a sensibilização e formando profissionais de saúde, embora as iniciativas ainda sejam insuficientes. A resposta à MGF/C é essencial para o desenvolvimento sustentável, e deve ser vista como a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.
O sexto capítulo, “Especificidades, diversidade e dores de reclusão: um estudo de caso com crentes muçulmanos em contexto prisional português”, de Cláudia Resende, visa aprofundar o conhecimento sobre a fé islâmica no contexto prisional em Portugal, focando-se em pessoas privadas de liberdade de nacionalidade marroquina e guineense num Estabelecimento Prisional de Regime Fechado. Por meio de incursões etnográficas,
fotografias e entrevistas, o estudo reflete sobre as necessidades e desafios de uma subpopulação religiosa minoritária, abordando as práticas de resistência e submissão no ambiente prisional. Além disso, evidencia a diversidade intragrupal islâmica e o sentido de coesão religiosa como fatores de proteção contra a rejeição institucional e social. Também são discutidas as vulnerabilidades sociais das minorias e a necessidade de maior compreensão das dinâmicas identitárias e de discriminação nas prisões.
A terceira parte, sobre “Intervenção e Integração”, é composta por quatro capítulos que têm em comum o foco no acolhimento e integração de pessoas migrantes e refugiadas em Portugal, abordando desafios específicos e estratégias de intervenção para facilitar a sua adaptação e inclusão efetiva na sociedade.
O sétimo capítulo, “Jovens estrangeiros não acompanhados em Portugal: da caracterização à intervenção: contributos das Aldeias de Crianças SOS”, de Joana Lobo, Sandra Roberto e Guida Mendes Bernardo, aborda a situação das pessoas refugiadas, especialmente das crianças e jovens estrangeiros não acompanhados (C/JENA). O texto reflete sobre as principais causas que levam esses/as jovens a fugir dos seus países e destaca a necessidade de intervenções personalizadas devido à diversidade entre os/as JENA. Descreve as fases de acolhimento e integração em Portugal e destaca o papel das Aldeias de Crianças SOS na promoção da autonomia e segurança desses/as jovens, com um modelo educativo e terapêutico focado na segurança e resiliência.
O oitavo capítulo, “Migrar além da vaga: continuidades e descontinuidades em relatos biográficos de pessoas migrantes brasileiras em Portugal”, de Patrícia Posch, Rosa Cabecinhas e Isabel Macedo, explora as migrações brasileiras para Portugal e, focando-se nas narrativas das próprias pessoas migrantes, desafia a visão tradicional centrada em Estados nação e hierarquias que, tendencialmente, são desumanizadoras. A análise concentra se no fluxo migratório brasileiro, dividido em diferentes “vagas”, desde os anos 80 do século xx, identificando continuidades e mudanças nas suas narrativas. São abordados temas como laços culturais e históricos entre Brasil e Portugal, negociações identitárias, questões linguísticas, preconceito e discriminação social.
O nono capítulo, “Desafios no acolhimento de mulheres requerentes de asilo em Portugal: o papel dos profissionais institucionais”, de Gabriela Mesquita Borges, explora os desafios enfrentados por mulheres requerentes de asilo ao tentarem estabelecer uma vida em Portugal, enquanto país de acolhimento. O estudo examina as experiências de discriminação que essas mulheres vivenciam, muitas vezes perpetradas por profissionais de instituições que se dedicam ao acolhimento e integração destas comunidades. A partir da narrativa de 24 mulheres do Médio Oriente e de África, o estudo revela que a discriminação não só prejudica a integração das mulheres, como também perpetua a sua marginalização e vulnerabilidade, intensificando os desafios e traumas que enfrentam.
O décimo capítulo, “Contributos do projeto ENFEM para a construção de um modelo humanista de integração de mulheres internacionais no mercado de trabalho”, de Ana Luísa Martinho, Helena Salazar, Joana Fernandes, Joana Querido, Manuel Silva, Paula Carvalho, Susana Bernardino e Tiago Fernandes, assenta no reconhecimento de que a globalização tem levado a um aumento na mobilidade de pessoas, incluindo mulheres nacionais de países terceiros (NPT), e nos desafios significativos que enfrentam para se integrarem profissionalmente nos países para onde migram. Na UE, essas mulheres são particularmente vulneráveis à discriminação e exclusão socioeconómica, enfrentando dificuldades para aceder ao mercado de trabalho e integrar o sistema educativo. Neste contexto, o texto analisa as ações realizadas em Portugal no âmbito do projeto Female TCNs Integration in Local Communities through Employability and Entrepreneurship Local Oriented Strategies (ENFEM), financiado pelo programa Asylum, Migration and Integration Fund (AMIF), destacando iniciativas como a Hospitalidade para Estudantes Internacionais (HEI), os open days e cursos de b-learning, assentes numa proposta de modelo humanista de integração dessas mulheres internacionais no mercado de trabalho.
Diálogos de Coprodução entre Ciência, Dados e Políticas Públicas para Migrantes: Ilustrações a partir do Caso de Portugal
Sumário
As migrações complexificaram se, tanto em volume como em características, observando-se também uma crescente politização deste fenómeno social, o que torna necessário serem refletidas as dinâmicas de definição de políticas públicas para migrantes;
Este capítulo procura descortinar alguns dos diálogos de coprodução entre ciência, dados e políticas públicas para migrantes a partir do caso português, cobrindo desenvolvimentos neste domínio desde a viragem do século;
Explora se a dialética de como os decisores políticos influenciaram a agenda de investigação e da recolha de dados, e de como a academia influenciou a evolução e o aprofundamento de políticas públicas para migrantes com evidência;
Parte-se do estado da arte no diálogo entre ciência e políticas públicas, destacando vários modelos, entre os quais o modelo de burocracia –no qual a ação governativa parte da informação produzida e reunida pela academia –, para explicar como esse modelo se consubstanciou em Portugal no processo de institucionalização de uma estrutura de diálogo entre ciência e política pública para migrantes – o Observatório das Migrações (OM);
Detalha-se como as políticas para migrantes têm sido informadas por evidência estatística e como se tem aprofundado a monitorização da integração de imigrantes com a publicação de relatórios estatísticos anuais;
Discute-se como a categorização social dos imigrantes, necessária para a medição das migrações, também pode ser usada como uma forma de alienação social e de replicação de discursos de inclusão e de exclusão, podendo conduzir a uma abreviação da complexidade empírica das migrações.
Introdução
Vivemos na Era das Migrações (Haas et al., 2020), de grande aumento dos movimentos migratórios e da mobilidade de pessoas. As migrações são, incontornavelmente, um fenómeno global, em muito rápida transformação e com aumento de complexidade, o que causa incertezas no panorama internacional e nacional (Peixoto, 2019), nomeadamente quanto à sua monitorização e à definição de políticas públicas mais informadas para o melhor acolhimento e a integração de imigrantes e refugiados nas sociedades de acolhimento. Segundo dados divulgados no World Migration Report 2022 da Organização Internacional das Migrações (International Organization for Migration [IOM], 2022), estima se que no final do ano de 2020 existiam 281 milhões de migrantes internacionais no mundo, representando, porém, apenas 3,6% da população mundial. Para o mesmo ano, estimavam-se 89,4 milhões de pessoas deslocadas contra a sua vontade, das quais 26,4 milhões eram pessoas refugiadas. A intensificação das migrações a partir do século xx induziu um aumento (em contínuo crescimento) do interesse por conhecer e compreender melhor este fenómeno social complexo, tanto em decisores políticos, como em académicos e analistas estatísticos. Nas últimas décadas, os diferentes países de destino das migrações internacionais, entre os quais as diversas sociedades europeias, experienciaram um aumento da diversidade étnica e cultural, o que provocou o necessário e rápido desenvolvimento de políticas públicas para o seu acolhimento e integração. Esta dinâmica social conduziu a um incremento da investigação académica sobre o tema e pressionou os académicos à sinalização rápida de resultados e tendências para decisores políticos, o que por vezes originou leituras simplificadas da realidade que ignoraram a complexidade do fenómeno (Schneider & Crul, 2010).
Os atores governamentais aos níveis local, nacional e europeu promoveram um crescente de políticas públicas para os migrantes, desenvolvendo também o conhecimento em torno das migrações e dos seus processos de integração com a recolha de dados e a construção de indicadores de monitorização, tanto a partir de fontes de dados já existentes, como de novas fontes criadas para esse âmbito. Em resultado, nas últimas décadas, tal como os decisores políticos marcaram o desenvolvimento de uma agenda de investigação em torno das migrações, um número crescente de académicos assumiu um papel importante na modelação de políticas públicas para migrantes e na monitorização dos processos de integração dos migrantes e dos efeitos das políticas públicas, ganhando forma e reconhecimento a ideia de evidence-based policymaking1 (Scholten, Entzinger & Penninx, 2015).
A partir do estudo das migrações, é possível identificar a ação paradoxal de uma ciência estratégica (do inglês “strategic science”), na aceção de Hoppe (2005, p. 204), na qual a política força o critério de relevância do trabalho dos cientistas sociais e assim induz a alguma politização da ciência, tal como os cientistas internalizam a pressão da relevância do seu trabalho, promovendo o seu espaço de atuação para uma ciencialização da política.
No contexto europeu, Portugal tornou-se um destino de imigração mais recentemente, assumindo saldos migratórios positivos de forma consistente apenas a partir da década de 90 do século xx. O impacto da população estrangeira no total de residentes em Portugal aumentou nas últimas três décadas: de cerca de 100 mil indivíduos no início da década de 90, quando representavam 1% dos residentes, a população estrangeira aumentou de forma consistente, atingindo um pouco mais de 1 milhão em 2023, passando a representar 9,8% dos residentes. O aumento da proporção de estrangeiros no país e da diversidade de nacionalidades pressionou o desenvolvimento de políticas públicas e serviços para o acolhimento e a integração, especialmente a partir de meados da década de 90 (Oliveira & Peixoto, 2022).
A entrada de Portugal para a Comunidade Económica Europeia (CEE),
1 Tradução direta para português como “definição de políticas com evidência”.
Desafios no Acolhimento de Mulheres Requerentes de Asilo em Portugal: O Papel dos Profissionais
Institucionais
Sumário
Estabelecer uma vida num país de asilo apresenta desafios excecionalmente difíceis, especialmente para as mulheres;
Nos países de asilo, estas enfrentam uma série de obstáculos, desde cuidados de saúde até barreiras linguísticas, dependência económica, necessidade de apoio aos filhos, acesso à educação e formação profissional, adaptação cultural e questões legais;
Este capítulo examina as experiências de discriminação vivenciadas por mulheres requerentes de asilo em Portugal (país de asilo), perpetuadas pelos profissionais das instituições de acolhimento e integração;
Com base numa perspetiva criminológica e de género, foram realizadas 24 entrevistas semiestruturadas com mulheres requerentes de asilo, sendo 14 do Médio Oriente e 10 de África, atualmente residentes em Portugal;
Este estudo concentrou-se em compreender as dimensões individuais que fornecem insights sobre os significados das mulheres, construções intersubjetivas e perceções do seu processo de acolhimento e integração, especialmente nas interações com os profissionais das instituições de acolhimento, utilizando o paradigma narrativo;
A Teoria Fundamentada e a abordagem da Abdução foram utilizadas para focar a construção ativa de significado pelas participantes;
Este capítulo destaca que a discriminação enfrentada por mulheres requerentes de asilo no país de asilo não apenas impacta negativamente a sua integração, mas também perpetua ciclos de marginalização e
vulnerabilidade, contribuindo para uma experiência ainda mais desafiadora e traumatizante.
Introdução
A Convenção de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados constitui um marco abrangente na codificação dos direitos dos refugiados a nível global, estabelecendo uma definição clara de refugiado como sendo um indivíduo ou grupo forçado a abandonar o seu país devido a diversos motivos, como violência, tortura ou pressões externas decorrentes de conflitos armados, razões políticas, religiosas ou sociais. Segundo o Immigration and Asylum Act de 1999 do Reino Unido, um requerente de asilo é identificado como alguém que solicitou asilo ao abrigo da Convenção de 1951 sobre Refugiados, mantendo esse estatuto enquanto aguarda avaliação pelas autoridades legais do país onde o pedido foi feito. Importa salientar que, embora todos os refugiados iniciem a sua jornada como requerentes de asilo, nem todos serão reconhecidos como tal, sendo este um processo sujeito a escrutínio.
Hoje, é amplamente reconhecido que os requerentes de asilo e os refugiados merecem um enquadramento legal que garanta a proteção e realização dos seus direitos, conforme estabelecido pelo Direito Internacional. Conceder asilo está intrinsecamente ligado a normas históricas e fundamentais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. A Convenção de 1951, juntamente com o seu Protocolo de 1967 e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), estabelecem direitos específicos, liberdades e padrões mínimos de tratamento para estrangeiros nos países de asilo, abrangendo áreas como movimento, religião, associação, bem-estar, emprego, assistência administrativa e direitos de propriedade (Goodwin-Gill & McAdam, 2007).
Os Estados que aderem à Convenção de 1951 e ao seu Protocolo (1967) devem cooperar com o ACNUR, cumprir as tarefas atribuídas e respeitar o estatuto de refugiado, embora não estejam obrigados a conceder asilo, sendo proibidos de enviar indivíduos para locais que
possam colocar em perigo a sua vida, segurança e bem-estar (Herlihy et al., 2024).
Além disso, o princípio da não discriminação, enraizado no artigo 2 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e refletido no artigo 3 da Convenção de 1951, garante tratamento igualitário para requerentes de asilo e refugiados, sem distinção de raça, religião, país de origem, sexo, idade, deficiência ou outros motivos proibidos. Este princípio é reforçado pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966, que enfatiza a importância da prevenção da discriminação para proteger uma variedade de direitos fundamentais (Goodwin-Gill, 2011).
Neste contexto, este capítulo tem como objetivo analisar a discriminação contra requerentes de asilo em Portugal, pondo em evidência uma perspetiva de género, a partir do conceito de Oberman (2020), que a define como tratar pessoas pior do que outras por causa da sua pertença a um grupo socialmente saliente. Com efeito, os grupos socialmente salientes são aqueles cuja pertença é fundamental para a estrutura das interações sociais em diversos contextos sociais (Oberman, 2020). Pretende-se explorar os comportamentos discriminatórios do próprio regime de asilo português, através das práticas dos profissionais que trabalham nas instituições responsáveis pelo acolhimento e integração de requerentes de asilo. Com base em dados recolhidos de 24 entrevistas com mulheres requerentes de asilo no sistema de asilo português, este capítulo fornece insights cruciais sobre os desafios enfrentados pelos requerentes de asilo em Portugal e o papel das instituições e profissionais na perpetuação ou redução da discriminação.
No entanto, é importante reconhecer que a complexidade desta questão pode representar um desafio significativo, exigindo uma abordagem holística e colaborativa para promover a inclusão e proteção dos requerentes de asilo e refugiados na sociedade portuguesa.