Preparação de Terapêutica Farmacológica

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PREPARACAO DE TERAPEUTICA FARMACOLÓGICA

Manual Prático para Enfermeiros

André Ferreira

Direção da coleção: Manuela Néné / Carlos Sequeira

Lidel Enfermagem

Preparação de Terapêutica Farmacológica

Manual Prático para Enfermeiros

Um Olhar Sobre a Teoria, a Prática e a Reflexão

André Ferreira

– Edições Técnicas, Lda www.lidel.pt
Lidel
© LIDEL –E diçõ E s T écnicas ÍNDICE Autor ................................................................................................................... VII Prefácio ............................................................................................................... IX Assunção Nogueira Nota Introdutória ................................................................................................ XI Siglas, Abreviaturas e Acrónimos ...................................................................... XIV 1. Princípios da Farmacologia ........................................................................... 1 2. Generalidades da Preparação e Administração dos Fármacos ....................... 9 3. Suporte Nutricional por Via Parentérica ........................................................ 31 4. Insulinoterapia ............................................................................................. 33 5. Guia de Preparação e Administração de Fármacos por Via Parentérica .......... 37 5.1 Medicamentos Anti-Infeciosos............................................................. 38 5.2 Sistema Nervoso Central ...................................................................... 80 5.3 Aparelho Cardiovascular ...................................................................... 119 5.4 Sangue .................................................................................................. 138 5.5 Aparelho Respiratório .......................................................................... 149 5.6 Aparelho Digestivo............................................................................... 155 5.7 Hormonas e Medicamentos Utilizados no Tratamento das Doenças Endócrinas ............................................................................................ 163 5.8 Aparelho Locomotor ............................................................................ 173
VI Preparação de Terapêutica Farmacológica 5.9 Medicação Antialérgica ........................................................................ 181 5.10 Nutrição e Metabolismo ..................................................................... 186 5.11 Corretivos da Volemia e das Alterações Eletrolíticas ......................... 190 5.12 Medicamentos Usados no Tratamento de Intoxicações ..................... 198 6. Condutas na Enfermagem: um Prisma Reflexivo em Prol do Aperfeiçoamento .... 203 7. Considerações Finais .................................................................................... 223 Glossário ............................................................................................................ 225 Referências Bibliográficas ................................................................................. 229 Índice Remissivo ................................................................................................ 232 Índice Remissivo de Fármacos .......................................................................... 237

AUTOR

Licenciado em Enfermagem pela Escola Superior de Saúde do Vale do Sousa (atualmente Escola Superior de Enfermagem do Tâmega e Sousa), André Ferreira é natural de Penafiel, e vive atualmente em Lisboa.

Em 2017, concluiu o 1.º ciclo de estudos da licenciatura em Enfermagem e, em 2021, tornou-se Enfermeiro Especialista em Enfermagem Comunitária, pela Escola Superior de Saúde Atlântica.

No início da sua carreira profissional, exerceu funções na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados no Hospital Santa Casa da Misericórdia de Castelo de Paiva, onde não apenas deu os seus primeiros e significativos passos no cuidado ao utente, como dedicou-se ao aperfeiçoamento de habilidades e competências técnicas e relacionais.

Em 2018, exerceu funções no serviço de internamento de Cirurgia Geral e Especialidades no Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, EPE.

Entre 2021 e 2023, o enfermeiro participou cumulativamente na campanha de vacinação contra a COVID-19, onde, para além de atuar em diversas entidades inseridas em divergentes comunidades, somou à sua carreira esta experiência ímpar que o impulsionou para um novo olhar sobre a Enfermagem.

Dedicado à investigação e às boas práticas da terapêutica farmacológica, atualmente, André Ferreira desenvolve o exercício profissional no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE, na área do internamento em Medicina Interna.

PREFÁCIO

É com enorme satisfação que prefacio este livro, por inúmeras razões. Por um lado, por ser um livro escrito por um enfermeiro que fora meu discente, por quem nutro admiração e amizade, e, por outro, por se tratar de uma obra cujo tema é pertinente, atual e com utilidade para a Enfermagem. Estou certa de que este livro será deveras interessante para os enfermeiros.

Atualmente, as pessoas dispõem de uma grande variedade de medicamentos no combate às mais variadas patologias, sejam por doença aguda, sejam por doença crónica.

Nos últimos anos, as terapêuticas apresentam-se cada vez mais eficazes, precisas e agressivas no diagnóstico, tratamento e prevenção, devido ao rápido desenvolvimento científico-tecnológico, nomeadamente no âmbito da Farmacologia. Por isso, é fundamental que todos os profissionais de saúde façam atualizações sistemáticas, ampliando os seus conhecimentos, a fim de exercerem boas práticas em cuidados aos utentes, fundamentadas em princípios científicos.

Os riscos associados à utilização de medicamentos são multifatoriais, distintos entre si e intrínsecos à prestação de cuidados de saúde. Todos os anos um número significativo de pessoas sofre danos ou morre por erros e/ou negligência na prestação de cuidados, nomeadamente também na área terapêutica.

Os erros por ignorância não podem ser desculpa, muito embora o clássico aforisma latino errare humanum est (“errar é próprio do homem”) seja frequente. Quando não se sabe algo, deve-se buscar o conhecimento. A informação está ao alcance de todos, provavelmente à distância de um “clique”.

Um medicamento é uma substância que se pretende que atue produzindo um determinado efeito no organismo. Todavia, será necessário ter conhecimentos de terapêutica farmacológica (consequência do medicamento num sistema ou órgão, efeito pretendido, sintomas por ele aliviados, etc.) e farmacocinética (movimento das substâncias no organismo), ter conhecimentos de nutrição e da interação do

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medicamento com certos nutrientes, saber matemática (para o cálculo das posologias, desde um prematuro até ao idoso), referir o desenvolvimento humano (desde a criança ao indivíduo com mais idade com todos os fatores, que influenciam o efeito do fármaco no organismo, desde a absorção, distribuição, metabolismo, até à excreção).

Com efeito, será imprescindível saber a dose certa de medicamento, uma vez que “a diferença entre um remédio e um veneno está na dose” (Pilla, 2019), tal como afirmara Paracelso em pleno Renascimento. Deveremos ainda ter em conta os seguintes procedimentos: o modo de preparação, a via correta de administração, o horário para ser administrado, a interação com outros medicamentos e todos os elementos relativos à segurança, desde o armazenamento, transporte, preparação e administração, até ao controlo da infeção.

Logo, o processo de gestão da medicação engloba uma enorme complexidade e múltiplos intervenientes. Ao nível hospitalar, envolve etapas que vão desde a seleção, aquisição e armazenamento dos medicamentos, passando pela prescrição médica, preparação na farmácia, preparação no serviço, administração e monitorização do doente.

O enfermeiro é o último elo desta cadeia nestes cuidados aos doentes. Muito do seu dia a dia, em vários contextos, é ocupado com a preparação e prática, devendo, pois, ter conhecimentos, sempre atualizados, sobre os efeitos do medicamento, avaliando a sua eficácia no restabelecimento e na manutenção da saúde, monitorizando todas as reações do utente e realizando ensinos, garantindo a qualidade dos cuidados e a segurança do doente na continuidade de cuidados.

Esta obra, que prefaciámos hic et nunc (“aqui e agora”), escrita pelo André Ferreira, vai ao encontro de muitas inquietações dos profissionais de Enfermagem sobre a terapêutica de uma forma geral, e, em particular, não só na preparação e administração de fármacos, como também nos efeitos pretendidos e pelas reações adversas. Constitui, por si só, uma achega valiosa para a reflexão sobre as experiências com as terapêuticas quotidianas nos serviços de saúde. Será assim um excelente vade­mécum de boas práticas em Enfermagem, no que concerne à gestão da terapêutica.

Assunção Nogueira

PhD, Professora Adjunta Principal na Escola Superior de Enfermagem do Tâmega e Sousa (ESEnfTS) no Instituto Politécnico de Saúde do Norte (IPSN­CESPU)

X Preparação de Terapêutica
Farmacológica

NOTA INTRODUTÓRIA

As páginas deste exemplar começaram a ser redigidas no início da pandemia provocada pela COVID-19 (coronavirus disease 2019), que pôs à prova, sob pressão e num cansaço extremos milhares de enfermeiros e outros profissionais de saúde. Fruto de uma necessidade identificada e observada no exercício diário, esta proposta objetiva, além de orientação e incentivo, é uma contribuição significativa para a prática dos profissionais, bem como para o processo formativo dos que estão prestes a ingressar.

A administração de fármacos, de modo geral, corresponde a um complexo processo que implica a participação de vários profissionais de saúde. Trata-se de uma função que envolve o médico, o farmacêutico e o enfermeiro. Em Portugal, especificamente, o profissional de Enfermagem acumula a responsabilidade da preparação e administração da terapêutica medicamentosa – detetando os seus efeitos diretos sobre o utente – e, se necessário, atua em conformidade, no caso de eventuais complicações. Esta prática está amparada pelo Decreto-Lei n.º 161/1996, que regula o exercício profissional do enfermeiro.

A preparação e administração de terapêutica medicamentosa é uma das atividades de Enfermagem que mais preenchem a prática diária destes profissionais, impondo saberes diversos e bem fundamentados, que vão desde a forma como se prepara cada fármaco aos cuidados antes, durante e após a sua administração. Ao referido, soma-se a necessidade de atualização contínua de conhecimentos gerais e específicos, uma vez que a complexidade e evolução da ciência médica e farmacológica também são constantes.

Devido ao leque de fármacos disponíveis no mercado e às especificidades na preparação e administração de cada um deles, não se contesta que esta será sempre uma área sensível, tanto para os profissionais atuantes como para os futuros, isto é, aqueles que ainda estão em formação.

Desta forma, o autor decidiu aventurar-se no desafio de criar um manual de consulta fácil e que abarcasse a resposta às dúvidas observáveis e inerentes que surgem no

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exercício profissional em questão. Tendo em consideração a suscetibilidade a estas incertezas, vivenciadas pelo autor e por outros colegas, este guia de procura rápida possui um formato que pode acompanhar qualquer profissional de saúde, professor e aluno, além de estar disponível para consulta nas diversas unidades funcionais.

Apesar de estar consciente das dificuldades que iria encontrar, o autor iniciou este trabalho movido principalmente pela noção da sua utilidade. Considerou o panorama geral daquilo que o mercado tem oferecido até ao presente momento, no que se refere à farmacologia em Enfermagem, e decidiu que este livro deveria contemplar as necessidades dos profissionais de forma mais prática e consistente. Chegou à conclusão de que os estudos relacionados com a preparação, estabilidade, compatibilidade e administração dos fármacos estão dispersos, normalmente em livros editados noutros países, e nem sempre contêm informação relativa às formulações comercializadas em Portugal. Muitas vezes, nem os dados dos próprios laboratórios produtores são oportunamente disponibilizados. Uma realidade bastante desconfortável que põe à prova a rotina do enfermeiro.

Mediante esse contexto crítico, este manual resultou de um conjunto de informações recolhidas e analisadas minuciosamente, essencialmente obtidas a partir dos Resumos das Características dos Medicamentos (RCM) – ou de outras fontes bibliográficas, quando a informação nos RCM era insuficiente. A obtenção dos RCM foi possível através de pedido formalizado aos laboratórios e farmácias hospitalares e, simultaneamente, da consulta em websites nacionais e internacionais de reconhecida idoneidade.

No que se refere às características e utilização dos medicamentos, o guia foi elaborado e organizado com base na classificação farmacoterapêutica regulamentada na lei portuguesa, encontrando-se os fármacos reunidos por grupo farmacológico e ordenados alfabeticamente por nome genérico e/ou Denominação Comum Internacional (DCI). A sua consulta não tem, necessariamente, de ser realizada por uma determinada ordem, uma vez que, no final, existe um índice remissivo que associa cada nome genérico à respetiva página.

É um manual rico em indicações específicas da prática de Enfermagem, contendo 152 fármacos, e pode ser considerado um autêntico auxiliar para o trabalho relacionado com os cuidados inerentes à farmacoterapêutica. Serve também, portanto, para a apreciação, implementação e avaliação dos resultados terapêuticos.

Tendo em consideração a infinidade de fármacos existentes, o autor selecionou os de utilização mais comum e frequente na prática diária dos enfermeiros, deixando para a posteridade, quem sabe, aqueles que eventualmente mereçam outro manual e que, devido à suas especificidades e/ou pouca utilidade, não teriam grande relevância neste guia, como é o caso dos agentes antineoplásicos e imunomoduladores, assim como terapêutica dirigida à moldura pediátrica.

XII Preparação de Terapêutica
Farmacológica

É importante ressaltar que a bibliografia disponível nos variados parâmetros não permite afirmar, com precisão, que a preparação ou administração terá de ser da forma apresentada, uma vez que a administração de fármacos implica sempre a consulta dos folhetos informativos que os acompanham, bem como as indicações específicas de cada laboratório.

Dada a constante evolução científica, não se deverá crer que as informações contidas neste livro sejam totalmente completas em todos os itens. Assim sendo, deverá ser preocupação do leitor a confirmação de todas as informações que possam suscitar dúvida. Trata-se de um manual, mas não deverá ser considerado um projeto acabado e imutável.

Deste modo, e entre as tantas intervenções que se fazem imprescindíveis no que tange ao aprimoramento das práticas intrínsecas à Enfermagem, este é apenas mais um passo a dar resposta às necessidades e dificuldades já encontradas no exercício de tantos outros profissionais de saúde. Profissionais estes que diariamente lidam com a importante responsabilidade de preparação e administração de terapêutica medicamentosa, mas que também se veem diante do desafio de lidar com outras questões sensíveis, das quais trataremos no último capítulo.

A parte final deste livro, que por sua vez tem base firmada em literatura atualizada, conta com uma abordagem reflexiva, na qual o autor convoca o estimado leitor e colega a reavaliar condutas e procedimentos bastante frequentes no contexto farmacológico. As observações e indagações propostas vão além da prática terapêutica, uma vez que a amplitude dos serviços de Enfermagem coloca todo e qualquer profissional vulnerável, no que se refere tanto às perspetivas individuais sobre determinadas funções e práticas, quanto às relações interpessoais – um conjunto de fatores que, muitas vezes, carece de harmonização e flexibilidade em prol do todo que representamos, isto é, enfermo, enfermeiro e Enfermagem. Espera, contudo, pelo menos no que se refere às práticas farmacológicas, corresponder às necessidades dos estimados colegas, bem como aos estudos preparatórios dos futuros enfermeiros. E faz votos de que o mesmo ocorra a outros profissionais de saúde a quem este guia possa auxiliar, simplificar e melhorar as suas respetivas práticas.

Os serviços de cuidados aos utentes refletem, por si só, um ato nobre e humano, como também representam vida e continuidade para a nossa sociedade.

© LIDEL –E diçõ E s T écnicas Nota Introdutória XIII
André Ferreira (autor)

SIGLAS, ABREVIATURAS E ACRÓNIMOS

A

AINE – Anti‑inflamatórios não esteroides

AIT – Acidente isquémico transitório

AVC – Acidente vascular cerebral

C

CVC – Cateter(es) venoso(s) central(ais)

CVP – Cateter(es) venoso(s) periférico(s)

D

D5%H2O – Solução de glicose 5% em água

D10%H2O – Solução de glicose 10% em água

D20%H2O – Solução de glicose 20% em água

D5%SF – Solução de glicose 5% em soro fisiológico

DCI – Denominação Comum Internacional

DGS – Direção-Geral da Saúde

DPOC – Doença pulmonar obstrutiva crónica

EAM – Enfarte agudo do miocárdio

EV – Endovenosa(o)(s)

F

FC – Frequência cardíaca

H

HTA – Hipertensão arterial

E

I

ID – Intradérmica

IECA – Inibidores da enzima de conversão da angiotensina

IM – Intramuscular

IMAO – Inibidor da monoamina oxidase

INCS – Infeção nosocomial da corrente sanguínea

INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde

INR – International Normalized Ratio

IRC – Insuficiência renal crónica

K KCl – Cloreto de potássio

L

LASA – Look‑alike, sound‑alike

LR – Lactato de Ringer

M

MUI – Milhões de Unidades Internacionais

N NaCl – Cloreto de sódio

NPH – neutral protamine hegedorn

NPL – neutral protamine lispro

OE – Ordem dos Enfermeiros

OMS – Organização Mundial da Saúde

PCR – Proteína C reativa

PEG – Gastrostomia percutânea endoscópica

pH – Potencial de hidrogénio

PO – Per os (oral)

PPI – Para preparação(ões) de injetáveis

PVC – Policloreto de vinilo

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Siglas, Abreviaturas e Acrónimos XV
O
P

R

RCM – Resumos das Características dos Medicamentos

REPE – Regulamento do Exercício Profissional dos Enfermeiros

S

SC – Subcutânea

SNC – Sistema nervoso central

SNG – Sonda nasogástrica

SOS – Si Opus Sit

T

TA – Tensão arterial

TD – Transdérmica

U

UCI – Unidade(s) de Cuidados Intensivos

UI – Unidades Internacionais

V VMI – Ventilação mecânica invasiva

µg – Microgramas

XVI Preparação de Terapêutica Farmacológica

PRINCÍPIOS DA FARMACOLOGIA 1

1.1 A TERAPÊUTICA FARMACOLÓGICA

É importante que o enfermeiro, na administração de terapêutica, conheça os mecanismos de ação e o efeito dos fármacos. Normalmente, os pertencentes à mesma classe terapêutica apresentam mecanismos de ação, precauções e interações semelhantes.

Os objetivos da terapêutica farmacológica incluem a manutenção da saúde, prevenção da doença, tratamento e cura. É necessário também conhecer os efeitos adversos.

O fármaco tem eficácia terapêutica assim que entra no organismo (biofase) e é absorvido e distribuído pelas células, tecidos ou órgãos específicos, alterando as suas funções fisiológicas.

Para que o fármaco possa agir, é necessário que alcance concentrações eficazes nas estruturas celulares em que a seleção se exerce. Na maioria das vezes, é necessário proceder-se à aplicação sistémica do fármaco. Quando assim é, este tem, em primeiro lugar, de atingir a circulação sanguínea, para que, após a sua distribuição pelo organismo, possam ser alcançadas concentrações eficazes no local de ação (Katzung & Trevor, 2017).

A aplicação de um fármaco por via sistémica envolve três áreas complementares entre si: a biofarmacêutica, a farmacocinética e a farmacodinâmica (Potter, Perry, Stockert & Hall, 2018).

Segundo estes autores, a biofarmacêutica abarca todos os aspetos relacionados com a cedência do princípio ativo, desde a forma farmacêutica, através da qual foi vinculado, até ao local de absorção. Trata-se de uma etapa que se encontra bem caracterizada e cuja reprodutibilidade é largamente ensaiada antes da comercialização de qualquer fármaco.

A farmacocinética é o estudo da absorção, distribuição, metabolização e excreção dos fármacos. Todas estas etapas a que um fármaco está sujeito, uma vez no organismo, ocorrem de forma simultânea e não sequencial, em que a qualquer

© LIDEL –E diçõ E s T écnicas

2.4.2.3 Intramuscular

Trata-se da administração realizada diretamente no músculo, utilizada para determinados tipos de formulação, como soluções oleosas ou suspensões, que requerem uma absorção a longo prazo. O volume deve ser avaliado – pois irá depender da massa muscular do indivíduo – para evitar complicações. Os músculos mais utilizados são o vasto lateral da coxa, o dorso-glúteo, o pequeno glúteo e o músculo deltoide. As vantagens e desvantagens podem ser consultadas no Quadro 2.8.

Quadro 2.8 – Vantagens e desvantagens da administração por via IM (adaptado de Ritter, Flower, Henderson, Loke, MacEwan & Rang, 2018)

Vantagens Desvantagens

§ Absorção total da dose

§ Ação farmacológica rápida

§ Evita o metabolismo hepático

§ Fácil aplicação

§ Uso de soluções aquosas e oleosas

§ Uso em utentes com deglutição comprometida

§ Recomendado para utentes inconscientes

2.4.2.4 Percutânea

§ Abcessos

§ Doloroso

§ Infeção

§ Injeção acidental em veia ou artéria

§ Lesão de nervos

§ Precipitação do fármaco no local de aplicação

§ Substâncias irritantes e vesicantes

§ Uso de pequenos volumes

Esta via de administração provoca efeitos sistémicos por aplicação do fármaco na pele, usualmente por meio de um adesivo transdérmico.

A velocidade de absorção pode variar amplamente, consoante as características físicas da pele e o local de aplicação. As vantagens e desvantagens podem ser consultadas no Quadro 2.9.

Quadro 2.9 – Vantagens e desvantagens da administração por via percutânea (adaptado de Ritter, Flower, Henderson, Loke, MacEwan & Rang, 2018)

Vantagens Desvantagens

§ Ação sistémica

§ Administração não invasiva

§ Aumento de adesão ao tratamento

§ Confortável

§ Evita o metabolismo hepático

§ Fácil remoção

§ Frequência de administração

§ Libertação contínua do fármaco

§ Permite a autoadministração

§ Recomendado para utentes inconscientes

§ Ação farmacológica demorada

§ Custo elevado

§ Dosagem limitada

§ Irritação local (edema, eritema, prurido)

§ Limitação do tipo de fármaco

18 Preparação de Terapêutica Farmacológica

O local da injeção deve ser rigorosamente inspecionado antes da aplicação e estar livre de sinais de lipodistrofia, edema, inflamação e infeção.

As regiões recomendadas para administração – via SC – já foram indicadas na Secção 2.4.2.5, “Subcutânea”.

Segundo vários estudos, os principais fatores de risco para o desenvolvimento de lipodistrofia são o tempo de duração do uso de insulina, a frequência com que é administrada na mesma região e a frequência na reutilização da agulha – em casos autoadministração.

A Tabela 4.1 apresenta uma relação dos nomes comerciais dos diversos tipos de insulina. Na Tabela 4.2, poderão ver-se as condições de conservação adequadas no uso de insulinas, no entanto, deverá sempre ser consultada a informação do laboratório.

e insulinas humanas usadas em Portugal

Legenda: NPH – neutral protamine

; NPL – neutral protamine lispro.

Insulinoterapia 35 © LIDEL –E diçõ E s T écnicas
Ação Tipo de insulina Denominação comercial Tempo de início de ação após a administração Tempo de pico de ação após a administração Tempo de duração total de ação após a administração Análogos de ação curta Lispro Humalog® 5‑15 min 30‑120 min 4‑5 h Asparte NovoRapid® 1‑2 h 4‑6 h Glulisina Apidra® 30‑120 min 3‑4 h Humana de ação curta Regular Actrapid® 30‑60 min 2‑3 h 5‑8 h Humulin R® Insuman Rapid® Humana de ação intermédia Isofânica ou NPH Insuman Basal® 2‑4 h 4‑10 h 10‑18 h Insulatard® Humulin NPH® Análogos de ação prolongada Glargina Lantus® 2‑4 h Sem pico 20‑24 h Detemir Levemir® 1‑3 h 6‑8 h 18‑22 h
Lispro 25% + NPL 75% Humalog Mix 25® 5‑15 min 1‑4 h 10‑16 h Lispro 50% + NPL 50% Humalog Mix 50® Asparte 30% + NPA 70% NovoMix 30® Até 24 h
Tabela 4.1 – Análogos
Análogos bifásicos (ação intermédia + ação curta)
hegedorn

5 GUIA DE PREPARAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO DE FÁRMACOS POR VIA PARENTÉRICA

O guia de preparação e administração de fármacos por via parentérica foi organizado com base na classificação farmacoterapêutica regulamentada na lei portuguesa (Despacho n.º 4742/2014). Os fármacos encontram-se divididos pelos respetivos grupos farmacoterapêuticos.

Ao longo das próximas páginas, em cada fármaco, deparará com um quadro, composto da seguinte forma:

§ Grupo/Subgrupo farmacológico;

§ Indicações terapêuticas;

§ Efeitos adversos frequentes;

§ Contraindicações;

§ Apresentação;

§ Via de administração;

§ Reconstituição;

§ Diluição;

§ Tempo de administração;

§ Estabilidade;

§ Incompatibilidade/Interações medicamentosas;

§ Cuidados de Enfermagem/Observações.

As indicações fornecidas dizem respeito à utilização em adultos com função renal normal e sem necessidade de restrições hídricas. A dose, a concentração e a velocidade de perfusão indicadas para cada fármaco são recomendações gerais do fabricante. Deverá consultar o folheto informativo que acompanha o fármaco.

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AMPICILINA

Grupo farmacológico

Antibacterianos: aminopenicilinas

Indicações terapêuticas

§ Meningite

§ Otite

§ Septicemia

§ Tratamento das infeções da pele e outras estruturas cutâneas, respiratórias e geniturinárias

Efeitos adversos frequentes

§ Candidíase

§ Diarreia

§ Flebite

§ Náuseas/Vómitos

§ Rash cutâneo

Apresentação

Pó para solução injetável ‑ 250 mg; 500 mg; 1000 mg

Via de administração

Subcutânea

Reconstituição

§ 250‑500 mg ‑ 3 ml

§ 1000 mg ‑ 5 ml

§ Água PPI

Diluição

§ 50 ml

§ NaCl 0,9%

§ 250‑500 mg ‑ 3 ml

§ 1000 mg ‑ 5 ml

§ Água PPI; Lidocaína 0,5%

Tempo de administração

Estabilidade

Utilização imediata Utilização imediata

Incompatibilidade/Interações medicamentosas

Contraindicações

§ Hipersensibilidade à substância ativa e/ou às pe nicilinas

§ Insuficiência renal grave

§ Mononucleose infeciosa

§ 250‑1000 mg ‑ 5 ml

§ Água PPI; NaCl 0,9%

§ 500‑1000 mg ‑ 5 ml

§ Água PPI

§ 10‑20 ml

§ NaCl 0,9%; LR

§ 100 ml

§ NaCl 0,9%; LR

Utilização imediata Utilização imediata

Adrenalina, alopurinol, amicacina, contracetivos hormonais, fluconazol, gentamicina, hidralazina, ondanse tron, probenecida, varfarina, verapamilo

Cuidados de Enfermagem/Observações

§ Após reconstituição com água PPI, a solução apresenta‑se límpida e ligeiramente amarelada

§ Dialisável por hemodiálise, mas não por diálise peritoneal

§ Não usar soluções turvas

§ Usado via SC (hipodermóclise) – ver Quadro 2.12

§ Vigiar o acesso venoso por risco de flebite

§ Vigiar os parâmetros analíticos infeciosos (PCR e leucograma)

Hiperligação

https://www.indice.eu/pt/medicamentos/DCI/ampicilina/informacao‑geral

42 Preparação de Terapêutica
Farmacológica
(SC) ‑ Perfu são IM EV ‑ Direta EV ‑ Perfusão
20
3‑5 min 30‑60 min
min

5.3 APARELHO CARDIOVASCULAR

§ Cardiotónicos

§ Antiarrítmicos

§ Simpaticomiméticos

§ Anti‑hipertensores

§ Vasodilatadores

TOME NOTA

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DICLOFENAC DE SÓDICO

Grupo farmacológico

AINE: derivados do ácido acético

Indicações terapêuticas

§ Crises de gota

§ Dor causada por colelitíase, litíase renal, edema após cirurgia e lesões

§ Dor reumática ou degenerativa das articulações (artrite); dor lombar, síndrome do ombro congelado, cotovelo de tenista e outros tipos de reumatismo

Efeitos adversos frequentes Contraindicações

§ Anafilaxia

§ Cefaleias

§ Dispepsia

§ Dor na administração

§ Erupções cutâneas

§ Hemorragia gastrointestinal

§ Hepatotoxicidade

§ Hipertensão

Apresentação

Solução injetável ‑ 75 mg/3 ml

Via de administração

§ Hemorragia gastrointestinal

§ Hipersensibilidade à substância ativa e/ou ao áci do acetilsalicílico

§ História de úlcera péptica

§ Insuficiência cardíaca grave

§ Insuficiência hepática e/ou renal

SC ‑ Perfusão IM

Reconstituição

Solução pronta Solução pronta

Diluição

§ 30 ml

§ NaCl 0,9%

Tempo de administração

Utilização imediata

Estabilidade

Utilização imediata

Incompatibilidade/Interações medicamentosas

Utilização imediata

Utilização imediata

Ácido acetilsalicílico, ciclosporina, corticoides, digoxina, diuréticos, fenitoína, ibuprofeno, IECA ou beta ‑bloqueadores, inibidores seletivos da recaptação da serotonina, metformina, metotrexato, rifampicina, tacrolímus, trimetoprim

Cuidados de Enfermagem/Observações

§ Dialisável por hemodiálise ou diálise peritoneal

§ Monitorizar os sinais e sintomas de anafilaxia

§ Na administração IM, não deve ser associado ao tiocolquicosido por não haver estudos que evidenciem a segurança desta associação

§ Usado via SC (hipodermóclise) – ver Quadro 2.12 –; o local de punção deve ser exclusivo

§ Vigiar sinais de hemorragia gastrointestinal Hiperligação

https://extranet.infarmed.pt/INFOMED‑fo/detalhes‑medicamento.xhtml?med_guid=282f2b106 c8b11e28675b31e307b72c1

176 Preparação de Terapêutica
Farmacológica

6

CONDUTAS NA ENFERMAGEM: UM PRISMA REFLEXIVO EM PROL DO APERFEIÇOAMENTO

6.1 A PARTIR DO EVITÁVEL

A prática insegura na preparação e administração de terapêutica farmacológica é a principal causa de lesões e danos evitáveis nos sistemas de saúde em todo o mundo. Os contextos que colocam a personagem principal em risco, nesse caso, o utente, são diversos, e a necessidade de refletir sobre a conduta do enfermeiro ao desempenhar um papel tão delicado é notória. De modo que se garanta que as atividades desenvolvidas nesse âmbito não sejam meramente técnicas, mas que ultrapassem as barreiras de um cargo remunerado e contemplem melhorias também notáveis na qualidade do profissional, é imprescindível voltar o olhar para questões tão complexas e inerentes ao ofício da Enfermagem.

Globalmente, e segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2017), o custo associado a erros de medicação é estimado em cerca de 42 mil milhões de dólares por ano. Os tais erros ocorrem em diferentes fases do processo de manipulação dos fármacos e são motivados por diversos fatores, entre eles fatores humanos, tal como a fadiga. As más condições ambientais ou até a falta de recursos também são consideradas causas que afetam as práticas de prescrição, dispensa, preparação, administração e monitorização, o que pode resultar em danos graves, incapacidade ou até morte.

Encontram-se descritas na literatura várias intervenções já desenvolvidas para abordar a frequência e o impacto dos erros na administração de terapêutica. Mas a sua implementação é variada, o que acarreta desigualdade, tanto na realidade prática de cada unidade de saúde, de modo geral, quanto nas condições de trabalho e nos resultados obtidos diretamente com cada utente. Tendo isso em conta, em 2017, a OMS estabeleceu o desafio de reduzir 50% os danos graves e evitáveis associados à preparação e administração de terapêutica farmacológica em todos os países, até ao ano de 2022, conhecido como Medication Without Harm – Global Patient Safety Challenge on Medication Safety. Nele, encontram-se cinco objetivos específicos, que se baseiam em avaliação, criação, desenvolvimento, envolvimento e empoderamento.

© LIDEL –E diçõ E s T écnicas

PREPARAÇÃO DE TERAPÊUTICA FARMACOLÓGICA

Este livro apresenta conceitos gerais de farmacologia, em forma de instruções técnicas, o que auxilia o pro ssional a explorar e a colocar em evidência as suas habilidades numa importante e transversal área de atuação.

Com uma orientação cientí ca devidamente detalhada, compila a informação essencial de mais de 150 fármacos administrados por via parentérica (os mais comuns na terapêutica medicamentosa). Os conteúdos incluem a apresentação do fármaco, a sua preparação e administração, as reações adversas e interações medicamentosas, os cuidados especí cos de Enfermagem, entre outros.

Enquanto ferramenta técnica apropriada à linguagem e ao contexto da Enfermagem, faz também uma re exão sistemática e criteriosa a respeito de algumas complexidades que envolvem a administração da terapêutica.

Por tudo isto, é um livro indispensável ao exercício pro ssional do enfermeiro que trabalhe em qualquer área, sendo também útil aos estudantes ao longo do seu percurso académico.

André

Especialista em Enfermagem Comunitária pela Escola Superior de Saúde Atlântica. Licenciado em Enfermagem pela Escola Superior de Saúde do Vale do Sousa. Observador e investigador das boas práticas e dos cuidados ao utente, com ênfase na terapêutica farmacológica. Com experiência pro ssional maioritariamente em contexto hospitalar, desenvolve, atualmente, o exercício pro ssional no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE, na área do internamento em Medicina Interna.

ISBN 978-989-752-877-4

9 789897 528774

www.lidel.pt

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