A mensagem das lágrimas: Guia para lidar com o luto

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A Mensagem das Lágrimas

G uia para Lidar com o Luto

Alba Payàs Puigarnau

Revisão técnica da edição portuguesa: Sofia Gabriel, Mauro Paulino e Alexandra Coelho

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Editores, Lda.

ISBN edição impressa: 978-989-693-154-4

1. ª edição impressa: fevereiro de 2023

Paginação: Carlos Mendes

Impressão e acabamento: Tipografia Lousanense, Lda. – Lousã Depósito Legal n.º 511534/23

Capa: José Manuel Reis

Imagem de capa: a partir de um original de © Virtual Colors

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VII Índice Prólogo .................................................................................................................... XI 1. O Luto é de Todos ......................................................................................... 1 2. Uma Experiência que Tem de Ser Vivida ou um Problema que Tem de Ser Resolvido?........................................................................................... 7 O sofrimento do luto: necessário ou desnecessário? .............................. 12 Luto e medicação ......................................................................................... 14 O luto tem fases? ......................................................................................... 18 3. Os Mitos do Luto ......................................................................................... 25 Como se constroem os muros de silêncio 29 Mito 1. O tempo cura tudo ........................................................................ 33 Mito 2. Expressar a sua dor magoa-o a si mesmo ................................... 36 Mito 3. Expressar a sua dor magoa os outros .......................................... 39 Mito 4. Expressar a dor é um sinal de inadequação ............................... 42 Mito 5. A dor deve ser expressa em privacidade ..................................... 44 4. Cuidar de Si Mesmo: Momentos Iniciais ................................................. 49 A dimensão física 50 A dimensão emocional-relacional ............................................................ 56 A dimensão cognitiva-mental ................................................................... 59 5. As Circunstâncias da Morte ....................................................................... 65 O estado de trauma-choque....................................................................... 68 Confusão e descrença ................................................................................. 70 Medo, angústia e pânico ............................................................................. 71 Não está a enlouquecer ............................................................................... 72 Os primeiros dias e as primeiras semanas ............................................... 73 © PACTOR
A Mensagem das Lágrimas VIII Sintomas de luto traumático: fatores de risco.......................................... 74 A forma como a notícia foi comunicada .................................................. 75 Ver o corpo ................................................................................................... 78 O funeral e os rituais de despedida ........................................................... 81 “Não consegui fazer nada!” 84 Será que sofreu? ........................................................................................... 86 6. Proteger e Negar o Sofrimento .................................................................. 89 Esquecer ou recordar? Eis a questão ......................................................... 89 Respostas emocionais de proteção-negação ............................................ 93 Respostas comportamentais de proteção-negação ............................... 105 Pensamentos de proteção-negação ......................................................... 114 Subornar o nosso corpo ........................................................................... 117 7. Cuidar de Si Mesmo: Momentos Avançados ......................................... 123 A dimensão emocional-relacional 124 A dimensão cognitiva-mental ................................................................. 130 A dimensão existencial e espiritual ......................................................... 132 8. Integrar a Perda da Relação ..................................................................... 139 Tristeza, aflição e saudade ........................................................................ 143 Momentos para recordar .......................................................................... 145 A mensagem das lágrimas ........................................................................ 146 Assuntos pendentes................................................................................... 149 Pedir perdão e perdoar ............................................................................. 153 Expressar gratidão 160 O espelho partido ...................................................................................... 162 O futuro não vivido................................................................................... 165 Despedir-se ................................................................................................ 169 9. Voltar a Casa: Vivenciar o Crescimento e a Transformação ................ 175 Transformar a nossa identidade .............................................................. 178 © PACTOR
Índice IX Transformar as nossas relações ............................................................... 181 A importância do amor 186 Recuperar a esperança .............................................................................. 190 10. O Despertar Espiritual Perante o Luto ................................................... 195 Apêndices ............................................................................................................. 205 Palavras que ajudam ................................................................................. 205 Palavras que não ajudam 207 Cuidar de si mesmo quando está de luto ............................................... 209 © PACTOR

Esta obra não é, de todo, um mero livro de autoajuda, mas uma brilhante tentativa de colmatar a conspiração do silêncio e o estigma social que envolve o processo de luto, ou seja, a pressão social para reprimir o sofrimento e “seguir em frente” – palavras tão dolorosas, mas tão frequentemente escutadas pelas pessoas que acabaram de perder uma parte de si, da sua vida e da sua história. Consciencializa-se que a sua compreensível dificuldade em lidar com o sofrimento que vê no outro não o deve empurrar para tais frases feitas que, apesar de bem-intencionadas, são desrespeitadoras da dor e dos tempos do outro.

Através da leitura destas páginas, são desconstruídos os principais mitos associados ao processo de luto e normalizadas as principais reações emocionas, cognitivas, físicas e espirituais que tendem a ser vivenciadas pelas pessoas enlutadas, atenuando o “medo de estar a enlouquecer”, não raras vezes sentido. Este livro vai responder a muitas das suas perguntas (“Será normal sentir raiva? Porque é que ela me deixou?”) e refletir, sem medo ou tabus, sobre angústias ou dúvidas sem resposta (“Porque é que Deus me fez isto?”) ou até sobre pensamentos e emoções que pode ter vergonha de verbalizar junto das pessoas mais próximas (por exemplo, sentimentos de culpa por se sentir aliviado, após a perda de alguém de quem cuidou durante anos).

Outras problemáticas associadas à morte são, como referido, abordadas (e, mais uma vez, sem medo): “Devo ver o corpo? Para que serve um funeral? A forma como é comunicada a notícia da morte tem importância?”.

Neste sentido, esta obra não se limita a explicar o que não se deve dizer a alguém em luto, como ainda faz sugestões de verbalizações e ações importantes que as pessoas em sofrimento necessitam de ouvir.

Ao longo dos diversos capítulos, são descritas as principais fases do processo de luto (desde os primeiros dias da perda), os distintos desafios

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Prólogo
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inerentes a cada uma delas e as estratégias a implementar para um processo de luto menos doloroso, evitando o cristalizar de sintomas e sinais que culminem num luto prolongado. À semelhança do que acontece na obra LUTO: Manual de Intervenção Psicológica (2021) da Pactor, que, apesar de ser um livro técnico, permite momentos constantes de reflexão e introspecção acerca das diferentes perdas que vivenciamos ao longo do nosso ciclo da vida e da necessidade de as integrar na nossa história de vida, enquanto personagem principal.

A leitura ajuda-nos a compreender a sensação de que temos um papel ativo na gestão da nossa própria dor, que não somos vítimas do destino e que é possível manter uma relação interna, simbólica e emocional com a pessoa perdida, com recurso aos rituais do luto. É enaltecida e explicada a necessidade do contacto com a dor, apesar da tentativa inata do ser humano de negar a realidade da perda, como estratégia de proteção, tendo como exemplo evitar tudo o que recorde a pessoa. Mas será que podemos fugir para sempre? Qual o preço emocional dessa fuga constante? Neste texto são também explorados os riscos associados a esta fuga (em vão) do sofrimento.

Este é um guia de autocuidado para as diferentes fases do luto, no qual acabamos por nos negligenciar face ao tamanho sofrimento da perda e, se fizer sentido para o leitor, este é, também, um guia de desenvolvimento pessoal que tem chegado a vários países e a um número elevado de leitores – não fosse a morte o que de mais certo temos na vida.

A literatura da especialidade evidencia que estar de luto é um processo de fragmentação da identidade, a parte de nós que existia somente com a outra pessoa (porque cada relação é única) parte com ela e, por isso, fica um vazio e uma enorme dúvida: “Quem sou eu agora?”.

Decerto, não voltará a ser a pessoa que era antes, contudo, este é o momento mais propício a definir quem quer ser no presente e como pretende viver o seu futuro, em função de todas as experiências riquíssimas em significado (que inclui, o significado que atribuí à sua perda) e o simbolismo originados pelo sofrimento.

Porém, este é um livro que, pela sua riqueza e universalidade, não aborda somente o tema da morte, lançando uma importante reflexão sobre a

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vida e a necessidade imperativa de não deixarmos assuntos pendentes (como pedir perdão, perdoar, expressar gratidão ou dizer que amamos alguém) e evitarmos um luto por um futuro não vivido com a pessoa que perdemos. A importância do amor, do papel das relações sociais e da esperança para sobreviver à perda torna-se explícita ao longo desta leitura e lançam uma nova luz sobre a vida que temos agora, enquanto sentimos este livro nas mãos, enquanto folheamos estas páginas.

Por tudo o que foi mencionado anteriormente, esta obra intemporal, que aborda também o tema do consumo de medicação por pessoas em luto, pode ser resumida na seguinte expressão da própria autora: “A caminhada do luto não termina com a descoberta de respostas, as respostas são a própria caminhada”. E a caminhada é diária, a cada evento, a cada aniversário da morte, a cada aniversário que se pretendia celebrar, a cada Natal, a cada celebração…

Um alerta para o leitor: muito provavelmente, vai emocionar-se com as partilhas de pessoas (reais) em luto, dado a elevada possibilidade de se identificar com muitas delas. Permita-se a vivenciar as emoções que o texto lhe vai inspirar.

Mesmo para quem não passou por uma perda, esta possibilidade não é menor, as lágrimas vão acabar por inevitavelmente surgir. Reflita sobre a mensagem dessas lágrimas.

Prólogo XIII
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O Luto é de Todos

Porque é que me dizem que vou aprender com a morte do meu filho? Eu não quero aprender nada!

As pessoas dizem-me coisas estranhas… Dizem-me que vou crescer como pessoa, que vou ser capaz de ajudar outros pais, que, com o tempo, vou acabar por aprender a suportar esta dor que tenho dentro de mim. É isso que me vai ajudar a aceitar o que aconteceu? Pensar nas coisas positivas que poderão sair de algo tão negativo? Que as perdas são aprendizagens ou lições? Se assim for, eu não quero evoluir como pessoa, não quero crescer, bem como não quero ajudar outros pais. O que eu quero é ter o meu filho comigo novamente, para poder tocá-lo com as minhas próprias mãos. Essa, sim, era a única coisa que poderia aliviar a minha dor. Calo-me por respeito aos outros, pois suponho que me digam tudo isto com boas intenções, mas, no fundo, estou muito zangada. É isto que se espera receber dos outros quando estamos de luto? É este o consolo que nós, pais que perdemos os nossos filhos, devemos esperar?

A maioria de vós, com este livro nas mãos, já passou por uma experiência de perda. Se, ao longo da sua vida, ainda não perdeu uma pessoa importante, decerto viverá uma perda no seu futuro. Outra experiência frequente é estar próximo de uma pessoa que se encontra enlutada. Este livro é para as pessoas que se encontram em processo de luto, bem como para todos aqueles que desejam ajudar pessoas que sofreram uma perda, quer se trate de um amigo ou de um membro da família. E é, também,

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para todos aqueles que, sem pertencerem a nenhum destes dois grupos referidos, estão interessados neste assunto e querem sentir-se informados e preparados para abordar o tema.

Só existem duas coisas certas na vida: os impostos e a morte.

Não podemos viver sem sofrimento e, apesar desta verdade universal, ninguém nos ensina a lidar com a dor. Todos os anos, é-nos exigido gerir as nossas declarações fiscais. Passamos imenso tempo a fazê-lo, vamos pesquisar e recolher informação acerca dos procedimentos e até pedimos ajuda a profissionais. Não nos podemos libertar desta tarefa, tal como não nos podemos libertar da morte e do luto. Neste sentido, surgem as questões: quantas horas das nossas vidas dedicámos a aprender a viver uma perda ou a gerir a doença de uma pessoa que nos é próxima? E quantas perdemos a preparar-nos para a morte, dado que sabemos que um dia vai chegar? Que formação recebemos para compreender o que é uma emoção, que papel desempenha nas nossas vidas, em que circunstâncias é positiva ou negativa, formas de regular as emoções, a identificar o que nos ajuda quando vivemos uma perda ou o que podemos fazer para aliviar o sofrimento e a saudade? Certamente, a resposta que muitos de vós daria é: “NENHUMA”.

Embora estejamos certos de que, em algum momento da nossa vida, iremos vivenciar uma separação, doença ou morte, não nos preparamos para a experiência da perda. E, quando o fazemos, faltam-nos as ferramentas e a coragem para gerir a dor e o luto.

Não tenho respostas para a maioria das perguntas que me são feitas por pessoas em luto: “Porque é que um bebé tem de morrer?”; “Porque é que tenho de ver o meu filho sofrer?”; “Porque é que o meu irmão, um jovem cheio de energia, decidiu terminar com a própria vida?”; “Como posso viver com a morte do meu grande amor, a pessoa com quem partilhei toda a minha vida?”. Durante cerca de 25 anos, tenho vindo a acompanhar pessoas no fim das suas vidas, assim como pessoas em luto, e ainda não tenho respostas para muitas destas questões. Se, neste livro, procura respostas explícitas para o significado do sofrimento, ficará desapontado.

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Os Mitos do Luto

Comecei a exercer a minha profissão como psiquiatra num hospital. Queria entrevistar pessoas que estavam a morrer. Nessa altura, chamávamos-lhes “moribundos”. Mais tarde, surgiu o termo “doentes em estado terminal”. E agora, “pessoas em fim da vida”. Nesse período (estou a falar do início da década de 60 do século XX), não existia o conceito de cuidados paliativos. As pessoas morriam em unidades de cuidados intensivos e, se nada podia ser feito por elas, todos evitavam o contacto com as mesmas. A função do médico é curar e, por isso, se já não o puder fazer, só lhe resta tentar fugir à frustração de sentir o fracasso da medicina. Eu estava interessada em saber se poderíamos realmente fazer algo mais, a nível psicológico, por aquelas pessoas, e pelas suas famílias. Uma vez que as pessoas que melhor sabem o que precisam são as próprias pessoas afetadas, propus a realização de uma série de entrevistas clínicas. O diretor médico que tinha de dar a autorização foi contundente: “Pode fazê-lo, mas com duas condições. A primeira é que tem de pedir autorização a cada família, antes de entrevistar o doente. A segunda é que em circunstância alguma poderá dizer à família ou ao doente que está a morrer”. Eu gosto de um bom desafio e, por essa razão, aceitei. A primeira entrevista foi com um homem idoso, que tinha apenas algumas semanas de vida. Dirigi-me à família: “Gostaria de entrevistar o seu pai, sou psiquiatra e pretendo saber como ele está a viver este processo de doença e como o podemos ajudar a viver melhor”. A esposa e o filho concordaram e disseram-me: “Sim, mas sob duas condições: primeiro tem de lhe pedir autorização a ele e prometer-nos que não lhe dirá que sabemos que ele está a morrer”. Então, pensei eu, eles já sabem! Mas mantenho-me em silêncio, claro. “Não se preocupem, assim o farei”.

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c) A sua mãe ou pai olham para si e ignoram-no. Eles fingem que nada está errado e isso deixa-o confuso. Levanta-se. Não sabe se deve chorar ou não. Sente-se sozinho. Acaba culpando o seu irmão ou o cão… E não sente tristeza.

d) A sua mãe ou pai aproximam-se de si e observam que não está gravemente ferido. Começa a chorar e eles dizem: “Coitadinho, magoaste-te!”. Deixam que chore durante algum tempo e mostram empatia, mas não o salvam de estar em contacto com as suas emoções. Quando se acalma, eles perguntam: “Precisas que te ajude ou consegues fazer isso sozinho?”.

Do mesmo modo, podemos analisar o exemplo referido anteriormente no âmbito de um contexto de luto.

Tem seis anos de idade e o seu pássaro favorito morreu.

a) Quase não tem conhecimento acerca do que aconteceu ao seu pássaro. O seu pai comprou outro, praticamente igual, e dá-lhe o mesmo nome.

b) Quando o vê morto, fica com o coração apertado. A sua mãe diz: “Sê corajoso, era apenas um pássaro. Os meninos não choram”. Ou, se for uma menina: “Se chorares, ficas feia. Não faças alarido por causa disto”.

c) O seu pai não diz nada, deita o pássaro para o caixote do lixo e finge que nada aconteceu. Talvez diga algo como: “É melhor não pensares mais, era só um pássaro”.

d) A sua mãe consola-o e pergunta o que quer fazer com o passarinho. Ela responde às suas perguntas e, quando não sabe o que responder, admite-o. Diz que quer enterrar o pássaro e ela encoraja-o a fazê-lo de uma forma especial. A sua mãe acompanha-o durante os rituais e permite-lhe chorar. Após alguns dias, a sua mãe diz-lhe que, se quiser outro, podem falar mais tarde sobre isso. Dar-lhe-á um outro nome e será um pássaro diferente daquele que perdeu.

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As funções do choro

O choro, sob a forma de descarga de lágrimas, é um processo fisiológico de libertação do excesso de hormonas responsáveis pelo stress (ACTH – hormona adrenocorticotrópica – e prolactina).

• Funções fisiológicas:

– Libertar tensão;

– Reduzir a pressão sanguínea;

– Promover o relaxamento muscular;

– Envolver a pessoa num efeito sedativo e antidepressivo;

– Melhorar o estado de espírito.

• Funções sociais de comunicação:

– Forma não verbal de pedir ajuda física e emocional em momentos de stress ou sofrimento;

– Responder à dor do outro mostrando empatia.

• Função emocional:

– Trabalhar a perda e dotá-la de significado.

Mito 3. Expressar a sua dor magoa os outros

Quando o meu filho me vê a chorar, diz-me sempre: “Mãe, não chores, não consegues ver que te estás a magoar a ti própria? Faz isso por nós”. Sempre que quero chorar, tenho de me trancar na sala para que ele não me veja.

Quando está de luto e expressa tristeza, angústia ou saudade, suscita emoções nas pessoas à sua volta. “Fazes-nos chorar!”, dizem eles. E seria bom poder responder: “Sim, claro. Mas está tudo bem, podemos chorar juntos se quiseres”. Certamente, por respeito e medo de fazer algo de errado, o que tende a fazer é a ficar em silêncio, engolir o nó que sente na garganta e reprimir a dor. A tristeza é, de alguma forma, enterrada no coração.

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NOTAS DO TERAPEUTA
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Sentir dor quando uma pessoa demonstra o seu sofrimento é natural e faz parte da experiência de nos relacionarmos e partilharmos as emoções relativas ao que nos acontece e ao que vivemos. Não conter a sua dor ao ouvir uma pessoa a falar do seu luto é positivo: transmitimos que sentimos o impacto da dor do outro, que gostamos do outro, que nos preocupamos com o outro e que é exatamente por isso que somos impactados pela partilha que nos é confiada.

Em muitas ocasiões, as emoções que a partilha do outro provoca em nós, quando estamos a escutar a sua história, são uma consequência das nossas próprias experiências. Por outras palavras, as emoções são despertadas pelas nossas próprias experiências, as quais ainda nos comovem quando as recordamos. É curioso observar como, por exemplo, depois de um funeral, as pessoas que estão presentes acabam por falar dos seus lutos em vez de consolarem a família. Tome-se como exemplo alguém dizer: “Quando o meu marido morreu...”. Todos contam as suas histórias. As lágrimas dos outros ligam-se às nossas, aquelas que não chegámos a derramar e podemos viver essa experiência de duas formas: como uma ameaça ou como uma oportunidade.

As lágrimas de emoção derramadas pelos outros despertam as nossas, adormecidas, que não chegámos a derramar.

Quando somos capazes de partilhar a nossa dor, mesmo que apenas por alguns momentos, em silêncio ou abraçados ao outro, expressamos que somos seres humanos em luto e que, apesar do sofrimento, podemos apoiar-nos mutuamente.

Tenho 18 anos de idade e a minha mãe morreu há seis meses. Não tenho irmãos, portanto, eu e o meu pai ficámos sozinhos aqui em casa. Quando chego, jantamos juntos, estamos ambos cansados e só falamos de banalidades; fingimos que nada aconteceu, nunca falamos sobre ela. Após o jantar, trancamo-nos nos nossos respetivos quartos. Adormeço a chorar, abraçada à minha almofada, e ouço-o muitas vezes a chorar também.

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Cuidar de Si Mesmo: Momentos Iniciais

Tem uma importante viagem à sua frente: imagine que está a caminhar até ao cimo de uma montanha. É a primeira vez que sobe e não sabe, realmente, o que vai encontrar. Também não sabe como estará o tempo lá em cima, uma vez que a previsão é completamente incerta – mas, ainda assim, deve ir preparado. Poderá ter de treinar com algum tempo de antecedência, bem como ter o equipamento certo para as diferentes situações que possa enfrentar. Haverá desafios físicos e emocionais, e, provavelmente, também materiais. E tem de os enfrentar ao seu próprio ritmo, pouco a pouco. Da mesma forma, sabe que a dada altura terá de parar, descansar e dar a si próprio permissão durante o caminho para recuperar as suas forças.

É importante manter-se saudável, mesmo que uma parte de si, provavelmente, sinta que quer morrer. Viver a ausência de um ente querido é uma experiência que pode deixá-lo exausto: perde a sua vitalidade, a sua energia, a sua alegria – é devastador! E, se não cuidar de si próprio, acrescentará mais um problema ao seu luto.

Torna-se mais fácil compreender o conceito de autocuidado se distinguirmos as quatro dimensões da experiência: a física, a emocional-relacional, a cognitivo-mental e a espiritual.

Pergunto muitas vezes às pessoas que acompanho o seguinte: “Como está a cuidar de si próprio em cada dimensão da sua existência? O que está a fazer para cuidar de todas as dimensões da sua vida, neste momento?”.

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Normalmente, recomendamos que cada pessoa faça pelo menos uma coisa para cuidar de cada nível, para ter uma muleta para cada dimensão, não importa quão pequena seja. Quando estamos de luto, temos de fazer algo pelo nosso corpo físico, pela nossa dimensão emocional-relacional, pela parte mental-intelectual e pela nossa vida interior, espiritual ou transpessoal.

A seguir, descreveremos estas dimensões com exemplos de práticas que o podem ajudar nos primeiros momentos de luto. É bem-vindo a acrescentar ideias. Este capítulo de recomendações destina-se a pessoas que se encontram no início da sua viagem de perda e de luto. No Capítulo 7, daremos mais conselhos para as fases posteriores do luto. As seguintes sugestões são, também, úteis para pessoas que sofreram, recentemente, uma perda.

A dimensão física

Numa fase precoce de luto, a parte mais afetada é a física, corporal e somática. É como se tivesse sido atingido por uma força, mas, simultaneamente, sente-se em choque, como se estivesse sido anestesiado. Na maioria das vezes, sente-se exausto, tem dores no corpo e articulações e, sempre que caminha, é envolvido por uma sensação de um enorme peso. Não tem fome ou passa o dia com desejo de comida. Apetece-lhe desistir de tudo e não cuidar mais da sua imagem. Não descansa, tem insónias, sente-se constantemente inquieto. Ou o contrário: não tem vontade de fazer nada; limita-se a passar a maior parte do dia no sofá ou na cama. É como se não tivesse controlo sobre o seu próprio corpo e não sabe o porquê: há dias em que tem energia e sente-se, de alguma forma, corajoso, e outros em que é necessário um enorme esforço para sair da cama. O corpo dá-lhe pistas e sinais que não sabe interpretar e, acima de tudo, gerir.

Está no meio de uma tempestade, e não tem energia para conseguir preocupar-se acerca do rumo que o barco vai tomar. O mais importante é aguentar as ondas. É por isso que é necessária resistência física. Lembre-se de que o corpo é o lar das suas emoções, dos seus pensamentos e o

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O Despertar Espiritual Perante o Luto1

Se é crente, mais cedo ou mais tarde, ao longo da morosa caminhada que é o luto, vão-lhe surgir perguntas como: “Se existe um Criador, porque permite que a minha filha morra?”; “Deus não nos ama. Se nos amasse, teria feito algo por nós”. É natural fazer estas perguntas, especialmente quando está em choque com a avassaladora dor da perda, mas, quando examina estas questões com mais calma, reconhece que não resistem ao escrutínio racional.

Certamente, está rodeado de diversas pessoas que sofrem e a quem poderia fazer algo para aliviar o sofrimento, mas não o faz. Esse não fazer, de acordo com o seu raciocínio, é a prova da sua própria inexistência. Além disso, descobre que, quando lhe foi dada a capacidade de se relacionar com os outros (como um grande presente), provavelmente também não teve uma experiência reveladora da presença de Deus na sua vida. Estava plenamente consciente do valor de ter um filho? Ou do dom de descobrir um companheiro que o ame? Ou de desfrutar do quão maravilhoso é ter um irmão que o protege? Julgamos Deus ou um presumível Criador e esquecemo-nos que também nós somos meros participantes neste tipo de fábula que construímos sobre as Suas capacidades.

Nós, crentes, perguntamo-nos: “Se há um Criador, como é que Ele permite o sofrimento no mundo?”, tentando-se ignorar o facto de que grande

1 Este capítulo foi inspirado no trabalho dos autores: Hanna Arendt, Katheleen Dowling Singh, Meister Eekhart, Stephen Levine, Raimon Panikkar, Philip Simmons, Jean Vanier, Ken Wilber e Paul Young. ©

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parte da dor sofrida pela humanidade é diretamente causada pela mão do Homem. Queixamo-nos de que o mal existe, mas, simultaneamente, reclamamos o nosso direito de sermos independentes, de fazermos e decidirmos somente o que consideramos mais conveniente. Se Deus nos protegesse de todo o mal, não haveria nem doenças, nem morte, nem dor e, portanto, não haveria alegria, nem vida, nem dor. Que propósito teria a existência humana?

É verdade que há uma parte da dor que não é causada pelo Homem. Mas a resposta para o significado do sofrimento causado por uma catástrofe natural, por exemplo, só pode ser procurada dentro da história de vida de cada um. Não há uma resposta ou significado dito global. A razão do sofrimento não decorre da observação de uma história coletiva, mas do seu impacto em cada uma das pessoas afetadas: os significados são sempre pessoais e devem surgir no âmbito da história individual da pessoa que vive a experiência.

Esse Deus, que só recordamos quando as coisas correm mal, a quem rezamos e fazemos pedidos pessoais, a quem agradecemos e adoramos se nos concede o que queremos e com quem ficamos zangados quando nos tira o que precisamos, é uma falácia, fruto da nossa imaginação, centrada num “eu” pequeno e egocêntrico.

É complicado falar de espiritualidade, até entre crentes, porque, quando discutimos o conceito de Deus, a espiritualidade deixa de existir. A ideia de Deus, se é que existe, é indiscutível e, cada vez que Ele nos surpreende, temos uma prova irrefutável do quão estereotipada é a imagem que construímos.

Quando tentamos abordar a ideia de um Ser Superior com a nossa mente analítica e o imaginamos como alguém, um sujeito masculino ou feminino, todo-poderoso (e, na maioria das vezes, com uma barba branca), estamos a criar um abismo entre nós próprios e a possibilidade de experienciar a sua natureza. Quando nos esforçamos para o compreender ou para o descrever, incluindo discutir com outro sobre Ele, tudo o que fazemos é causar uma fenda entre a nossa mente, o nosso coração e nós mesmos. Na história da humanidade, vários grupos têm lutado para definir o conceito de divindade a partir do dogma. Todos os -ismos (cristianismo,

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© PACTOR

Acontece, frequentemente, não sabermos o que dizer aos nossos entes queridos ou conhecidos que estão a passar por um luto. Muitos dos clichés que utilizamos não ajudam; pelo contrário, provocam mais sofrimento do que alívio. Aqui encontra uma lista de frases que, ditas do coração, podem ajudar as pessoas que estão a sofrer. E também uma lista de expressões, estereótipos e conselhos que fazem as pessoas em luto sentir-se mal.

Palavras que ajudam

O que podemos sempre dizer

• Sinto muito pelo que estás a passar.

• Não tenho palavras para expressar o que sinto.

• Tenho pensado em ti todos estes dias.

• Aqui tens o meu número de telemóvel, liga-me se precisares de falar com alguém. Se não me ligares, posso ligar-te eu?

• Posso passar daqui a uns dias para te ver?

• Tenho a certeza de que vais sentir muito a falta dele(a).

• Não consigo imaginar aquilo pelo que estás a passar.

• Queres sair para tomar algo?

• Conta comigo para aquilo que precisares. Seja para falar ou para te distrair. O que te apetecer.

• Descansa que eu estarei ao teu lado.

• Lembra-te de que somos muitos os que pensam em ti.

• Nós não imaginamos o quão difícil pode ser.

• Quando tento pensar sobre isso, não consigo imaginar como deve ser difícil para ti.

• Sei que todos os dias é um esforço, não é?

• Deve ser muito cansativo viver esta dor todos os dias.

• Como te sentes? Apetece-te falar?

• Apetece-te falar de como foi…?

• Ainda que tenha passado algum tempo, sei que continua a ser muito difícil, não é?

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Apêndices
(continua) © PACTOR

A Mensagem das Lágrimas é um guia prático e inspirador escrito numa linguagem simples e adequado para pessoas em luto.

Com uma atitude respeitosa e sensível, Alba Payàs leva o leitor a sentir e a viver a sua própria experiência, de forma presente e em plena consciência.

A maioria de nós que segura este livro já passou por alguma perda signi cativa na vida. Pode, também, ter alguém próximo que quase morreu. Como podemos processar a morte de uma pessoa querida, seja um pai, um lho, um irmão ou um parceiro? Como podemos ajudar uma pessoa que está a sofrer? Quais são as palavras reconfortantes que devemos dizer? O que podemos oferecer, quando os últimos momentos se aproximam e não há mais nada a fazer ou a dizer?

Este livro foi escrito para pessoas que estão a sofrer e, também, para aqueles que desejam ajudar os que estão a passar por uma perda. Apresenta uma série de pistas que ajudam a identi car qual é o sofrimento que pode levar a complicações e qual é o sofrimento necessário e indispensável, como parte natural do processo de recuperação.

A partir de uma postura de respeito e sensibilidade à forma particular como cada um vivencia o seu processo, a autora conduz-nos pelos diferentes momentos da vivência do luto, dando indicações sobre o que nos pode ajudar no processo de recuperação da esperança e do desejo de viver, de forma a honrar a pessoa amada.

ISBN 978-989-693-154-4

9 789896 931544

www.pactor.pt
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