Treino em Psicoterapia

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TREINO EM PSICOTERAPIA

COMO USAR A PRÁTICA DELIBERADA PARA MELHORAR RESULTADOS CLÍNICOS

ALEXANDRE VAZ

DANIEL SOUSA

MARGARIDA AFONSECA

Prefácio de:

Prof. Universidade de WISCONSIN-MADISON (EUA)

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ISBN edição impressa: 978-989-693-160-5

1.ª edição impressa: agosto de 2023

Paginação: Carlos Mendes

Impressão e acabamento: Tipografia Lousanense, Lda. – Lousã

Depósito Legal n.º 519764/23

Capa: José Manuel Reis Imagem de capa: © Cosmokid

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@ PACTOR V ÍNDICE Sobre os Autores ....................................................................................................... IX Introdução .................................................................................................................. XI Prefácio ....................................................................................................................... XV PARTE I – TEORIA E INVESTIGAÇÃO DO TREINO EM PSICOTERAPIA ............................................................................. 1 1. Eficácia e Treino em Psicoterapia: Onde Estamos e Para Onde Vamos ................................................................................................................. 3 1.1. A Eficácia Geral da Psicoterapia ........................................................... 4 1.2. Os Desafios Contemporâneos ............................................................... 6 1.3. O Modelo Contextual .............................................................................. 9 1.3.1. Primeira Via de Mudança Clínica: A Relação Real entre Terapeuta e Cliente ...................................................................... 9 1.3.2. Segunda Via de Mudança Clínica: Criação de Expectativas Positivas .................................................................. 10 1.3.3. Terceira Via de Mudança Clínica: Promoção de Ações Terapêuticas Dentro e Fora de Sessão ..................................... 11 1.4. Os Fundamentos Empíricos do Modelo Contextual ........................ 12 1.5. Os Efeitos do Terapeuta .......................................................................... 13 1.6. O Treino e a Supervisão de Psicoterapeutas ...................................... 15 2. Prática Deliberada: Princípios e Aplicações em Psicoterapia ......... 19 2.1. Expertise em Psicoterapia ....................................................................... 22 2.2. Prática Deliberada em Psicoterapia ...................................................... 24
TREINO EM PSICOTERAPIA VI 2.3. Investigação da Prática Deliberada em Psicoterapia ........................ 27 3. O Que Devem os Psicoterapeutas Treinar? ........................................... 31 3.1. Características de Terapeutas Eficazes ................................................ 33 3.1.1. Aliança Terapêutica ..................................................................... 33 3.1.2. Capacidades Interpessoais Facilitadoras do Terapeuta ....... 34 3.1.3. Capacidades Intrapessoais (Internas) do Terapeuta ............. 36 3.1.4. Recolher Feedback e Monitorizar o Progresso Clínico ........ 36 3.2. As Competências Clínicas que Serão Praticadas neste Manual .... 38 PARTE II – EXERCÍCIOS DE PRÁTICA DELIBERADA PARA PSICOTERAPEUTAS ................................................................. 39 4. Instruções para os Exercícios de Prática Deliberada ......................... 41 4.1. O Que são Exercícios de Prática Deliberada? .................................... 41 4.2. Para Quem são os Exercícios de Prática Deliberada deste Manual? ...................................................................................................... 42 4.3. Sessões de Prática Deliberada ............................................................... 42 4.3.1. Estrutura de uma Sessão de Prática Deliberada .................... 42 4.3.2. Como Praticar ............................................................................... 43 Exercícios de Prática Deliberada .............................................................. 47 Exercício 1: Compreensão Empática ........................................................... 47 Exercício 2: Validação ...................................................................................... 52 Exercício 3: Identificar um Foco Inicial para a Terapia ........................... 57 Exercício 4: Promover Experienciação Emocional ................................... 63 Exercício 5: Explorar Fatores Precipitantes ................................................ 68 Exercício 6: Estabelecimento Colaborativo de Objetivos ....................... 72 Exercício 7: Refletir os Valores e Recursos do Cliente ............................. 77 Exercício 8: Explicar o Racional da Intervenção ....................................... 81 Exercício 9: Abordar Clientes na Fase de Pré-Contemplação................ 87 Exercício 10: Solicitar Feedback do Cliente ................................................ 92 Exercício 11: Responder a Ruturas na Aliança .......................................... 97
@ PACTOR ÍndIce Geral VII Exercício 12: Metacomunicação ................................................................... 102 PARTE III – OUTRAS APLICAÇÕES DA PRÁTICA DELIBERADA ............................................................ 107 6. Prática Deliberada Individualizada: Adaptar a Supervisão ao Terapeuta .......................................................................................................... 109 6.1. Princípio 1: Observação do Desempenho .......................................... 111 6.2. Princípio 2: Feedback Especializado..................................................... 115 6.3. Princípio 3: Pequenos Objetivos de Aprendizagem ......................... 117 6.4. Princípio 4: Ensaio Comportamental .................................................. 118 6.5. Princípio 5: Avaliar o Desempenho...................................................... 121 Referências Bibliográficas ....................................................................................... 125 Índice Remissivo ....................................................................................................... 139

SOBRE OS AUTORES

Alexandre Vaz é doutorado em Psicologia Clínica, cofundador e Diretor de Treino do Sentio Counseling Center, nos Estados Unidos da América (EUA). É docente, investigador e supervisor de Psicoterapia. É autor e coeditor de nove livros sobre treino e supervisão em Psicoterapia e de duas séries de livros: The Essentials of Deliberate Practice publicado pela American Psychological Association Press e Advanced Therapeutics, Clinical and Interpersonal Skills (publicado pela Elsevier). Ocupou vários cargos administrativos para a Society for Psychotherapy Research (SPR) e Society for the Exploration of Psychotherapy Integration (SEPI). É fundador e apresentador das Psychotherapy Expert Talks, uma série de entrevistas a psicoterapeutas de renome internacional. É membro convidado do Editorial Board do Journal of Clinical Psychology – In Session.

Daniel Sousa é licenciado em Psicologia Clínica e doutorado em Psicoterapia pelo Regent’s College – Wales University. É professor universitário no Ispa –Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida e cofundador da Sociedade Portuguesa de Psicoterapia Existencial (SPPE). Tem exercido docência, investigação e supervisão na área de Psicoterapia. Diretor do Ispa Serviços, que integra a Clínica Ispa, a Academia de Psicoterapeutas e a Formação Ispa. Publicou o livro Investigação Científica em Psicoterapia e a Prática Psicoterapêutica – Os Dados Mais Relevantes Para os Clínicos (Fim de Século) e Existential Psychotherapy – The Genetic Phenomenological Approach (Palgrave Macmillan). É membro convidado do Editorial Board, do Journal of Existential Analysis, do European Journal for Qualitative Research in Psychotherapy e do Journal of Phenomenological Psychology.

Margarida Afonseca é mestre em Psicologia Clínica e licenciada em Ciências Psicológicas pelo Ispa – Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida. É a primeira autora de um conjunto de autores do artigo

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“Psychotherapist’s persuasiveness in anxiety: Scale development and relation to the working alliance”, publicado na revista científica Journal of Psychotherapy Integration. Continuou a investigar o tema da persuasão em psicoterapia, sendo coautora do artigo “The Psychotherapist’s Persuasiveness: Relation to the working alliance and facilitative interpersonal skills”, atualmente aguardando aprovação para publicação. Prossegue o estudo de outros temas na investigação em psicoterapia, estando atualmente a colaborar na elaboração de uma escala que avalia o uso da prática deliberada por parte de psicoterapeutas. É cofundadora do website, “Cruamente”, que partilha investigação e informação factual sobre psicoterapia e temáticas na área da saúde mental.

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INTRODUÇÃO

“Eu acho que percebo a teoria do meu modelo [de psicoterapia]. Continuo a ler livros e artigos, tenho supervisão todas as semanas… E continuo a sentir que não sei o que fazer em sessão. A maioria dos textos que leio falam demasiado no abstrato, raramente praticamos concretamente o que dizer e como em sessão. Passados anos disto, é normal que fique a questionar-me se o problema serei eu?”

Este email de uma ex-aluna explica a necessidade de escrevermos este livro.

Na nossa experiência como docentes e supervisores, a síndrome de impostor é muito prevalente em alunos (e profissionais!) de psicologia clínica. Com tantos recursos disponíveis, aulas, leituras, workshops, porque é que muitos ainda sentem que estão num constante modo de improvisação caótica dentro de sessão? Os últimos 30 anos de investigação sobre expertise profissional sugerem uma resposta. Essencialmente, fomos treinados na generalidade para falar, escrever e pensar sobre psicoterapia, mas não para a praticar confiantemente com pacientes reais. Seria o equivalente a um aluno no conservatório de música passar a maioria do tempo a estudar a história do piano e no final ser-lhe pedido para tocar uma peça em frente a um público. Apesar das vantagens da supervisão clínica e terapia pessoal do terapeuta, estes parecem ser úteis, mas insuficientes para muitos. Como podemos resolver este impasse?

Internacionalmente, existe um entusiasmo renovado na investigação do treino de psicólogos clínicos e psicoterapeutas. Um de nós (o autor Alexandre Vaz) é coeditor e coautor da primeira série de livros da American Psychological Association (APA) focada, exclusivamente, no treino sistemático de competências clínicas em diferentes modelos de psicoterapia. Esta série, The Essentials of Deliberate Practice, está agora a ser investigada e implementada em diferentes países, desde os Estados Unidos da América até ao Japão.

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O propósito deste livro não é dissuadir professores, supervisores, clínicos ou estudantes de procurarem um entendimento teórico aprofundado em psicoterapia. Pelo contrário, queremos chamar atenção para um facto cada vez mais evidenciado pela investigação: o desenvolvimento de psicoterapeutas e psicólogos clínicos eficazes depende de uma integração rigorosa de treino teórico e prático. E, embora várias unidades curriculares e treinos clínicos possam conter elementos de treino prático, cremos que a investigação em prática deliberada é um contributo importante para o aperfeiçoamento destes métodos de ensino.

Começamos por apresentar investigação relevante sobre a eficácia e o treino em psicoterapia. Esta análise evidencia um conjunto de lacunas comuns dos métodos de ensino mais tradicionais. Apresentamos então algumas características de psicoterapeutas eficazes, identificadas pela investigação. De seguida, apresentamos os princípios da prática deliberada, uma metodologia de treino baseada na evidência que prevê o desenvolvimento de expertise em diferentes áreas profissionais. Mais recentemente, estes princípios têm vindo a ser aplicados ao treino de competências clínicas em psicoterapia. Como tal, apresentamos no Capítulo 3 – “O Que Devem os Psicoterapeutas Treinar?”, algumas competências identificadas pela investigação como preditoras de resultados clínicos.

Na Parte II – “Exercícios de Prática Deliberada para Psicoterapeutas” deste manual, disponibilizamos um conjunto de exercícios estruturados de prática deliberada para alunos, psicólogos clínicos e psicoterapeutas. Estes exercícios podem ser utilizados no contexto de unidades curriculares universitárias, pós-formações, workshops ou simplesmente, em pares, com um colega ou supervisor. Os exercícios focam-se nas competências identificadas no Capítulo 3 – “O Que Devem os Psicoterapeutas Treinar?”, sendo, por isso, expectável que o seu treino influencie positivamente a eficácia clínica do terapeuta.

Finalmente, no Capítulo 6 – “Prática Deliberada Individualizada: Adaptar a Supervisão ao Terapeuta”, refletimos sobre como utilizar os princípios da prática deliberada para o treino individualizado de profissionais de saúde mental. Estes princípios permitem a criação de um programa de treino clínico adaptado às necessidades específicas do profissional, com base nos seus desafios com

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pacientes reais. Esta metodologia personalizada é especialmente adequada para um contexto de supervisão individual.

Estamos entusiasmados por poder apresentar estas inovações de treino em psicoterapia a um público português. Esperamos que estes recursos inspirem mais investigação, um aperfeiçoamento gradual destes métodos e, especialmente, que contribuam para os resultados clínicos positivos de iniciantes e profissionais de saúde mental.

Alexandre Vaz Sentio Counseling Center e Sentio University

Daniel Sousa

Ispa – Instituto Universitário

Margarida Afonseca

Ispa – Instituto Universitário

@ PACTOR Introdução XIII

PREFÁCIO

A psicoterapia é notavelmente eficaz. É tão eficaz quanto a medicação para a maioria dos problemas psicológicos, sem os seus efeitos colaterais desagradáveis. Mas não é tudo – na psicoterapia, os pacientes aprendem estratégias para lidar com os seus problemas e levar uma vida mais gratificante. É por isso que os efeitos da psicoterapia são mais duradouros do que a medicação – quando a medicação é retirada, os pacientes tendem mais frequentemente a sofrer de recaídas, enquanto os benefícios da psicoterapia são mais duradouros.

Apesar da eficácia documentada da psicoterapia, existem algumas ressalvas.

Primeiro, alguns psicoterapeutas são consistentemente mais eficazes do que outros. Existem terapeutas que são capazes de ajudar a maioria dos seus pacientes, enquanto outros têm limitações consistentes na sua eficácia clínica. Em segundo lugar, há evidências de que, em geral, os terapeutas não melhoram com os anos de experiência. Isto é, a maioria dos terapeutas não é mais eficaz depois de anos de experiência clínica. Em terceiro lugar, a maneira como treinamos terapeutas não mudou drasticamente nos cerca de 140 anos de história da psicoterapia. Geralmente, os alunos e estagiários recebem palestras sobre teoria e competências clínicas e, em seguida, atendem os seus primeiros pacientes. Depois, estes estagiários recebem supervisão de um terapeuta que, provavelmente, não fornecerá feedback específico o suficiente para melhorar a terapia. Em suma, é necessário um modelo de treino diferente.

Especialistas em várias atividades profissionais, incluindo atletismo, música e cirurgia, usam a prática deliberada para melhorar gradual e sistematicamente. A prática deliberada envolve a identificação de competências cruciais que precisam de ser adquiridas e o ensaio comportamental repetitivo dessas mesmas competências, com feedback contínuo de um treinador que orienta o processo. Para criar terapeutas mais eficazes, a prática deliberada é necessária!

E é exatamente isso que os autores Alexandre Vaz, Daniel Sousa e Margarida

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Afonseca fizeram neste manual Treino em Psicoterapia: Como Usar a Prática Deliberada para Melhorar Resultados Clínicos.

Este manual cobre todos os aspetos essenciais da prática deliberada para psicoterapeutas. Primeiro, os autores revêm os modelos de treino atuais, destacando as limitações identificadas pela investigação. Em segundo lugar, apresentam a prática deliberada, que é um método de treino bem documentado para a criação de expertise profissional. Aqui, eles discutem como a prática deliberada pode ser aplicada ao treino de psicoterapeutas. Em seguida, os autores identificam algumas competências cruciais que precisam de ser praticadas para se ser um terapeuta eficaz. Cada capítulo subsequente abrange uma competência específica em profundidade. Os exercícios de prática deliberada neste livro identificam componentes críticas da psicoterapia eficaz, incluindo empatia, validação, estabelecimento de objetivos terapêuticos, promoção de experienciação emocional, criação de racionais clínicos convincentes, reparação de ruturas relacionais, entre outros. A obra apresenta uma estrutura clara com instruções para praticar estas competências, de modo que vários programas de treino clínico possam implementar estes exercícios.

O material apresentado neste livro foi testado e aperfeiçoado repetidamente. O Professor Alexandre Vaz tem vindo a desenvolver internacionalmente o treino experiencial de terapeutas ao longo de anos, estando na vanguarda deste método de treino. Do mesmo modo, o Professor Daniel Sousa é pioneiro na integração destes métodos em cursos de psicoterapia portugueses há vários anos. Participei em treinos e apresentações de ambos e estou impressionado com a aplicação da prática deliberada para treinar terapeutas mais eficazes. Para ser claro: os autores estão na vanguarda de uma revolução muito necessária no treino de psicoterapeutas. Espero sinceramente que alunos, profissionais e professores façam uso dos ótimos recursos apresentados neste manual.

Bruce E. Wampold, Professor Emérito de Psicologia Clínica, Universidade de Wisconsin-Madison, EUA

TREINO EM PSICOTERAPIA XVI

PARTE I

TEORIA E INVESTIGAÇÃO DO TREINO EM PSICOTERAPIA

EFICÁCIA E TREINO EM PSICOTERAPIA: ONDE

ESTAMOS E PARA ONDE VAMOS

Como melhorar os resultados de psicólogos clínicos e psicoterapeutas? Isto é, como tornar mais provável ajudar o maior número de pessoas a atingir os seus objetivos emocionais, relacionais e comportamentais? A resposta é complexa, claro. Ainda é necessário entender melhor o que contribui para a eficácia dos psicoterapeutas e os processos dentro de sessão que levam aos resultados desejados (Barkham & Lambert, 2021; Greenberg, 1999). Cremos que uma das vias mais relevantes para melhorar resultados clínicos é através de uma renovação dos nossos métodos de treino. A tese principal deste manual é que, de acordo com a investigação das últimas décadas, é possível melhorar a eficácia clínica dos terapeutas ao integrar um tipo de treino experiencial e sistemático (Vaz & Rousmaniere, 2021; Wampold et al., 2019). Neste capítulo, resumimos ideias-chave da investigação em psicoterapia, do papel do psicoterapeuta e do treino e supervisão de terapeutas. Esta contextualização permitirá entender a relevância da prática deliberada em psicoterapia (Capítulo 2 –“Prática Deliberada: Princípios e Aplicações em Psicoterapia”) e as competências clínicas que devem ser mais treinadas (Capítulo 3 – “O Que Devem os Psicoterapeutas Treinar?”).

A psicoterapia é hoje uma área de investigação muito estudada, com mais de 60 000 artigos científicos publicados nos últimos 30 anos (Lambert, 2013a). Um dos primeiros passos na sua história foi o desenvolvimento de numerosas abordagens teóricas, como a psicanalítica, a cognitivo-comportamental e a humanista-existencial (Norcross, VandenBos et al., 2011). Cada uma destas

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abordagens investiga e defende um conjunto de teorias da perturbação e da intervenção psicológica (Prochaska & Norcross, 2018). Esperava-se que as diferentes psicoterapias, por sua vez, demonstrassem diferenças significativas não só no tipo de intervenções feitas, como também que estas intervenções fossem o ingrediente determinante para a eficácia da psicoterapia. Assim, o século XX foi marcado por um clima de competição entre as abordagens terapêuticas, levando a uma era da investigação, em parte, centrada na comparação direta entre abordagens (Seligman, 1995; Smith & Glass, 1977; Wampold et al., 1997).

Apesar deste contexto histórico, autores como Rosenzweig (1936) e Jerome Frank (Frank & Frank, 1993) apelaram desde cedo à existência de “fatores comuns” em psicoterapia – isto é, que a maior parte dos resultados clínicos poderiam ser explicados devido a um conjunto de ingredientes transversais a qualquer abordagem terapêutica, como por exemplo a criação e manutenção de uma aliança terapêutica sólida (Horvath et al., 2011; Messer & Wampold, 2002).

Este debate psicoterapêutico e as décadas de investigação “acumuladas” levaram a um conjunto de conclusões, sugestões e desafios relevantes. Iremos dividir estes resultados nos seguintes temas: (1.1) a eficácia geral da psicoterapia; (1.2) os desafios contemporâneos; (1.3) o Modelo Contextual; (1.4) fundamentos empíricos do Modelo Contextual; (1.5) os efeitos do terapeuta; e (1.6) o treino e a supervisão de psicoterapeutas.

1.1. A EFICÁCIA GERAL DA PSICOTERAPIA

A década de 50 foi marcada por um debate intenso e controverso entre Eysenck e Strupp, em que o primeiro autor defendeu não existirem provas conclusivas a favor da eficácia das intervenções psicológicas (Wampold, 2013). Este episódio ajudou a despoletar uma nova era de investigação psicoterapêutica, aumentando exponencialmente a quantidade e qualidade de estudos disponíveis. Mais de meio século depois, o que podemos concluir sobre a eficácia das intervenções psicológicas na atualidade? Que:

• A psicoterapia é eficaz (Lambert, 2013b; Miller et al., 2013; Wampold, 2013). As intervenções psicológicas têm resultados consistentemente superiores no aliviar do sofrimento psicológico, quando

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PARTE II

EXERCÍCIOS DE PRÁTICA DELIBERADA PARA

PSICOTERAPEUTAS

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INSTRUÇÕES PARA OS EXERCÍCIOS DE PRÁTICA DELIBERADA

Este capítulo fornece instruções que serão comuns a todos os exercícios deste livro. Os participantes devem seguir cada passo cuidadosamente e revisitar este capítulo regularmente, sempre que necessário.

4.1. O QUE SÃO EXERCÍCIOS DE PRÁTICA DELIBERADA?

Cada exercício de prática deliberada deste manual incentiva a repetição e o aperfeiçoamento gradual numa competência clínica isolada. Estes exercícios não são role-plays livres, mais tradicionalmente presentes em treinos clínicos, onde existe um diálogo contínuo entre o cliente e terapeuta. Pelo contrário, os exercícios de prática deliberada neste livro envolvem role-plays baseados em cenários clínicos comuns. Estes cenários são apresentados repetidamente, de modo a que a pessoa em treino possa aperfeiçoar a sua intervenção gradualmente e receber feedback individualizado.

Outro elemento distintivo em prática deliberada é o ajuste da dificuldade do exercício à zona de desenvolvimento proximal de cada formando. O princípio básico de treino eficaz é o seguinte: se um exercício é muito fácil para o aluno, ele deve ser dificultado; se for muito difícil, deve ser facilitado; e se o exercício for um bom desafio, os formandos devem continuar a repetir a mesma simulação até que se torne demasiado fácil (ver Passo 4 no Quadro 4.1).

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4.2. PARA QUEM SÃO OS EXERCÍCIOS DE PRÁTICA DELIBERADA DESTE MANUAL?

Estes exercícios são adequados a vários níveis de educação em psicologia clínica e psicoterapia. Poderão ser utilizados no contexto universitário de mestrado nestas duas áreas, no contexto de pós-formações avançadas ou workshops, ou por psicoterapeutas com vários anos de experiência clínica. As secções abaixo apresentam uma estrutura para garantir uma sessão de prática deliberada eficaz.

4.3. SESSÕES DE PRÁTICA DELIBERADA

4.3.1. ESTRUTURA DE UMA SESSÃO DE PRÁTICA DELIBERADA

O treino em prática deliberada envolve entre duas a três pessoas: uma no papel do terapeuta, outra no papel do cliente e, sempre que possível, um formador (professor ou supervisor) a fornecer feedback.

Recomendamos um bloco de 60 minutos para uma sessão de prática deliberada, estruturado da seguinte forma:

• 0 - 20 minutos – os participantes leem e discutem em conjunto a descrição da competência clínica que será praticada e os três exemplos fornecidos em cada exercício;

• 20 - 50 minutos – os formandos realizam o exercício em pares, seguindo as instruções do Quadro 4.1. Um faz o papel do terapeuta, o outro de cliente. Após 15 minutos a praticar, os formandos trocam de papéis. Se disponível, um formador fornece um feedback curto após cada intervenção do terapeuta;

• 50 - 60 minutos – é feita a discussão final.

O formador poderá acompanhar os vários pares de alunos ao mesmo tempo, andando pela sala e oferecendo a cada par um feedback breve.

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EXERCÍCIOS DE PRÁTICA DELIBERADA

Exercício 1 Compreensão Empática

Descrição da Competência

O objetivo da compreensão empática é demonstrar ao cliente que a sua experiência interna (principais pensamentos e emoções) é compreendida de forma clara não existe uma definição única de empatia e intervenções empáticas em psicoterapia (bohart & Greenberg, 1997). no entanto, uma característica distintiva das compreensões empáticas inclui o terapeuta fazer uma afirmação – não uma questão – que transmita, com sensibilidade e precisão, um entendimento da experiência subjetiva do cliente (Goldman, Vaz, & rousmaniere, 2021). neste exercício, o aluno/terapeuta deverá tentar apreender e refletir as principais emoções e/ou significados expressos pelo cliente, explícita ou implicitamente. estas reflexões focam-se frequentemente no impacto interno dos eventos externos relatados pelo cliente. as reflexões do terapeuta devem ser feitas num tom exploratório e tentativo. o uso de compreensões empáticas encoraja o cliente a elaborar sobre a sua experiência, a desconstruir significados importantes e a refletir sobre o impacto dos mesmos (egan, 2013). esta competência permite também ao terapeuta evitar impor unilateralmente uma direção ao processo clínico. É uma competência-chave que pode ser utilizada frequentemente em sessão, cujo uso eficaz está fortemente correlacionado com resultados clínicos positivos (elliott et al., 2018).

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o terapeuta improvisa uma resposta para cada afirmação do cliente, seguindo estes critérios da competência:

• Critério 1. reflita, por outras palavras, as principais emoções e/ou significados expressos pelo cliente.

• Critério 2. use um tom de voz que seja exploratório e tentativo.

• Critério 3. não faça perguntas ou forneça sugestões/soluções ao cliente. (Para mais instruções, consultar o capítulo 4 – “Instruções para os exercícios de Prática deliberada” deste manual.)

Exemplos da Competência

Exemplo 1

Cliente (triste): “custou-me imenso quando o meu gato morreu. É como se tivesse perdido um pedacinho de mim. acho que ainda preciso de lidar com esses sentimentos...”

Psicoterapeuta: “foi uma perda muito dolorosa… o seu gato significava imenso para si... e sente que ainda precisa de processar essa perda…” (critérios 1, 2 e 3)

Exemplo 2

Cliente (esperançoso): “estes últimos dias têm sido diferentes... acho que estou finalmente pronto começar a fazer algumas mudanças na minha vida.”

Psicoterapeuta: “É como se estivesse finalmente a sentir alguma claridade... e isso dá-lhe uma nova força para começar a fazer mudanças...” (critérios 1, 2 e 3)

Exemplo 3

Cliente (deprimido): “ultimamente, tenho sentido tanta falta de energia... não me consigo concentrar, nem quero fazer nada. e, ainda por cima, acho que ninguém me entende...”

Psicoterapeuta: “tem-se sentido sem força, sem motivação… e, pior ainda, sente-se sozinho...” (critérios 1, 2 e 3)

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PARTE III

OUTRAS APLICAÇÕES DA PRÁTICA DELIBERADA

PRÁTICA DELIBERADA

INDIVIDUALIZADA: ADAPTAR A SUPERVISÃO AO TERAPEUTA

Até agora focámo-nos no treino de competências clínicas através do uso de exercícios estruturados ou prática deliberada “genérica”. Neste capítulo, apresentamos como adaptar a prática deliberada às necessidades individuais do formando ou prática deliberada “individualizada”. Como referido no Capítulo 2 – “Prática Deliberada: Princípios e Aplicações em Psicoterapia”, a prática deliberada “individualizada” requer mais tempo e tende a ser utilizada no contexto de supervisão individual.

A prática deliberada “individualizada” partilha um conjunto de características com a prática deliberada “genérica”, utilizada na Parte II – “Exercícios de Prática Deliberada para Psicoterapeutas”, deste manual. Fundamentalmente, qualquer método de prática deliberada envolve: (1) um esforço contínuo do indivíduo para melhorar o seu desempenho numa competência isolada; (2) oportunidades para praticar e aperfeiçoar essa competência de forma sucessiva; e (3) avaliar o progresso nessa competência, ao longo do tempo (Ericsson & Pool, 2016).

Um supervisor de psicoterapia poderá utilizar os princípios da prática deliberada para adaptar o treino experiencial de competências aos seus supervisandos. Esta adaptação inclui criar exercícios individualizados, encorajar o ensaio comportamental de competências, fornecer feedback e monitorizar o progresso ao longo do tempo (Ericsson & Pool, 2016; Vaz & Rousmaniere, 2021). Neste capítulo, apresentamos os princípios para individualizar a prática

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TREINO EM PSICOTERAPIA

COMO USAR A PRÁTICA DELIBERADA PARA MELHORAR RESULTADOS CLÍNICOS

A psicoterapia é muito e caz a contribuir para o bem-estar psicológico e emocional das pessoas. Os estudos têm salientado que certas competências clínicas dos psicoterapeutas são determinantes para se alcançar bons resultados terapêuticos. Mas a questão que se coloca na atualidade é como formar e treinar psicoterapeutas mais e cazes.

A prática deliberada é um método de treino inovador, que a investigação tem demonstrado ser essencial para a promoção de expertise em diferentes áreas pro ssionais. Seguindo uma tendência internacional, este manual apresenta um tipo de treino experiencial e sistemático que permite consolidar competências clínicas fundamentais.

Psicólogos clínicos, psiquiatras, psicoterapeutas, estudantes e formandos de psicoterapia têm neste manual um guia concreto para melhorar a sua e cácia clínica, com 12 exercícios de prática deliberada.

PRINCIPAIS CONTEÚDOS:

E cácia e treino em psicoterapia

Desa os contemporâneos

Características de psicoterapeutas e cazes

Modelo Contextual e fatores comuns

Princípios da prática deliberada

Expertise em psicoterapia

Investigação de prática deliberada em psicoterapia

Aplicação da prática deliberada no treino de psicoterapeutas

Competências de intervenção clínicas fundamentais

Integração de prática deliberada em supervisão clínica

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9 789896 931605
ISBN 978‐989‐693‐160‐5
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