Quarenta Anos de Impunidade na Guiné-Bissau

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MCGUIRE Harriet C., «Vinte anos de cooperação para a formação de quadros», in GuinéBissau Vinte anos de Independência, coord. CARDOSO, Carlos e AUGEL, Johannes, Bissau, INEP, 1993, 406 p., pp 79-92.

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36 CABRAL Luís, Crónica da libertação, Lisboa, O Jornal, 1984, 464 p., p.73Bissau, INEP, 1993, 406 p., pp 79-92.

37 A Guerra, série televisiva dirigida por Joaquim Furtado para a RTP.

relação dos Rios da Guiné e Cabo Verde com a Europa desde o século XV e nas relações intra/intertribais. As movimentações de populações nesta região são feitas de forma violenta. A discussão da impunidade no presente da Guiné-Bissau não pode iludir ou ofuscar o reconhecimento de que a exploração, violência e humilhação inerentes à escravatura deixou uma dívida moral e sequelas económicas e culturais que ficaram até hoje sem compensação efectiva Abolida a escravatura, o sistema de impunidade continuou, resistiu e reinventou-se pela força, claro está, com a continuação das «campanhas de pacificação» até bem dentro dos anos 1930. Mas também por via legislativa, nomeadamente com o Acto Colonial de 1930 e o Estatuto dos Indígenas Portugueses das Províncias da Guiné, Angola e Moçambique, de 1954, bases legais para a espoliação da dignidade individual de milhões de africanos sob dominação portuguesa. Também aqui, é possível quantificar algumas consequências, por exemplo na educação, para fazer uma ideia do fenómeno: «Vale a pena lembrar que o país, ao conquistar a sua independência, dispunha somente de 14 pessoas com formação superior»35.

Pidjiguiti, o massacre dos grevistas No final dos anos 1950, era convicção entre os anticolonialistas que estiveram na génese do PAIGC e de outros movimentos de libertação que o derrube do regime de Oliveira Salazar iria ter como consequência natural a independência das colónias portuguesas. O anticolonialismo identificava-se, também, com o antifascismo. As eleições presidenciais em Portugal em 1958, em que Humberto Delgado concorreu contra o candidato do regime, marcaram, porém, o fim das ilusões. Na Guiné, o momento clarificador sobre a natureza do regime português e a obstinação de Oliveira Salazar em manter a ordem colonial, fosse à custa ainda de maior violência, surgiu a 3 de Agosto de 1959. Nessa data, um protesto de trabalhadores do porto de Pidjiguiti teve como resposta um banho de sangue: forças policiais e paramilitares portuguesas dispararam contra os grevistas, causando um número indeterminado de mortos, rondando uma centena. «Na reunião com o Amilcar (19/9/959), depois do nosso relatório sobre os trágicos acontecimentos de 3 de Agosto, ele referiu-se longamente às lições que o Partido devia tirar desses acontecimentos, de maneira que não ficassem vãos os sacrifícios dos mártires de Pijiguiti», recordou mais tarde Luís Cabral nas suas memórias da luta de libertação36. Como recordou mais tarde um dos militantes históricos do PAIGC, Rafael Barbosa, «com o caso do Pidjiguiti vimos que, mesmo a morrer, era necessário avançar com a luta de libertação»37. O Pidjiguiti passou a ser assinalado anualmente como data nacional. No primeiro 3 de Agosto vivido após o derrube de Marcello Caetano, Aristides Pereira analisou um outro ponto importante do massacre de 1959: no cerne desse esmagamento brutal de um protesto laboral estava, afinal, uma incapacidade profunda de Portugal se habituar à ideia de uma África fora do controlo colonial ou imperial. O secretário-geral do PAIGC afirmava no seu discurso em Madina do Boé, em 1974, que «o povo português não pode sonhar em ser livre enquanto se teimar na ocupação do nosso país e que a triste herança colonial-fascista será ainda mais agravada em Por-

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