PensarCompleto1102

Page 3

3

entrelinhas

Pensar

por MANINHO PACHECO

GIGANTES PELO PRÓPRIO OCEANO

OS DENTES DO DIABO Uma História de Obsessão e Sobrevivência entre os Grandes Tubarões-brancos Susan Casey. Tradução: Diego Alfaro. Jorge Zahar. 332 páginas. Quanto: R$ 49,90

H

umanos, desistam! Os tubarões (nome genérico que engloba mais de 350 espécies diferentes), sobretudo os tubarões-brancos, não estão nem aí para qualquer um de nós. Não, eles não nos querem como lanche. Ainda que o mito diga o contrário. Temos músculos demais e gordura de menos. E eles só pensam nisso: banha. Afinal, crescem na razão de 5% ao ano. E isso precisa de combustível gorduroso. Tubarões não nos comem, simplesmente nos provam, provavelmente confundindo-nos com focas. E nos largam, tão logo reconhecem o erro. Nunca se morre engolido por uma dessas criaturas, mas pela hemorragia ou o choque traumático provocado por suas dentadas. Focas, sim, estão na base de sua dieta alimentar. Focas e leões-marinhos. São ricos em gordura. Ao contrário dos surfistas sarados e de infelizes banhistas que escolheram a pior hora de suas vidas para dar um mergulho. Naturalmente que, quando uma máquina dessas de até três toneladas e com uma das mais potentes mordidas desde o Período Cetáceo resolve delicadamente nos provar, o resultado é um estrago monumental. Nossa reação costuma ser covarde e desproporcional. Investidas de tubarões em seres humanos sequer chegam aos pés dos ataques perpetrados por nós contra essas criaturas magníficas que cruzam os mares há mais de 11 milhões de anos. Em todo o mundo, a média é de cinco a dez mortes por ano causadas por ataques de tubarão. A essa estatística respondemos com um massacre anual de 500 mil tubarões. Apenas na costa dos Estados Unidos. E é de lá que nos reporta a jornalista do “The New York Times”, Susan Casey, em seu segundo mergulho nas coisas do mar, “Os dentes do diabo” (Zahar, 2011, 332 pp). O primeiro foi o “A onda” (Zahar, 2010, 328 pp), que investiga a força destruidora do oceano. “Os dentes do diabo” nos faz seguir 43 quilômetros em linha reta, Pacífico adentro, a partir da ponte Golden Gate, em São Francisco, Califórnia, até o complexo de ilhas erguidas há 89 milhões de anos no meio do nada oceânico e que compõem o Santuário Marinho Nacional do Golfo das Fallarones. Trata-se do local mais inóspito do planeta e único lugar da Terra onde é possível estudar o comportamento natural dos tubarões-brancos no ambiente selvagem. Isso porque, em setembro, levas desses animais se deslocam de alguma parte do oceano e chegam às Fallarones para um banquete anual de três meses. Ao cabo do qual, partem para sabe-se lá

A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 11 DE FEVEREIRO DE 2012

TRECHO “Assim como o tubarão-branco, as ilhas Farallon são uma perfeita aberração da natureza. Sua ecologia é um castelo de cartas – uma confluência complexa de oceano, mamíferos, aves e tubarões, todos circundando uns aos outros, num equilíbrio sublime. Na natureza, entretanto, complexidade também significa fragilidade. Embora as ilhas façam parte do Santuário Marinho Nacional do Golfo das Farallones, de 3.250km quadrados, a reserva natural se encontra no caminho de algumas das mais movimentadas rotas marítimas da Costa Oeste dos Estados Unidos. Em 1971, 3,2 milhões de litros de petróleo vazaram no golfo das Farallones, matando mais de 20 mil aves marinhas. Treze anos depois, em 1984, um navio-petroleiro explodiu, despejando 5,3 milhões de litros de petróleo. E, neste exato momento, centenas de embarcações estão espalhadas no fundo do mar, ao redor das ilhas, prontas para despejar petróleo feito lâmpadas de lava tóxicas à medida que a água corrói lentamente seus cascos.”

Em “Os dentes do diabo”, Susan Casey tenta desvendar o mistério dos tubarões-brancos

aonde. Tudo o que diz respeito aos tubarões e seus primos brancos encontra-se, ainda, envolto em um manto à parte de mistérios insondáveis. Não sabemos onde vivem e por quanto tempo, como se acasalam, onde e com que frequência, qual a população atual no mundo, que dimensões atingem e vai por aí afora. Pesquisadores como os surfistas-biólogos californianos Scot Anderson e Peter Pyle tentam desvendar um pouco essa caixa-preta pelo menos desde a década de 80. Eles estão à frente do Projeto Tubarão-Branco das Fallarones. E é ao encontro deles, na base do projeto, incrustado nas ilhas, que Casey se dirige para reunir elementos de sua, inicialmente, reportagem para o jornal que a emprega. Não é uma tarefa fácil. O acesso às Fallarones é dificílimo. O local é severamente supervisionado pelos órgãos ambientais do governo norte-americano e não oferece um porto ou

Página 14

uma baía seguros para atracar embarcações. Seus penhascos e desfiladeiros começam a vinte, trinta metros de altura e afundam no mar sem maiores explicações. Ainda assim, a jornalista consegue autorização para acompanhar algumas temporadas desse banquete e nos presenteia com um relato apaixonante sobre essas incríveis criaturas marinhas. Impossível fechar a última página sem cair de amores pelos grandes tubarões-brancos. Seu livro contribui para tentar desfazer o desserviço prestado à espécie por Steven Spielberg em seu “Tubarão” (Jaws, 1975) e demais subpro-

dutos cinematográficos. Estigmatizado como o terror dos mares, pescados indiscriminadamente, sobretudo para abastecer a demanda chinesa por barbatanas, os tubarões-brancos são gigantes injustiçados por nossa boçalidade e desconhecimento e correm o risco de extinção. Sua existência depende exclusivamente dos governos atenderem aos apelos da comunidade científica internacional e estabelecerem regras claras e corajosas para protegê-los. Ainda assim, todas essas iniciativas podem ser tarde demais. Como diz Casey, os tubarões-brancos se adaptaram a tudo o que foi jogado em seu caminho nos últimos 11 milhões de anos. “Mas a pergunta é: irão sobreviver a nós mais uma década?”.


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.