I CachoeiraDoc

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ÍNDICE


Atravessando a ponte…

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O documentário e o desejo

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O vapor de Cachoeira

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Cachoeira e sua vocação audiovisual

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Boas vindas! Boa sessão!

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Abaixo a Gravidade!

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Júri

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Mostra Competitiva Nacional

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Abertura e Encerramento

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Mostra Cinema sem Fronteiras

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Mostra Clássicos do Cinema do Real: Homenagem a Geraldo Sarno

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Mostra Paralela: Bahia

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Mostra Paralela: Recôncavo

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Sessão Especial: Corumbiara

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Sessão Especial: O Último Romance de Balzac

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Oficinas

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Ciclo de Conferências

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Ficha Técnica

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Agradecimentos

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Atravessando a ponte… Amaranta Cesar Idealizadora, Coordenadora e Curadora do CachoeiraDoc

Na origem do CachoeiraDoc está o deslocamento: o desejo de provocá-lo e uma aposta na sua potência. Muitos dos que hoje circulam em Cachoeira estão em movimento, cruzaram estradas, atravessaram barreiras. Aqui, onde estamos (re)desenhando nossos planos e percursos, surgiu o desejo de provocar um outro, pequeno − mas preciso − movimento: interferir nas rotas tradicionais dos filmes documentais, criar um atalho nos caminhos pelos quais eles circulam e fazê-los chegar até esta cidade. Queremos construir, em Cachoeira, um ponto de encontro para o documentário. Um lugar para pensar o cinema e o mundo: o cinema pelo mundo, o mundo pelo cinema. Um lugar para celebrar o documentário, ele mesmo, como ação de deslocamento, como prática cinematográfica cuja potência está na sua possibilidade de empurrar, mover, desafiar as fronteiras do visível. É no seu esforço de provocar passagens entre o visível e o invisível que o documentário pode nos oferecer novas organizações do mundo – de suas falas e de seus gestos.

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Celebraremos grandes nomes do cinema internacional contemporâneo – Pedro Costa, Johan van der Keuken, Avi Mograbi e Nicholas Klotz -, cujas obras enfrentam a arbitrariedade das fronteiras nacionais e tornam visíveis espaços múltiplos de vida. Reunidos na Mostra Cinema Sem Fronteiras, estes filmes desafiam os limites da geopolítica, desenham novas cartografias para o mundo e, ao fazêlo, interrogam também as fronteiras que demarcam o documentário enquanto gênero, evidenciando o seu vigor essencial.


Dedicamos ainda uma sessão especial a “Corumbiara”, filme de Vincent Carelli que conta a história da sua luta para provar, pela visibilidade, um massacre indígena em Rondônia. Ao questionar o fracasso do documento como arma de militância e os próprios limites da tarefa de visibilizar os índios sobreviventes, Vincent renova a força política do seu trabalho e afirma o documentário como o exercício de uma vida. O CachoeiraDoc comemora também a presença de Geraldo Sarno, documentarista baiano essencial, a quem rendemos justa homenagem. As lições de Sarno atravessarão nosso festival: da força histórica dos curtas “Viramundo”, “Cariri”, “Eu carrego um sertão dentro de mim”, reunidos na sessão Clássicos do Real, ao seu mais novo filme, O Último romance de Balzac. Nessa estréia, celebramos ainda o documentário brasileiro atual. E temos motivo para isso. Foi com imensa alegria que confirmamos a intuição motivadora desse festival: há muitos e diversos filmes documentais sendo produzidos em todas as regiões do Brasil. E há rigor, vigor e beleza em uma produção que não apenas aumenta, mas amadurece. Agradecemos a todos os realizadores inscritos que nos confiaram seus filmes, apostando conosco que Cachoeira será, a partir de agora, um lugar para o documentário. Vamos festejar!

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O Documentário e o Desejo Ana Rosa Marques

Coordenadora e Curadora do CachoeiraDoc

Sediar um festival de documentários em Cachoeira demonstra a necessidade e a importância de incentivarmos a realização deste tipo de evento fora dos grandes centros. Mas queremos que o Recôncavo seja mais do que o cenário deste festival. Desejamos também que sua história, cultura e realidade façam parte das imagens e sons que mostraremos nas nossas telas e mais do que isso, que o povo desta terra esteja presente na platéia ou nos créditos dos filmes que exibiremos.

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Para isto o Cachoeiradoc promoveu a integração com projetos da UFRB nas áreas de extensão, pesquisa e ensino que buscam, através do documentário, conhecer e refletir sobre mundo, em especial sobre o mundo do Recôncavo. São projetos que levam os alunos para fora da universidade com suas câmeras e microfones ou que trazem as comunidades não acadêmicas para a universidade para terem contato com este instrumento de conhecimento que é o documentário.


O desejo de saber é a maior expectativa que se tem em relação ao documentário. O desejo de saber sobre o outro, sobre si e sobre a realidade. Talvez por isso, nesta primeira edição do festival, buscamos nos aproximar dos professores e estudantes do ensino médio, desenvolvendo atividades especiais para este público na nossa programação. Porque acreditamos que a escola é também um lugar do desejo de conhecimento e esperamos que o Cachoeiradoc contribua para alimentá-lo.

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O vapor de Cachoeira Márcio Meirelles

Secretário de Cultura do Estado da Bahia

Cachoeira, a Heróica, patrimônio da Bahia e do Brasil, foi considerada até o século XIX uma das cidades mais importantes do continente sul americano. A marca dessa história está nas ruas da cidade, em seus monumentos, e sua importância cultural se reflete nos filhos ilustres que se orgulham de sua cidade natal. Esse Governo reconheceu a importância de Cachoeira ao transferir sua sede no dia 25 de junho para a cidade, data de importância histórica para a construção da Independência da Bahia. Novos ares sopram agora em Cachoeira. A Fundação Hansen Bahia se renova, a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia foi instalada na cidade e atraiu intelectuais e centenas de jovens de todo o Brasil, que sem dúvida, vão aumentar ainda mais o seu potencial humano e artístico.

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O I Festival de Documentários de Cachoeira é fruto dessa movimentação. Pensar o cinema, ajudando na sua difusão, também será mais uma atrativo para essa cidade.


A Secretaria de Cultura do Estado se orgulha do apoio, através do Fundo de Cultura, para mais uma ação estruturante. Ação que vai ao encontro de nosso projeto de expansão dos recursos para outros territórios de identidade, num processo de trocas culturais para toda a região do Recôncavo que poderá ver documentários importantes para a cinematografia mundial, além de recentes e premiadas produções baianas. O que é bom para Cachoeira, é bom para a Bahia. Que esta seja apenas a primeira de muitas outras edições do CachoeiraDoc.

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Cachoeira e sua vocação audiovisual Pola Ribeiro Diretor-Geral do Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (IRDEB)

Cachoeira já foi maior que Salvador e, ao longo da nossa história, por lá já circularam recursos, poderes, culturas diversas. É nesta cidade que vai acontecer o I Festival de Documentários de Cachoeira, o CachoeiraDoc, onde já existe um Curso de Cinema e Audiovisual na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Como um esforço focado e concentrado, reverte um processo de esvaziamento de uma região e da sua principal cidade, recolocando-a no caminho do desenvolvimento, da inclusão e da participação na construção de uma Bahia que se compreende por inteiro.

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A recuperação dos imóveis pelo programa Monumenta do Ministério da Cultura (MinC) não resultaria em revitalização cultural de fato se não tivéssemos a UFRB. E o processo de reconstrução e cidadania não se completaria se esta instituição não contemplasse um curso do olhar. Cachoeira possui uma forte referência audiovisual e a sua história recente sempre passou pelo movimento cineclubista, pelas definições em relação ao Cine-Teatro Glória e a necessidade de formar jovens para documentarem cada um dos seus inúmeros momentos significativos.


Depois da capital, Cachoeira é a cidade mais filmada da Bahia e precisa transformar esta vocação em capacidade de expressão, de aumentar sua auto-estima e de estimular sua economia. Somado às experiências comunitárias e ao Ponto de Cultura, o curso universitário com um debate qualificado e o envolvimento e sintonia com as políticas públicas para o audiovisual podem estruturar este desejado maturamento da cidade e da atividade. Depois que a UFRB se estabeleceu, foram inúmeras as vezes que estive em Cachoeira em debates sobre o cinema negro, indígena, documentário e televisão pública. O momento é o do olhar crítico, da tradução de uma cultura.

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Boas vindas! Boa sessão! Paulo Gabriel Soledade Nacif

Reitor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

Com curiosidade e expectativa, assistimos as novas tecnologias, aplicadas à arte e à comunicação, proporcionando um acelerado processo de democratização da expressão artística. Nesse contexto, o documentário vive uma nova era de possibilidades. O formato está mais acessível a produtores e criadores, o que permite um grande volume de trabalhos produzidos e, mais importante, uma imensa multiplicidade de linguagens.

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A UFRB vê o Recôncavo como um grande espaço de aprendizagem, e Cachoeira, que abriga nosso Centro de Artes Humanidades e Letras, incluindo o curso de Cinema e Audiovisual, é o nosso local de reflexão e criação no campo das artes e da comunicação social. É nesse lugar, secular centro de produção cultural e artística, onde nos orgulhamos de hoje participar como universidade, que abrigamos o I Festival de Documentários de Cachoeira.


O número de trabalhos inscritos, provenientes de todas as regiões do país, mostra a dimensão do evento e também a possibilidade da expressão plural que o vídeo comporta. Com 165 peças inscritas, sendo 48 da Bahia, certamente veremos um diverso painel da nossa produção atual de documentários. Portanto, é com muita alegria que preparamos esse festival e recebemos os participantes, espectadores e visitantes. Convidamos a todos para essa festa de olhares e de criatividade, compartilhando esse momento de diversão, aprendizado e encantamento.

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Abaixo a Gravidade!* Danillo Barata

Coordenador do Curso de Cinema da UFRB

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Durante muito tempo, a cidade de Cachoeira e Salvador, a cidade da Bahia, viveram um certo isolamento. Em razão de diferentes tradições discursivas, elegeram o passado colonial como elemento fundamental para se pensar a cidade. A larga hegemonia dessas interpretações orientou, em grande parte, os olhares, as práticas e as políticas de intervenção no seu cenário urbano. Seus suntuosos sítios arquitetônicos, com construções que dão conta dos estilos dos séculos 17 ao 19, garantiram o seu lugar como patrimônio cultural, ao tempo em que impuseram formas orientadas de compreendê-la e significá-la. Por essa especificidade, as políticas culturais e as formas de expressão artísticas que remetem à cidade e aos seus territórios favoreceram uma determinada liturgia da paisagem, domada por interesses e demandas ligadas ao turístico, ao exótico, ao histórico, ao museológico, ao monumental. De uma certa forma, a própria inserção do modernismo na Bahia, garantiu que essa apologia da velha paisagem urbana, mesmo que com novas gramáticas, se colocasse como elemento fundamental para se pensar as políticas de identidade, que cunham as formas de reconhecimento culturais em circulação. A afro-baianidade, por exemplo, entronizou o arcaico, o tradicional e as raízes como a condição mais legítima das nossas políticas de pertença.


Romper fronteiras de isolamento, acordar, interagir e criar circuitos compõem a natureza de um festival que tem o documentário como ponto de partida. Evidentemente, temáticas das mais variadas e, notadamente, contundentes “desconstroem a ideológica de um isolamento”. A curadoria proposta pelas professoras Amaranta Cesar e Ana Rosa Marques se apropria das narrativas enquanto discursos, falas artísticas, assumindo, com esse princípio, a visceral relação entre o audiovisual e os problemas sociais do seu contexto, criticando assim, antigos paradigmas como o da autonomia do audiovisual, da neutralidade ideológica, das poéticas artísticas, da dicotomia arte versus público. É nessa perspectiva que recebemos com muito entusiasmo o I Festival de Documentários de Cachoeira, cuja intenção, para além do diálogo com a cidade, é dar visibilidade a esse gênero expressivo, que coloca o curso de Cinema e Audiovisual da UFRB no centro do debate do audiovisual neste período. Finalmente, lembrando a célebre fala do filme Superoutro*, interpretado por Bertrand Duarte: -“Abaixo a Gravidade!!!” É imprescindível mudar o eixo das coisas.

* Superoutro (Edgar Navarro, 35mm, 1989, 48’)

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JÚRI DA MOSTRA COMPETITIVA

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JÚRI DA MOSTRA COMPETITIVA 18

Marília Hughes

André Brasil

Mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia. Graduada em Psicologia pela mesma Universidade. Curadora do Panorama Internacional Coisa de Cinema. Atua como diretora, roteirista e montadora de obras audiovisuais. Realizou, recentemente, os curtas “Nego Fugido” e “Carreto”, filmes selecionados e premiados em diversos festivais. Dentre outros, “Carreto” recebeu os prêmios de melhor roteiro e melhor filme de curtametragem no XXXVIII Festival de Cinema de Gramado e “Nego Fugido” recebeu os prêmios de direção, ator (Judevaldo dos Santos) e de melhor filme de ficção no XVI Festival de Cinema e Vídeo de Vitória.

Com doutorado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ, André Brasil é professor do Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais. Ensaísta, publica em revistas de cinema e artes visuais e compõe a equipe de colaboradores da Revista Cinética. Participou da comissão de seleção e do júri de diversos festivais e editais públicos. Em 2006, foi curador da “MostraVídeo” do Itaú Cultural. Organizou, com Cezar Migliorin, Ilana Feldman e Leonardo Mecchi, o dossiê “Estéticas da Biopolítica: audiovisual, política e novas tecnologias”, financiado pelo Programa Cultura e Pensamento, do Minc. Atualmente, desenvolve o projeto “Ensaio sobre o inacabado”, que prevê a produção de filme, site e livro.


Cezar Migliorin Cezar Migliorin é professor, pesquisador e realizador concentrado no cinema e no audiovisual. Nos últimos anos teve seus trabalhos em vídeo apresentados em mostras em espaços como a Tate Modern (Londres), o Centre George Pompidou (Paris) e o Museu Patio Herreriano (Espanha). Membro do Conselho Executivo da Socine (Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual). Membro do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense e professor do departamento de Cinema e Video. Doutor em Comunicação e Cinema (Escola de Comunicação-UFRJ / Sorbonne Nouvelle, Universite de Paris III). Organizador do livro “Ensaios no Real: O documentário recente brasileiro” (2010) Ed. Azougue.

Composto por alunos do curso de cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Recôncavo, o Júri Jovem escolherá, dentre os filmes selecionados para a Mostra Competitiva os ganhadores do Prêmio Especial do Júri Jovem – Longa/Média-metragem e do Prêmio Especial do Júri Jovem – Curta-metragem. Atuam como jurados, os estudantes: Alequine Silva, Diego Santos, Diogo Nunes e Luara Dal Chiavon.

JÚRI DA MOSTRA COMPETITIVA

Júri jovem

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MOSTRA COMPETITIVA NACIONAL

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MOSTRA COMPETITIVA NACIONAL 22

Longas e médiasmetragens

A FALTA QUE ME FAZ Minas Gerais, 2009, 85’ Marília Rocha

Durante um inverno, rodeado pela Serra do Espinhaço, um grupo de meninas vive o fim da juventude. Um romantismo impossível deixa marcas em seus corpos e na paisagem ao seu redor. Entre amizades, angústias e contradições da passagem para a idade adulta, cada uma encontra sua maneira particular de resistir à mudança e existir na incerteza. “A falta que me faz” participou do International Film

Festival Rotterdam (Holanda); do Buenos Aires Festival Internacional de Cine Independiente - BAFICI (Argentina); Film Festival of Direct Cinema - Kinoteatr. doc (Rússia); Distrital. Semana de cine mexicano y otros mundos (México); Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (Distrito Federal); Mostra de Cinema de Tiradentes (Minas Gerais) e do Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo – Festlatino. Neste último o documentário recebeu o Prêmio do Júri de Melhor Filme Latino-Americano.


São Paulo, 2009, 73’ Christine Liu

Rio de Janeiro, 2010, 92’ Vladimir Seixas

Josenilda, Lucivânia e Daniel são amigos. Os três vivem na cidade de Araçoiaba, interior de Pernambuco, a 67 km de Recife. Poderia ser um bairro da capital, mas não faz parte da zona urbana. Não é sertão nem

Um registro da experiência de arrombar prédios e criar novos espaços de moradia das famílias semteto do Rio de Janeiro. O filme expõe também uma série de despejos forçados pelo Estado e como esses despejos são o início de uma das maiores intervenções na cidade. No documentário, o projeto chamado de “revitalização” é questionado pelos próprios moradores de várias ocupações. O filme foi exibido no Festival CineRebelde (Rio de Janeiro) e no Cinecufa (Rio de Janeiro).

chega a estar na Zona da Mata. É uma cidade isolada das áreas que usufruem de assistência. Josenilda e Lucivânia são mulheres que tentam encontrar espaço nessa realidade. Daniel é um trabalhador das plantações de cana-de-açúcar e fotógrafo. Os três se unem pela amizade e pelo amor à cidade. Durante o período das festas de São João, Araçoiaba revela sua força através das histórias desses personagens. O filme participou da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

ATRÁS DA PORTA

MOSTRA COMPETITIVA NACIONAL

DEPOIS DE ONTEM, ANTES DE AMANHÃ

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MOSTRA COMPETITIVA NACIONAL 24

ESPELHO NATIVO

FILHOS DE JOÃO, ADMIRÁVEL MUNDO NOVO BAIANO

Ceará, 2009, 52’ Phillipi Bandeira

Bahia, 2009, 75’ Henrique Dantas

Em Almofala, litoral norte do Ceará, os Tremembé lutam para afirmar sua contemporaneidade e assegurar os direitos reservados aos povos indígenas no Brasil. Por muitos anos, tiveram que se esconder para sobreviver à violência, ao extermínio e à invasão de suas terras tradicionais. Hoje, ao contrário, precisam mostrar quem são e reafirmar sua cultura. Mas quem são esses índios, como manter uma cultura com o intenso contato com os brancos, que imagem se espera desses índios? Entre lutas e encantamentos, um espelho se abre, e, para além do mero reflexo das imagens, projeta luz e reflexão. O filme participou da Muestra Internacional Documental de Colombia (Seleción Internacional); do Festival do Filme Documentário e Etnográfico / Fórum de Antropologia, Cinema e Video - forumdoc.bh (Minas Gerais); e dos Seminários Imagens da Cultura, Cultura de Imagens (Portugal).

O filme traça um rico panorama da Música Popular Brasileira dos anos 60 e 70, através do revolucionário e inovador grupo musical “Novos Baianos”. Particularmente, trata da influência de João Gilberto sobre os rumos musicais do grupo, e da sua importância para o seu aprimoramento. Traz uma retrospectiva do estilo de vida comunitário adotado durante algum tempo e a influência sobre os resultados no trabalho. “Filhos de João, Admirável Mundo Novo Baiano” traz raros e inéditos materiais de arquivos e participações especiais de Tom Zé, Rogério Duarte, Orlando Senna, Moraes Moreira, Pepeu Gomes, entre outros. O documentário recebeu o Prêmio de Júri Popular, o Prêmio Especial de Juri, o Prêmio Marco Antônio Villaça e o Troféu Vagalume no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (Distrito Federal); e participou do Festival de Cinema Brasileiro de Paris e do Panorama Coisa de Cinema (Bahia).


PACIFIC

Pernambuco, 2009, 72’ Marcelo Pedroso

Pernambuco, 2010, 48’ Zezinho Yube

Ao tentar reverter o abandono das tradições do seu povo e seguindo as pesquisas do seu pai, o professor e escritor Joaquim Maná, Zezinho Yube corre atrás dos conhecimentos dos grafismos tradicionais das mulheres Huni Kui, auxiliado por sua mãe. O filme participou do Vídeo Índio Brasil.

de Cinema do Recife (Pernambuco), na Mostra de Cinema de Tiradentes (Minas Gerais), na Mostra Cineastas e Imagens do Povo (Rio de Janeiro, São Paulo e Distrito Federal), no Festival de Cinema de Triunfo (Pernambuco), Indie (São Paulo) e na Semana dos Realizadores (Rio de Janeiro).

MOSTRA COMPETITIVA NACIONAL

KENE YUXÍ, AS VOLTAS DO KENE

Uma viagem de sonho em um cruzeiro rumo a Fernando de Noronha. As lentes dos passageiros captam tudo, a todo instante. Eles se divertem, brincam e vão a noitadas. Desfrutando de seu ideal de conforto e bem-estar, a cada dia aproximamse mais do tão sonhado paraíso tropical. O filme recebeu os prêmios: Prêmio Caríssima Liberdade, na Mostra do Filme Livre (Rio de Janeiro); Prêmio do Júri e Prêmio do Júri Jovem, do Panorama Coisa de Cinema (Bahia). Foi exibido na Janela Internacional

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UM LUGAR AO SOL

MOSTRA COMPETITIVA NACIONAL

TERRAS

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Rio de Janeiro, 2009, 75’ Maya Da-Rin

Na fronteira tríplice entre Brasil, Colômbia e Peru, as cidades gêmeas Letícia e Tabatinga formam uma ilha urbana cercada pela imensa floresta amazônica. As delimitações territoriais são muitas vezes encobertas pela densa vegetação e as fronteiras se confundem nos corpos e rostos de seus moradores. “Terras” acompanha o ritmo deste lugar de encontro e passagem, aproximando-se do cotidiano de seus habitantes. Depois de rodar o mundo participando de diversos festivais, o filme conquistou várias premiações, como o Prêmio Las Cámaras de la Diversidad no Festival Internacional de Cine de Guadalajara (México); Melhor Filme, segundo o Júri ABVC e Prêmio Especial do Júri, no Panorama Internacional Coisa de Cinema (Bahia); recebeu o troféu Melhor Filme “Caríssima Liberdade”, na Mostra do Filme Livre (Rio de Janeiro) e foi indicado para o Dirk Vandersypen Award (Bélgica).

Pernambuco, 2009, 71’ Gabriel Mascaro “Um Lugar ao Sol” reúne depoimentos de moradores de luxuosas coberturas do Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. O diretor teve acesso aos moradores através de um curioso livro que mapeia a elite e pessoas influentes da sociedade brasileira. Neste livro, foram

catalogados 125 donos de coberturas, dos quais apenas nove cederam entrevista. O documentário oferece um rico debate sobre desejo, visibilidade, altura, status e poder. Por todos os festivais onde vem sendo exibido, “Um Lugar ao Sol” vem provocando calorosas discussões, seja do ponto de vista social, seja do ponto de vista cinematográfico. O filme recebeu Menção Especial no Buenos Aires Festival Internacional de Cine Independiente – BAFICI (Argentina) e Festival Internacional de Documentales de Santiago – FIDOCS (Chile) e esteve na seleção oficial de mais de 20 festivais, incluindo Visions du Rèel (Suíça), Munich Documentary Film Festival (Alemanha), Film Festival Bratisalva (Eslováquia), Havana Film Festival (Cuba), CPH:DOX (Dinamarca), Tartu World Film Festival (Estônia), Miami Filme Festival (EUA), Los Angeles Film Festival (EUA).


Curtasmetragens

MOSTRA COMPETITIVA NACIONAL

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MOSTRA COMPETITIVA NACIONAL 28

AVE MARIA OU MÃE DOS SERTANEJOS Pernambuco, 2009, 12’ Camilo Cavalcante

AEROPORTO

Pernambuco, 2010, 22’ Marcelo Pedroso

Um registro poético do imaginário popular do Sertão, às 18h, quando toca na rádio a Ave Maria Sertaneja, interpretada por Luis Gonzaga. Recebeu os prêmios de Melhor Filme, Melhor

Estarei partindo logo. É tão estranho pensar que esse tempo está acabando, as pessoas que conheci aqui parecem quase velhos amigos agora. Provavelmente, nunca mais vou vê-las. Um pensamento triste, mas, eu acho, bem realista. A Austrália é tão longe do resto do mundo...

Fotografia e Melhor Som do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (Distrito Federal); e Melhor Filme, Melhor Fotografia e Menção Honrosa Don Quixote, concedida pela Federação Internacional de Cineclubes no Festival de Atibaia Internacional do Audiovisual (São Paulo).


EU, TURISTA

Ceará, 2010, 18’ Guto Parente

A memória de uma geração visitada por seus Um par de olhos já não basta. personagens. O cenário é o centro de uma grande cidade; o enredo a urgência da vida. E o “Bailão” o ponto de convergência dessas histórias. Recebeu os prêmios de Melhor Curta do Cine-Pe - Festival do Audiovisual (Pernambuco); Melhor Curta Festival de Triunfo (Pernambuco); e Melhor Montagem no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (Distrito Federal). Participou do Kinoforum - Festival Internacional de CurtasMetragens de São Paulo e da Seleção Oficial do Festival Internacional de Cine de Huesca (Espanha).

MOSTRA COMPETITIVA NACIONAL

BAILÃO

São Paulo, 2009, 17’ Marcelo Caetano

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MOSTRA COMPETITIVA NACIONAL 30

MÃOS DE OUTUBRO

O SARCÓFAGO

O filme aborda a festa do Círio de Nazaré. Outubro de festa. Romeiros, operários, escultores, estilistas, decoradores, guardas da Santa, fogueteiros, promesseiros, tocadores de sinos. Todas as classes, todas as idades. Todas as mãos que constroem a maior manifestação de fé do Brasil. Recebeu o Prêmio Canal Brasil e o Prêmio ABDSão Paulo de Melhor Curta-Metragem Brasileiro no International Documentary Film Festival - É Tudo Verdade (Rio de Janeiro/São Paulo); participou do Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo; e do Ecocine - Festival de Inverno de Bonito (Mato Grosso do Sul).

Um homem e sua peleja contra o inevitável processo de corrosão da carne e a tentativa de dominá-lo, retardá-lo, ignorá-lo. Um pós-exú, um pré-cyborg que corta a cidade como uma nota rebelde de rock’n roll. Bem vindo ao outro lado, ao que não deveria ser visto, ao obscuro e inexplicável. Bem vindo ao Sarcófago. O filme participou do Kinoforum - Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo e do Panorama Internacional Coisa de Cinema (Bahia).

Pará, 2009, 20’ Vitor Souza Lima

Bahia, 2010, 20’ Daniel Lisboa


QUERIDA MÃE

Enquanto todos estão ocupados com a pesca da aldeia...

Minha mãe escreveu essas cartas em 1966. São quase tudo o que sei sobre ela. O filme recebeu o Prêmio de Melhor Curta-metragem Brasileiro no International Documentary Film Festival - É Tudo Verdade; e participou do Iguacine – Festival de Cinema de Nova Iguaçu (Rio de Janeiro); Novíssimo Cinema Brasileiro (Rio de Janeiro); Festival Internacional de Curtas do Rio de Janeiro; Festival Santa Maria Vídeo e Cinema (Rio Grande do Sul); do Panorama Coisa de Cinema (Bahia) e da Mostra de Cinema de Ouro Preto – CineOP (Minas Gerais).

Pernambuco, 2010, 3’ Vincent Carelli e Altair Paixão

São Paulo, 2009, 25’ Patrícia Cornils

MOSTRA COMPETITIVA NACIONAL

PEIXE PEQUENO

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MOSTRA COMPETITIVA NACIONAL 32

7 VOLTAS

São Paulo, 2009, 19’ Rogério Nunes

RUÍDO NEGRO

Rio de Janeiro, 2009, 15’ Vladimir Seixas

Diversas crônicas se entrelaçam numa espiral narrativa, poética e quase onírica, sobre um lugar onde o sinuoso rio Tamanduateí descrevia sete

Fragmento da vida de três mulheres descendentes de escravos. Participou do Cine Esquema Novo - Festival de Cinema de Porto Alegre (Rio Grande do Sul); Festival Internacional de Curtas do Rio de Janeiro; Festival Brasileiro de Cinema Universitário (Rio de Janeiro e São Paulo) e da Semana dos Realizadores (Rio de Janeiro).

voltas. Recebeu o Prêmio de Melhor Documentário no Cinesul - Festival Ibero-Americano de Cinema e Vídeo (Rio de Janeiro); e de Melhor Edição e Melhor Documentário em Vídeo no Florianópolis Audiovisual Mercosul – FAM (Santa Catarina). Participou do Kinoforum - Festival Internacional de Curtas de São Paulo.


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ABERTURA E ENCERRAMENTO

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Nessa estréia, o festival começa e termina com música e, portanto, com festa. Na abertura, no meio da praça, ao ar livre, projetaremos “Nanook do Norte”, do pioneiro Robert Flaherty, com execução de trilha sonora ao vivo, composta especialmente para a ocasião. No encerramento, exibiremos “Uma noite em 67”, de Renato Terra e Ricardo Calil, filme sobre o festival que revolucionou a música brasileira, que lotou salas de cinema de todo o país, mas ainda não chegou até Cachoeira.

Nanook of the North, EUA, 1922, 78’ Robert Flaherty

Considerado o primeiro filme documentário de longa-metragem de sucesso internacional. O filme retrata a vida de uma família de esquimós ao longo de um ano com filmagens in loco do seu cotidiano. São exibidos a caça, a pesca, as migrações, o comércio de peles, a construção de iglus e todas as dificuldades da vida sem tecnologia do início do século XX, num clima extremo como o do ártico.

Guilherme Maia Professor do curso de Cinema e Audiovisual da UFRB

Música para cinema executada ao vivo, como nos velhos tempos... A sedutora proposta das organizadoras do CachoeiraDoc de apresentar o filme Nanook do Norte em praça pública acompanhado por música ao vivo, pôs em marcha o processo que conduziu a uma parceria entre o curso de Cinema da UFRB e o curso de Composição da EMUS-UFBA. Levei a idéia ao compositor e professor Paulo Costa Lima que a acolheu com entusiasmo. A partir daí, sob minha direção em parceria com o compositor Cláudio Seixas (doutorando em Composição), a música do filme começou a ser elaborada em saborosas reuniões com os alunos de Composição que aderiram vigorosamente ao projeto. Além de mim e do Cláudio, trabalharam na costura destes múltiplos olhares sobre o fazer música de filmes os alunos de graduação Paulo Santana, Vinícius Borges Amaro, André Pereira Fidelis, Alisson Gonçalves da Silva, Vítor Silva Rosa e Juliano Serravale. O filme foi dividido em seções, com base em sua estrutura narrativa. Foi criado um tema musical que operasse como “ponto de encontro” e os compositores escolheram o segmento do filme que queriam trabalhar. Para executar a composição, foi formado o Nanook Ensemble, grupo de câmera formado por violoncelo, viola, dois violinos, flauta, oboé, clarinete, fagote e um percussionista. O resultado artístico e pedagógico desse trabalho será apresentado ao público na noite do dia cinco de novembro, sob o céu de Cachoeira.

ABERTURA E ENCERRAMENTO

NANOOK DO NORTE

NANOOK ENSEMBLE

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ABERTURA E ENCERRAMENTO

UMA NOITE EM 67

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Rio de Janeiro, 2010, 85’ Renato Terra e Ricardo Calil

No teatro: aplausos, vaias, um violão quebrado, guitarras estridentes. No palco: os jovens Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Roberto Carlos, Edu Lobo e Sérgio Ricardo. As músicas: “Roda Viva”, “Ponteio”, “Alegria, Alegria”, “Domingo no Parque”. E só um deles sairia vencedor. Isso é “Uma Noite em 67”, um convite para viver a final do Festival da Record que mudou os rumos da MPB. O filme recebeu o prêmio de Melhor Documentário no Festival de Cinema Brasileiro de Israel; e foi exibido no International Documentary Film Festival - É Tudo Verdade (Rio de Janeiro/São Paulo); na Mostra de Cinema de Ouro Preto – CineOP (Minas Gerais), no Festival de Cinema de Paulínia (São Paulo).


UMA NOITE ETERNA Carlos Nader Cineasta, diretor de “Pan Cinema Permanente”

“Uma noite em 67” gira em torno dessas apresentações. É um documentário sobre seis canções. Simples assim. O complexo, na história do filme e do Brasil, é que em torno dessas apresentações giraram e ainda giram as questões mais essenciais da nossa cultura popular. Popular ou pop? Engajada ou alienada? Enraizada ou antenada? As polaridades que desde sempre energizam nossas manifestações artísticas colocaram-se no palco da Record com uma clareza e uma vitalidade tão únicas que já levaram muita gente a rotular aquela noite como “a mais importante da MPB”. O documentário sabe, felizmente, evitar esse tipo de mitificação que abafaria toda a complexidade orgânica e muitas vezes contraditória que ainda emana daquela noite. Feito um This is it reflexivo, o filme nos conduz sem firulas estéticas a reviver a experiência do festival, mostrando as canções na íntegra e complementandoas com depoimentos pensantes, mas sempre emocionalmente endógenos, nunca acadêmicos ou friamente analíticos. Assim, por exemplo, Zuza Homem de Mello, um dos maiores historiadores da MPB, é na tela a memória viva de um jovem microfonista do festival. Nelson Motta é um letrista concorrente que torcia pela vitória de sua música. Caetano Veloso, mesmo através das reflexões sofisticadas que sempre produz, é um artista começando a projetar uma carreira seminal. E Chico Buarque idem. É de Gilberto Gil a participação que traduz mais inteiramente o clima milionário de contradições da época. Lá pelas tantas, o filme nos mostra que ele realiza a duvidosa proeza de participar de uma caduca passeata antiguitarra em SP pouco tempo antes de colocar Os Mutantes, com a guitarra de Sérgio Dias, ao seu lado no palco. Num depoimento emocionante, ele afirma essa e outras contradições, dizendo que a soma transcendente delas é, sempre foi e sempre será o signo de sua música. Nesse sentido, ele encarna com malemolente exatidão um Brasil não só daquela época, mas de todas. E dá sua contribuição ao documentário de Terra e Calil que, nesse diapasão, pinta uma só noite para ser eterno.

ABERTURA E ENCERRAMENTO

“Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”, disse o escritor russo Liev Tolstói. Transformada num clichê igualmente universal, a frase visitou a minha cabeça enquanto assistia a Uma noite em 67, documentário dirigido por Renato Terra e Ricardo Calil. A noite em questão é a final do III Festival da Música Brasileira, realizado pela TV Record em outubro de 1967. Entre os concorrentes mais memoráveis, apresentaram-se Edu Lobo com “Ponteio”, Gilberto Gil com “Domingo no parque”, Caetano Veloso com “Alegria, alegria”, Chico Buarque com “Roda viva”, Roberto Carlos com “Maria, Carnaval e cinzas” e Sergio Ricardo, cujo nome da música não importa porque ele concorreu num quesito híbrido, talvez mais esportivo do que musical, mas nem por isso menos importante no universo pop: o arremesso de violão quebrado em cima do público.

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MOSTRA CINEMA SEM FRONTEIRAS

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Nós frequentamos as fronteiras não como signos e fatores do impossível, mas como lugar de passagem e de transformação. Édouard Glissant

Amaranta Cesar curadora da mostra sem fronteiras

Uma cena de “Amsterdãn Cidade Global”, filme do holandês Johan van der Keuken, um dos grandes nomes do documentário mundial, expressa a trama que conecta as obras reunidas nessa mostra. Uma senhora judia visita um apartamento da cidade holandesa, onde teria sido o último lugar em que ela, o marido e seu filho moraram juntos. Na companhia deste último, ela percorre cada cômodo e vai tecendo a lembrança dos momentos que viveu ali, antes que o marido fosse capturado e conduzido para ser assassinado em um campo de concentração nazista, e ela tivesse que fugir e separar-se do filho pequeno por muitos anos. Assim, nesse apartamento onde ficou a última imagem da família, os dois tentam restaurar, pela memória, as fissuras provocadas pelo trauma da diáspora imposta pela guerra. Mas é quando já estão de saída, despedindo-se da atual moradora do apartamento, que a ocasião produzida pelo documentário evidencia surpreendentes elos históricos. A senhora judia agradece a anfitriã por abrir-lhe as portas da sua casa. A mulher africana, que permanecera em silêncio até o momento, revela, então, ter se identificado muito com a história rememorada ali: obrigada a fugir da fome e de uma guerra civil, ela também vive longe dos filhos, com quem não tem quase nenhum contato, há muito tempo. Diáspora judia e diáspora africana cruzam-se, assim, nesse apartamento cosmopolita onde o drama e a potência dos fluxos migratórios irrompe. Na construção da cartografia da sua cidade múltipla, Keuken sobrepõe, desse modo, temporalidades, espaços, afetos e catástrofes, produzindo um ponto de sutura que desestabiliza rupturas geográficas, históricas e culturais. O documentário atualiza e reorganiza a História. É da mesma ordem a articulação feita pelo israelense Avi Mograbi, um dos mais interessantes documentaristas contemporâneos, em “Por um de meus olhos”, quando, através da montagem, ele conecta as lições dos mitos fundadores do povo judeu ensinadas nas montanhas de Massada à atuação brutal do exército de Israel nas barreiras da Faixa de Gaza. O mito de Sansão e a história da resistência dos judeus contra a invasão dos romanos, repetidos de diversos modos para muitos grupos de jovens e crianças judias que Mograbi documenta, deixam uma mensagem clara: o suicídio é o único meio, no momento de dominação, de controlar o próprio futuro, uma forma, pois, de resistência. No âmago das narrativas fundadoras do povo judeu e legitimadoras da nação sionista, o cineasta encontra, assim, um modo de compreensão da resistência palestina

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ao estado de Israel. O outro está em si mesmo. Essa evidência, produzida pela montagem, desestabiliza de forma impressionante os muros erguidos pela nação israelense contra os palestinos. E Avi Mograbi vai além. É na própria nação israelense que ele provoca fissuras quando se coloca em um dos portões da fronteira e confronta os soldados que transformam o ato de abrir e fechar as passagens dos caminhos palestinos em uma ação sádica. Ao presenciar a espera injustificada, sob sol forte, de crianças e mulheres palestinas que voltam da escola para ir para casa, Mograbi explode, com a câmera em punho, contra os jovens soldados israelenses que se negam a dizer quando abrirão o portão. “Em que lixo encontram pessoas como vocês?”, pergunta o documentarista. “No seu país”, responde um deles. “Essa é a resposta”, finaliza Mograbi. A performance do cineasta faz emergir, assim, a diferença onde o discurso oficial prega a unidade, que justificaria a fronteira e sua proteção desumanizante. A ferida, que está no título do filme dirigido por Nicholas Klotz e escrito por Élisabeth Perceval, é justamente a ferida que a polícia da fronteira inflige a Blandine, mulher, como aquela encontrada por Keuken, que deixa a África para entrar na Europa, fugindo das guerras e da fome. O drama da protagonista do filme de Klotz e Perceval começa antes que ela atravesse os limites oficiais da Europa: no aeroporto de Paris, onde ela é detida e ferida na luta contra os policiais que tentam colocá-la à força dentro do avião de volta. Blandine nos remete ao que há de mais cruel nos sistemas de controle das nações: a anulação da humanidade do outro, de sua subjetividade e diferença. É no testemunho dessas pessoas que portam as cicatrizes do deslocamento que Perceval centra seu trabalho de escritura, oscilam entre o real e a ficção. Através do testemunho, os personagens tomam a palavra e acedem à humanidade negada pela brutalidade da defesa das fronteiras. A inventividade do filme, composto mais de monólogos do que de diálogos, deve-se ao entendimento de que, no aniquilamento que a migração clandestina produz, a fala, impostada e solene, diferente, portanto, do regime coloquial das entrevistas habituais dos documentários, pode restituir a subjetividade e emergir como espaço possível de vida, onde a subjetividade e a diferença encontram refúgio. Com seus filmes sobre Fontainhas, bairro pobre de Lisboa onde se concentram migrantes cabo-verdianos,


São esses espaços e formas de vida, encontrados por cineastas que desafiam a retórica político-policial sobre o deslocamentos dos povos no mundo, que essa pequena coleção de filmes quer compartilhar.

MOSTRA CINEMA SEM FRONTEIRAS

Pedro Costa, realizador português e um dos cineastas mais instigantes da contemporaneidade, cria um modo singular de documentar, como ele diz, uma sensibilidade em vias de desaparição. Os dois filmes de Costa reunidos nessa mostra fazem parte de uma trilogia e capturam os moradores do Fontainhas entre o momento da sua demolição e a instalação em outro lugar. Fruto de uma metodolgia de filmagem que prevê uma convivência diária durante dezenas de meses, “No quarto de Vanda” e “Juventude em marcha” portam em si o peso e a potência do encontro, tecido na duração, entre o cineasta e seus atores/personagens – dos quais sabemos pouco o que é realidade e o que é invenção. A indiscernível mistura de documentário e ficção que caracteriza esses filmes é resultado desse encontro em que a relação inventa algo novo, que não representa nem o documentarista e nem as pessoas que ele filma, mas uma síntese sofisticada dos dois, como o próprio bairro, que não é nem africano, nem europeu mas algo especial. É assim a magnífica carta de amor escrita e lida por Ventura, protagonista de “Juventude em Marcha”: há Ventura e Pedro Costa nela, há os dois juntos, mas também as suas diferenças, aquilo que os une e o que inevitavelmente os separa. Pedro Costa faz questão de manter o abismo intransponível que o distancia daqueles que filma, investindo na força da inconciliação e da diferença. E Ventura, pessoa e personagem, é justamente a encarnação da inconciliação e da diferença. É através da sua figura que Pedro Costa pode confrontar história (oficial de Portugal) contra história (clandestina dos trabalhadores migrantes pobres). Ventura vai deixando suas marcas por onde passa; a sujeira das mãos sobre as paredes brancas da habitação oferecida pelo governo, os resíduos de seus calçados sobre o tapete do luxuoso museu de Lisboa. E há sempre alguém disposto a apagar suas marcas, como o faz o segurança, também africano migrante, do museu. Mas Ventura é, ele próprio, traço, rasura imponente que faz espaço, tempo, história virem à tona enquanto cisão e sutura. A relação de Pedro Costa com o Fontainhas, expressa a potência criativa de uma população em deslocamento e o entedimento da diferença como valor em si mesmo, fazendo emergir novos espaços de vida para o cinema.

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NO QUARTO DA VANDA

JUVENTUDE EM MARCHA

Portugal, 2000, 179’ Pedro Costa

Portugal/França/Suíça, 2006, 55’ Pedro Costa

Segundo filme da trilogia do cineasta português sobre o bairro das Fontainhas, em Lisboa, onde moram imigrantes africanos e operários portugueses. O bairro sofre uma gradual destruição operada pela política de urbanismo perpetrada pelo Estado; realidade que traz inquietação a Vanda em relação a seu futuro. Dependente química e isolada do mundo exterior, ela vive e compartilha com amigos e familiares, com mágoa e desconforto, o seu desencanto diante da vida que leva.

Filme que completa a trilogia sobre Fontainhas. O lugar onde Pedro Costa filmou “Ossos” e “O quarto da Vanda” foi demolido. Seus moradores foram removidos para Casal Boba, um bairro novo, de habitações populares construídas pelo governo, com cômodos pequenos e paredes brancas. Juventude em Marcha mostra essa “mudança” pelos olhos de Ventura, imigrante cabo-verdiano, antigo morador de Fontainhas que foi abandonado pela mulher, Clotilde. O filme foi um dos selecionados da Seleção Oficial do 59.º Festival de Cannes.


Bélgica/França, 2004, 162’ Nicolas Klotz

AMSTERDAM GLOBAL VILLAGE Holanda, 1996, 245’ Johan van der Keuken

Neste filme de quatro horas de duração, o cineasta holandês, narrando histórias pessoais dos seus personagens habitantes de Amsterdã, faz uma viagem aos seus países de origem. E por esse caminho vai encenando uma Europa plural, multiétnica e cheia de contrastes.

Blandine (Noëlla Mobassa) é ferida pela polícia na pista do aeroporto de Roissy (Paris) quando um grupo de africanos resiste ao embarque forçado num avião que os devolverá a um país e a uma vida que não querem. Blandine está em

solo francês, mas a sua ferida, a sua presença e a sua existência são negadas pela polícia. Tratase não exatamente de uma ficção, fortemente marcada pela realidade social, mas de um filme de “escritura do real”, como classifica a roteirista Elisabeth Perceval.

MOSTRA CINEMA SEM FRONTEIRAS

A FERIDA La Blessure

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MOSTRA CINEMA SEM FRONTEIRAS 44

POR UM DE MEUS DOIS OLHOS Nekam Achat Mishtey Eynay França/Israel, 2005, 100’ Avi Mograbi

Durante a segunda Intifada, o cineasta Avi Mograbi percorre os territórios ocupados pelo exército israelense e captura um cotidiano recorrente: palestinos sitiados e o exército israelense onipresente. Ao mesmo tempo, ele mantém uma conversa telefônica cada vez mais veemente com um amigo palestino que literalmente não pode mais sair de sua própria casa, e também analisa os mitos de Sansão e Massada, que foram sucessivamente distorcidos pelos governantes israelenses.


MOSTRA CLÁSSICOS DO CINEMA DO REAL: HOMENAGEM A GERALDO SARNO 45


VIRAMUNDO (Geraldo Sarno - Brasil, 1965, 37’)

MOSTRA CLÁSSICOS DO CINEMA DO REAL

Documentário sobre os migrantes nordestinos que chegam a São Paulo em busca do sonho do progresso. São cinco atos - o desembarque, o trabalho na construção civil, o trabalho na indústria, a caridade das religiões e o retorno – que delineiam esta trajetória, marcada pela desilusão, pela vontade de voltar e pelo recurso à caridade e ao misticismo, diante do desemprego e da miséria.

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VIVA CARIRI! (Geraldo Sarno, Brasil, 1970, 36’) Amplo painel social da região do Cariri, Ceará, vale fértil situado na confluência dos sertões áridos de cinco estados nordestinos, numa colagem de sons e imagens que desconstrói a tradicional narrativa realista e naturalista do documentário. O filme mescla o retrato das atividades econômicas da região e as manifestações religiosas do culto ao Padre Cícero. Terra da esperança e da salvação, mas também do mito, da fome e da morte, a região do Cariri é uma síntese metafórica do sertão. “Viva Cariri!” é a imagem dessa metáfora.

EU CARREGO UM SERTÃO DENTRO DE MIM (Geraldo Sarno, Brasil, 1980, 14’) Em uma entrevista dada ao seu tradutor para a língua alemã, o escritor João Guimarães Rosa expõe sua identidade e afirma não dissociar a vida da arte e o homem do escritor. Inspirado neste documento, “Eu carrego um sertão dentro de mim” busca reconstruir seu conceito de sertão. Com apoio do mestre santeiro Noza, do cantador Severino Pinto, do Coronel Chico Heráclio, de Limoeiro, e uma canção de vaqueiros cantada pelo cego Raimundo Silvestre dos Santos, pretende-se afirmar que o sertão é também uma maneira de pensar e viver, é um espaço de criação e eternidade, e por isso o carregamos dentro de nós.


Geraldo Sarno

Após realizar um estágio no Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográficos, une-se ao grupo que se tornaria conhecido como “Caravana Farkas”, responsável por uma série de clássicos do cinema documental brasileiro, e realiza sua primeira obra solo: “Viramundo” (1965). Seus filmes seguintes são profundamente marcados pelos temas abordados nesse trabalho. A relação do homem sertanejo com o trabalho aparece em “Viva Cariri!” (1970), “Segunda-Feira” (1975) e “A Terra Queima” (1984). As manifestações religiosas, retratadas como alienantes na seqüência dos pentecostais em “Viramundo”, ressurgem sob outra perspectiva em “Viva Cariri!” (o mito do Padre Cícero), em “Iaô”, (os cultos afrobrasileiros como símbolo de resistência do oprimido, 1976) ou em “Deus é Um Fogo” (a crise do catolicismo como retrato da crise das esquerdas latino-americanas, 1987). Em toda a sua produção, sobressai o profundo vínculo com a cultura popular. No terreno da ficção, assinou dois longasmetragens: “O Pica-Pau amarelo” (1973) e “Coronel Delmiro Gouveia” (1977). Nos anos 90, dedica-se a projetos educativos, ensaios e trabalhos na área editorial - é um dos editores da Revista Cinemais. Em 1999, elabora a série “A Linguagem do Cinema”, e dá início à realização dos primeiros vídeos dedicados ao processo de criação dos cineastas brasileiros.

MOSTRA CLÁSSICOS DO CINEMA DO REAL

Nascido na cidade de Poções, na Bahia, em 1938, Geraldo Sarno é um nome fundamental na trajetória do moderno documentário brasileiro. No início dos anos 60, quando cursava Direito na Universidade Federal da Bahia, tornou-se membro ativo do Centro Popular de Cultura (CPC) em seu momento de maior mobilização. Nessa época, realiza suas primeiras experiências cinematográficas, com Orlando Senna e Valdemar Lima: filmes sobre camponeses e revolução agrária, mistos de documentário e ficção, feitos com negativo 16mm, P&B, reversível, com revelação caseira e montagem manual, como “Mutirão em Novo Sol”, seqüestrado e destruído com outros pertences do CPC pela repressão pós-64.

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MOSTRA PARALELA: BAHIA

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A VISÃO DE DENTRO ÁLBUM DE FAMÍLIA

MOSTRA PARALELA BAHIA

Bahia, 2009, 52’ Wallace Nogueira

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Documentário que trata da inquietude de um filho, o diretor do filme, diante da morte de sua mãe, vítima de um câncer que surge após sua separação. Há alguns anos longe de seu pai e sem conhecer a sua atual família, decide revisitá-lo para com ele resgatar um álbum de fotos abandonado na antiga fazenda da família. Neste trajeto, pai e filho repassam em memória momentos que viveram juntos e trocam experiências e confidências, deparando-se com sentimentos de raiva, culpa, desamparo e traição. Rodado nas estradas da Chapada Diamantina, “Álbum de Família” expõe a fragilidade da família como caminho para a realização dos desejos pessoais. Premiado como melhor filme realizado na cidade de Salvador, no Panorama Coisa de Cinema (Bahia).

Bahia, 2009, 52’ Sophia Mídian

Fruto da quarta edição do DOCTV, “A Visão de Dentro” experimenta a linguagem cinematográfica na medida em que manipula, em função de uma provocação de sensações, as imagens e o som do documentário. Um olhar inquietante é lançado sobre uma comunidade de semterras do assentamento Menino Jesus, na região semi-árida baiana. Em contraposição à abordagem da grande mídia, que enquadra o MST em reportagens noticiosas de seus conflitos, raramente imergindo no cerne da questão agrária, o filme revela o cotidiano, os sentimentos, conquistas e dificuldades de um povo lutador, que encontra na fé e na cultura a força necessária às batalhas da existência. Foi exibido na Mostra de Cinema de Conquista (Bahia), na Mostra do Filme Livre (Rio de Janeiro) e no Festival Internacional de Cinema Digital do Chile.


BATATINHA, POETA DO SAMBA

OS MAGNÍFICOS

O sambista baiano Oscar da Penha, o Batatinha (1924-1997), sob a perspectiva de seus nove filhos. São eles que vão atrás das memórias do pai, investigam a sua vida, história e obra e se encontram com familiares, amigos e músicos. Um homem simples, compositor de um samba lamento carregado de poesia, cheio de facetas românticas e satíricas se revela. Inclusive para seus filhos, que, ao reunir fragmentos da memória paterna, estabelecem importantes elos entre a própria família. Foi exibido em diversos festivais pelo Brasil, e recebeu os seguintes prêmios: Prêmio de Melhor Longa Metragem do Júri Popular do Panorama Internacional Coisa de Cinema (Bahia), Menção Honrosa do Júri no Festival do Filme Documentário e Etnográfico forumdoc.bh (Minas Gerais); o Prêmio da ABDeC de Melhor Produção Cultural Cinematográfica na Mostra Internacional do Filme Etnográfico (Rio De Janeiro).

“Os Magníficos” resgata a história de três fazendeiros da região do cacau, palco de uma época de esplendor e glória do Sul da Bahia. Em meados dos anos oitenta, por causa de uma praga devastadora nas plantações, eles perderam a condição financeira, o respeito social, e, em alguns casos, até a família e a saúde. O filme explora os motivos e o processo desta decadência, retratando a busca de uma reconstrução econômica, pessoal e espititual. O filme foi premiado pelo programa DOC-TV e participou de diversos festivais no Brasil e no mundo, como o Palm Springs International Film Festival (EUA), o Festival International du Court Metráge Clermont-Ferrand (França); o Rhode Island International Film Festival (EUA); o FilmVideo Montecatini Cinema (Itália); o Florianópolis Audiovisual Mercosul – FAM (Santa Catarina); o Cine-Pe - Festival do Audiovisual (Pernambuco); dentre outros.

Bahia, 2008, 62’ Marcelo Rabelo

Bahia, 2009, 52’ Bernard Attal

MOSTRA PARALELA BAHIA 51


MOSTRA PARALELA BAHIA 52

PROFISSÃO: PALHAÇO Bahia, 2009, 65’ Paula Gomes

Após uma temporada na capital, um homem, um velho e um garoto, regressam ao picadeiro de um pequeno circo itinerante. Esse retorno acaba despertando uma série de sentimentos, expectativas e transformações, que refletem o tênue limite entre o drama e a comédia na vida desses palhaços. Foi exibido no Panorama Internacional Coisa de Cinema (Bahia) e na Muestra Internacional Documental de Bogotá (Colômbia).


MOSTRA PARALELA: RECテ年CAVO

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MOSTRA PARALELA RECÔNCAVO

MEMÓRIAS DO RECÔNCAVO: BESOURO E OUTROS CAPOEIRAS CANTADOR DE CHULA

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Bahia, 2008, 54’ Pedro Abib

Bahia, 2009, 95’ Marcelo Rabelo

Documentário que aborda a capoeira e suas histórias num dos prováveis locais de seu surgimento no Brasil: o Recôncavo Baiano. A partir de depoimentos de antigos capoeiras moradores da região, e também de estudiosos e pesquisadores, busca-se reconstruir a memória sobre fatos e personagens envolvidos com essa importante manifestação da cultura afro-brasileira. Busca também reconstruir a história de um famoso personagem da região e um ícone da capoeira: o lendário Besouro Mangangá. Foi exibido no Festival do Filme Etnográfico (Rio de Janeiro) e no Festival Internacional de Documentales “Santiago Álvarez In Memoriam” (Cuba).

Chula é o canto principal em algumas modalidades do samba no interior da Bahia, caracterizados por sua técnica vocal, improvisação de versos e presentes somente na memória oral dos mais velhos. O filme caminha pelo recôncavo e agreste baiano, onde podemos ouvir algumas chulas e outras cantigas tradicionais. Através de contatos de moradores locais com os mestres e mestras da região, passamos a conhecer mais sobre esta forte herança africana, esquecida no tempo e pouco valorizada pela juventude. Foi exibido em mostras e festivais da Bahia e do Brasil. Recebeu o Troféu Cineclubista Luís Orlando da Silva nas categorias Melhor Filme Júri Popular e Melhor Som (Simone Dourado) no Bahia Afro Film Festival.


Bahia, 2010, 9’

OMI ORISÁ - LENDAS E MITOS DO RIO José Antonio Gondim Rangel PARAGUAÇU Bahia, 2010, 20’ Lucas Reis

Cachoeira, Maragojipe e São Felix, são cidades localizadas no Recôncavo da Bahia e banhadas pelo Rio Paraguaçu. Cidades que guardam fortes tradições passadas de pais para filhos. As águas do Paraguaçu são carregadas de mitos e lendas que variam de acordo com localidades onde ele passa. Através de narrativas orais, essas estórias povoam o imaginário popular dos habitantes dessas cidades de geração em geração.

Um documentário sobre globalização, cultura e religiosidade, com narrativa construída através dos depoimentos de quatro personagens. A discussão envereda por assuntos como tradição, resistência, fé e a dupla pertença (sincretismo) existente na Irmandade da Boa Morte. O curta discute ainda como questão central a espetacularização do sagrado e os benefícios e prejuízos que este fenômeno causa para as manifestações culturais religiosas. O curta foi classificado no Festival de Vídeo da Televisão Educativa da Bahia e no Festival do Cinema Infantil (Santa Catarina).

MOSTRA PARALELA RECÔNCAVO

A DEVOÇÃO PEDE PASSAGEM

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MOSTRA PARALELA RECÔNCAVO 56

A FORÇA DE UM GRITO Bahia, 2008, 15’ Edson Silva de Jesus

A história de jovens que mudaram suas vidas usando a culinária como forma de sobrevivência e encontraram nas vendas dos beijus de coco a saída para a desigualdade social. Usam da criatividade e da força do grito para vender bem e, com garra, dão um grande exemplo de disposição. Filme participante do circuito de exibição nas cidades do Projeto “Revelando os Brasis - ano III” (Ministério da Cultura).


SESSテグ ESPECIAL: CORUMBIARA

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CORUMBIARA

SESSÃO ESPECIAL CORUMBIARA

Pernambuco, 2009, 117’ Vincent Carelli

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Em 1985, o indigenista Marcelo Santos, denuncia um massacre de índios na Gleba Corumbiara (RO), e Vincent Carelli filma o que resta das evidências. Bárbaro demais, o caso passa por fantasia, e cai no esquecimento. Marcelo e sua equipe levam anos para encontrar os sobreviventes. Duas décadas depois, “Corumbiara” revela essa busca e a versão dos índios... O filme foi exibido em diversos festivais e recebeu alguns prêmios entre eles: Melhor filme – IV Festival de Cinema Latino Americano de São Paulo (Brasil), Menção Honrosa – É tudo verdade, 14º Festival Internacional de Documentário (Brasil), Melhor Documentário – 19º Festival Présence Autochtone (Canadá) e Prêmio Aquisição de Longa-metragem pela TV Brasil e Prêmio OCIC (Office Catholique International du Cinéma) – 14ª Mostra Internacional do Filme Etnográfico (Brasil).


Corumbiara

por Jean-Claude Bernardet em janeiro de 2010

Já que não se conseguiu reunir provas que atestem o massacre, pois as provas foram destruídas, já que não há como incriminar os culpados e levá-los aos tribunais, o que se impõe é CONTAR A HISTÓRIA. Contar a história e torná-la pública com veemência substitui uma ação concreta e necessária mas impossível nas atuais condições sociais e políticas. CORUMBIARA não testemunha, mas age. Contar a história é uma ação que denuncia o massacre a sociedade. Contar é agir.

Embora com preocupações alheias às que motivaram grandes filmes brasileiros recentes (como Serras da Desordem, Santiago, Jogo de Cena, PanCinema Permanente), ele entra no coro das obras que discutem o relato de vida, a palavra, a história, a

A aproximação do índio solitário refratário a qualquer contato com brancos é feita por duas pessoas:um indegenista conhecido como Alemão, e o próprio cineasta Vincent Carelli. O índio flecha. Isto a câmera flagrou. Carelli explica que o índio não flechou o Alemão, mas ele, Carelli, porque ele segurava a câmera.

SESSÃO ESPECIAL CORUMBIARA

representação, a narração etc. Só que ele entra por uma via inesperada no quadro da filmografia citada.

CORUMBIARA de Vincent Carelli é um filme militante. Hoje em dia, até parece palavrão. Ele foi feito para denunciar um massacre de índios ocorrido em meados dos anos 1980. Ele apresenta indícios, vestígios que possam comprovar o massacre. Ele se compõe de materiais filmados no decorrer de vinte anos, é um projeto que Carelli perseguiu durante 20 anos, é um projeto de vida. Durante essas duas décadas foram flagradas situações e momentos extraordinários. Cito alguns: o encontro com dois sobreviventes, a busca dos sobreviventes por outros sobreviventes, o confronto com fazendeiros (câmera oculta), intervenções da Polícia Federal, a descoberta dos “buracos” cavados na terra servindo de esconderijo, a descoberta do índio solitário traumatizado que não suporta a aproximação de brancos. Estes não são fatos relatados, mas momentos preciosos e únicos que a câmera conseguiu captar.

A questão da imagem, do narrar a história está visceralmente integrada a este filme militante. Basta relatar o seguinte episódio:

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SESSÃO ESPECIAL: O ÚLTIMO ROMANCE DE BALZAC 61


SESSÃO ESPECIAL: O ÚLTIMO ROMANCE DE BALZAC

A afirmação d

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O ÚLTIMO ROMANCE DE BALZAC Rio de Janeiro, 2010, 74’ Geraldo Sarno

Em 1965, o médico e médium espírita Waldo Vieira psicografa o romance “Cristo Espera por Ti”, ditado pelo espírito do escritor francês Honoré de Balzac. Muitos anos depois, o livro chega às mãos do psicólogo Osmar Ramos Filho. Recém chegado da Bélgica, ele dedica a década seguinte para estudar o livro.

Se em seu filme anterior, “Tudo Isso Me Parece um Sonho”, Geraldo Sarno já empreendia uma jornada interessada – mesmo que nublada e sem pulsação – pelo processo de criação artística, em “O Último Romance de Balzac” ele é de fato começo e fim, forma e conteúdo do filme. Não há, portanto, intenção de questionar ou de verificar o quanto há de verdade ou de invenção (pois, mesmo se não duvidamos de sua autenticidade, há um pouco dos dois) no relato de Waldo Vieira de como Balzac teria lhe aparecido e soprado, palavra a palavra, o livro em seu ouvido. Mediado pela pesquisa acerca do livro de Waldo/Balzac feita por Osmar Ramos Filho (essa sim uma investigação mais tradicional), o filme ouve seus relatos apenas para afirmar o mistério do próprio ato criativo. A cada nova “coincidência” entre o romance de Waldo e a obra de Balzac, importa menos o quanto há de religioso ou de charlatanismo no processo, e mais o quanto esse processo – opaco e impenetrável – é sempre misterioso (daí o filme nunca voltar a Waldo com as conclusões do professor Osmar para conferi-las, ou para questioná-lo). Interessa, portanto, menos uma verdade por trás do fato, e mais o fato em si: um filme feito a partir de uma pesquisa, a partir de um livro que, mesmo que falso, contribui na compreensão do objeto “verdadeiro”.


o mistério

por Fábio Andrade publicado em setembro de 2010, na Revista Cinética

processo: deturpa a obra original para, com isso, afirmá-la. O espelhamento, portanto, é mais como o daqueles brinquedos de parque de diversões, onde espelhos de angulações e propriedades diferentes deformam nossa imagem de inúmeras maneiras, e ainda assim nos reconhecemos. A sensação ao se assistir “O Último Romance de Balzac” não é muito diferente: a cada minuto nos vemos mais entretidos por esse jogo de distorções, ao mesmo tempo em que criamos uma imagem mais complexa e múltipla dessa obra primeira que Waldo Vieira, o professor Osmar e o próprio Geraldo Sarno usam, todos, como referência. O interesse de Sarno é justamente evidenciar o quanto essas distorções não só são inerentes ao processo de criação e entendimento, mas também o quanto são essenciais na conservação do espírito original das obras. Isso fica claro na sequência em que um pintor, convidado por Osmar Ramos Filho para recriar a tela de Potter mencionada no romance psicografado, explica seu processo de pastiche: há muito de cópia, de imitação, mas também de leitura, compreensão e criação. Nesse sentido, “O Último Romance de Balzac” é, de fato, um filme de absoluta imanência: para a conservação plena do espírito, é sempre preciso moldar-lhe um corpo ideal.

SESSÃO ESPECIAL: O ÚLTIMO ROMANCE DE BALZAC

O que Geraldo Sarno faz – com uma vitalidade absolutamente contagiante – é justamente emaranhar ainda mais esse espelhamento. “O Último Romance de Balzac” se firma, dessa maneira, como um filme de empréstimo, dedicado não só ao empilhamento de camadas, mas principalmente à maneira como cada uma – mesmo quando exposta em plena falsidade – é capaz de enriquecer as outras. O filme não questiona a autenticidade de uma obra, mas sim o autêntico dentro do conceito de obra de arte. Suas sequências inspiradas no cinema silencioso satirizam o estilo da época, mas o fazem com índices muito claros de anacronismo, de revelação da “mentira”: a película é trocada pelo vídeo, o formato de tela passa do 1.33:1 original para o 1.85:1 moderno (introduzido no mercado somente em 1953). Da mesma maneira, Rafael – personagem de A Pele de Onagro supostamente inspirado no pintor Paul Potter e, por isso mesmo, índice de “veracidade” essencial – tem sua aparência completamente transformada na transposição do texto para a porção silenciosa do filme de Sarno: enquanto no romance ele é loiro e de cabelos cacheados, no filme ele é moreno, com uma barba fechada que mal deixa ver seu rosto. Com essas variações, Sarno faz um duplo

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OFICINAS

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O AUDIOVISUAL EM SALA DE AULA

A CRIAÇÃO NO CINEMA Ministrada por Geraldo Sarno - Cineasta

A oficina tem como propósito apresentar e discutir as possibilidades de uso pedagógico do audiovisual no contexto escolar a partir da coletânea Festas Populares de Salvador, material produzido pelo Núcleo Kabum Novos Produtores com o intuito de resgatar os múltiplos significados relacionados às festas populares. A coletânea, composta de um almanaque, um documentário, um CD com fotoclipes e um guia do educador traz à tona o universo simbólico e histórico das manifestações festivas tais como Santa Bárbara, Conceição da Praia, Santa Luzia, Boa Viagem, Lapinha, Bonfim entre outras, sendo uma interessante ferramenta para práticas pedagógicas que articulem conteúdos de História, Arte, Literatura, Geografia, Ciências Sociais e de Cultura Afro-Brasileira (lei 10.639), bem como com questões interdisciplinares relacionadas a temáticas de grandes áreas do conhecimento. Durante a oficina, a coletânea será distribuída aos participantes.

OFICINAS

O ensino de processos de criação artísticos seguramente se encontra mais numa área de provocação de estímulos e de demonstração de exemplos e revelação de casos do que numa área de transmissão de técnicas e artifícios do fazer. No entanto, não podemos esquecer que Gropius, com razão, na proposta do Bauhaus, já advertia que o domínio das técnicas do fazer é indispensável, embora não suficiente para a realização da arte. Sob esta pespectiva, a oficina tem como principal objetivo estimular a busca por processos próprios de criação. Pretende-se discutir, dentre outras, questões como: a linguagem audiovisual e sua importância no mundo contemporâneo; a criação de composições audiovisuais; e a maneira como a expressão audiovisual se manifesta em outras atividades artísticas, especialmente no romance, na poesia, no teatro.

Ministrada por Juliana Machado de Carvalho Coordenadora do Projeto Pelourinho Digital - Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia de Salvador

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VÍDEO COM CELULAR Ministrada por Maria Carolina, Tenille Bezerra e Daiane Silva - Projeto Lanterninha

Com o objetivo de aproximar a comunidade escolar dos signos que compõem a linguagem audiovisual, o Projeto Lanterninha desenvolveu um método de oficina de vídeo em celular que parte da unidade básica do cinema, o quadro, para um processo de sensibilização do olhar visando a composição do plano e posteriormente de uma narrativa audiovisual. Utilizando a câmera do celular como dispositivo de filmagem, problematizamos as diferentes formas de se relacionar com o “campo” e o “extra-campo”, além de viabilizar o domínio da técnica através de um suporte de fácil acesso a todos.


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CICLO DE CONFERÊNCIAS

Painéis

DOCUMENTÁRIO E FORMAS DE VIDA Documentário, entre a gestão e a potência da vida Cezar Migliorin (Universidade Federal Fluminense) Perspectivismo e documentário: da relatividade da verdade à verdade da relação André Brasil (Universidade Federal de Minas Gerais)

MÚSICA E INVENÇÃO NO DOCUMENTÁRIO A autoria no documentário José Francisco Serafim (Universidade Federal da Bahia) Trilha sonora no documentário Guilherme Maia (Universidade Federal do Recôncavo)

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Documentários musicais brasileiros - uma breve história e análise Ricardo Calil (cineasta e jornalista, diretor de Uma Noite em 67)


Mesas Redondas MESA REDONDA: CINEMA E EDUCAÇÃO

Daiane Silva (Projeto Lanterninha) Juliana Machado de Carvalho (Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia) Ana Paula Nunes (Projeto Cineducação – UFRB)

MESA REDONDA: OS POVOS INDÍGENAS NO DOCUMENTÁRIO BRASILEIRO

CICLO DE CONFERÊNCIAS

A mesa reúne especialistas da área do audiovisual que desenvolvem projetos com a comunidade escolar. Com a participação de representantes do Projeto Lanterninha – projeto que estimula o cineclubismo nas escolas e da Oi Kabum Escola de Arte e Tecnologia que forma jovens da escola pública na área das artes visuais e audiovisuais, além dos projetos de extensão de cinema e educação da UFRB, nesta mesa serão compartilhadas as experiências, conquistas e desafios do trabalho de inserção e uso do audiovisual na sala de aula.

A mesa discute a autorepresentação e os documentários sobre os índios do Brasil, a partir da exibição do documentário “Cineastas Índígenas” (Vincent Carelli, 2010, 31’), sobre a experiência do Vídeo nas Aldeias, projeto precursor na área de produção audiovisual indígena no Brasil, criado em 1987. Vincent Carelli (cineasta, realizador de “Corumbiara” e fundador do Vídeo nas Aldeias). Zezinho Yube (cineasta, realizador de “Kene: as voltas do Kene”) Philipi Bandeira (cineasta, realizador de “Espelho nativo”) Marcelo Pedroso (cineasta, realizador de “Pacific”, “Aeroporto” e colaborador do Vídeo nas Aldeias)

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Ficha Técnica Idealização, coordenação: Amaranta Cesar Coordenação: Ana Rosa Marques Curadoria da Mostra Cinema Sem Fronteiras: Amaranta Cesar Curadoria da Mostra Competitiva Nacional: Amaranta Cesar, Ana Rosa Marques e Moema Franca. Coordenação de Produção: Fernanda Pimenta Produção Executiva: Leonardo Costa e Renata Rocha Assistentes de Produção: Izadora Chagas e Renata Nascimento Assessoria de Comunicação: Jean Cardoso Design: Everton Marco; Tiago Ribeiro Desenvolvimento Web: Vinícius Rocha Tradução Mostra Cinema Sem Fronteiras: Moema Franca Fotos do site e do catálogo: Rita Lima, alunos da UFRB e Tiago Ribeiro Monitores: Camila Mota, Daniela Teixeira, Ellen Linth, Evelyn Sacramento, Gleydson Públio, Jessé Patrício, Laís Lima, Leandro Rodrigues, Lucas Reis, Raquel Castro Oficina de Celular: Maria Carolina, Tenille Bezerra e Daiane Silva Oficina O audiovisual em sala de aula: Juliana Machado de Carvalho Oficina A Criação no Cinema: Geraldo Sarno Vinheta: Ana Rosa Marques (edição); Diogo Nunes, Samir Suzart, Ivan Márcio e Daniel Nunes (imagens); Benjamin Reis (animação da marca), Tilson Santana (música) Nanook Ensemble: Direção Musical: Guilherme Maia e Cláudio Seixas Compositores: Paulo Santana, Vinícius Borges Amaro, André Pereira Fidelis, Alisson Gonçalves da Silva, Vítor Silva Rosa, Juliano Serravale e Gabriel Sobral

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Execução: Flauta: Regina Cajazeira; Clarineta: Vinícius de Souza Fraga; Oboé: Rodrigo; Fagote: Wruahy Mcmilian; Violinos: Mário Soares e Jeferson Souza; Viola: Alan Resedá; Violoncelo: Andre Eugênio Filho; Percussão: Hermógenes Araújo; Regência: Márcio Medeiros


Agradecimentos Alex Kaorner Simões Catherine Faudry (CineFrance) Cineclube Mario Gusmão Ciro Sales Cláudio Carvalho Moreira Colégio Estadual Ministro José Rabelo Cyntia Nogueira Danillo Barata Danilo Scaldaferri Débora Freire Diogo Nunes Georgina Gonçalves Geraldo Sarno Guilherme Maia Ingrid Maria Machado Ismael dal Zot Jean-Claude Bernadet Lourival Trindade Mary Kerr (The Robert Flaherty Seminar) Márcio Meirelles Mateus Damasceno Moema Franca Nadja Vladi Naiara Vieira Nicolas Klotz

Oi Kabum Escola de Arte e Tecnologia Paulo Costa Lima Paulo Gabriel Nacif Pola Ribeiro Professores e técnicos do CAHL Programa Vivência Comunitária - PVCOM Pró-reitoria de Extensão da UFRB Alunos do curso de cinema UFRB Projeto Cineducação Projeto Lanterninha Pró-reitoria de extensão UFRB Ricardo Calil Rita Dias Rita Gorette Randam Rita Lima Rodrigo de Oliveira Rosilda Santana Samir Suzart Silvana Olivieri Thomaz Farkas Tilson Santana Valdíria Rocha Vincent Carelli Xavier Vatin

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REALIZAÇÃO:

APOIO FINANCEIRO:

COLABORAÇÃO:


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